terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Eça & Outras, 25 de dezembro de 2014

A propósito de biografias

          Como historiador profissional que também se tem dedicado à biografia continuo a interrogar-me sobre a sua metodologia e valia cultural e social, para além do seu valor literário ou histórico. Desculpem-me este lembrar da minha própria oficina, mas com tal pretendo apenas dizer que terei alguma aptidão pessoal para avaliar as dificuldades da sua produção e do seu interesse para os leitores. Efetivamente, para além de aspetos das biografias de gente do povo e de alguns mais notáveis, nomeadamente os gaienses que deixaram bens desde o século XVI à Misericórdia do Porto, também já trabalhei a vida, a obra e a época de Mahamud (séc. IX); de J. M. Virginiano, escritor da Régua da 1.ª metade do século XIX; do Marquês de Soveral, Homem do Douro e do Mundo, expoente da diplomacia portuguesa; de William Wharthon Cassels, 1.º bispo anglicano da China Ocidental; de Adriano Ramos Pinto, mestre da Arte Publicitária e comerciante de vinhos de sucesso, de Artur Napoleão e seus irmãos Aníbal e Alfredo, músicos portugueses de nomeada, todos estes últimos da 2.ª metade do século XIX, encontrando-me agora empenhado na elaboração, em colaboração com a historiadora Susana Guimarães, da biografia do Visconde de Beire, herói da Guerra Peninsular, nascido no Solar Condes de Resende e bisavô dos filhos de Eça de Queirós. Creio pois ter algumas capacidades para refletir sobre o assunto.
         Antes de mais deixem-me lembrar-lhes que o exercício biográfico rigoroso é relativamente recente. Datará apenas do século XIX, com o Positivismo, a elaboração de uma metodologia própria para a sua escrita, primeiro das grandes personalidades da história pátria, como o fizeram, entre nós, Alexandre Herculano ou Oliveira Martins, e depois alguns outros, questionando os relatos antigos e a sua fundamentação, recuperando crónicas e textos postos de lado pelas mitologias romanceadas escritas ao longo dos tempos, se bem que continuemos a assistir nos dias de hoje à proliferação de “romances históricos”, que de históricos têm muito pouco, pois são meros exercícios de fantasia, ou de mais do mesmo, em volta de assuntos e personagens de sucesso garantido, trocando os seus autores, que as mais das vezes não têm formação para tal, o labor árduo e demorado da análise das fontes e do seu enquadramento épocal, pela ligeireza da mitomania apostada no sucesso imediato. Não é disso pois que aqui tratamos: uma biografia tem de procurar alicerçar-se em fontes sólidas, confrontar os relatos mais ou menos parciais que já existam e procurar dar-nos uma descrição credível, mas nem por isso menos atraente na leitura ou na descrição da pessoa, dos factos, do painel humano em que o biografado se moveu, quer na vida íntima, quer na sociedade.
         Vejamos o que um pensador do século XX disse sobre o exercício da escrita biográfica: para André Maurois, em Aspects de la Biographie. Paris: Au Sans Pareil, 1928, o biógrafo deve ter em mente três princípios fundamentais: 1 – a procura corajosa da verdade; 2 – preocupação com a complexidade da pessoa humana; 3 – reconhecimento de que a personalidade é qualquer coisa que tem a intangibilidade do arco-íris (citado por Matos, A. Campos, Dicionário Íntimo de Carlos da Maia (1890-1930)), Lisboa: Edições Colibri, 2014, p. 334, tradução). O biógrafo não é pois, nem deve ser, um ficcionista, como muito bem advertiu recentemente este autor, aliás numa notável obra de ficção (idem, idem, p. 382), «… é necessário ter cuidado com a veracidade do que escrevem os escritores sobretudo os ficcionistas. Estão sempre prontos a sacrificar a verdade dos factos se entenderem que esse sacrifício lhes traz vantagens de forma e efeitos de estilo, ou satisfações à sua vaidade».
         Logo, um biógrafo, repito, não é, nem pode ser, um ficcionista e a biografia das pessoas concretas que elabora, uma ficção. Deve antes, por entre a floresta dos factos disponíveis que vai encontrando, escolher os ramos mais significativos e com eles compor a paisagem de uma vida e a sua moldura que, com verdade, dê a conhecer aos leitores, tendo em conta que por mais completa e factual que ela seja, muitas coisas ficarão por contar, porque o ser humano é naturalmente complexo. E deixemos agora de lado as falsas biografias, as falsas autobiografias, as biografias laudatórias de pessoas vivas e até a ausência de biografia de quem não as quer.
         Tomando aqui um exemplo, ocorre-me o de Eça de Queirós que recusou com veemência que lhe escrevessem a biografia em vida mas que, ao longo do século XX, já teve oito ou nove biógrafos principais, alguns deles criando ou repetindo mitos sobre a sua vida, que desde então persistem em andar por aí, outros desmontando-os, acrescentando novos e desconhecidos factos, alguns descobertos muito recentemente, e que têm vindo a enriquecer a sua biografia e a permitir um maior e melhor conhecimento da sua obra, da sua época e das suas relações com o mundo.
         «Eu não tenho história, sou como a República do Vale de Andorra» (carta de Eça a Ramalho Ortigão de 10.11.1878). Se é certo que esta frase reflete a visão que o escritor queria que dele tivessem os seus contemporâneos, sabemos hoje que se trata de mais uma das suas muitas dissimulações: aquela república, bem assim como a de São Marino e até a de Portugal, país onde tanto se prezam os mitos e as fantasias, também têm história. Experimentem perguntar aos historiadores.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor


Aniversário de Eça de Queirós

O 169.º aniversário de Eça de Queirós foi comemorado no país com diversas manifestações culturais. Para além do capítulo da Confraria Queirosiana realizado no dia 22 de novembro no Solar Condes de Resende em Vila Nova de Gaia, e do jantar no Grémio Literário em Lisboa no dia 25 de novembro, precedido pela exibição de cenas do filme de João Botelho sobre Os Maias ali filmadas, comentadas pelo realizador e com a presença de alguns os atores e técnicos desta produção, nesse mesmo dia decorreu uma sessão comemorativa na loja Porto de Baião, na cidade do Porto, com a presença de José Luís Carneiro, presidente da Câmara Municipal de Baião, do mesário-mor da Confraria Queirosiana e outros confrades, de membros da direção da Fundação Eça de Queiroz e da Câmara de Amarante. Na ocasião foi apresentado o “Prémio Fundação Eça de Queiroz”, aberta ao público a mostra documental sobre “Eça de Queiroz – Teixeira de Pascoaes” e lançado o livro “Eça de Queiroz e a Casa de Tormes” de Secundino Cunha, o qual, no dia 28 de novembro seria também lançado na Biblioteca Municipal Rocha Peixoto da Póvoa de Varzim, onde foi apresentado pela Dr.ª Maria da Conceição Nogueira.
         Nesse mesmo dia foi também lançado no Museu Romântico da Quinta da Macieirinha no Porto a 2ª edição do livro “Os Maias – Antologia Ilustrada”, da autoria de Rui Campos Matos, um álbum sobre o romance com grande qualidade gráfica e interpretativa, lançado pela Editora Exclamação de Leça da Palmeira.
 Entre os dias 24 a 29 de novembro, com a presença de vários confrades, decorreu na Escola Secundária Eça de Queirós em Lisboa o XX Colóquio dos Olivais, organizado pelo Centro Cultural Eça de Queirós.

Livros, revistas e traduções

Correspondência queirosiana

        
Pela Colares Editora acaba de aparecer no mercado um novo contributo de A. Campos Matos para a publicação integral da epistolografia queirosiana, intitulado “Eça de Queiroz Correspondência (Adenda II)”, a complementar a edição publicada pela Caminho em 2008 e a “Adenda” [I], publicada pela Parceria A. M. Pereira em 2013. Desta vez trata-se da carta de Eça a Junqueiro a agradecer a sua recensão a O Primo Basílio escrita em 1878 e da versão integral de uma carta de Eça a Eduardo Prado da década de noventa, comentadas e enquadradas pelo autor.
         Estamos certos que A. Campos Matos continuará a surpreender-nos com outras importantes achegas para a compreensão da vida e obra do escritor, e que o seu labor terá o reconhecimento público que há muito merece.

Documentos queirosianos

         Pelo presidente da Associação Cultural Amigos de Gaia, Doutor Salvador Almeida, foi oferecida à Confraria Queirosiana uma cópia da Carta Patente da Nomeação de Eça de Queirós como cônsul de 1ª classe no Havre e Paris, a qual foi oferecida àquela associação aquando da sua última visita ao roteiro queirosiano francês. Esta cópia vem assim enriquecer o espólio documental da Confraria que conta já com cópias dos manuscritos de Eça existentes no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, para além de outros.

Ernestina, nova edição

        
Foi recentemente publicada pela Quetzal uma nova edição do romance autobiográfico “Ernestina”, de J. Rentes de Carvalho, que se apresenta com uma belíssima capa. Para além do seu valor literário – uma obra de referência da Literatura Portuguesa do século XX – é ao mesmo tempo o mais belo texto sobre o Centro Histórico de Gaia, relatando a sua vivência entre os anos trinta e a Segunda Grande Guerra, quando aqui chegava em veleiros portugueses o bacalhau da Terra Nova e daqui partia para todo o mundo o Vinho do Porto.


Telheiras

Acaba de ser publicado o n.º 7 da 2.ª série da revista “Telheiras – cadernos culturais. Lumiar – Olivais – Telheiras”, referente a novembro de 2014, dirigida por Fernando Andrade Lemos e José António Silva, com artigos dos diretores e dos confrades César Veloso e Alda Barata Salgueiro, entre muitos outros, sendo alguns de temática queirosiana, até porque esta revista é propriedade do Centro Cultural Eça de Queiroz/ Escola Secundária Eça de Queirós/ Centro Cultural de Telheiras, em Lisboa.

Eça em hebraico

         Através do realizador Amílcar Rodrigues foi-nos enviado o conto de Eça de Queirós “O Suave Milagre” traduzido para hebraico por Francisco da Costa Reis que, por sua vez, já tinha traduzido para a mesma língua o texto “Carta a Mr. Bertrand – Engenheiro na Palestina” do livro “Correspondência de Fradique Mendes”, publicado na revista “Moznaim” da Associação dos Escritores Hebraicos de Israel, em dezembro de 1999.

Salon d´Automne queirosano 2014
        
Durante os meses de novembro e dezembro esteve aberto ao público no Solar Condes de Resende o Salon d’ Automne queirosiano 2014 com obras de pintura, fotografia, escultura e cerâmica de Abel Barros, Angelina Rodrigues, António Pinto, António Rua, Beatriz Correia, Cerâmica do Douro, Emília Maia, Ilda Gomes, Susana Moncóvio e Valença Cabral. Alguns dos expositores são alunos do Curso de Pintura do Solar dirigido pela Prof.ª Paula Alves.
        

Cursos e Palestras

         Continua a decorrer no Solar Condes de Resende o curso sobre “História e Carisma da Região do Douro Atlântico (Gaia/Porto/Matosinhos), tendo sido conferencistas os professores Francisco Ribeiro da Silva, sobre o tema “O Porto e o seu Termo no período filipino” a 6 de dezembro, e António Barros Cardoso sobre “O Douro, o Porto e o Vinho – das origens à criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro” a 13 de dezembro.
          Continuou também nesta Casa, que celebra 30 anos de propriedade municipal, o ciclo de palestras mensais das últimas quintas-feiras do mês, no passado dia 27 de novembro com J. A. Gonçalves Guimarães a dissertar sobre “As tradições do Natal aos Reis”, tendo a 29 do mesmo mês este investigador apresentado no Salão Nobre da Misericórdia de Gaia o livro “António Almeida da Costa. Industrial. Humanista. Filantropo” da autoria de Fernando António da Silva Correia editado por aquela entidade.
         No dia 6 de dezembro, no Auditório Orlando Ribeiro em Telheiras, Lisboa, decorreram as XI Jornadas Históricas do Lumiar, organizadas pelo nosso confrade Fernando Andrade Lemos e seus colaboradores.
         No passado dia 20 de dezembro, Francisco Barbosa da Costa proferiu uma palestra sobre a Primeira Grande Guerra na abertura de uma exposição alusiva ao tema no Arquivo Municipal de Vila Nova de Gaia.
        
Património e cidadania

         Nos dias 12 e 13 de dezembro decorreu no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa o Encontro Internacional sobre os Municípios na Modernização Educacional e Cultural, patrocinado pela Secretaria de Estado da Cultura, a Fundação para a Ciência e Tecnologia e a Fundação Calouste Gulbenkian, onde estiveram presentes vários confrades queirosianos desta área. Na ocasião, Eva Baptista e Fátima Teixeira apresentaram a comunicação intitulada “Educação Cívica e Património Local (Atividade de Enriquecimento Curricular)” , baseada no projeto elaborado pelas autoras, em colaboração com J. A. Gonçalves Guimarães, no âmbito das ações educativas do Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR – Confraria Queirosiana, o qual se encontra em aplicação no âmbito das atividades extra-curriculares (AEC.s) em vários agrupamentos do Município de Vila Nova de Gaia , pretendendo os autores levá-lo agora a outros municípios do país.

Em Sintra

         No passado dia 13 de dezembro decorreu o IV capítulo da Confraria dos Sabores de Sintra no Palácio Nacional de Queluz, no qual a Confraria Queirosiana se fez representar pelo seu vice-presidente Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, estando igualmente presentes outros confrades. O jantar decorreu na cozinha velha daquele monumento nacional, no qual esteve presente o presidente da edilidade.
        
Deputada

         Assumiu recentemente as funções de deputada à Assembleia da República a nossa confrade Adelaide Canastro, integrando o grupo parlamentar do Partido Social Democrata. Solicitadora de profissão, no anterior mandato autárquico foi presidente da Junta de Freguesia de Canelas.
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Eça &  Outras,  IIIª. Série, n.º 76 – quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
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