Eça &
Outras, 25 de dezembro de 2014
A propósito de
biografias
Como historiador profissional que também se tem
dedicado à biografia continuo a interrogar-me
sobre a sua metodologia e valia cultural e social, para além do seu valor
literário ou histórico. Desculpem-me este lembrar da minha própria oficina, mas
com tal pretendo apenas dizer que terei alguma aptidão pessoal para avaliar as
dificuldades da sua produção e do seu interesse para os leitores. Efetivamente,
para além de aspetos das biografias de gente do povo e de alguns mais notáveis,
nomeadamente os gaienses que deixaram bens desde o século XVI à Misericórdia do
Porto, também já trabalhei a vida, a obra e a época de Mahamud (séc. IX); de J.
M. Virginiano, escritor da Régua da 1.ª metade do século XIX; do Marquês de Soveral, Homem do Douro e do
Mundo, expoente da diplomacia portuguesa; de William Wharthon Cassels, 1.º
bispo anglicano da China Ocidental; de Adriano Ramos Pinto, mestre da Arte
Publicitária e comerciante de vinhos de sucesso, de Artur Napoleão e seus
irmãos Aníbal e Alfredo, músicos portugueses de nomeada, todos estes últimos da
2.ª metade do século XIX, encontrando-me agora empenhado na elaboração, em
colaboração com a historiadora Susana Guimarães, da biografia do Visconde de
Beire, herói da Guerra Peninsular, nascido no Solar Condes de Resende e bisavô
dos filhos de Eça de Queirós. Creio pois ter algumas capacidades para refletir
sobre o assunto.
Antes de mais deixem-me lembrar-lhes
que o exercício biográfico rigoroso é relativamente recente. Datará apenas do
século XIX, com o Positivismo, a elaboração de uma metodologia própria para a sua
escrita, primeiro das grandes personalidades da história pátria, como o fizeram,
entre nós, Alexandre Herculano ou Oliveira Martins, e depois alguns outros, questionando
os relatos antigos e a sua fundamentação, recuperando crónicas e textos postos
de lado pelas mitologias romanceadas escritas ao longo dos tempos, se bem que continuemos
a assistir nos dias de hoje à proliferação de “romances históricos”, que de
históricos têm muito pouco, pois são meros exercícios de fantasia, ou de mais
do mesmo, em volta de assuntos e personagens de sucesso garantido, trocando os
seus autores, que as mais das vezes não têm formação para tal, o labor árduo e
demorado da análise das fontes e do seu enquadramento épocal, pela ligeireza da
mitomania apostada no sucesso imediato. Não é disso pois que aqui tratamos: uma
biografia tem de procurar alicerçar-se em fontes sólidas, confrontar os relatos
mais ou menos parciais que já existam e procurar dar-nos uma descrição
credível, mas nem por isso menos atraente na leitura ou na descrição da pessoa,
dos factos, do painel humano em que o biografado se moveu, quer na vida íntima,
quer na sociedade.
Vejamos o que um pensador do século XX
disse sobre o exercício da escrita biográfica: para André Maurois, em Aspects de la Biographie. Paris: Au Sans
Pareil, 1928, o biógrafo deve ter em mente três princípios fundamentais: 1 – a procura
corajosa da verdade; 2 – preocupação com a complexidade da pessoa humana; 3 –
reconhecimento de que a personalidade é qualquer coisa que tem a
intangibilidade do arco-íris (citado por Matos, A. Campos, Dicionário Íntimo de Carlos da Maia (1890-1930)), Lisboa: Edições
Colibri, 2014, p. 334, tradução). O biógrafo não é pois, nem deve ser, um
ficcionista, como muito bem advertiu recentemente este autor, aliás numa
notável obra de ficção (idem, idem, p. 382), «… é necessário ter
cuidado com a veracidade do que escrevem os escritores sobretudo os
ficcionistas. Estão sempre prontos a sacrificar a verdade dos factos se
entenderem que esse sacrifício lhes traz vantagens de forma e efeitos de
estilo, ou satisfações à sua vaidade».
Logo, um biógrafo, repito, não é, nem
pode ser, um ficcionista e a biografia das pessoas concretas que elabora, uma
ficção. Deve antes, por entre a floresta dos factos disponíveis que vai
encontrando, escolher os ramos mais significativos e com eles compor a paisagem
de uma vida e a sua moldura que, com verdade, dê a conhecer aos leitores, tendo
em conta que por mais completa e factual que ela seja, muitas coisas ficarão
por contar, porque o ser humano é naturalmente complexo. E deixemos agora de
lado as falsas biografias, as falsas autobiografias, as biografias laudatórias
de pessoas vivas e até a ausência de biografia de quem não as quer.
Tomando aqui um exemplo, ocorre-me o de
Eça de Queirós que recusou com veemência que lhe escrevessem a biografia em
vida mas que, ao longo do século XX, já teve oito ou nove biógrafos principais,
alguns deles criando ou repetindo mitos sobre a sua vida, que desde então
persistem em andar por aí, outros desmontando-os, acrescentando novos e desconhecidos
factos, alguns descobertos muito recentemente, e que têm vindo a enriquecer a
sua biografia e a permitir um maior e melhor conhecimento da sua obra, da sua
época e das suas relações com o mundo.
«Eu não tenho história, sou como a
República do Vale de Andorra» (carta de Eça a Ramalho Ortigão de 10.11.1878).
Se é certo que esta frase reflete a visão que o escritor queria que dele
tivessem os seus contemporâneos, sabemos hoje que se trata de mais uma das suas
muitas dissimulações: aquela república, bem assim como a de São Marino e até a
de Portugal, país onde tanto se prezam os mitos e as fantasias, também têm
história. Experimentem perguntar aos historiadores.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
Aniversário de
Eça de Queirós
O 169.º aniversário de Eça de Queirós
foi comemorado no país com diversas manifestações culturais. Para além do
capítulo da Confraria Queirosiana realizado no dia 22 de novembro no Solar
Condes de Resende em Vila Nova de Gaia, e do jantar no Grémio Literário em
Lisboa no dia 25 de novembro, precedido pela exibição de cenas do filme de João
Botelho sobre Os Maias ali filmadas, comentadas pelo realizador e com a
presença de alguns os atores e técnicos desta produção, nesse mesmo dia
decorreu uma sessão comemorativa na loja Porto de Baião, na cidade do Porto,
com a presença de José Luís Carneiro, presidente da Câmara Municipal de Baião,
do mesário-mor da Confraria Queirosiana e outros confrades, de membros da
direção da Fundação Eça de Queiroz e da Câmara de Amarante. Na ocasião foi
apresentado o “Prémio Fundação Eça de Queiroz”, aberta ao público a mostra
documental sobre “Eça de Queiroz – Teixeira de Pascoaes” e lançado o livro “Eça
de Queiroz e a Casa de Tormes” de Secundino Cunha, o qual, no dia 28 de novembro
seria também lançado na Biblioteca Municipal Rocha Peixoto da Póvoa de Varzim,
onde foi apresentado pela Dr.ª Maria da Conceição Nogueira.
Nesse mesmo dia foi também lançado no
Museu Romântico da Quinta da Macieirinha no Porto a 2ª edição do livro “Os Maias
– Antologia Ilustrada”, da autoria de Rui Campos Matos, um álbum sobre o
romance com grande qualidade gráfica e interpretativa, lançado pela Editora
Exclamação de Leça da Palmeira.
Entre os dias 24 a 29 de novembro, com a
presença de vários confrades, decorreu na Escola Secundária Eça de Queirós em
Lisboa o XX Colóquio dos Olivais, organizado pelo Centro Cultural Eça de
Queirós.
Livros, revistas
e traduções
Correspondência
queirosiana
Pela
Colares Editora acaba de aparecer no mercado um novo contributo de A. Campos
Matos para a publicação integral da epistolografia queirosiana, intitulado “Eça
de Queiroz Correspondência (Adenda II)”, a complementar a edição publicada pela
Caminho em 2008 e a “Adenda” [I], publicada pela Parceria A. M. Pereira em
2013. Desta vez trata-se da carta de Eça a Junqueiro a agradecer a sua recensão
a O Primo Basílio escrita em 1878 e da versão integral de uma carta de Eça a
Eduardo Prado da década de noventa, comentadas e enquadradas pelo autor.
Estamos certos que A. Campos Matos
continuará a surpreender-nos com outras importantes achegas para a compreensão
da vida e obra do escritor, e que o seu labor terá o reconhecimento público que
há muito merece.
Documentos
queirosianos
Pelo presidente da Associação Cultural
Amigos de Gaia, Doutor Salvador Almeida, foi oferecida à Confraria Queirosiana
uma cópia da Carta Patente da Nomeação de Eça de Queirós como cônsul de 1ª classe
no Havre e Paris, a qual foi oferecida àquela associação aquando da sua última
visita ao roteiro queirosiano francês. Esta cópia vem assim enriquecer o
espólio documental da Confraria que conta já com cópias dos manuscritos de Eça
existentes no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, para além
de outros.
Ernestina,
nova edição
Foi recentemente publicada pela Quetzal
uma nova edição do romance autobiográfico “Ernestina”, de J. Rentes de
Carvalho, que se apresenta com uma belíssima capa. Para além do seu valor
literário – uma obra de referência da Literatura Portuguesa do século XX – é ao
mesmo tempo o mais belo texto sobre o Centro Histórico de Gaia, relatando a sua
vivência entre os anos trinta e a Segunda Grande Guerra, quando aqui chegava em
veleiros portugueses o bacalhau da Terra Nova e daqui partia para todo o mundo
o Vinho do Porto.
Telheiras
Acaba de ser publicado o n.º 7 da 2.ª
série da revista “Telheiras – cadernos culturais. Lumiar – Olivais – Telheiras”,
referente a novembro de 2014, dirigida por Fernando Andrade Lemos e José
António Silva, com artigos dos diretores e dos confrades César Veloso e Alda
Barata Salgueiro, entre muitos outros, sendo alguns de temática queirosiana,
até porque esta revista é propriedade do Centro Cultural Eça de Queiroz/ Escola
Secundária Eça de Queirós/ Centro Cultural de Telheiras, em Lisboa.
Eça
em hebraico
Através do realizador Amílcar Rodrigues
foi-nos enviado o conto de Eça de Queirós “O Suave Milagre” traduzido para
hebraico por Francisco da Costa Reis que, por sua vez, já tinha traduzido para
a mesma língua o texto “Carta a Mr. Bertrand – Engenheiro na Palestina” do
livro “Correspondência de Fradique Mendes”, publicado na revista “Moznaim” da
Associação dos Escritores Hebraicos de Israel, em dezembro de 1999.
Salon d´Automne queirosano
2014
Durante os meses de novembro e dezembro
esteve aberto ao público no Solar Condes de Resende o Salon d’ Automne queirosiano
2014 com obras de pintura, fotografia, escultura e cerâmica de Abel Barros,
Angelina Rodrigues, António Pinto, António Rua, Beatriz Correia, Cerâmica do
Douro, Emília Maia, Ilda Gomes, Susana Moncóvio e Valença Cabral. Alguns dos
expositores são alunos do Curso de Pintura do Solar dirigido pela Prof.ª Paula
Alves.
Cursos e
Palestras
Continua a decorrer no Solar Condes de
Resende o curso sobre “História e Carisma da Região do Douro Atlântico
(Gaia/Porto/Matosinhos), tendo sido conferencistas os professores Francisco
Ribeiro da Silva, sobre o tema “O Porto e o seu Termo no período filipino” a 6
de dezembro, e António Barros Cardoso sobre “O Douro, o Porto e o Vinho – das
origens à criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro” a
13 de dezembro.
Continuou também nesta Casa, que celebra 30
anos de propriedade municipal, o ciclo de palestras mensais das últimas
quintas-feiras do mês, no passado dia 27 de novembro com J. A. Gonçalves
Guimarães a dissertar sobre “As tradições do Natal aos Reis”, tendo a 29 do
mesmo mês este investigador apresentado no Salão Nobre da Misericórdia de Gaia
o livro “António Almeida da Costa. Industrial. Humanista. Filantropo” da
autoria de Fernando António da Silva Correia editado por aquela entidade.
No dia 6 de dezembro, no Auditório
Orlando Ribeiro em Telheiras, Lisboa, decorreram as XI Jornadas Históricas do
Lumiar, organizadas pelo nosso confrade Fernando Andrade Lemos e seus
colaboradores.
No passado dia 20 de dezembro,
Francisco Barbosa da Costa proferiu uma palestra sobre a Primeira Grande Guerra
na abertura de uma exposição alusiva ao tema no Arquivo Municipal de Vila Nova
de Gaia.
Património e
cidadania
Nos dias 12 e 13 de dezembro decorreu no
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa o Encontro Internacional sobre
os Municípios na Modernização Educacional e Cultural, patrocinado pela
Secretaria de Estado da Cultura, a Fundação para a Ciência e Tecnologia e a
Fundação Calouste Gulbenkian, onde estiveram presentes vários confrades
queirosianos desta área. Na ocasião, Eva Baptista e Fátima Teixeira
apresentaram a comunicação intitulada “Educação Cívica e Património Local
(Atividade de Enriquecimento Curricular)” , baseada no projeto elaborado pelas
autoras, em colaboração com J. A. Gonçalves Guimarães, no âmbito das ações
educativas do Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR –
Confraria Queirosiana, o qual se encontra em aplicação no âmbito das atividades
extra-curriculares (AEC.s) em vários agrupamentos do Município de
Vila Nova de Gaia , pretendendo os autores levá-lo agora a outros municípios do
país.
Em Sintra
No passado dia 13 de dezembro decorreu o
IV capítulo da Confraria dos Sabores de Sintra no Palácio Nacional de Queluz,
no qual a Confraria Queirosiana se fez representar pelo seu vice-presidente
Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, estando igualmente presentes outros
confrades. O jantar decorreu na cozinha velha daquele monumento nacional, no
qual esteve presente o presidente da edilidade.
Deputada
Assumiu recentemente as funções de
deputada à Assembleia da República a nossa confrade Adelaide Canastro,
integrando o grupo parlamentar do Partido Social Democrata. Solicitadora de
profissão, no anterior mandato autárquico foi presidente da Junta de Freguesia
de Canelas.
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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 76 – quinta-feira, 25 de dezembro
de 2014
Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154
IBAN: PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www .queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.pt; eca-e-outras .blogspot .pt;
vinhosdeeca.blogspot.pt; academiaecadequeiros.blogspot.pt; coordenação da
página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção:
Amélia Cabral; colaboração: A. Campos Matos; Salvador Almeida; Fernando Andrade
Lemos; Amílcar Rodrigues; Luís Manuel de Araújo.
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