sexta-feira, 24 de abril de 2015

Eça & Outras, sábado, 25 de abril de 2015

Entregues à bicharada

            Meus amigos, eu não tenho qualquer pretensão de ter a ciência certa das coisas ou de ser uma autoridade no que quer que seja. Muito pelo contrário vivo em permanente dúvida metódica à procura da realidade possível quer no meu tempo, como cidadão participativo, quer no que diz respeito ao passado, condição base do exercício da minha profissão de arqueólogo e historiador. Ao longo da vida tenho-me deparado com monumentais patranhas que passam por verdadeiras, quase nunca inocentes, ou apenas fruto da burrice de quem as propala. Normalmente são divulgadas para vender uma ideia, um local, uma instituição, cujos promotores confiam na falta de capacidade ou de tempo por parte do público para quem as dirigem, para este as interrogar, as comparar, as confirmar. E assim se vão propalando mitos e lendas sem o menor sentido crítico, nomeadamente pelos setores ligados ao Turismo, que acham que o turista é uma espécie de pateta alegre em trânsito que come o que se lhe põe à frente, tira muitas fotografias, não leu nada sobre o sítio antes da prosa que lhe disponibilizam nos flyers e quando chegar a casa, entre os postais e as t-shirts que comprou, não vai interrogar a veracidade das informações que lhe deram. Já em determinada circunstância me encomendaram um texto sobre determinado aspeto histórico, acrescentando que, para além de rapidez na sua elaboração, não valeria a pena estar “com muitas investigações pois era para turistas”. Ao encomendante escapava que a seriedade na minha profissão é um valor a ter em conta e que um texto pode, ao mesmo tempo, ser agradável e correto. Mas adiante.
            Nos últimos tempos, por azar meu, tenho tropeçado em imenso lixo cultural servido em bandejas de prata ou quase. Ele são os imaginários Caminhos de Santiago (que tão bem aproveitam ao turismo galego); as gastronomias henriquinas que espantariam o próprio Infante, pois de algumas delas nunca poderia ter ouvido falar; Egas Moniz, o Aio, que, além de não ter ido a Leão com qualquer corda ao pescoço (tal foi inventado no século XIII, muito depois da sua morte), terá frequentado a Escola Médica de Lisboa e foi prémio Nobel (a sério! Isto estava no site de uma junta de freguesia!); a carqueja que vinha do Brasil e era levada para uns armazéns de Vinho do Porto que nunca existiram (isto foi publicado recentemente num jornal de grande tiragem!); a “história” de um certo concelho em redondilha maior publicada pele câmara local, a qual seria hilariante se não tivesse custado dinheiro aos contribuintes; Eça a escrever “A Cidade e as Serras” em Baião, certamente num bloco de apontamentos; um jornal que relata os divertimentos de uma escola secundária em volta da memória de D. Pedro I, o do século XIV, e o designer ilustra os dados biográficos do dito com a imagem do D. Pedro I do Brasil, quarto de Portugal, com a sua farda do século XIX; uma outra câmara que promove o erro histórico, há muito plenamente rebatido, da falsa naturalidade de Fernão de Magalhães, só porque um jornalista estrangeiro que investigou mal o caso tal escreveu; o «não digas que D. Afonso Henriques terá nascido em Viseu que os de Guimarães levam a mal»; monumentos geridos pelo Estado onde dificilmente encontraremos alguma literatura sobre o mesmo, mas lá estão as habituais “preciosidades literárias” ao lado dos galos de Barcelos, etc, etc. Chega. Não, não se trata apenas de erros, de mitos e lendas para as criancinhas serem treinadas na escola da falta de rigor e do “vale tudo” para subir na vida. Ele trata-se de um fenómeno mais grave que é o da chegada ao poder local, regional e nacional da geração da fotocópia, do jogo do “sabichão” e das suas mais recentes adaptações à internet e mesmo ao telemóvel. O alardear de umas coisinhas culturais, sem qualquer enquadramento ou espírito crítico, promovidas depois a “património” por qualquer vendedor da banha da cobra bem estabelecido.
            Convém notar que já não estamos no século XIX, quando Garrett ou Consiglieri Pedroso recolhiam as lendas populares para não se perderem as estorietas que a insuficiência de instrução então ainda repetia, vindas diretamente da oralidade ou, talvez o mais certo, vindas das poucas leituras acríticas de algum clero e letrados do passado. Valiam como Literatura e base de trabalho antropológico ou mesmo arqueológico. Depois daqueles eruditos mais alguns outros, até ao presente, continuaram a fazer criteriosas recolhas, de relatos onde a insuficiência de escola, o preconceito, ou pura e simplesmente a ignorância, são por demais evidentes, mas não os embandeirando em arco numa inexistente “história (com h) oral”, que, a existir, colocaria a cultura europeia ao nível da dos povos caçadores-recoletores. Depois da democratização do ensino e da difusão do positivismo, que vieram trazer o exercício da interrogação e as chaves das interpretações, persistir na utilização acrítica da História, nacional ou local, é emoldurar a ignorância e querer oferecê-la como prenda às gerações vindouras. Já Eça de Queirós nos anos sessenta do século XIX tinha constatado que « ( …entre nós, a mentira é um hábito público. Mente o homem, a política, a ciência, o orçamento, a imprensa, os versos, os sermões, a arte, e o país é todo ele uma grande consciência falsa. Vem tudo da educação.» (Uma Campanha Alegre). E esse desgraçado hábito tem sido por demais evidente na História e nas outras Ciências Sociais, onde muitos dos seus profissionais muitas vezes agem mais como clérigos do ritual do que como cientistas da análise e da conclusão.
Antigamente havia um grande problema com a conservação dos livros de papel que eram roídos pelos bichos, vários invertebrados que assim destruíam os textos e as gravuras privando-nos da sua totalidade ou, pelo menos, de boas partes do seu conteúdo; agora há outras formas de conservar os textos, de os analisar e divulgar, mas continuamos “entregues à bicharada” do nosso tempo, muito mais difícil de expurgar e já profundamente entranhada no papel de parede do nosso tecido cultural.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria


In memoriam
Humberto Baquero Moreno


           Faleceu no passado dia 5 de abril o Professor Doutor Humberto Baquero Moreno, um dos fundadores do Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia, desde 2004 Gabinete de História, Arqueologia e Património (GHAP) integrado na Confraria Queirosiana. O ilustre finado nasceu em Lisboa em 1934 e era licenciado em História e Filosofia, diplomado em Ciências Pedagógicas e doutor em História da Idade Média pela Universidade de Lourenço Marques. Foi professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e vice-reitor da Universidade Portucalense, tendo sido também diretor do Arquivo Distrital do Porto e da Torre do Tombo. Membro da Academia Portuguesa da História e de outras instituições nacionais e internacionais deixa grande obra sobre a Idade Média portuguesa.
            Irmanados na recordação do seu professor, diretor, orientador e amigo, os atuais corpos gerentes dos ASCR-CQ e os coordenadores e colaboradores do Gabinete de História, Arqueologia e Património apresentaram a sua esposa e filho as suas sentidas condolências tendo estado representados no seu funeral pelo presidente da direção, José Manuel Tedim, e pelo coordenador do GHAP, J. A. Gonçalves Guimarães, para além de outros consócios e confrades.

Eça no Brasil

            Desta vez pela mão de Carlos Reis, professor da Universidade de Coimbra, Eça de Queirós esteve no Brasil em grande destaque no programa “Minha língua, minha pátria. Dois países, uma semana, dez autores”, portugueses e brasileiros, promovido pelo jornal Público na Livraria Cultura em São Paulo entre 10 e 15 de abril passados. Inaugurado com a conferência “Eça de Queirós ou a língua como pátria ausente”, aquele investigador aí aludiu às «incompreensões e mesmo atitudes de rejeição crítica com que foi brindado pelos compatriotas, no país fechado e mentalmente limitado que Portugal era, no século XIX», e ainda ao seu «… horror pelo purismo e pela vernaculidade conservadora» do tratamento da língua, situação que, em muitos casos, hoje se repete escusadamente, dizemos nós.
            A ouvi-lo na plateia, entre muitos outros, estiveram Elza Miné, especialista brasileira na obra do escritor, e Maria Adelaide Amaral, adaptadora de Os Maias para a Rede Globo em 2001.
            Foram ainda lembradas as edições em folhetim das obras de Eça no Brasil e a crítica que Machado de Assis lhes fez e que o escritor considerou nas edições seguintes.
            O programa prosseguiu com os restantes escritores a apresentarem as suas obras (Informação retirada do jornal Público).

Atividades culturais

            No passado dia 1 de abril na Universidade Portucalense o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, proferiu uma conferência sobre “Um desafio à criatividade na Política”, seguida de debate.
            No dia 11 de abril uma delegação de sócios e confrades dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, a convite da Confraria da Doçaria Conventual de Tentúgal, deslocou-se a esta linda terra do Mondego a qual, se é certo que é conhecida pelos seus doces, não o deveria ser menos pelo seu património histórico e artístico. Nesta terra de D. Sesnando, os visitantes foram recebidos pela Dr.ª Olga Cavaleiro, presidente da direção daquela Confraria, tendo em seguida visitado a igreja da Misericórdia, o convento do Carmo e a igreja do Mourão, onde o Prof. José Manuel Tedim falou sobre a arte coimbrã da Renascença, seguindo-se a visita a uma unidade de fabrico dos célebres pastéis, onde os viram confecionar e os degustaram. O jantar decorreu na Quinta das Lágrimas, promovido pelo Rotary Club de Coimbra-Sul, após o qual J. A. Gonçalves Guimarães falou aos presentes sobre “O Porto e os seus mitos”.
            No dia 18 de abril Eduardo Vítor Rodrigues foi moderador num colóquio sobre “O problema das crianças hiperativas” que teve lugar no Mosteiro de Corpus Christi em Gaia e no qual participou também o médico psiquiatra e psicanalista Jaime Milheiro, que falou sobre “Uma criança a crescer”, além de outros intervenientes.
            O Dia Internacional dos Monumentos e Sítios (18 de abril) foi comemorado pelo Solar Condes de Resende através da sua participação no Encontro do Castelo. Histórias e Memórias de Crestuma, organizado pela associação CRASTUMIA e pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR-Confraria Queirosiana (GHAP) o qual se realizou na sede da Junta de Freguesia de Crestuma, tendo reunido para cima de sessenta participantes. Foram palestrantes, entre outros, António Manuel Silva, que falou “Para além do Castelo: revisitando o património arqueológico de Crestuma” e, em colaboração com J. A. Gonçalves Guimarães, sobre “Arqueologia do Castelo de Crestuma: desafios e novidades”. A sessão terminou com Fátima Teixeira sobre “A Companhia de Fiação de Crestuma. Cem anos de história: novos contributos”. No átrio da junta de freguesia estará exposta durante um mês a exposição itinerante “Castelo de Crestuma: a Arqueologia em busca da História”, organizada pelo GHAP com o patrocínio das Águas e Parque Biológico de Gaia.
            No próximo dia 30 de abril, J. A. Gonçalves Guimarães, nas habituais palestras da última quinta-feira do mês do Solar às 21,30 horas, falará sobre “As Guerras Coloniais: uma visão pessoal de historiador”.
            Para o mês que se segue, entre outras atividades, está prevista a participação dos funcionários e investigadores tarefeiros membros do GHAP da Confraria Queirosiana no 1º Encontro de História e Património de Mafamude, organizado pelos Amigos de Gaia e pela respetiva junta de freguesia, que decorrerá a 16 de maio, sábado, e onde serão palestrantes, entre outros, J. A. Gonçalves Guimarães sobre “Bibliografias de mafamudenses ilustres”; Maria de Fátima Teixeira sobre “A indústria têxtil em Mafamude”; Licínio Santos sobre “Cultura e lazer operário em Mafamude no final da Monarquia ao início da República (1893-1914); Susana Moncóvio sobre “O escultor Joaquim Gonçalves da Silva (1863-1912): a propósito da estátua funerária “A Dor”, no cemitério de Mafamude”; Teresa Campos Santos sobre “Paulino Gonçalves: um pintor de Mafamude”; Nuno Gomes Oliveira sobre “Viveiros da Quinta da Telheira, Santo Ovídio – a biodiversidade perdida”; Eva Baptista sobre “O legado Mourão: vicissitudes da criação de uma escola em Mafamude, concelho de Vila Nova de Gaia”; Sílvia Santos, sobre “A indústria do vidro em Mafamude no século XIX; e J. A. Gonçalves Guimarães; Fátima Teixeira e Eva Baptista sobre “Educação Cívica e Património Local (Atividade de Enriquecimento Curricular). Potencialidades da sua implementação em Mafamude”.

Livros e autores

A. Campos Matos           

Deverá aparecer em breve no mercado livreiro o novo “Dicionário de Eça de Queiroz”, organizado e coordenado por A. Campos Matos e editado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, o maior e mais completo repositório de análises sobre o universo queirosiano jamais publicado, fruto do trabalho de toda uma vida a tal dedicada, que irá continuar a oferecer-nos nos próximos tempos novidades sobre esta temática em outras obras de sua autoria.




J. Rentes de Carvalho

   “Pó, Cinza e Recordações” é o novo livro de J. Rentes de Carvalho que será lançado no próximo mês de maio em edição da Quetzal. Escrito entre 1999 e 2000, no dealbar do novo milénio, o autor, no seu estilo tão peculiar, brinca seriamente com a sua eternidade possível e com a dos outros.
     Sobre este escritor passou no dia 7 de abril um documentário na RTP2 intitulado “Memórias do Século XX: J. Rentes de carvalho – Tempo Contado” de António Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira, parcialmente filmado no Solar Condes de Resende.
    Entretanto a casa onde nasceu em 1930 em Vila Nova de Gaia, situada no Monte dos Judeus, encontra-se à venda, procurando a Confraria Queirosiana que a mesma seja transformada num polo cultural de uma área do Centro Histórico de Gaia que carece de beneficiação urbana e social, e onde a memória do local, do escritor e das relações entre Portugal e a Holanda, sejam preservadas e dinamizadas. A proposta pretende que tal programa seja apadrinhado pela autarquia local e pelas empresas de Vinho do Porto. Entretanto numa recente visita ao local o mesário-mor da Confraria Queirosiana propôs que a câmara retire o pouco sensato nome de Monte Coimbra com que no final dos anos vinte do século passado procurou fazer esquecer a designação do antigo nome de Monte dos Judeus pelo qual sempre foi e é conhecido.

Joaquim Santos

Jornalista profissional em Leiria e colaborador desta nossa página virtual, é também autor de vários livros dos quais agora nos apresenta “Dispersos sentimentos” (textos poéticos em prosa e verso) com ilustrações de Rui Martins; “Quilate de Sentimentos” (poemas), com ilustrações de Sandrine Vieira, e “Portugal precisa de um Salvador”, uma parábola política, também com ilustrações de Sandrine Vieira, todos editados pela Inforletra no final de 2014.


Outras

Assembleia Geral da FAMP

            Decorreu no passado dia 18 de abril no Museu Soares dos Reis no Porto a Assembleia Geral da Federação Amigos dos Museus de Portugal, na qual está filiada a associação Amigos do Solar Condes de Resende-Confraria Queirosiana, que teve a representá-la o membro diretivo Carlos Sousa.
            O próximo encontro mundial, onde estará presente a Federação portuguesa, decorrerá na cidade do México de 11 a 14 de junho próximo.

Em frente das pirâmides

Viagem ao Egito queirosiano

            Como previsto e divulgado nesta página, decorreu entre os dias 26 de março e 6 de abril passado mais uma viagem ao Egito queirosiano guiada pelo professor da Universidade de Lisboa e diretor da Revista de Portugal, o egiptólogo Luís Manuel de Araújo, a qual se realizou com plena satisfação dos que nela participaram.
            Segue-se a visita aos grandes museus na Europa com coleções egípcias, entre 13 e 23 de agosto e, no final do ano, a visita à Terra Santa queirosiana, entre 26 de dezembro e 3 de janeiro.

Exposição de retratos

            Na próxima terça-feira, dia 28 de abril, pelas 18 horas, abre ao público na galeria da Biblioteca Municipal de Cinfães, uma exposição de retratos do pintor Major Simões Duarte, uma mostra selecionada das suas obras em que predominam a figura feminina e a maternidade em vários continentes.

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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 78 – sábado, 25 de abril de 2015
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN:PT50001800005536505900154;Email:queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Arquivo Solar Condes de Resende; José Manuel Tedim; A. Campos Matos; J. Rentes de Carvalho; Joaquim Santos; Luís Manuel de Araújo; Faraó & Companhia blogue.