quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Os Direitos do Homem na obra de Eça de Queirós
Celebra-se a 10 de dezembro o dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos, evocativo da data de 1948 em que a assembleia geral das Nações Unidas proclamou os seus princípios destinados então a evitar que voltassem a ocorrer os horrores da 2.ª Grande Guerra. Este documento foi o corolário de uma longa caminhada iniciada com o Código de Hamurábi no século XVIII antes da era corrente, a que se seguiu o Cilindro de Ciro II de 539 a. C., os códigos de cidadania e o conceito de direito natural romano, os princípios filosóficos igualitários do Cristianismo desde a Alta Idade Média, a Magna Carta inglesa de 1215, os princípios filosóficos de Locke, Hobbes e Rousseau, a Declaração da Virgínia (EUA) de 12 de junho de 1776; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão saída da Revolução Francesa em 1789 e, já depois daquela primeira declaração, a Convenção Europeia do Direitos Humanos de 1950. Mas ainda hoje estes princípios são pontualmente postos em causa ou violados nas suas tendências de liberdade, igualdade e fraternidade e na protecção da pessoa humana contra prepotências várias exercidas pelos diversos poderes um pouco por todo o mundo.
            Sendo conhecido que Eça de Queirós retratou nos seus romances muitas questões sociais em volta dos ambientes domésticos ou das sociedades urbanas e rústicas do seu tempo, onde as mudanças chegavam devagar e a mundividência era uma miragem, mas onde mesmo aí espelha a situação dos mais pobres e dos marginalizados, noutros escritos não ficcionais aborda claramente a situação das crianças, dos doentes, dos inválidos, dos deficientes, dos velhos, dos incapazes, dos pobres e carenciados, dos escravizados, dos famintos, dos presos, dos desempregados, dos espoliados, dos perseguidos. Não será difícil encontrar em algumas das suas obras – e porventura mais exemplos nas menos conhecidas – alusões diretas ao drama humano da falta de direitos, havendo mesmo uma delas – o conto S. Cristóvão – que é uma verdadeira e genial metáfora à capacidade individual de superação do sofrimento físico e social através da contínua redenção contra todas as adversidades. Escrita na última década da sua vida, e publicado a primeira vez em edição póstuma, dirão alguns: uma bela metáfora literária, um belo conto de natal, mas longe das realidades da vida. Mas para que servirá a Literatura se não para ser a síntese admirável, artística e universal das duras prosas da vida, capaz de ser entendida por todos os que lêem, quando o tema é grande e a linguagem é bela? Só a Arte trata a miséria humana em imagens que nos impulsionam, não a aceitá-la como inevitável e irresolúvel, mas antes a querer dirimi-la como má memória a abater. Os “realismos”, contraditoriamente, banalizam-na, podendo levar-nos a virar-lhe a cara na hora de agir ou ao engano de a considerar alheia quando ela nos é irmã.
            Num outro texto da mesma época - «A Rainha», publicado em 1898 -  escreveu claro e direto sobre os direitos humanos remetendo à compassividade esmoler de D. Amélia «a presença angustiosa das misérias humanas, tanto velho sem lar, tanta criancinha sem pão, e a incapacidade ou indiferença de monarquias e repúblicas para realizar a única obra urgente do mundo – a “casa para todos, o pão para todos”». Dir-me-ão que são textos da maturidade, do final da vida, quando Eça se dizia um «…vago anarquista entristecido, idealizador, humilde, inofensivo», a dois anos de distância da sua morte física. Mas estas suas convicções de profunda e verdadeira preocupação pelos direitos humanos vinham já desde a juventude, ou pelo menos do início da vida adulta, certamente pelas suas próprias vivências e convicções, mas também pelas reflecções sobre a leitura de textos de Augusto Comte, Victor Hugo, Proudhon, Renan, Taine, e ainda Darwin, Bakunin e Marx.
            Num extenso e bem fundamentado relatório que elaborou em 1874 (aos vinte e nove anos) para o seu chefe, o ministro dos Negócios Estrangeiros, termina com as seguintes palavras «discutida a emigração assalariada nas suas correntes e nos seus resultados sociais, eu julgo terminado este trabalho, que é a afirmação, e direi mesmo a apologia, da emigração como força civilizadora». Ainda hoje é um texto muito pouco conhecido, pois só foi publicado em 1979 por Raúl Rego, que o intitulou justamente com as últimas palavras atrás citadas: «A Emigração como Força Civilizadora», tendo depois mais duas edições preparadas por Isabel Pires de Lima Se é certo que o tema central é o resultado da sua experiência consular em Havana entre 1872 e 1874, onde teve um papel ativo na defesa dos direitos dos emigrantes chineses escravizados pelos fazendeiros espanhóis, os princípios que o informam são muito mais universalizantes e intemporais, considerando-os «criadora ciência e, pelos seus movimentos grandiosos e fecundos, uma força civilizadora na humanidade», concluindo e prognosticando que «A liberdade política sincera, o derramamento da instrução, a moderação dos impostos, a acessibilidade à propriedade, a desamortização da terra, a liberdade industrial, a criação fecunda da vida comercial – eis o que fixa o homem ao seu solo». Ou seja, preconizando a aplicação concreta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não apenas para os da sua etnia, credo ou tradição cultural, mas para todos os habitantes do planeta, os atuais descendentes dos hominídios que nele deambulam desde remotas eras em busca de um concreto e inadiável paraíso terrestre.
           
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Eventos passados
Honoris Causa
Recentemente foram agraciados com o grau de Doutor honoris causa dois ilustres queirosiano. Assim, no dia 26 de novembro         na Aula Magna da Universidade de Sófia Kliment Ohridski (Bulgária), por proposta da sua Faculdade de Filologia Clássica e Moderna foi distinguida Isabel Pires de Lima, Professora Emérita da Universidade do Porto e convidada de diversas outras universidades europeias, africanas, americanas e asiáticas, que no ato dissertou sobre «O poder das Humanidades: o lugar da Literatura». No dia 11 de dezembro, no salão nobre da reitoria da Universidade do Porto, no encerramento das comemorações do seu primeiro centenário e por proposta da sua Faculdade de Letras, foi outorgado aquele grau ao escritor Mário Cláudio, autor de mais de 60 títulos publicados nos seus 50 anos de vida literária, tendo estado presente ao ato o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.



            No dia 27 de novembro celebraram-se no Porto na sede da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos (O.V.A.R.) os 50 anos desta instituição com um dia aberto à comunidade subordinado ao tema «Diálogo sobre o sistema prisional» e uma sessão solene de homenagem aos fundadores com a edição de uma publicação alusiva, que procura dar a conhecer esta problemática de tão transcendente importância na sociedade portuguesa atual, bem assim como as dificuldades com que se deparam os voluntários visitadores e ainda alguns testemunhos sobre a reinserção social dos detidos. A esta sessão estiveram presentes vários confrades queirosianos, nomeadamente o presidente da O.V.A.R., Eng. Manuel Hipólito Almeida dos Santos, o mesário-mor J. A. Gonçalves Guimarães e o presidente da Obra Diocesana de Promoção Social, Dr. Manuel Maria Moreira.

A delegação da Confraria Queirosiana (fotografia de Susana Moncóvio)

             No passado dia 1 de dezembro decorreu em Arouca o capítulo anual da Confraria Gastronómica da Raça Arouquesa, tendo estado presente uma delegação da Confraria Queirosiana composta pelo mesário-mor J. A. Gonçalves Guimarães, os membros da direcção Susana Moncóvio e António Pinto Bernardo e os confrades Ricardo Haddad e António Pinto. As cerimónias decorreram no Convento de Arouca e o almoço foi servido no restaurante de uma quinta deste concelho adaptada ao Turismo Gastronómico. Da ementa, para além da vitela, foram servidos outros mimos do cardápio arouquense.

Museu do Douro
No dia 3 de dezembro, Manuel de Novaes Cabral, presidente do conselho de fundadores do Museu do Douro entre 2011 e 2018, recebeu naquela instituição duriense o título de fundador honorário, materializado numa escultura de Norberto Jorge.


            No dia 9 de dezembro ocorreu em Lisboa, no Teatro da Trindade do Inatel, a estreia da longa-metragem de Francisco Manso intitulada «O Nosso Cônsul em Havana», anteriormente passada em série televisiva na RTP. Nesta versão, para além do tema, salientemos a rara beleza das imagens encantatórias, filmadas em Portugal e em Cuba, já habitual nos filmes deste realizador, mas também uma melhor afinação de aspectos biográficos de Eça de Queirós que tinham sido demasiadamente ficcionados nos episódios da série. Este filme aborda a acção humanitária do escritor em prol dos escravos chineses que trabalhavam para os fazendeiros espanhóis da cana do açúcar, tendo como base o relatório que elaborou em 1874, mas que apenas foi divulgado por Raúl Rego em livro em 1979 e intitulado “A Emigração como Força Civilizadora”, um dos poucos escritos não ficcionais de Eça, para além dos de índole epistolar e jornalística.
            Com casa cheia, festejando o realizador, os atores e a equipa técnica, entre muitos outros convidados, estiveram presentes vários confrades queirosianos: para além do próprio realizador, assistiram a esta estreia o mesário-mor J. A. Gonçalves Guimarães, o vice-presidente da direcção Luís Manuel de Araújo, o ex-Secretário de Estado das Comunidades José Luís Carneiro, e o chefe da Casa Real portuguesa D. Duarte Pio.

Caminhos de Santiago
         No dia 10 de dezembro decorreu na Universidade Portucalense um seminário sobe “O Porto nos Caminhos de Santiago: cidade de partida e de passagem”, realizado em parceria com o Albergue de Peregrinos do Porto. Foram palestrantes, entre outros, José Manuel Tedim sobre “O Porto nos Caminhos de Santiago” e Joel Cleto sobre “Da intolerância à construção de uma unidade europeia: o longo Caminho de Santiago”.

Árvore de Jessé
            No dia 14 de dezembro, pelas 18 horas, a convite da Câmara Municipal do Porto e do provedor da Ordem Terceira de São Francisco, Professor Doutor Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, o professor e teólogo Doutor Abel Canavarro e o professor e historiador da Arte, Doutor Nuno Resende, falaram sobre o retábulo que representa a Árvore de Jessé existente na igreja de S. Francisco, «um dos seus exemplares mais exuberantes» de quantos se conhecem, no programa “Um objecto e seus discursos por semana», organizado pela Casa do Infante / Câmara Municipal do Porto.

Prémio Virgílio Ferreira
         Na passada sexta-feira 20 de dezembro o júri do Prémio Literário Virgílio Ferreira 2020, instituído pela Universidade de Évora, distinguiu Carlos Reis, professor catedrático da Universidade de Coimbra, onde leciona Literatura Portuguesa, Teoria da Literatura e Estudos Queirosianos, coordenador do Centro de Literatura Portuguesa e conhecido ensaísta especializado em Literatura Portuguesa dos séculos XIX e XX e Teoria da Narrativa, além de professor convidado de várias universidades estrangeiras. O prémio será entregue em cerimónia a convocar para o efeito para 1 de março, dia da morte do seu patrono.


Autores e Livros

            Vindo do Recife, chegou-nos um novo livro de Dagoberto Carvalho J.or intitulado «Posta-Restante». Como outros da sua safra anual de recordações, vivências e afetos, este apresenta muitos dos passos das suas deambulações queirosianas, lembrando «Noventa anos de Campos Matos»; «Eça e o solar queiroziano de Aveiro»; «No capítulo da Confraria Queirosiana de Vila Nova de Gaia, Portugal» (com fotografia de Dagoberto na mesa que presidiu a 24 de novembro de 2018); «Outras notícias queirosianas: Campos Matos e “Eça de Queiroz segundo Fradique Mendes”»; «Na “Estação de Caldas de Aregos” com Eça de Queiroz»; de novo «Eça de Queiroz segundo Fradique Mendes» e «António Alberto de Amaral Coutinho Calheiros Lobo». Como escreveu num dos textos deste livro de bela capa – outra constante das suas obras - «que todos os outros - e são muitos – se deixem por eles representar nesta página». Na contracapa a sua foto com Cristina Carvalho no Solar Condes de Resende, sorrindo cúmplices a Eça e Emília na casa onde estes se enamoraram.

Roteiro Literário da Foz
            No dia 1 de dezembro na capela de Nossa Senhora da Conceição na Foz do Douro, Manuel de Novaes Cabral apresentou a 2.ª edição do “Roteiro Literário da Foz” de José Valle de Figueiredo e do “Mapa Literário da Foz” de Joaquim Pinto da Silva, numa iniciativa da União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde.

Gravuras de Leiria
            No dia 8 de dezembro, no Celeiro da Casa do Terreiro em Leiria decorreu o lançamento do magnífico álbum editado por “Hora de ler” intitulado «Leiria. O século XIX em gravuras» de Ricardo Charters d’Azevedo, que à sua terra natal tem dedicado várias publicações que dão a conhecer o seu passado e as suas potencialidades nos domínios do Património Cultural, como é o caso de um outro livro anterior intitulado «Leiria e as Invasões Francesas» também apresentado na ocasião.



No passado dia 21 de dezembro teve lugar no auditório do Solar Condes de Resende o lançamento de um novo livro da autoria de Francisco Barbosa da Costa, intitulado “Retalhos da Minha Vida”. Assumidamente autobiográfico, o autor percorre com o olhar das lembranças a sua terra natal e muitos dos seus familiares e conterrâneos desde a infância, passando pelo seu percurso profissional como professor, o serviço militar, a dedicação autárquica, a missão política de deputado, o dirigente associativo e o homem público presente em todas estas valências.

Exposições

Prato comemorativo da inauguração da Ponte da Arrábida (fotografia de Susana Guimarães)

            No Solar Condes de Resende, nas salas de exposições temporárias, encontra-se patente ao público desde 23 de novembro uma exposição de oito dezenas de Pratos-Souvenir em faiança e porcelana da Coleção de Fernando de Oliveira Pinho (1910-1996), vindos de várias cidades de países da Europa, América, Ásia e Oceânia, com representação de paisagens, monumentos, instituições, figuras, heráldica, acontecimentos e comemorações. Para além dos motivos que fazem deles Pratos-Documento, podem ainda ser constatadas as produções de fábricas famosas, como a Vista Alegre, e as diferentes técnicas de pintura ou estampagem dos motivos, monocromáticos e em policromia. A curadoria da exposição é de Susana Guimarães.

Próximos eventos
Vidros tardo-romanos
             Amanhã, quinta-feira, dia 26 de dezembro, na habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês, o arqueólogo e mestre em Arqueologia, Joaquim F. Ramos, dando seguimento aos estudos que têm vindo a ser realizados sobre os materiais recolhidos em escavações arqueológicas no Castelo de Gaia, apresentará publicamente o seu mais recente trabalho sobre «O Vidro Tardo-Romano da Igreja do Bom Jesus de Gaia.
            O vidro foi sempre um elemento presente no quotidiano do homem desde as primeiras notícias da sua descoberta até aos dias de hoje. Em época tardo-romana não era diferente: depois da invenção do processo de soflagem (vidro soprado), tornou-se um material versátil, de acesso fácil e com várias utilidades, acumulando principalmente a função de utensílio de cozinha e serviço de mesa.
            Este espólio vítreo é bastante diferenciado, tendo sido recolhidos fragmentos de vários tipos de objetos com diferentes formas e particularidades. Assim sendo, esta apresentação focar-se-à nos fragmentos da Antiguidade tardia, apresentando o trabalho desenvolvido até ao momento no Solar Condes de Resende.

Curso sobre Revoluções e Constituições
No próximo mês de janeiro, no sábado dia 4, prossegue no Solar Condes de Resende o curso livre sobre Revoluções e Constituições com a 6.ª sessão sobre «A Revolução de Setembro (1836/1837) no Portugal liberal», por Jorge Fernandes Alves, professor da FLUP, seguindo-se a 18 a 7.ª sessão sobre: «O outro lado das Revoluções (1820-1919)» por Nuno Resende Mendes, também professor daquela faculdade.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 136, quarta-feira, 25 de dezembro de 2019; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio Santos; colaboração : , Joaquim Ramos, Susana Guimarães; Susana Moncóvio.