sexta-feira, 25 de junho de 2010

Eça & Outras

DÁRIO CASTRO ALVES … JOSÉ SARAMAGO…

No passado dia 6 de Junho partiu em Fortaleza, Ceará, a juntar-se àqueles que tanto amaram a língua e a cultura portuguesa, o embaixador Dário Castro Alves, um dos maiores admiradores, degustadores e divulgadores da obra e beleza queirosianas.

Descendente de colonizadores portugueses, a matriz lusógina afirmou-se nele ao longo de toda uma vida repartida entre a carreira diplomática e o cultivo da brasileira portugalidade, ou da portuguesa brasileirania, numa perspectiva universalista. Quando se reformou em 1983 e tinha o cargo de cônsul-geral no Porto, optou por ficar em Portugal e pela dupla nacionalidade, aqui permanecendo até 2003.

Foi membro do Centro Nacional de Cultura, da Academia das Ciências de Lisboa, do Círculo Eça de Queirós, da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Grémio Literário, da Confraria do Vinho do Porto e de outras instituições culturais portuguesas, tendo tido uma empenhadíssima acção na consolidação da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP) e foi um dos criadores em 1993 da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento no Mundo da Língua Portuguesa, cujo principal objectivo é a sua divulgação como um dos idiomas universais.

Nascido em Dezembro de 1927, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1949, ingressando depois, no serviço diplomático, tendo passado por Buenos Aires, Nações Unidas em Nova Iorque, Moscovo, Roma, Organização dos Estados Americanos em Washington e Lisboa.

Além de tradutor de Pushkin, publicou vários livros dedicados à temática queirosiana, entre eles Era Lisboa e Chovia (1984); Era Tormes e Amanhecia (1992); Era Porto e Entardecia (1994) e O Vinho do Porto na obra de Eça de Queirós (2001). Foi casado com a escritora Dinah Silveira de Queiroz e, após ter enviuvado, casou com Rina Bonadier, sua antiga secretária. Após a morte desta em 2002, regressou a Fortaleza, tendo mantido o contacto epistolar com os muitos amigos portugueses. Em 2008 foi homenageado em Brasília.

A sua imagem que ilustra este necrológio, foi trabalhada a partir da fotografia que dele fez Emanuel Pimenta, que partilhou com os amigos a opinião de que o embaixador Dário Castro Alves «era uma daquelas pessoas que nunca deveriam morrer».

O mesmo disseram outros também de José Saramago, que partiu em Lanzarote no passado dia 18 de Junho. Em vão buscamos alguma ponte de ligação entre os romances do prémio Nobel e os de Eça de Queirós. E não tinham que ter: em Saramago não há ironia, mas apenas a tragédia da condição humana e da nossa orfandade perante a indiferença da matéria cósmica.

Não sei mesmo se Saramago apreciava os escritos de Eça ou se alguma vez se lhe referiu e em que tom. Mas há um fio condutor que entretanto me ocorreu e que talvez valesse a pena explorar: o Caím de Saramago poderá ter nascido também no conto de Eça “Adão e Eva no Paraíso” naquela frase interrogativa «Mas não sei se vos felicite, oh Pais veneráveis!» (por terem dado origem à humanidade através de Abel e Caím e outros). Mas ali não há lugar a felicitações, não tanto a Adão e a Eva, presentes nesta estória porque, sem eles, ela não existia, mas a Deus, perdão, a deus. Há ainda outras semelhanças entre alguns pontos dos dois textos: Saramago refere, logo no princípio do capítulo 1 que «não lhes saía uma palavra da boca nem emitiam ao menos um simples som primário que fosse» enquanto Eça, mais generoso, anota que «Adão solta(va) roucas exclamações, gritos… vozes gaguejadas, em que por instinto reproduz(ia) outras vozes, e brados, e toadas…» (penúltimo parágrafo do capitulo 1.º). Mas entre os humanos progenitores de Eça e o seu filho Caim de Saramago falta um elo importantíssimo que muitos literatos terão lido, mas que não o admitirão facilmente em público: referimo-nos à História Universal da Pulhice Humana, 1º volume: Pré-historia, por José Vilhena, publicado em 1960, onde as estórias de Caim, e das primeiras sociedades e desilusões humanas, são contadas com incrível humor, não queirosianos por certo, talvez mais junqueiriano, por este humorista nascido em Figueira de Castelo Rodrigo em 1927, e que Rui Zink dignificou em 1989 com a sua tese de mestrado “O humor de bolso de José Vilhena 1960-1974”. Os puristas de tudo, os defensores de virgindades alheias, talvez achem pouco literária esta “árvore genealógica” da novela de Saramago, mas tenham paciência, se há qualquer coisa que o escritor nos ensinou foi que somos danados para inventar bezerros d’oiro para nosso proveito e para os outros adorarem. Enfim, este Junho vai negro…

Ainda que nunca os tenha encontrado pessoalmente, quer Dário Castro Alves quer José Saramago, creio que a memória de ambos permanecerá viva entre todos aqueles que partilham, ou não, a sua visão do mundo através dos livros que nos deixaram para folhearmos com gosto, ou com desgosto, mas não indiferentes, até quando todos nos encontrarmos suavemente numa boa nuvem desse incomensurável nada que é o Universo. Aí não haverá livros para ler. Aproveitem pois enquanto podem, mesmo que os não apreciem. É que lá, na nuvem, também já não se poderá dizer mal do que alguém um dia escreveu.

J. A. Gonçalves Guimarães

A AMANTE HOLANDESA

Continuam a chegar ao público ledor as obras completas de J. Rentes de Carvalho pela mão da Quetzal, ao ritmo de dois volumes por ano. Depois de Com os Holandeses e de Ernestina, é agora a vez da reedição de um dos seus mais desconcertantes romances publicado em 2003 e com várias edições na Holanda. Imaginem um homem simples de Trás-os-Montes a imaginar um romance com uma bela holandesa, cosmopolita, culta, que ali foi parar àquele mundo em trabalho e que, ao tratá-los com natural humanidade, mais acentuou o contraste com a sua solidão. O resto está no livro.





FLAUBERT E QUEIROZ



A Livros Horizonte, com o patrocínio da Fundação Eça de Queiróz, acaba de publicar Madame Bovary de Gustave Flaubert e o Primo Basílio de Eça de Queiroz, de Dominique Sire, investigadora francesa bolseira da Fundação Calouste Gulbenkien, e que A. Campos Matos traduziu, um ensaio que estabelece «a espantosa afinidade de Eça com Flaubert… mas também as posições tão divergentes que ambos sustentaram quanto ao propósito social desse realismo», ressaltando ainda «a inimitável originalidade do nosso autor», conforme ressalta o tradutor na nota introdutória.



SANTO ANTÓNIO



Tal como também fez seu bisavô, António Eça de Queiroz deu-lhe agora para escrever vidas de santos, começando pelo seu homónimo, o Santo António de Lisboa e de Pádua, o primeiro da tríade celeste do mês de Junho que abençoa os folguedos e os etc… Para além de um gosto familiar, legítimo como qualquer outro, supomos que o motivo será o mesmo para ambos os escritores: cansados da biografia de tantos medíocres nos altares da fama desta nossa sociedade, foram ambos à procura de seres excepcionais pela sua capacidade de doação e abnegação. E Santo António é um desses seres maiores, agora pela escrita de António Eça de Queiroz e editado pela Guerra & Paz.



EÇA E O VINHO VERDE

A Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho (APHVIN/GEHVID) e a Confraria do Vinho Verde acabam de publicar as Actas do 1.º Congresso Internacional de Vinho Verde, realizado em 2007, que apresentam trabalhos de vários investigadores sobre este vinho, entre os quais um estudo de J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães intitulado «O Vinho Verde na Obra de Eça de Queirós» a partir da exaustiva análise da obra do escritor, da crítica às obras dos seus comentadores e biógrafos, e do recurso às fontes documentais existentes no Solar Condes de Resende, limpando assim a exegese queirosiana de alguns aspectos que lhe não pertencem de todo, e não só no que diz respeito ao Vinho Verde, o terceiro mais referido pelo autor de A Cidade e as Serra, mas não nesta obra.

CONTOS TRADICIONAIS

No passado dia 29 de Maio, Anabela Mimoso apresentou na Biblioteca Municipal de Gaia os seus mais recentes livros: Contos Tradicionais Açorianos de Teófilo Braga e, para os mais novos, Aquela Palavra Mar, os quais foram comentados por Rosário Girão, professora da Universidade do Minho.

CONFRADES QUEIROSIANOS DISTINGUIDOS

Carlos Reis, professor catedrático da Universidade de Coimbra e Reitor da Universidade Aberta foi convidado para presidir à Fundação José Saramago.

A 1 de Junho a escritora Beatriz Pacheco Pereira, directora do Fantasporto, foi distinguida com o Premio Mérito Carreira da Gala dos Eventos que decorreu no Hotel Sheraton no Porto.

No passado dia 10 de Junho o Presidente da República agraciou com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique a ex-ministra da Cultura, deputada e professora catedrática de Literatura, Isabel Pires de Lima.

CONFERÊNCIA QUEIROSIANA

No passado dia 17 de Junho, na abertura do 17º Festival Internacional de Música de Gaia, que decorreu no Auditório Municipal, organizado pelo Conservatório Regional de Musica de Gaia com o apoio do município e de outras entidades, Mário Vieira de Carvalho, professor da Universidade Nova de Lisboa e ex- secretário de estado da Cultura fez uma conferência sobre “ A República e as mudanças na cultura musical”. No final do concerto o Maestro Mário Mateus dirigiu a “ Invocação dos Lusíadas” de Viana da Mota.

EÇA REVISITADO NO SOLAR


No passado dia 19 de Junho, os alunos do Curso Profissional de Técnicos de Turismo da Escola Básica e Secundaria de Canelas, Vila Nova de Gaia, interpretaram no Solar Condes de Resende alguns exercícios escolares sobre a vida, época e obra de Eça de Queirós e de outros autores da mesma geração.

TOMAR CAFÉ OU NÃO

Os tempos não estão para cortesias tolas. Não quero ir tomar café com Benjamin Netanyahu e Ehud Barak por estarem a piorar as condições de vida dos prisioneiros do campo de concentração de Gaza perante a passividade da comunidade internacional; nem com Sarah Ferguson, por a senhora duquesa das banalidades não saber que o vinho em excesso não é desculpa para actos indignos; nem com Tony Hayward director da BP a empresa que está a matar o Golfo do México.
Tomaria café com Carlos Alexandre, o magistrado que não tem tido medo do papão político; com Carlos Alberto de Sousa Monteiro o magistrado atento aos exemplos dos “Frei Tomás” da nossa política; com Rui Tavares para conversarmos sobre os seus textos e a sua proposta de bolsa de investigação.

Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 22 – Sexta, 25 de Junho de 2010
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154; IBAN:PT50001800005536505900154;
Email : queirosiana@gmail.com; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.