sexta-feira, 25 de maio de 2012

Eça & Outras

As fitas da Queima

Nestes dias em que é suposto os estudantes universitários estarem a estudar, redundância escusada pois o que fará um estudante senão estudar, talvez possamos refletir sobre essa festarola anual que dá pelo nome de Queima das Fitas e que não diz respeito apenas aos matriculados no ensino superior, mas a toda a sociedade por vários e óbvios motivos: ela é oriunda de instituições pagas pelo Estado (ensino público) ou por ele comparticipado (ensino privado); ocupa a via pública de algumas cidades pelo menos meio dia e não deixa o cidadão dormir algumas noites quando este mora perto dos “queimódromos”; é suposto ser uma época de júbilo pelo facto de milhares de cidadãos obterem o seu certificado pré-profissional; é um ponto de convergência de alguns interesses significativos das universidades e politécnicos, de empresas, das famílias e do turismo.
Não é pois um acontecimento qualquer e quem isto escreve nem sequer o faz com o distanciamento necessário: já fui, e sempre serei, estudante universitário, mesmo depois de já ter sido professor; já tive vinte e poucos anos e sei como isso é bom; também já cometi alguns excessos de júbilo ao longo da vida. De modo que não estou a escrever qualquer diatribe contra os estudantes, os jovens, a queima ou a universidade, mas apenas a refletir, a tentar compreender e depois opinar a quem interesse, se possível com proveito. É certo que eu sou de uma geração que se interrogou sobre a Queima e o que ela representava. Quando acabei a licenciatura na Faculdade de Letras da Universidade do Porto no início dos anos oitenta do século passado houve duas manifestações paralelas: a “tradicional” Queima das Fitas e a contracorrente Teima das Pitas, denominação inspirada no facto de serem as colegas de Línguas as acérrimas defensoras da primeira sem tirar nem pôr. Ou seja, tínhamos consciência de que algo estava mal, que mesmo a “tradição” bebida em Coimbra e no In Illo Tempore do Trindade Coelho tinha de ser questionada, até porque o mundo não para e porque lhe estavam associadas praticas que com ela nada tinham a ver: a nível interno os privilégios e compadrios nas comissões de estudantes, associações e federações que os levavam a gastarem dinheiro público à tripa-forra com a conivência das instituições e, por outro lado, os inefáveis patrocínios das empresas de bebidas que assim distribuíam acidentes mais ou menos graves e comas alcoólicos a jovens que até aí só bebiam gasosas e mazagrãs. E, em último caso, porque achávamos que um estudante universitário devia chegar ao fim do curso com algum espírito crítico sobre as coisas que o rodeiam, sem obviamente deixar de gostar da camaradagem com os seus pares, de uma boa festança, de um fado gemido à Lua ou mesmo do trajo identificador da sua condição, o qual, tendo começado por ser branco no batismo e na comunhão solene, era agora negro para ambos os sexos, porque a sabedoria é hermafrodita.
Ao mesmo tempo interrogávamo-nos porque é que havia cursos de primeira e de segunda para a mesma área do saber: não seria melhor pôr aquilo por escalões em que se começasse por aprender o b a bá, perdão, o BÊ A BA (estamos a falar de universidades e politécnicos!) e depois, os que tivessem interesse, capacidade, dinheiro ou bolsas (estas por mérito, obviamente) lá chegariam aos mestrados e doutoramentos? Já então nos arrepiava a fatiação das licenciaturas em super-especializações logo a partir do primeiro ano, sem que o estudante conhecesse minimamente o universo da área do saber que queria aprender para exercer uma profissão. Espantava-nos que os colegas de outras faculdades quase nada soubessem sobre a evolução histórica e o enquadramento dos seus cursos no mundo, mas isso logo percebemos que era exigir aos professores erudição e capacidade pedagógica que muitos deles não tinham e também aquilo a que se chama mundividência das coisas. Sabíamos que havia excelentes entendidos na teoria do parafuso, mas que não sabiam quando ele tinha sido inventado e mesmo qual seria a sua utilidade prática no mercado do trabalho que nos esperava. E essa era outra questão que então muito nos interessava, mas que nenhum professor abordava nas aulas: obtido o “canudo” como é que íamos exercer a profissão? Quais as regras de inserção profissional? Quem definia como a exerceríamos? Estas perguntas não eram obviamente iguais em todos os cursos, mas eram transversais a todos os finalistas. Aquelas profissões que tinham “ordens” tinham a questão meia facilitada, os outros não.
Tudo isto gerava revolta e indignação nos estudantes, até porque muitos supunham que, com o “canudo” na mão, a sociedade tinha de continuar a sustentá-los, ou seja, dar-lhes emprego. Mas a preocupação ou a indignação dos estudantes nunca preocupou muito os poderes, até porque normalmente não anda articulada com os verdadeiros problemas sociais. É uma coisa só deles.
Já no seu tempo Eça de Queirós escreveu: «Os estudantes, geralmente, têm a revolta muito fácil, mas muito curta. E desde que os barulhos são feitos unicamente por estudantes, a ordem renasce de repente, quando uma madrugada eles se sentem esfalfados de tanto berro e de tanto encontrão, e recolhem-se a casa para mudar de roupa e de entusiasmo» (Cartas de Paris, Bilhetes de Paris), como se viu com a geração de Maio de 68 e a de Coimbra de 69: eles estão hoje no poder e o mundo está pior do que era porque a curteza de vistas pequeno burguesa não soube dar consistência ao sonho de um mundo realmente melhor. Eles eram realmente e só «os meninos com a China na bota e o papá na algibeira» como cantou o tonitruante Ary dos Santos, então metido com outros engarrafadores de sonhos a haver.
Passada a recente “Queima”, recuperados das farras próprias de gente com vinte e poucos anos, e depois de esquecidos alguns dos equívocos culturais e sociais que estamparam nos carros do cortejo porque nenhum, ou muito poucos, dos seus professores lhes disseram para que é que efetivamente serve o parafuso que tão bem descreveram nas suas cábulas, só desejo que os finalistas acordem cedo, que lavem bem a cara, que se olhem no espelho e respondam a si próprios com verdade a estas questões: “ouve lá ó doutor, o que é que aprendeste? O que é que sabes fazer? Para que é que serves? Quem é que te vai dar trabalho?”.
Se souberam responder nem que seja só a três destas questões podem realmente queimar as fitas e então um grande éférreá para vocês, meus caros jovens colegas, e bem vindos à luta pela vida. Os outros podem continuar em frente do espelho à espera da fada madrinha da infância de onde ainda não saíram e da qual não haverá licenciatura, mestrado, doutoramento ou pós-doutoramento que os tire. E provavelmente cantarão o “quero ficar sempre estudante” de um sonho que ficará gasto no tempo.

J. A. Gonçalves Guimarães

Livros e textos

Guia do Cabedelo

No passado dia 7 de Maio na Reserva Natural Local do Estuário do Douro, mais conhecida por Cabedelo, situado na freguesia gaiense de Canidelo, foi lançado o seu Guia, coordenado pelo nosso confrade, diretor desta reserva e do Parque Biológico de Gaia, Nuno Gomes Oliveira, que na ocasião se referiu à importância do ato e do livro que coroam um esforço persistente de 30 anos na defesa e proteção desta área de conservação da Natureza.
Prefaciado por Luís Filipe Menezes o livro apresenta vários estudos escritos em linguagem acessível e muito ilustrada, da Geologia à Biologia passando pela Arqueologia e pela História. Nele colaboraram, entre outros confrades, Nuno Gomes Oliveira - «Estuário do Douro ano após ano» e «30 anos de conservação da Natureza no Estuário do Douro», e J. A. Gonçalves Guimarães e António Manuel Silva - «Arqueologia, Etnologia e História do Cabedelo».
O coordenador desta edição e deste acontecimento ambiental concedeu ao jornal O Publico uma vigorosa entrevista no dia 13 de Maio passado onde comentou com desassombro os projetos que estiveram previstos para dar cabo daquela zona e que, felizmente, não foram implementados.

 
Porto Romântico

No passado dia 9 de Maio, no campus da Foz da Universidade Católica do Porto foram lançados os dois volumes das Atas do I Congresso O Porto Romântico, que ali decorreu no ano passado, coordenadas por Gonçalo de Vasconcelos e Sousa.
Num total de mais de mil páginas os investigadores presentes publicaram um notável painel sobre as manifestações sociais, politicas, económicas, artísticas e culturais do período romântico e alguns de entre eles, vindos de algumas escolas e áreas do saber onde não é feita exegese teórica sobre o conhecimento histórico, apresentaram mesmo manifestações pós-românticas, ou tidas como tal, até às primeiras décadas do século XX!
De entre os muitos autores presentes encontramos os artigos dos confrades queirosianos José Augusto Maia Marques - «Da Vida e da Morte: Associações Mutualistas no Porto Romântico»; Nuno Resende (com Ana Cristina Correia de Sousa) - «“Os Brilhantes do Brasileiro”, uma visita à família dos ourives Mourão», no I volume; e J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães - «Aspetos românticas na vida do 1.º Visconde de Beire», onde se analisam as dimensões teóricas e cronológicas do Romantismo e aspetos biográficos do bisavô dos filhos de Eça de Queirós, no II volume.

Discípulo de Eça

J. Rentes de Carvalho,
por Adélio Martins, 2012



Do blogue Kyrieeleison-jcm transcrevemos esta passagem de um texto assinado por JCM sobre a republicação recente de O Rebate de José Rentes de Carvalho: «O Portugal de O Rebate vem na continuidade do Portugal de A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz. Onde, todavia, Eça mitifica e prodigaliza de virtudes essa cultura particular e castiça, Rentes de Carvalho desconstrói e manifesta a sua natureza distópica e totalitária. Esse Portugal ruralizado não é apenas um país tecnologicamente atrasado, mas um universo mesquinho, cruel e doentio. O Rebate é, em última análise, o diagnóstico, com a crua exposição dos sintomas, de uma doença que corrói o país. Fará ainda sentido, passados 40 anos da publicação original e com as transformações sociais e políticas que ocorreram, ler Portugal através desta obra? Se se abandonar a descrição totalitária e nos concentrarmos na natureza da cultura, descobrimos que, para lá do verniz que os mas media e a integração na União Europeia trouxeram, dificilmente se deixa de ser aquilo que se é. Os campos despovoaram-se, as cidades encheram-se, bem como as escolas e as universidades. Isso significa, porém, que o campo invadiu a cidade, tomou conta das escolas e transformou a universidade naquilo que se vê nas Queimas das Fitas, nos espetáculos de música pimba que tanto alegram os nossos estudantes e nas monumentais bebedeiras a que se entregam. A aldeia desapareceu para invadir tudo e de tudo tomar conta. A dinâmica da perversidade que Rentes de Carvalho retratou disseminou-se e age difusamente até naqueles sítios onde a imparcialidade e a universalidade deveriam ser a pedra-de-toque».
Entretanto Adélio Martins, pintor amador de Leça do Balio, Matosinhos, admirador de José Rentes de Carvalho, leitor de todos os seus livros publicados e do seu blogue tempo contado pintou recentemente o retrato do escritor que acima se reproduz. Tendo-lhe oferecido, o autor de O Rebate aceitou-o e mandou integrá-lo no seu espólio da Confraria Queirosiana existente no Solar Condes de Resende, onde passou a ficar exposto ao público.

Notícias

Diz-me d’eças

Nos dias 25 e 26 de Maio no Teatro Rivoli do Porto os atores António Machado e Philippe Leroux apresentaram «um ensaio partilhado com o público, que vai ficando crescentemente surpreendido com a atualidade de textos tão antigos… de Eça, Aquilino, Camões, Pessoa e muitos outros».
Será que alguém foi ver o “ensaio” e o quererá comentar neste blogue?

Atividades

Mitos do tango

No próximo dia 9 de Junho, sábado decorrerá no Solar Condes de Resende uma ação de formação intitulada “Mitos do Tango” dividida em duas partes: às 17 horas uma tertúlia sobre o tema, com entrada livre; às 22 horas “Milonga”, por inscrição prévia. A formação será ministrada pelos professores Inês Tabajara, Patrícia Santos, Carlos Cabral, Pedro Pimenta e implica inscrição prévia. A organização é dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana.

Arqueologia

Escavações em Crestuma

Pelo terceiro ano consecutivo o Gabinete de História, Arqueologia e Património (ASCR-CQ) vai realizar escavações no Castelo de Crestuma, Vila Nova de Gaia, com o patrocínio da empresa Águas e Parque Biológico de Gaia EEM, para o que está a organizar uma equipa profissional de arqueólogos aceitando ainda inscrições de estudantes de Arqueologia.
Os resultados desta intervenção têm sido apresentados em diversos colóquios e congressos e deverão ser publicados nas respetivas atas.

Brindar com Porto

Dietrich Fischer-Dieskau, que elevou ao supremo a voz masculina; Miguel Portas, pela sua generosidade nas causas em que acreditava.

Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 45 – Sexta-feira, 25 de Maio de 2012
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN:PT50001800005536505900154;Email:queirosiana@gmail.com;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.