sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Eça & Outras

Ainda há novidades sobre Eça de Queirós?

       «Vocês lá na Confraria Queirosiana, no Solar Condes de Resende, lá vão divulgando a vida e obra de Eça de Queirós …, mas, para além disso, têm acrescentado alguma coisa ao que já se sabe, têm corrigido erros transmitidos de texto em texto, têm feito mais alguma coisa do que o divulgar?». Esta questão foi-nos assim posta recentemente, e nem nos competiria a nós responder-lhe, pois, ao tal fazer, parece aquela, sempre suspeita, defesa em causa própria. Poderíamos simplesmente responder: veja o que desde 2002 temos feito em termos de estudos, participação em congressos, publicação de textos, organização de cursos sobre temática queirosiana, revelação de documentos inéditos ou pouco conhecidos, divulgação de textos e iniciativas alheias que nos parecem válidas, apresentação de espetáculos e da filmografia baseada na vida ou na obra do escritor, propostas de correções ou de novas reflexões sobre o já publicado, quer em eventos, quer em publicações diversas, quer na Revista de Portugal (RP), quer no blogue eca-e-outras e no jornal As Artes Entre As Letras, quer em outros meios, as quais poderão ser referenciadas na bibliografia de alguns dos sócios e confrades, que sistematicamente publicamos naquela revista desde 2005 (RP, n.º 3, 2006, p. 60). Mas o melhor é mesmo apresentar aqui uma resenha do já publicado pela própria Confraria, não contando pois para esta remembrança o apresentado pelos seus membros noutras edições.

         Comecemos então pelos livros editados, ainda que com o apoio de outras editoras e entidades diversas: logo em 2002, Imagens do Egipto Queirosiano, de Luís Manuel de Araújo, álbum muito ilustrado (312 p.), sobre um aspeto fundamental da construção do ideário humanista e cosmopolita do escritor, a que se seguiu em 2006 a dissertação de mestrado de Susana Cristina Gomes Gonçalves Guimarães, A Quinta da Costa em Canelas, Vila Nova de Gaia (1766 – 1816). Família, Património e Casa, sobre a história da família de sua mulher e do Solar Condes de Resende (427 p.), onde a Confraria tem a sua sede por protocolo com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. Ainda nesse ano preparamos e publicamos, talvez pela primeira vez em livro autónomo, uma edição crítica das mais notáveis obras de Eça, o conto S. Cristóvão, com três estudos complementares para melhor entendimento da mesma por Anabela Mimoso. J. A. Gonçalves Guimarães e José Manuel Tedim (224 p.). Em 2008, após exaustiva pesquisa no arquivo do Paço Ducal de Vila Viçosa, onde se encontra o seu arquivo pessoal, saiu a obra de J. A. Gonçalves Guimarães, Marquês de Soveral, Homem do Douro e do Mundo/ Son of the Douro Man of the World, sobre este “Vencido da Vida”, amigo e “chefe” do escritor no Ministério dos Negócios Estrangeiros (220 p). Em 2019 foi feita a publicação de Eça de Queirós e o Caminho de Ferro, de Joana Ribeiro, produzido no âmbito do projeto dos investigadores tarefeiros do Solar Condes de Resende.

Nestes cinco livros de temática queirosiana direta, creio que foram dadas importantes contribuições para o aprofundamento de diversas questões biográficas, nomeadamente: a importância na sua vida e obra da viagem que fez com o 5.º conde de Resende (que nunca foi seu cunhado, como erradamente aparece escrito, pois morreu novo; seu cunhado foi o 6.º conde de Resende, irmão do primeiro), ao Egito e Palestina em 1869, cuja análise tem sido continuada noutros artigos entretanto publicados e até no curso sobre o Antigo Egito que decorre este inverno no Solar dirigido pelo egiptólogo Luís Manuel de Araújo autor daquele livro e de muitos outros escritos sobre esta temática; se os antepassados paternos e maternos do escritor já tinham sido objeto de diversas análises, tal não tinha ainda acontecido, de forma exaustiva, com a família de sua mulher, e sobretudo sobre a casa onde, segundo Eça escreveu em carta enviada de Londres a 28 de julho de 1885 ao futuro cunhado, pela primeira vez reparou na senhora com quem viria a casar, a mãe de seus filhos «A minha afeição por tua irmã não foi improvisada o ano passado, na Granja e na Costa Nova. Data de uma ocasião mais antiga, de quando eu te fui ver a Canelas» (Eça de Queiroz Correspondência, coordenação de A. Campos Matos, 2008, vol. I, p. 386) Tal foi feito no livro de Susana Guimarães, tendo também esta historiadora igualmente continuado a apresentar estudos sobre a Casa e este ramo da família; se os “Vencidos da Vida” tinham desde há muito sido objeto de vários artigos e obras monográficas, não havia uma biografia de Luís de Soveral baseada no seu arquivo pessoal, que ligasse o futuro marquês não apenas a Lisboa e sobretudo a Londres, os palcos onde brilhou de forma inexcedível, não apenas às suas lides diplomáticas, mas sobretudo às suas raízes durienses, a S. João da Pesqueira, ao Porto e a Vila Nova de Gaia, ao vinho do Porto e à Praia da Granja por onde todos eles, Eça e os restantes “vencidos”, passaram e cujo estudo está por fazer. Tal é o que podemos encontrar nesta biografia.

Se é certo que Eça foi um infatigável viajante, a pé, a cavalo, de carruagem e de barco, não há dúvidas que elegeu o comboio como o seu meio predileto e sobre ele escreveu com devoção e encanto. Nestes nossos dias em que o desenvolvimento dos comboios de alta velocidade, dos intercidades e dos “metro”, estão na ordem do dia, para uma necessária e urgente remodelação, através do texto deste exaustivo livro sobre a relação do escritor com os “seus” comboios, Joana Ribeiro propõe-nos uma agradável e útil viagem em todos os cenários e ficções percorridos pelo escritor.

Estando já hoje conhecida a totalidade dos escritos de Eça e em curso a meritória tarefa de os expurgar de acrescentos alheios, com a apresentação de todas as variantes realmente saídas da sua mente e da sua pena por uma equipa dirigida por Carlos Reis; sendo já pouco provável o aparecimento de mais inéditos (hipótese nunca descartada por A. Campos Matos, que continua a publicar novas interpretações e revisitações da obra), em 2006 a confraria abalançou-se a republicar o conto S. Cristóvão, não “a seco”, como até então tinha sido feito, ou apenas com interpretações sociológicas ou literárias, mas indo mais longe e, sem descurar aquelas, acrescentou-lhes análises históricas e iconográficas. Esta edição popular mereceria uma edição mais monumental e o texto deveria servir para argumento de um filme de sucesso.

Ficando agora por falar sobre os entretanto numerosos estudos que a Confraria tem publicado, o que faremos oportunamente, sabemos que não só alguns deles estarão a ser reunidos em livro, como é propósito desta continuar a divulgar “novidades novas” sobre a vida, obra e época de Eça de Queirós e todo o universo que inspiram, não apenas numa análise literária mas sobretudo multidisciplinar. Eça de Queirós, como literato, não foi apenas o escritor admirável que a unanimidade lhe reconhece: foi também um questionador de pensamentos e atitudes, individuais e sociais, com as quais dificilmente continuamos a lidar.  

J. A. Gonçalves Guimarães

Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Eça de Queirós no Panteão?

         Recentemente um grupo de deputados do Partido Socialista, entre os quais José Luís Carneiro, apresentou na Assembleia da República um projeto de resolução recomendando ao Estado a concessão de honras de Panteão Nacional ao escritor, o que parece recolher pacífica unanimidade, até porque o repouso dos seus restos mortais tem sido bastante agitado. Recordemos brevemente as peripécias a que já foram sujeitos: tendo Eça falecido em Paris, daí teve um funeral até ao Havre, de onde veio de barco até Lisboa. Na capital teve funeral com honras de Estado desde o Cais das Colunas até ao cemitério do Alto de S. João, onde ficou num jazigo da família de sua mulher. Foi então aventada a hipótese de ser encontrada uma sepultura definitiva, tendo sido proposto o jazigo do pai e do avô no cemitério do Outeirinho, em Aveiro, perto do solar de Verdemilho, onde viveu na infância. Anos depois várias personalidades propuseram o Panteão Nacional, nomeadamente o jornalista António Valdemar, que por tal se bateu até junto da Assembleia da República. Em 1989 foram os restos mortais trasladados para o cemitério de Santa Cruz do Douro, Baião, perto da Quinta de Vila Nova, sede da Fundação Eça de Queiroz, onde entretanto tinha sido construído um jazigo de família.

Tendo entretanto sua mulher Emília de Castro falecido na Granja em 1934 e sido sepultada no cemitério de Arcozelo, Vila Nova de Gaia, não foi a sepultura remida pela família nos anos seguintes, pelo que se perderam as referências aos seus restos mortais, que por isso não acompanharam os do marido. Tudo leva a crer que Eça terá um novo funeral, um quinto funeral, situação que lhe mereceria certamente um texto de profunda reflexão sobre o humano destino após a morte.

         Devido a mais um acaso, uma daquelas curiosidades de que a vida está cheia, se tal se concretizar, desta vez Eça ficará sepultado muito perto do antigo palácio dos condes de Resende em Lisboa, ali por detrás no largo de Santa Clara, atualmente conhecido por Casão Militar, antiga residência dos antepassados de sua mulher, cujas armas ostenta no cunhal voltado para o antigo Hospital da Marinha, à Feira da Ladra. Coincidências.

Curso sobre o Antigo Egito

         A partir do Solar Condes de Resende e seguindo o calendário pré-determinado, prossegue o curso sobre o Antigo Egito organizado pela Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ) até agora ministrado por videoconferência. Assim, no dia 28 de novembro, foi a vez da 4.ª sessão sobre «Egiptologia e egiptomania», pelo Prof. Doutor José das Candeias Sales, da Universidade Aberta, e no dia 12 de dezembro a 5.ª sessão sobre «Coleções egípcias em Portugal», pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo. Em janeiro próximo decorrerão a 6.ª sessão no sábado dia 9, de novo com o Prof. Doutor José das Candeias Sales sobre «A arquitetura do Antigo Egito» e no sábado, dia 23, a 7.ª sessão sobre «A arte funerária do Antigo Egito», pelo Prof. Doutor Rogério Sousa. Logo que as condições o permitam o curso regressará à modalidade presencial, ou pelo menos a sessões mistas, com assistência e por videoconferência.

Autores, livros e revistas


O Prof. Doutor Paulo Talhadas dos Santos, biólogo do Instituto de Zoologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, ex-dirigente do FAPAS, e também, entre os anos de 1997 e 2001, o orientador dos alunos e licenciados em Biologia durante as Semanas de Estudos Especializados de Ervamoira (Vale do Côa), que decorriam ali durante as férias da Páscoa coordenadas pelo editor desta página, então numa frutuosa cooperação entre aquele instituto, a Universidade Portucalense Infante D. Henrique e o Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia, da qual resultaram não apenas alguns conteúdos da exposição do Museu de Sítio de Ervamoira, mas também alguns trabalhos publicados em diversas revistas. Foi ainda autor e coordenador dos textos da especialidade na obra São Salvador do Mundo santuário duriense. Património Natural, Arqueológico e Etnográfico, também coordenada por J. A. Gonçalves Guimarães e levada a cabo em 2007 por uma equipa daquele Gabinete entretanto integrado desde 2004 na Confraria Queirosiana. Entre outras distinções, aquele professor e investigador recebeu a medalha de ouro de Mérito Científico da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. Lutando denodadamente contra a doença que o tem vitimado, com o apoio da esposa e do filho, continua a produzir novos livros que vem adicionando à sua basta bibliografia, como é agora o caso de Fauna Exótica invasora em Portugal Continental, Açores e Madeira que acaba de publicar através das Edições Afrontamento. Os seus amigos, alunos e admiradores saúdam o biólogo, o professor, e o companheiro de tantas jornadas de conhecimento e defesa do Património Natural e Ambiental, e também o cidadão que não se deixa abater pela adversidade.


No IV Encontro Nacional de Literaturismo organizado pela União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, que decorreu, desta vez por videoconferência, no passado dia 27 de novembro, foi apresentado o n.º 1 da coleção Cadernos de Literaturismo, intitulado Por variadas terras não andadas, título extraído de um poema do escritor e publicista José Valle de Figueiredo, o grande mentor e animador destes encontros. No interior, entre diversos outros textos, encontram-se os de J. A. Gonçalves Guimarães, «Os biógrafos e os estudos biográficos sobre Eça de Queirós»; de José Augusto Maia Marques, «Ensaio sobre a geografia literária de As Mulheres da Beira de Abel Botelho»; e de José Valle de Figueiredo, «O Descoberto».  

         No passado dia 15 de outubro esteve para ser lançado no salão nobre da Ordem dos Médicos no Porto o álbum de textos e desenhos sobre a sociedade actual e as suas toleimas intitulado Saponárias, da autoria de Jaime Milheiro (autor) e Joaquim Pinto Vieira (ilustrador), editado pela Cordão de Leitura, o qual deveria ter contado com a presença de Manuel Sobrinho Simões, prefaciador, e de Arnaldo Saraiva como convidado especial. Devido ao agravamento da situação da pandemia a sessão foi adiada para data a indicar. Encontrando-se entretanto já à venda, a obra está a despertar enorme interesse entre aqueles que já a conhecem, não só por ser completamente diferente na forma dos livros habitualmente publicados pelo autor, mas também pelo facto da musicalidade dos seus versos ter sugerido o seu aproveitamento como libreto operático do nosso tempo trágico-cómico.


Nesta época natalícia, recordemos também aqui com os nossos leitores nos EUA, a encantadora edição de 2015 da Tagus Press, o departamento da Universidade de Massachusetts Dartmouth Center for Portuguese Studies and Culture, da tradução para inglês do conto S. Cristóvão de Eça de Queirós, nove anos após a edição em português da Confraria, ali apresentada como  Saint Christopher «uma narrativa muito mais importante nos dias de hoje quando reflexões sobre religião, hipocrisia e justiça social são mais urgentes do que o eram quando a obra apareceu em 1912». Que o digam os cidadãos dos EUA, que acabam de se livrar de um presidente que, com certeza, nunca leu este conto. Tradução de Gregory Rabassa, professor emérito de Línguas e Literaturas Hispânicas no Queens College e na The Graduate School, Cuny (Nova Iorque, EUA) e Earl E. Fitz, professor de Português, Espanhol e Literatura Comparada na Universidade de Vanderbilt (Nashville, EUA). A edição foi ainda enriquecida com palavras de apresentação pelo Professor Doutor Carlos Reis, que recentemente se jubilou, apresentando a sua “última aula” na Universidade de Coimbra.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 148, sexta-feira, 25 de dezembro de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; c.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Eça & Outras de novembro 2020

Dia do 175º aniversário natalício de Eça de Queirós

Que futuro para as bibliotecas de papel?

        Há um facto com que no dia-a-dia se deparam os profissionais para quem os livros são ferramentas de trabalho, o qual lhes exige alguma reflexão e adaptação, mas que não está a ser fácil nem cómodo lidar com ele, se não do ponto de vista prático, pelo menos da afetividade. Referimo-nos à transição dos livros e periódicos impressos em papel para os e-books. Como ferramentas de trabalho que ambos são, irão continuar a ser utilizados, mas já se constata a presença em crescendo dos segundos. Não é o juízo final que chega, mas apenas uma mudança de paradigma tecnológico e com ele – supõe-se e deseja-se – mais alguma evolução e felicidade para a Humanidade. Os livros e os periódicos tradicionais passarão à categoria de obra artística de ciência, de literatura, de memória, de arte gráfica. De documento histórico. Como tal serão guardados, preservados, lidos, estudados, transmitidos e, agora, digitalizados. Através deste recente processo serão também salvos de destruições e disponibilizados, não só alguns raríssimos textos, cópias únicas, manuscritos, como aqueles que só existem em sistemas de cópia não convencional, reproduzidos através de vários processos químicos, mecânicos ou fotoquímicos para leitura imediata e pouco preocupada com a sua utilidade futura, aqueles a que os bibliotecários chamam “literatura cinzenta”, que a prazo desapareceriam por degradação do suporte ou do pigmento, como no caso de tantos deles produzidos no Maio de 1968 em Paris ou em Portugal no antes e pós 25 de Abril. E tantos deles com surpreendente clarividência para além do seu momento.

Desde 1439 quando Gutenberg redescobriu (ou introduziu) no Ocidente a impressão por carateres móveis, já existente na China desde o final do século VII, que esta tecnologia veio substituir a morosidade da cópia manual sobre base de pergaminho ou papiro pelo papel, que não assistíamos a uma mudança tão profunda na divulgação de textos e imagens. Desde então, e sem se precisarmos de ser um Jacinto, todos aqueles que trabalham com livros já passaram por complicadas situações, com as nossas casas ou apartamentos acossados por uma «…invasão dos livros… solitários, aos pares, em pacotes, dentro de caixas, franzinos, gordos c repletos de autoridade, envoltos em plebeia capa amarela ou revestidos de marroquim e ouro, [que] perpetuamente, torrencialmente, [as] invadiam por todas as largas portas… onde se estiravam sobre o tapete, se repimpavam nas cadeiras macias, se entronizavam em cima das mesas robustas e sobretudo trepavam contra as janelas, em sôfregas pilhas, como se, sufocados pela sua própria multidão, procurassem com ânsia espaço e ar! … Não se abria um armário sem que. de dentro, se despenhasse, desamparada, uma pilha de livros! Não se franzia uma cortina sem que detrás surgisse, hirta, uma rima de livros! E imensa foi a minha indignação quando uma manhã, correndo urgentemente. de mãos nas alças, encontrei, vedada por uma tremenda coleção de Estudos Sociais, a porta do Water-Closet! (Eça de Queirós, A Cidade e as Serras).

Agora que este cenário está em fase de se alterar, não vale a pena ignorá-lo nem carpir saudades escusadas: a atual geração escolar já só ocasionalmente lê livros e revistas em papel e não vai querer ficar com a biblioteca do avô, não só pelo espaço que esta ocupa e o peso que os livros têm (são feitos de madeira!), mas sobretudo pelos títulos e autores ali reunidos esquecendo que, tal como ele, as ciências envelhecem e os gostos literários mudam de geração para geração. Claro que haverá sempre os “clássicos”, a que outros, com o tempo, se irão juntando. Mesmo as bibliotecas públicas já têm sérios problemas de espaço e de funcionamento: as que têm depósito legal – pensado numa época em que havia pouca atividade editora, mas agora muito atrasado devido à explosão editorial das últimas décadas – ao terem de guardar “tudo” o que se publica, encheram as prateleiras de montanhas de textos irrelevantes. Mas também nas bibliotecas que compram os livros se verificam aquisições de autores promovidos por operações de marketing que os vendem como quem promove sabonetes, e que, com certeza, muitos deles não ficarão para a posteridade como obras de referência. Em última análise, só o tempo ditará a utilidade futura destes livros, mas é possível, com alguma atenção e diálogo, ir tendo uma percepção da qualidade dos que se editam. Esperemos, contudo, que tal não volte a ser função de qualquer aparelho de censura ou de comité de iluminados, como já existe no conselho nacional de leitura que tem recomendado aos educadores e aos jovens estudantes alguns livros aborrecidíssimos protegidos por lobbies de bem pensantes. É que, entretanto, outras formas de comunicação se foram desenvolvendo, muito mais gráficas, sonoras e interactivas, que são outras formas de “escrita” tão válidas como as do velho abecedário e das línguas comuns. Já comunicamos pela linguagem do cosmos, só que ainda à procura dos seus cânones e das suas academias.

Posto isto, e quando nos dias de hoje passou a ser vulgar encontrar bibliotecas no lixo, que fazer com os livros em papel que temos em casa e que já não vamos ler ou reler? O mais decente é partilhá-los graciosamente, pois sempre haverá quem os queira ler e guardar. E doemos as edições raras das obras eternas que porventura tenhamos a instituições dirigidas por gente que saiba de que é que estamos a falar. Às outras não vale a pena, pois não distinguem aquilo que tem marcas de perenidade dos fogachos editoriais da moda baseados em falaciosas ideias de igualitarismos tolos.

J. A. Gonçalves Guimarães

Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Aniversário de Eça de Queirós

 

Todos os anos, desde 2003, que  a Confraria Queirosiana realiza o seu capítulo anual no Solar Condes de Resende no sábado anterior ao dia 25 de novembro, dia natalício do escritor. Este ano, devido às restrições sanitárias provocadas pela pandemia, foi o mesmo substituído por uma sessão evocativa por videoconferência evocativa do 175.º aniversário de Eça de Queirós que ocorreu no passado sábado, dia 21 de novembro entre as 15 e as 17 horas. A abertura da sessão foi feita pelo presidente da direção José Manuel Tedim que saudou os sócios e confrades que acederam à plataforma um uso, referindo a adaptação das tarefas realizadas n presente ano à presente conjuntura sanitária. Seguiu-se o presidente da mesa da assembleia geral, César Oliveira, que recordou os confrades falecidos em 2020. A Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas também se fez representar através da sua presidente Olga Cavaleiro que saudou a Confraria queirosiana e as suas acções em prol da Cultura Portuguesa. De seguida foi passado um videofilme do capítulo de 2019 e a apresentação da Revista de Portugal, n.º 17, pelo seu diretor Luís Manuel de Araújo. «A Confraria Queirosiana e a divulgação da vida, obra e época de Eça de Queirós» foi o tema escolhido por J. A. Gonçalves Guimarães para apresentar nesta primeira sessão, dando a conhecer o que a agremiação tem feito nesta área. Após a saudação por parte de alguns outros sócios, a sessão encerrou à hora prevista, após a intervenção da vereadora do pelouro da Cultura e da Programação Cultural da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Eng.ª Paula Carvalhal, também confrade, que salientou o papel da Confraria na promoção da Cultura a nível local, nacional e nas relações luso-brasileiras.

«O Nosso Cônsul Em Havana 

Na passada quinta-feira 19 de novembro estreou em 14 salas de cinemas de todo o pais o filme realizado por Francisco Manso e com Elmano Sancho no papei de Eça de Queirós sobre um dos aspectos menos conhecidos da vida do escritor: o de defensor dos Direitos Humanos enquanto Cônsul Português em Cuba. Em O Nosso Cônsul em Havana, «numa mistura de ação, drama, romance e até um toque de comédia, o filme acompanha a chegada de Eça a Havana e o desfilar de personagens com quem convive, desde as mais altas eminências políticas a fazendeiros e grandes proprietários, às mulheres por quem se apaixonou e aos inimigos que fez no Casino de Havana e noutros palcos de jogo e de posições geopolíticas».

Comemorações também na Póvoa de Varzim

          Para além da Confraria Queirosiana, também outras entidades comemoram os 175 anos do nascimento de Eça de Queirós. Assim hoje, dia 25 de novembro, a autarquia poveira através da Companhia Poveira Nós da Dança, em residência artística na Casa Eça, inicia a temporada 2020/2021, em parceria com o Quorum Ballet, com um programa com palavras, música, teatro e dança, tendo como base a obra literária do escritor, concretamente a peça coreográfica «À Mesa com Eça» apresentada no palco da Casa Eça que será, a partir de agora, o palco para residências artísticas de escritores, bailarinos e coreógrafos, assim como um espaço para pequenos eventos culturais.

Curso sobre o Antigo Egito

          Prossegue entretanto, a partir do Solar Condes de Resende, o curso sobre o Antigo Egito, o qual, devido às restrições de circulação devido à pandemia tem sido ministrado por videoconferência. Assim, no passado dia 31 de outubro decorreu a 2.ª sessão sobre «O mar Mediterrâneo na Antiguidade», pelo Prof. Doutor José Varandas da FLUL; no sábado 3 de novembro, a 3.ª sessão versou sobre «A longa história da civilização egípcia», pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo também da FLUL; no próximo dia 28 decorrerá a 4.ª sessão sobre «Egiptologia e egiptomania», pelo Professor Doutor José das Candeias Sales, da Universidade Aberta. No próximo mês de dezembro a 5.ª sessão decorrerá no dia 12, sobre a «Escrita hieroglífica e outras escritas do Antigo Egito», de novo pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo.

          O curso prosseguirá no próximo mês de janeiro conforme o calendário previsto e com algumas sessões presenciais logo que as condições o permitam.

Louvor público

Professor Dr. Manuel Filipe Dias Tavares

O conselho pedagógico do Agrupamento de Escolas Diogo de Macedo aprovou por unanimidade um voto de louvor ao professor Manuel Filipe Tavares Dias de Sousa, no momento em que cessou funções como docente nesta unidade escolar de Vila Nova de Gaia. Tendo sido presidente da Comissão Instaladora da Escola Secundária de Olival, mais tarde Escola Secundária Diogo de Macedo, hoje sede do agrupamento com o mesmo nome, desempenhou funções de presidente do conselho directivo, assessor da direcção, representante do grupo de História, coordenador do secretariado dos exames nacionais, diretor da Galeria de Arte Diogo de Macedo, coordenador da equipa do jornal Face ao Douro, tendo participado em inúmeros grupos de trabalho, sempre com «enorme rigor, responsabilidade. dedicação, competência profissional e verdadeiro sentido de serviço à escola pública». procurando que a instituição onde leccionou fosse um factor de desenvolvimento da região, tendo conseguido «estabelecer inúmeras parcerias com os agentes locais e municipais, tanto no domínio cultural como social. As qualidades pessoais e profissionais no exercício das suas funções constituem uma referência para toda a comunidade escolar», conforme se pode ler no Louvor da Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares publicado no Diário da República, 2.ª série Parte C, n.º 211 de 29 de outubro de 2020, p. 65. O louvado é presidente do conselho fiscal da ASCR – Confraria Queirosiana.

Autores, livros e revistas

Todos os anos, desde 2004, que no capítulo anual da associação Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana que se realiza na Casa Queirosiana Internacional de Vila Nova de Gaia, no sábado anterior ou no dia 25 de novembro, dia natalício de Eça de Queirós, a apresentação publica de um novo número da Revista de Portugal, fundada em 1892 por aquele escritor. Este ano, pelos motivos conhecidos e de acordo com as leis sanitárias em vigor, não se realiza aquela cerimónia, mas apenas uma videoconferência para todos os seus sócios e confrades, durante a qual o seu diretor, o egiptólogo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo fará a apresentação do número 17 desta nova série. A capa apresenta um colorido diploma de medalha de ouro alcançada na Exposition Internacionale du Progres au Caire, de 1895, quando o Egito ainda estava integrado no Império Otomano, curiosamente atribuída a uma empresa portuguesa que produzia e exportava vinho do Porto. O documento encontra-se no Arquivo Histórico Adriano Ramos Pinto, em Vila Nova de Gaia, tendo sido cedido pela empresa para esta capa. A contracapa apresenta o cartaz do curso que decorre no Solar Condes de Resende sobre o Antigo Egito. E, como veremos, não são estas as únicas alusões ao país do Nilo neste número. A revista abre com um editorial de um dos seus directores adjuntos sobre «Nos duzentos anos da Revolução de 1820», a que se segue o In Memoriam dos confrades falecidos no presente ano, Norberto Barroca, Nondina de Castro, António Alberto do Amaral Coutinho Calheiros Lobo e Acácio Edgar Alves Luís, recordados por J. A. Gonçalves Guimarães e Dagoberto Carvalho J.o; segue-se «A legislação sanitária, de Pombal ao Liberalismo» por J. A. Gonçalves Guimarães, um texto sobre o combate às epidemias no período considerado; numa sequência de estudos que hão-de continuar a ser publicados nestas páginas, apresenta-se o primeiro da série «Hotéis Queirosianos. Hotel Lawrence em Sintra» por Maria de Fátima Teixeira, a que se seguem umas «Notas sobre Eça de Queirós em Leiria» por Ricardo Charters-d’Azevedo. Numa entrevista conduzida por José António Afonso ficamos a saber quem foi o poeta «Fernando Morais. As palavras nómadas», colaborador que foi dos primeiros números desta revista, e uma nova réplica  à questão de «O Colmeal da Marofa», motivada pela publicação recente de um livro com inverdades sobre o assunto, por José Pereira da Graça. Relatando uma actividade que se vem fazendo com alguma regularidade com a colaboração da Confraria Queirosiana – as viagens culturais ao Egito e à Palestina na esteira da viagem de Eça de Queirós e do conde de Resende em 1869, aqui se publica uma reportagem da última realizada, «Seguindo os passos de Eça no Egito e Terra Santa» por Mara Verónica Sevinatti . Como habitualmente a revista apresenta a Bibliografia dos sócios e confrades referente ao ano anterior (2019), organizada por Celeste Pinho, e o Relatório de atividades também referente àquele ano, com perspectivas para o mandato dos novos corpos gerentes de 2020 a 2024.

Promovida pelo Grupo Eça da Universidade de São Paulo, acaba de ser editado em ebook de distribuição gratuita (http://ge.fflch.usp.br/livrosa obra A relíquia do mandarim, organizada por Ana Marcia Alves Siqueira e José Carlos Siqueira de Souza e editada no Rio de Janeiro pela Oficina Raquel. Entre os vinte e três autores de outros tantos textos sobre a epígrafe do volume, encontram-se os textos dos portugueses Carlos Reis, «Eça de Queiroz e a epistemologia do olhar», e Isabel Pires de Lima, «A relíquia no pincel de Paula Rego: género e poder».

      Entretanto no site Queirosiana.wordpress.com o Professor Doutor Carlos Reis continua a publicar textos essenciais sobre a vida e obra do escritor, nomeadamente e em tempos recentes «Carlos da Maia: o fracasso de uma geração» (7 de novembro) e «Eça de Queirós e o Direito» (15 de novembro).

 

        Entre os dias 18 e 22 de novembro, com abertura no Museu Arqueológico do Carmo em Lisboa, sessões na Faculdade de Letras da Universidade do Porto entre 19 e 21, e visita ao Castro de Monte Mozinho em Penafiel no dia 22, decorreu o III Congresso de Arqueologia da Associação dos Arqueólogos Portugueses, no qual participaram diversos arqueólogos do Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR- Confraria Queirosiana (ainda que também em representação de outras instituições). António Manuel S. P. Silva, em colaboração com outros, apresentou as seguintes comunicações: «São Julião da Branca (Albergaria-a-Velha) – Investigação e valorização de um povoado do Bronze Final»; «O castro de Ovil (Espinho), um quarto de século de investigação – resultados e questões em aberto»; «O Castro de Salreu (Estarreja), um povoado proto-histórico no litoral do Entre Douro e Vouga»; «O Castro do Muro (Vandoma/Baltar, Paredes) – notas para uma biografia de ocupação da Idade do Bronze à Idade Média»: Laura Sousa, também em colaboração, apresentou «A Necrópole Romana do Eirô, Duas Igrejas (Penafiel): intervenção arqueológica de 2016»; Joaquim Filipe Ramos, «Cerâmicas e Vidros da Antiguidade Tardia do Edifício sob a Igreja do Bom Jesus (Vila Nova de Gaia)»

          Entretanto, as respectivas atas, num total de 2138 páginas e sob o título Arqueologia em Portugal 2020 - Estado da Questão, publicadas em colaboração com a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» e outras entidades, encontram-se disponíveis em museuarqueologicodocarmo.pt/publicações/III_congresso_actas/ Actas_IIICAAP_completo.pdf

          Contêm as subsecções: 1. Historiografia e Teoria; 2. Gestão, Valorização e Salvaguarda do Património; 3. Didáctica da Arqueologia; 4. Arte Rupestre; 5. Pré-História; 6. Proto-História; 7. Antiguidade Clássica e Tardia; 8. Época Medieval; 9. Época Moderna e Contemporânea.

O Eng.º Manuel Hipólito Almeida dos Santos, presidente da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos (O.V.A.R.), acaba de publicar um livro sobre as prisões, sob o formato de ebook, disponível no link https;//www. Leyaonline.com/pt/livros/historia-e-politica/política/a-abolicao-das-prisoes-ebook, intitulado A Abolição das Prisões. Contributo para Acabar com uma Crueldade. Militante indefectível da obra de misericórdia que é o visitar os presos, esta sua humana experiência de muitos anos transformou-o num especialista sobre este candente problema da humanização da nossa sociedade. São suas as seguintes palavras: «A vivência dentro das prisões é geradora de sentimentos de frustração, desânimo e revolta, tendo em conta estarmos em presença de situações cruéis, desumanas e degradantes, sem que se vislumbre sentido útil na finalidade da sua existência, quer para os reclusos, quer para quem lá trabalha. As prisões são fonte de conflitos sociais e familiares, envolvendo reclusos e funcionários prisionais. As prisões não ressocializam nem promovem a paz social. Somente alimentam o desejo de vingança das vítimas e dalguma opinião pública, não tendo efeito relevante no ressarcimento dos danos dos crimes. Além de que promovem o sensacionalismo primitivista que alimenta certos órgãos de comunicação social. A convicção de que essa desumanidade, provocadora de penas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, proibidas por tratados e convenções internacionais, não pode continuar a existir nem é passível de correcção, aliada à ineficácia e fracasso do modelo penitenciário existente no mundo ocidental há pouco mais de 200 anos, não tem outro caminho que não seja a sua abolição. Tal constatação é reforçada pelo contributo retirado das bases filosóficas das maiores religiões professadas no mundo, que assentam nos pilares do perdão e da misericórdia e não na vingança, tendo em conta a imperfeição do ser humano e a sua condição de potencial pecador. A alternativa passa pela assunção da prevenção da prática de atos anti-sociais como a via exclusiva e prioritária a implementar, complementada com o novo modelo de justiça preventiva que tem vindo a ser instaurado em vários países, deixando de se aplicar penas de privação da liberdade».

Entretanto este autor, com 40 anos de experiência de visitas regulares a prisioneiros, concedeu uma entrevista à jornalista Joana Gorjão Henriques do jornal Público no passado dia 16 de novembro sob o título «A luta pelo fim da escravatura foi grande. Temos de fazer igual para as prisões», que em 2021 gastarão 300 milhões do orçamento do estado, em que 80% dos reclusos o são por assuntos relacionados com o tráfico e consumo de drogas, e em que as taxas de ressocialização dos mesmos são incrivelmente baixas, segundo dados que ali apresentou. O autor pretende com a sua acção e o seu livro colocar este assunto na agenda nacional dos cidadãos para que se vão encontrando soluções para a resolução deste grave problema humano. 


No passado dia 19 de novembro o psiquiatra e psicanalista Dr. Jaime Milheiro participou numa mesa redonda na Fundação Fernando Pessoa para lançamento do seu novo outro livro Ensaio Sobre os Humanos..., a qual teve a presença, além de outros académicos, do Professor Doutor Salvato Trigo para quem esta obra «suscita, sem dúvida, uma profunda reflexão cultural e uma interpelação ética essencial sobre a nossa condição de primatas evoluídos, construídas sobre alicerces científicos muito sólidos, aqui bem decantados pela vida profissional e cidadã do seu autor, cuja riqueza lhe permitiu transformar o conhecimento em sabedoria, isto é, em saber com ressonância e com gosto, temperado por uma ciência com consciência, pois aquela sem esta não passa de urna dor de alma, como disse o canónico François Rabelais!» O evento foi transmitido em direto no canal Youtube da UFP.

Prémio Literário

          Francisco José Viegas foi recentemente agraciado com o prémio literário Fernando Namora, no valor de 15.000 euros, promovido pela Porto Editora, e que distinguiu o seu romance A Luz de Pequim publicado em 2019. Como vem sendo constante na sua obra, o protagonista é o ficcional Jaime Ramos, inspector da Polícia Judiciária em fim de carreira, dividido entre o crime internacional e as reflecções sobre o quotidiano para o comum dos mortais. Sem dúvida uma personagem da Literatura portuguesa Contemporânea

 

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 147, quarta-feira, 25 de novembro de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; c.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

 

 

domingo, 25 de outubro de 2020

Eça & Outras

Nous sommes tous Samuel!

         O título de uma das crónicas anteriores soa-me agora tristemente trágico. Quando perguntava se tinha chegado a hora dos historiadores, referia-me à constatação do reconhecimento que uma boa parte da sociedade parecia começar a ter pela sua ação profissional, quer na investigação quer no ensino, capaz de revelar aos seus concidadãos a possível verdade histórica, despida de preconceitos e de propósitos mistificadores, e assim ajudarem a compreender melhor o nosso quotidiano repleto de questões longínquas no tempo. Para se perceber melhor como o ser humano e as sociedades têm evoluído através da entreajuda e da fraternidade vividas em liberdade, ou pelo contrário, como têm regredido em épocas de egoísmos, violência e perseguição às diferenças étnicas e filosóficas que os indivíduos, as tribos e as nações carregam. Quando o papa Francisco proclama na sua encíclica Fratelli tutti, está a exprimir, com a santidade que lhe assiste, uma humana vontade de séculos de luta contra o obscurantismo e a intolerância que os historiadores conhecem melhor do que ninguém em todos os seus episódios, os quais não escondem nem devem jamais ser escondidos. Por isso quase sempre os historiadores são detestados, são perseguidos e são mesmo assassinados pelos intolerantes, os fanáticos, os que querem só para si uma parte da Humanidade, que só existe sendo de todos. Por isso há quem lhes prefira os mistificadores do passado.

         No passado dia 16 de outubro, nos arredores de Paris, foi morto um professor do ensino secundário de História e Geografia de 47 anos, de seu nome Samuel Paty, por um fanático emigrado de 18 anos, generosamente acolhido em França anos antes. Quais os aparentes motivos? Numa das suas aulas de Educação Cívica, a 5 de outubro, este professor tinha abordado a questão da liberdade de expressão e o direito a ser-se ou não crente, usando, como exemplo, umas caricaturas de Maomé que tinham sido publicadas no Charlie Hebdo, o jornal humorista francês atacado por extremistas islâmicos em 2015, do que resultou então vários mortos entre os caricaturistas presentes na redação. Logo depois o professor começou a ser insultado nas redes sociais, acabando por ser assassinado e decapitado perto da escola onde lecionava por um sujeito que não conhecia de lado nenhum, mas que, veio depois a saber-se, era conivente com uma rede de pais de alunos que não queriam aquelas aulas de formação cívica e que espiolhavam as opiniões e as aulas daquele professor. A França e o mundo livre levantaram-se indignados contra mais este ataque à liberdade de ensino e à laicidade da escola pública e, no fundo, à liberdade individual e à soberania da República Francesa. O professor, que assim foi sacrificado por um fanático e já não poderá dar mais aulas, foi desagravado pelo presidente da República e os franceses prestam-lhe homenagens, com a solidariedade de muitos historiadores e professores do mundo livre, a que humildemente nos associamos a esse gigantesco abraço ao colega assassinado. Se a sua morte em si já foi chocante, os requintes de malvadez traduzidos na decapitação com uma faca de grande envergadura ainda a tornaram mais sórdida. E de novo voltou a discussão sobre a abertura e acolhimento da Europa a fanáticos religiosos que querem ir para o seu céu fazendo vítimas na Terra.

         Ninguém ignora que muitos indivíduos mal formados se acoitam na desculpa religiosa para perpetrarem os seus crimes contra a humanidade. Mas as atitudes tenebrosas não são exclusivas de algumas seitas religiosas. Recentemente, entre 22 e 25 de março, duas jovens algarvias de 19 e de 23 anos com alguma formação profissional e socialmente inseridas - uma era segurança, outra enfermeira - assassinaram barbaramente um jovem seu conhecido que trabalhava no setor hoteleiro para lhe roubarem 70.000 euros que tinha recebido do seguro da morte da mãe que anos antes tinha sido vítima de acidente rodoviário. Depois do seu ato, decapitaram e desmembraram o jovem, tendo distribuído os seus restos mortais por vários sítios do Algarve. Dos dedos que lhe cortaram utilizaram as impressões digitais para desbloquearem o cartão bancário. Toda esta perversidade foi decalcada de um episódio de série policial das muitas que passam nos canais portugueses de televisão, onde o cidadão comum e os seus filhos são permanentemente aliciados para verem filmes de psicopatas, criminosos, traficantes e anormais de todo o género produzidos pela indústria americana do audiovisual e por cá vendidos pelas operadoras de telecomunicações. Mas então qual o “deus” ou que mitologia a desta “religião”, que também tem fanáticos e fundamentalistas e de que estas jovens portuguesas serão devotas? Obviamente o dinheiro, o vale tudo para um enriquecimento rápido e ilícito, certamente associado a outros comportamentos anti-sociais que ninguém terá estranhado, mas que deram nisto, e sem um pingo de humanidade ou de comiseração para com a sua vítima. Estas jovens esconderam o corpo, temendo as consequências do seu ato; o assassino do professor dos arredores de Paris fotografou o resultado do seu hediondo crime e exibiu-o no Twitter. O perigo para a nossa civilização não está pois apenas no fundamentalismo islâmico, pois ele vem de vários quadrantes, de várias crenças, algumas delas pacificamente instaladas em nossas casas à distância de um clique. Será que já estaremos naquela fase social em que marchamos como seres de antigamente «…contentes, sob o estalido do açoite, sem pensar mais e sem mais querer, porque a palavra essencial foi dita, eles são livres, e lá está Xerxes no seu carro de ouro para querer e pensar por eles»? (Eça de Queirós, Cartas de Paris. Ecos de Paris). É que o “eles”, somos nós, os que querem continuar a acreditar na liberdade, igualdade, fraternidade. Os Samuel de todo o mundo livre.

J. A. Gonçalves Guimarães

Mesário-mor da Confraria Queirosiana


No passado dia 30 de setembro faleceu Acácio Edgar Alves Luís nascido no Porto a 14 de abril de 1938. Antigo chefe de secção da Bayer, foi dirigente do Futebol Club do Porto nos anos sessenta, da Cooperativa do Povo Portuense, da Cooperativa Afons’eiro (Vila Nova de Gaia) e sócio de várias outras coletividades, entre elas o Clube Fenianos Portuenses e o Clube Nacional de Montanhismo (Árvore, Vila do Conde). Foi sócio e confrade de honra da associação Amigos do Solar Condes de Resende-Confraria Queirosiana, tendo sido insigniado a 25 de novembro de 2017. a quem ofereceu a biblioteca de seu pai, o positivista Manuel Inácio Luiz, bem assim como algumas peças, hoje históricas, que pertenceram ao centenário Mercado do Bolhão no Porto. Foi sepultado em jazigo de família no cemitério do Prado do Repouso no Porto.

A 17 de outubro passado teve início, no Solar Condes de Resende, o curso livre sobre o Antigo Egito, organizado pela Academia Eça de Queirós (AEQ/ASCR-CQ) e pelo Solar Condes de Resende, coordenado pelo egiptólogo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, docente jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vice-presidente da associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana (ASCR-CQ), da Associação de Amizade Portugal-Egito e diretor da Revista de Portugal. Estando previsto que a sessão de abertura tivesse uma palestra sobre «Migrações e integração social: a interculturalidade como fator de coesão», pelo sociólogo Prof. Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, por questões de agenda inadiáveis, como presidente da Câmara Municipal de Gaia, fez-se representar pela vereadora do pelouro da Cultura e da Programação Cultural, Eng.ª Paula Carvalhal, que na ocasião ressaltou a importância destes cursos na vida cultural do município e do próprio Solar. Seguidamente falou o Prof. Doutor José Manuel Tedim, presidente da direcção da ASCR-CQ e da AEQ saudando os presentes e aludindo à excelência destes cursos organizados pelo Solar Condes de Resende desde 1991 e desde 2008 com a colaboração da AEQ, e ainda mais recentemente certificados pelo Ministério da Educação através do Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente (CFAEGN), sendo este o 28.º curso. Em seguida, J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre as alterações ao programa de curso anterior sobre Revoluções & Constituições provocadas pela pandemia, e a forma como serão resolvidas, bem assim como as que poderão ocorrer neste curso que agora começa. Apresentou depois o curriculum académico e a obra publicada do egiptólogo coordenador do curso, dissertando em seguida sobre «O que é que Vila Nova de Gaia terá a ver com o (Antigo) Egito?». No final Carlos Sousa, da direção da ASCR-CQ, referiu-se à plataforma informática do CFAEGN para certificação dos cursos aos alunos inscritos que exercem a docência nos ensinos base e secundário. A palestra anunciada para a abertura será de novo oportunamente agendada. Devido às medidas sanitárias que se prevêem é possível que o calendário deste novo curso também venha a ter várias adaptações. 

Aniversário de Eça de Queirós

No próximo dia 21 de novembro não haverá o habitual capítulo da Confraria Queirosiana, comemorativo do 175.º aniversário de Eça de Queirós. Mas para assinalar a efeméride vai decorrer no auditório do Solar Condes de Resende uma sessão evocativa com o lançamento da Revista de Portugal, nova série, n.º 17 que será apresentada pelo seu diretor o egiptólogo Luís Manuel de Araújo. 

Autores e livros


Com data de setembro passado acaba de ser publicada pelo Instituto Anglicano de Estudos Teológicos a brochura da autoria de António Manuel S. P. Silva intitulada Igreja Lusitana. Uma Breve História, comemorativa dos 140 anos desta entidade religiosa. Trabalho de divulgação histórica, apresenta a seguinte sequência de capítulos: “Um país sem Reforma com um protestantismo tardio”; “Antecedentes oitocentistas - a matriz anglicana”; “A reforma religiosa no norte do país”; “A fundação da Igreja Lusitana”; “Entre duas revoluções: o longo século XX”; e “Renovação e identidade – A Igreja em busca do seu tempo”, terminando com uma “Orientação bibliográfica” e um “Pequeno glossário”. Tratando-se de uma síntese, muito bem ilustrada, deixa indicações para quem quiser saber mais sobre a instituição.


No passado dia 17 de outubro foi lançado na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia o livro Balanço para o Futuro - Gaia cidade Sustentável e Humanista, coordenado pelo sociólogo e presidente da câmara Eduardo Vítor Rodrigues, com prefácio de Ramos Horta, Prémio Nobel da Paz. Abordando as alterações ocorridas no espaço municipal nos últimos sete anos, este livro pretende aproximar os cidadãos do debate democrático, prestando contas e informando sobre as grandes opções tomadas para o desenho da polis no presente e a estratégia para o desenvolvimento futuro daquele que já é o maior município da Área Metropolitana do Porto, cuja presidência é precisamente ocupada pelo autor. O livro estará á venda nas livrarias e o produto da sua venda reverterá a favor de instituições gaienses que apoiam a terceira idade.

Exposições

Coleção de Arte de Mário Cláudio

        Na Cooperativa Árvore no Porto abriu ao público no passado dia 10 de outubro a exposição da coleção de Arte reunida ao longo da vida por esse escritor, que assim encerra as comemorações dos seus 50 anos de vida literária, a qual estará aberta até ao dia 30 deste mês.

Adiamento de curso e congressos

Devido à situação sanitária do país que não recomenda nem deslocações nem ajuntamentos, vários têm sido os eventos culturais, nomeadamente cursos e congressos, que têm sido adiados, entre outros, a International Heritage Summer School organizada pelo CITCEM/ Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com a colaboração das universidades de Santiago de Compostela e de Florença, dedicada ao Património Cultural, a Paisagem e a Construção de Identidades Territoriais, a qual decorrerá em Vila Nova de Foz Côa, no Museu do Côa, e em S. João da Pesqueira, remarcada para 19 a 24 de julho de 2021; também o Congresso Douro & Porto2020 - Memória & Futuro, organizado pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, remarcado para 19 a 21 de julho de 2021; e ainda o Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820, organizado, entre outras instituições, pelo Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, remarcado para outubro de 2021. Em todos estes acontecimentos estão envolvidos, como professores ou como conferencistas, vários confrades queirosianos.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 146, domingo, 25 de outubro de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; c.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

 

 

 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Eça & Outras

A escrita da História

         Mas então só os historiadores podem escrever sobre História? Numa sociedade livre e democrática não pode qualquer cidadão escrever sobre o que lhe dá na real gana? Há censuras, restrições corporativas? Depende. Experimentem fazer essas mesmas perguntas ou colocar essas mesmas questões mudando historiador para jurista sobre Direito, médico sobre Medicina, engenheiro sobre Engenharia, arquitecto sobre Arquitetura e terão logo metade da questão aclarada e a resposta dada. Mas sem esquecerem que existe a História do Direito, a História da Medicina, a História da Engenharia, a História da Arquitetura (ou, mais ampla, a da Arte). Aí responderia que talvez seja melhor os profissionais encontrarem-se e trabalharem em colaboração, unindo saberes e metodologias. Uma coisa é escrever sobre uma ciência humana, outra escrever versos, desabafos, opiniões, crónicas, memórias. Ou glosar ciência alheia em textos síntese.

          Mas isso é na estrita esfera dos saberes próprios de cada ciência. E na divulgação, na decomposição das grandes questões em explicações acessíveis aos não especialistas, aos alunos das escolas, ao público em gertida, achar-se que se podem alargar os furos do cinto do rigor quando se trata de divulgaral, podem outros, que não os historiadores, escrever sobre História? Direi que depende dos objetivos e da honestidade das metodologias a aplicar. Não é lícito, logo à pação e que se pode atrair o público misturando factos históricos com invenções ou delírios ficcionais. Quando tal acontece, se foi feito por historiadores profissionais, devem os mesmos ser corrigidos pelos seus pares; se tal for feito por outros profissionais, há que criticá-los na praça pública e se os seus relatos deliberadamente falaciosos estiverem ao serviço de entidades que com isso ganham dinheiro, há que denunciá-los às entidades de defesa do consumidor por estarem a vender um “ bacalhau podre” como se fora de boa qualidade. Se tal acontece num supermercado com os produtos alimentares, porque não pode acontecer com os “alimentos do espírito” que tão importantes são para a coesão das comunidades?

Podem (ou devem) então outros profissionais, nomeadamente os jornalistas, escrever sobre História? Depende, e logo em primeiro lugar, se estão ou não a roubar o trabalho aos historiadores. Nesse caso não podem nem devem. Mas o melhor é analisar dois exemplos relativamente recentes, um aceitável e outro mau.

Como se lembram, no ano 2000 voltaram à conversa as velhas superstições milenaristas, que antes de mais se esquecem que a “era cristã” nem sequer é universal. Dois jornalistas ingleses, Robert Lacey (formado também em História) e Danny Danziger, cavalgando a onda do interesse do público pelo assunto, escreveram o livro Ano 1000. Como se vivia na viragem do primeiro milénio, editado em Portugal pela Campo das Letras. Para tal serviram-se de um manuscrito, o Calendário Juliano de Trabalhos da Catedral da Cantuária, escrito por volta de 1020, no qual cada folha foi adornada com preciosos desenhos referentes às atividades próprias de cada mês. E a partir daí compuseram uma narrativa jornalística da época, mas muito bem fundamentada em excelente bibliografia historiográfica (que divulgam em notas e no final), tendo ainda o cuidado de consultarem muitos especialistas em Idade Média, arqueólogos e documentalistas, a quem pediram para lerem e corrigirem o seu texto antes de o publicarem, e cujos nomes constam nos agradecimentos finais. Eles próprios declaram que não escreveram um livro de História, mas sim um livro que incluísse as suas perguntas «a alguns dos mais eminentes historiadores e arqueólogos», criando assim uma obra tão agradável de ler quanto rigorosa nas múltiplas abordagens ao tema e remetendo quem quiser saber mais para as obras da especialidade consultadas.

Agora o mau exemplo. Português, para meu desgosto. Publicou recentemente a Visão Biografia o seu número 5, referente a julho/ setembro, dedicado a Eça de Queiroz. O génio da escrita, edição dirigida por Mafalda Anjos, licenciada em Direitoe jornalista, com um numeroso grupo de colaboradores. Não obstante a Biografia ser um exercício da História, não há entre eles um único historiador. E no entanto há ali não só capítulos biográficos sobre Eça e outros contemporâneos, como sobre a sociedade oitocentista, mas tudo muito pesado e déjà lu, sem quaisquer referências bibliográficas, tudo aparentemente saído da cabecinha pensadora destes não-historiadores. Mesmo quando, quase no fim, a publicação nos quer apresentar uma bibliografia queirosiana, não só faltam nela obras fundamentais, como a terceira edição do Dicionário de A. Campos Matos (apresentam a 2.ª do ano 2000!), como incluíram a hoje quase inútil Vida e Obra de Eça de Queiroz, de João Gaspar Simões, na versão de 1973. Sobre a Geração de 70 continuam a transmitir a ideia errada de que a mesma só era composta por literatos (ou pior ainda, de que no Portugal do tempo de Eça todo o conhecimento se reduzia ao dos literatos ou, vá lá, também a alguns artistas). Depois a repetição, pela enésima vez, de alguns erros biográficos, como o de que o escritor viajou «até ao Egito e Palestina com o futuro cunhado» (p. 11; o 5.º Conde de Resende nunca foi cunhado de Eça, pois morreu antes dele casar com sua irmã); que aquando dos jantares dos Vencidos da Vida o Marquês de Soveral era «diplomata em Roma» (p. 70), quando o era em Londres há muito tempo; segue-se a abundante, e também habitual, fantasia de confundir em leituras primárias a ficção queirosiana (metáforas literárias por excelência) com a realidade geográfica e factual da época, em várias páginas e artigos, e nenhuma alusão a factos determinantes, como a invenção em 1878 da telescopia elétrica, precursora da televisão, por Adriano de Paiva, seu condiscípulo em Coimbra (sabendo-se a militante curiosidade de Eça pelos inventos da sua época); ou mesmo a total omissão de factos fundamentais da sua vida e obra, como as duas namoradas que conheceu em Cuba, uma dos quais que com ele se irá cruzar mais tarde na Europa; a sua viagem aos EUA e ao Canadá «para ver o progresso»; a sua defesa intransigente dos direitos dos coolies, que deixou expressa num notável relatório só publicado em 1979, recentemente levada ao cinema por Francisco Manso, o que nem sequer é referido nesta publicação, embora lá se fale de outras versões cinematográficas. Para além de alguns testemunhos pessoais, que são o que são e valem o que valem, e de interpretações literárias de aspetos da obra por Carlos Reis e Isabel Pires de Lima, esta publicação não tem pois qualquer interesse como descrição e interpretação biográfica do escritor, pois, como já se disse, mesmo do ponto de vista iconográfico, é um déjà vu. Mas Eça continua a vender, mesmo o mais do mesmo.

«As ciências históricas são a base fecunda das ciências sociais», escreveu Eça, quando jovem (Prosas Bárbaras). Obviamente que nada temos contra o bom jornalismo. Mas a História não é um diletantismo jornalístico mas sim o estudo profissional persistente, sistemático, descobridor e explicativo das acções humanas e dos diversos ramos do saber. 

J. A. Gonçalves Guimarães

Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Autores, livros e revistas

Um dos setores em franca recuperação nesta época de pandemia ativa é o da produção e divulgação do conhecimento escrito em livros e revistas. Mas para além da qualidade dos textos produzidos, começa agora a ser exigível a qualidade gráfica da obra publicada, cuja primeira preocupação deve ser, não a beleza do design, mas a facilidade de leitura. Um livro que ao ler canse o leitor por ter a letra demasiado pequena, imagens ilegíveis ou outras aberrações gráficas, não deve sequer ser editado. Os mínimos recomendados são letra corpo 12 e notas, legendas e bibliografia corpo 10, com imagens inteiras e legíveis, devidamente legendadas, E os direitos autorais referenciados e respeitados. Edita-se muito e isso é bom; exijamos agora qualidade para o prazer e utilidade da leitura.

Esboço 50 anos depois

        


Amanhã, dia 26 de setembro, no Solar Condes de Resende em Vila Nova de Gaia, integrado nas Jornadas Europeias de Património 2020, em que o tema este ano é “Património Educação”, o Gabinete de História, Arqueologia e Património (ASCR-Confraria Queirosiana), a Paróquia Lusitana de São João Evangelista (V. N. Gaia) e o Arquivo Histórico da Igreja Lusitana, com o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, vão realizar a partir das 14,30 um colóquio intitulado “O Esboço: Património, Educação e Juventude nos anos sessenta”, em que serão oradores Eduardo Vitor Rodrigues sobre “A Educação como Património: ontem e hoje”; J. A. Gonçalves Guimarães sobre “Perspetivas educacionais em Vila Nova de Gaia nos anos sessenta do século XX”; Joaquim Armindo Pinto de Almeida sobre “A pró-revista Esboço (1969-1970); Júlio Castro sobre “Os Jovens do Torne e o Movimento Ecuménico”; António Manuel S. P. Silva e outros sobre “A Igreja Lusitana e os Jovens do Torne: um Património da Memória”, seguido de debate e canções de luta dos anos sessenta, por David Rodrigues. No final da sessão será feita a apresentação da edição fac-similada dos três números publicados da pró-revista Esboço, a qual foi proibida de circular a 18 de maio de 1970 pela Direção dos Serviços de Censura «por ser ilegal e inconveniente no seu contexto», tendo os seus promotores sido objecto de inquérito pela PIDE. Esta edição, que recebeu o título de Esboço – boletim dos Jovens do Torne: 50 anos de persistências 1970-2020, para além das páginas fac-similadas da revista, apresenta textos alusivos de António Manuel S. P. Silva; David Rodrigues; J. A. Gonçalves Guimarães e Joaquim Armindo Pinto de Almeida, ficando disponível para venda on line.

Grande Prémio do Romance e Novela   

As novelas Um verão assim, As máscaras de sábado e Damascena, de Mário Cláudio, apareceram à venda no passado dia 25 de agosto reunidas no volume Três Novelas, também lançado na Feira do Livro do Porto em sessão de autógrafos do autor. Entretanto a 14 de setembro este foi de novo agraciado pela Associação Portuguesa de Escritores/ Direcção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas com o Grande Prémio do Romance e Novela 2019 pela obra Tríptico da Salvação editado pela D. Quixote. Mário Cláudio já tinha sido distinguido com este prémio em 1984, com Amadeu e em 2014 com Retrato de Rapaz.           

Porto visto de cima


No passado dia 10 de setembro a editora Centro Atlântico apresentou na Igreja da Misericórdia do Porto a obra Porto Visto de Cima / From Above, com texto de José Manuel Alves Tedim e fotografia de Libório Manuel Silva. No dia seguinte foi a mesma obra apresentada na Feira do Livro do Porto com sessão de autógrafos pelos autores.

Geografia do Porto 

        


No passado dia 10 de Setembro, também na Feira do Livro do Porto foi lançado o livro Geografia do Porto coordenado por José Alberto Rio Fernandes, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, acompanhado de uma extensa equipa de colaboradores, entre eles os arqueólogos António Manuel A. S. Silva e Sérgio Monteiro-Rodrigues que escreveram o capítulo «Das origens da ocupação humana às origens da cidade», contribuindo assim para a compreensão do cenário geográfico que chegou aos nossos dias.




Amigos de Gaia

Encontra-se em distribuição o Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia, n.º 90, referente a junho de 2020, com artigos de Jaime Milheiro, Virgília Braga da Costa e Salvador Almeida, entre outros. 

Eça no Brasil     


Pela mão amiga do Dr. Ricardo Haddad chegaram-nos do Brasil os dois volumes de Eça de Queirós. Ensaios e Estudos. S. Paulo: Biblioteca 24X7, 2010, de Sylvio Lago, membro de várias academias brasileiras nascido em 1939, com uma extensa bibliografia de ensaios sobre Literatura, Música e outros temas culturais. Nestes dois volumes aborda desde questões biográficas do escritor, como «Raízes brasileiras e a infância de Eça de Queirós», a Geração de Setenta, aspetos da escrita, técnica narrativa e pensamento, personagens, outros escritores contemporâneos, como Camilo, Machado, Júlio Dinis, Ramalho Ortigão e outros, a popularidade de Eça no Brasil e a sua influência na Literatura Brasileira e, por fim, uma Bibliografia Queirosiana. Embora muitos destes temas já tenham sido abordados por muitos outros biógrafos e ensaístas, permanecendo em muitos deles controvérsias e contradições, é sempre interessante comparar as conclusões e os novos pontos de vista que vão surgindo. E sobretudo como é que o Brasil culto continua a dedicar uma enorme atenção e apreço à vida e obra de Eça de Queirós, cujo pai, o juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, recorde-se, nasceu no Rio de Janeiro em 1820, no ano da Revolução que tão determinante seria para Portugal e para o próprio Brasil e da qual estamos a comemorar os 200 anos.

Palestras, conferências e workshops

         No passado dia 11 de setembro pelas 21 horas, decorreu no espaço Porto CCD o encontro “Júlio Machado Vaz à conversa com Jaime Milheiro” promovido pela Universidade Sénior Eugénio de Andrade.

         Nos próximos dias 28 e 30 de outubro, Francisco José Viegas, editor e autor de romances policiais, vai realizar um workshop intitulado «À beira do abismo – uma introdução à Literatura Policial».

Vida académica 

“Última aula”

         No próximo dia 28 de setembro pelas 16,50 horas no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra, o Professor Doutor Carlos Reis, catedrático daquela universidade e autor de notável obra sobre Literatura Portuguesa na qual sobressaem os estudos queirosianos, proferirá a sua lição de jubilação, a qual será também transmitida pelo sistema streaming através da ligação uc.pt/ em direto.

Revolução de 1820

         Com coordenação de Francisco Ribeiro da Silva e outros, encontra-se patente ao público desde 15 de julho no Museu da Misericórdia do Porto a exposição «A Misericórdia do Porto e a Revolução Liberal 1820-1834», a qual encerrará no dia 2 de novembro próximo.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 145, sexta-feira, 25 de setembro de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; c.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.