terça-feira, 25 de abril de 2023

Eça & Outras

Ano do Centenário do “Vencido da Vida” e diplomata Luís Maria Pinto de Soveral, Marquês de Soveral (1851-1922)

Poetas de Gaia e do Mundo

Recentemente dois Amigos de longa data, Joaquim Armindo Pinto de Almeida, e David Rodrigues, ambos pessoas de trabalhos e comprometimentos públicos em áreas diversas, mas com preocupações sociais convergentes, e que eu conheço desde os tempos da escola primária e dos Jovens do Torne dos anos sessenta, convidaram-me, no primeiro caso, para escrever um prefácio no seu mais recente livro de prosas e versos, intitulado Um barco nas ondas do Mar – a poesia, Teto das Nuvens, 2023 e, no segundo caso, para apresentar o seu mais recente livro de haiku, escola poética japonesa que cultiva desde há anos a esta parte, intitulado Diafragmas, Elefante Editores, 2023. Não fora o facto de serem dois Amigos incontornáveis teria dito que não, que não faria tal, não por qualquer arrogância tola ou descabida, mas por vários motivos bem simples: não sou profissional da Literatura e nem sequer me mantenho muito atualizado nesta área; até sou um descabelado reticente em relação a muito do que se publica; sou um poeta frustrado, com dois livritos publicados há muito e hoje curiosidades de alfarrabista, então frutos de divagações de juvenilidades tardias; e, além de tudo isto e certamente o mais importante, para lhes não estragar o percurso dos livros com pieguices tolas em que a amizade se sobreponha a uma análise artística – que Poesia, antes de tudo o mais, é Arte Literária – para não parecer que eu, modesto cultivador da História, ando agora a perorar sobre os coturnos da fama alheias. E aqui vai a minha desfaçatez nesta situação: meter os meus dois Amigos e as suas produções poéticas numa longa tradição de poetas gaienses, nascidos, criados, ou ligados de várias formas a esta terra. Não existindo livro algum que elenque os seus nomes ou produções, temos contudo algumas tentativas de os reunir. A mais antiga antologia que conheço é uma pequena edição de finais dos anos sessenta intitulada «Mais do que ler, muito é necessário adivinhar», asserção pedida emprestada a D. Francisco Manuel de Melo. Em 1985 publicaram-se as atas do 1.º Encontro de Escritores de Gaia na revista Mea Villa n.º 1 onde aí se fala de três poetas, e logo depois, em 1986, numa outra publicação da falecida Associação de Escritores de Gaia, intitulada Memória dum Rio, já se apresentam vinte e oito! Em 2001 o poeta, homem de Teatro e depois historiador Fernando Peixoto, então presidente da Junta de Freguesia de Santa Marinha, organiza e publica as atas do 1.º Encontro de Escritores e Artistas desta freguesia, onde vamos continuar a encontrar alguns daqueles a quem José Gomes Ferreira chamou “teimosos”. Em 2016 a Confraria Queirosiana publicou no volume das Memórias de um expedicionário a Moçambique (1917-1919) do gaiense José Pereira do Couto Soares, a sua “Colecção de Poesias Seleccionadas”, uma muito substancial antologia, com versos de poetas consagrados entremeados de muitos “anónimos” e do poeta gaiense João Alves Pereira e outros de pendor anarquista ou socializante das primeiras décadas do século XX, hoje geralmente esquecidos. Existirão porventura algumas outras publicações antológicas de poesia gaiense a considerar. Mas não haverá quem delas cuide.

De um modo geral os profissionais das Letras ignoram que a Ars Poetica se iniciou aqui no século XIII com o trovador João da Gaia, passando por João Soares Coelho e Estêvão Coelho, se não quisermos incluir o próprio rei D. Dinis, aqui proprietário, onde lhe nasceu uma filha, e que a Vila Nova deu Foral em 1288 como um deles. Alguns destes trovadores perpetuar-se-ão na família dos Sás, de Arcozelo e de Gaia, os quais, crescendo em importâncias várias, não apenas poéticas, evidentemente, se mudaram uns para a Corte, outros para Itália, outros para o Porto (como foi o caso de João Rodrigues de Sá, com versos no Cancioneiro), outros para retiro em quinta do Minho, como o célebre poeta Sá de Miranda. Já os Brandões, Fernão Brandão Pereira e seu irmão Diogo Brandão, também da sua quinta de Avintes asseguraram presença relevante naquela antologia de Garcia de Resende.

Com Gaia mergulhada numa «apagada e vil tristeza» durante o centralismo moderno, e os poetas locais a fazerem vida noutras paragens, só no século XIX por aqui poetaram Almeida Garrett, o próprio Camilo, Júlio Dinis e depois os letristas de canções ainda hoje famosas, como António Cabral e a sua Samaritana, que Gaia também é terra de cantores. Das primeiras décadas do século XX temos o esquecido Bernardo Lucas e o muito mais lembrado poeta janota galante Alfredo Cunha, o «Cunha da Rasa» autor de Os Meus Versos (1928) e de 100 Sonetos de Amor (1930). Os anos trinta e quarenta do século passado vão conhecer um trio de poetas na Granja: António Porto-Além, poeta helénico (Ressurreição, 1936), António Lousada, criador de êxitos dos fadistas Teresa de Noronha e João Braga (Os Meus Fados, 1968), e Sophia de Mello Breyner e os seus poemas de maresias enroladas nas areias do passado em busca de futuros (Poesias, 1944). Paralelamente, e buscando a saúde no mar de Francelos, aí lapidava sonetos Oliveira Guerra (Ave Maria, 1932), enquanto Carlos Valle deambulava de café em café (Fumaradas, 1945), e na Avenida da República, Maria Alberta Menéres descobria a poesia (Quotidiana, 1943) aos dez anos de idade. Mas novos mundos se abriam para a poesia gaiense: Domingos Carvalho da Silva nascido ali nos Carvalhos, estalagem de guitarristas e cantadores, daqui saiu para o Brasil e ali se abriu à sua singularidade poética que a América do Sul acolheu a desbravar novas lusofonias (Rosa Extinta, 1945).

Nos anos cinquenta e sessenta do século passado acolheram-se aqui vários outros poetas, uns locais, como o mago do cinema António Reis (Poemas Quotidianos, 1957); outros aqui chegados de outras paragens, trazendo alguma insatisfação pascoaliana, como Ilídio Sardoeira (A Minha Aldeia, 1940); ou o galeguismo rosaliano de Agostinho Gomes (Da Minha Saudade, 1941), ou a modernidade escultural de Aureliano Lima (Rio Subjacente, 1963), ou o regresso a Ítaca de Albano Martins (Secura Verde, 1950), ou o retorno da mala de cartão de Fernando Morais (Voltar a Gaia, 2000).

Viria depois a geração do The Times They Are A’changin de Bob Dylan (1964), onde pontificaram Nuno Guimarães, cantor de baladas coimbrãs (Corpo Agrário, 1970); Fernando Peixoto com o seu Zé de Gaia, um teimoso herói de ocasião; o salto no futuro da Literatura Cibernética I e II de Pedro Barbosa (1977); ou ainda As Passagens Secretas (1982) de Amadeu Baptista; e mais alguns outros que a atualidade traz poetizando por aí numa teimosia tão discreta quão persistente, e que por agora não vou nomear, porque estamos aqui a cuidar dos mais recentes livros de Joaquim Armindo e de David Rodrigues, que neles recolheram sugestões das últimas camélias que elegantemente desabam do seu pé cansadas da sua beleza. Sendo todos gaienses, deles não direi que formam uma escola, uma academia, mas que todos têm para si, como escreveu Eça de Queirós, que a poesia «…nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo… e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos, e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens (Eça de Queirós, Cartas Inéditas de Fradique Mendes).

J. A. Gonçalves Guimarães

secretário da direção

Homenagem a A. Campos Matos

No passado dia 13 de Abril decorreu no Grémio Literário em Lisboa uma homenagem promovida por esta instituição ao Arq. Alfredo Campos Matos, nascido na Póvoa de Varzim em 1928, tendo falecido em Lisboa a 5 de Janeiro passado. Para além da sua obra de arquitecto, desde os seus catorze anos que se dedicou ao estudo e divulgação da vida, obra e legado de Eça de Queirós, sobre as quais publicou variadíssimas obras consubstanciadas no monumental Dicionário de Eça de Queiroz, presentemente em 3.ª edição. Nesta sessão estiveram presentes muitos dos seus amigos e admiradores de longa data: para além de António Pinto Marques, director da instituição anfitriã, participaram Guilherme de Oliveira Martins, Eugénio Lisboa, e Rui Campos Matos, filho do homenageado, que apresentaram testemunhos eloquentes sobre o ilustre finado, tendo na ocasião Isabel Pires de Lima proferido uma alocução intitulada «Ecite como Deslumbramento – Alfredo Campos Matos». A sessão encerrou com as palavras de Pedro Rebelo de Sousa, presidente do Círculo Eça de Queiroz de Lisboa. A direção da Confraria Queirosiana esteve representada pelo Dr. Manuel Nogueira.

Intercâmbio com o Brasil

Restaurante Palato, Ponta Verde, Maceió: da esquerda para a direita do leitor: António Pinto Bernardo;
Carlos Méro, Fernando Maciel, Alberto Rostand Lanverly e Arnaldo Paiva Filho.

Recentemente esteve em Alagoas, Brasil, o Dr. António Pinto Bernardo, vogal da direção da associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, reforçando os contatos e programas em desenvolvimento com a Academia Alagoana de Letras, que decorrem do protocolo de colaboração celebrado entre ambas as instituições.

Da parte dos seus académicos vão-nos chegando algumas edições nas áreas da literatura e cronistica. No primeiro caso são geralmente obras muito bem escritas, produzidas por autores que sabem discorrer com graça sobre vidas e quotidianos e surpreendendo o leitor desde o princípio ao fim, se é que há um fim em estórias de vida. É o caso dos dois livros que hoje apresentamos:

Sobre A Virgem do Alto dos Bodes de Jorge Tenório (Maceió: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2015), escreveu Carlito Lima «Um título pitoresco para uma história bem elaborada, factível, enorme densidade humana. Os personagens parecem tão reais que tornar-se-ão inesquecíveis.

Jorge Tenório escreve cenas dramáticas, eróticas, hilárias, com linguagem simples, acessível, sem rebuscamento. O autor [desta obra] (e de outras obras premiadas) nos oferece uma oportunidade feliz para que possamos, como leitor, mergulhar nas emoções que transbordam da envolvente história que ele construiu, a qual é ambientada nas décadas de 60 e 70 numa cidade bem nordestina, a alagoana Palmeira dos Índios, retratando a vida e os costumes da época com autenticidade e precisão».

Por sua vez, o livro mais recente de Arnaldo Paiva Filho, intitulado Dona Santa (São Paulo: Primeiro Capítulo, 2022) é assim apresentado: «Esta obra é uma ficção baseada na história de sua bisavó materna, conhecida por dona Santa, senhora do engenho Riachão, e se passa na segunda metade do século XIX e início do século XX. A narrativa tem como foco a decisão da matriarca de retirar o sobrenome da família do marido de sua descendência, em razão de culpar um primo do esposo pelo seu falecimento prematuro, deixando-a viúva aos vinte e oito anos, com a responsabilidade de criação de três filhos menores e de administrar um engenho de cana-do-açúcar… numa sociedade monarquista, escravocrata e machista, repleta de injustiças e preconceitos sociais, conduz o leitor a rever e compreender o papel feminino na sociedade brasileira da época…».

Dois belos livros sobre uma realidade que os portugueses também vão conhecendo pela Literatura e pela Telenovela, estando disponíveis para ler, tomara que a Arte televisiva fosse uma breve realidade a juntar a outros conhecidos sucessos de algumas produtoras brasleiras

Palestras  e  Conferências

Desde 25 de março passado que vários confrades realizaram diversas palestras e conferências ao serviço de várias instituições, entre elas a Confraria Queirosiana. Assim, no dia domingo dia 16 de abril, J. A. Gonçalves Guimarães, a convite da Academia do Bacalhau do Porto, proferiu num restaurante de Moreira da Maia uma palestra sobre «Os 200 anos independência do Brasil em Portugal». O mesmo historiador no dia 24 de abril pelas 21,30 horas participou na Tuna Musical de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, na tertúlia «Tempos idos…Tempos vindos…», tendo como companheiros o ator e teatrólogo Mário Moutinho e o economista social Carlos Jorge A. Silva, tendo moderado o debate Filipe Santos presidente da coletividade. Seguiram-se atuações de poesia dita por Eduardo Roseira, fados e baladas alusivas ao 25 de Abril pelo Grupo de Fados Enfermeiros do Porto e interpretações de música e dança pelo elenco desta coletividade.

No próximo dia 27 de abril, a habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês que a Confraria Queirosiana realiza presencialmente e via zoom a partir do Solar Condes de Resende, será proferida pela Dr.ª Maria de Fátima Teixeira, investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património sobre o tema: «Colecionismo: do inventariar ao estudar».

Cursos

No passado sábado, dia 22 de abril, foi proferida a última aula do curso livre sobre «O Brasil duzentos anos depois» sobre o tema «O Brasil e os Exilados Políticos Portugueses» pelo Doutor Adrião Pereira da Cunha. A aula anterior sobre o tema «Os Brasileiros de Torna-Viagem» tinha sido proferida pela Prof.ª Doutora Ana Sílvia Albuquerque no dia 15 de abril. Ficou assim concluído o programa proposto, passando os alunos que o requereram à fase da creditação de conhecimentos junto do Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente do Ministério da Educação.

A Academia Eça de Queirós, grupo de trabalho da associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana para o Ensino está já a proceder à organização do próximo curso a iniciar em outubro próximo e que será comemorativo do 40.º aniversário das 1.as Jornadas Locais e Regionais organizadas em 1983 pelo Gabinete de História e Arqueologia com o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.

Como já divulgamos, vai decorrer entre os dias 16 e 22 de julho em Vila Nova de Foz Côa, São João da Pesqueira e Lamego a International Heritage Summer School 2023, organizada pela Universidade do Porto através do CITCEM/ FLUP, com a colaboração das universidades do Minho, Granada, Jean Monet, Santiago de Compostela e Florença, e com o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, SantResende, Município de São João da Pesqueira, Quinta do Vale Meão e outras entidades locais e regionais. Da comissão organizadora fazem parte, pelo CITCEM / FLUP, Nuno Resende e João Duarte, e pela Confraria Queirosiana, J. A. Gonçalves Guimarães. O programa contará com o concurso de vários professores convidados e dará particular atenção às comemorações dos 250 anos da morte de Nicolau Nasoni (José Manuel Tedim); dos 100 anos da morte do Marquês de Soveral (J. A. Gonçalves Guimarães) e de vários outros aspetos do Douro Património Cultural da Humanidade. O programa pode ser visto em IHSS 2023.4.25.

Artes

No passado dia 8 de abril decorreu na Companhia de Fiação de Crestuma em Lever, Vila Nova de Gaia, a abertura da 5.ª Bienal Internacional de Arte Gaia 2023 organizada pela cooperativa Artistas de Gaia com o patrocínio do município, a qual teve a presença do Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues, presidente da edilidade, da Eng.ª Paula Carvalhal, vereadora do pelouro da Cultura; de diversas personalidades locais e regionais da Arte e da Política; e várias instituições, ente elas a associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana representada pelo membro da direção António Pinto Bernardo e o subdiretor da Revista de Portugal, J. A. Gonçalves Guimarães, estando presentes ainda outros confrades queirosianos como o proprietário deste antigo complexo fabril Dr. Ricardo Haddad, a Dr.ª Maria de Fátima Teixeira, autora dos diversos estudos sobre a sua história e ainda vários outros confrades artistas e visitantes. As palavras de abertura foram proferidas pelo Doutor Agostinho Santos, presidente da direção daquela cooperativa que expôs os objetivos deste cada vez mais amplo e internacional acontecimento cultural, a sua projeção no tempo e realizações noutros municípios.

No dia 23 teve lugar no auditório o primeiro dos Debates da Bienal sob o tema «Revolução: 50 anos 50 artistas», com a moderação da curadora Dr.ª Ilda Figueiredo e a presença de muitos artistas e visitantes. Enquanto tal decorria, uma equipa de reportagem da Max Canal do Rio de Janeiro, programa «Assim é Portugal», procedia a filmagens e entrevistas com o proprietário do complexo, representantes da autarquia, organizadores da Bienal, e artistas e historiadores da Confraria Queirosiana sobre o certâmen, a História Local, as relações internacionais aqui representadas e o intercâmbio artístico entre Portugal e o Brasil, a difundir no outro lado do Atlântico, mas sempre tão próximo do Rio Douro e das cidades que o bordejam.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 176, terça-feira, 25 de abril de 2023; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública); C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.