Dia natalício de Eça de Queirós
O Diário Íntimo de A.
Campos Matos
A. Campos Matos é sem sombra de dúvida o
maior interlocutor de sempre entre a vida e a obra de Eça de Queirós e a sua
realidade. Para defender tal afirmação bastaria lembrarmos a sua direção e
participação no Dicionário de Eça de
Queirós, de que se aguarda renovada edição, a que juntaríamos Eça de Queiroz. Uma biografia (2010),
escrita após a publicação de 7 biografias
de Eça de Queiroz (2004) e muitos outros ensaios. A. Campos Matos possuirá
a maior biblioteca estritamente queirosiana do mundo, pois começou aos catorze
anos a reuni-la a partir da biografia de Eça escrita por João Gaspar Simões e,
desde então, coletou “tudo” sobre a matéria, a que juntou num arquivo pessoal
tudo quanto é recorte de jornal, pagela, folheto, menu, etc. sobre temas
queirosianos e ainda autógrafos do escritor e outra memorabilia.
Para escrever aquela sóbria e repensada
biografia refletiu sobre a problemática do tema debatida por Holroyd, Virgínia
Woolf, Maurois, Sartre, Kendall, Edel, Barthes e alguns autores portugueses na
sua esteira, o que deu como resultado «não… um inventário de factos (da vida e
obra) mas da tentativa de os conectar e de extrair deles escondidos
significados, insuspeitados para o leitor desprevenido, de modo a criar uma
personalidade viva. A arte do biógrafo deverá almejar a esse difícil desígnio»
(Eça de Queiroz. Uma biografia, p.
26/27). E aí temos o biógrafo creditado. Mas também aí refere que o leitor, a
quem afinal tudo isto se destina, «deverá avaliar [-se] que grau e espécie de
intimidade tem o biógrafo com o seu autor, que tempo de convívio, que
profundidade de leitura» (idem, p.
17), a que acrescentaríamos que “conversas” têm tido Eça e Campos Matos ao
longo destes anos de “convívio”, algumas das quais estão publicadas em, por
exemplo, Sobre Eça de Queiroz (2002).
E vai daí, fruto com certeza de muitas
outras confidencias que não conhecemos, o biógrafo veríssimo publicou agora o Diário Íntimo de Carlos da Maia (1890-1930),
sim senhor, esse mesmo, o de Os Maias,
que não se matou nem se morreu quando descobriu a tragédia em que os fados o
envolveram e na qual nenhuma culpa lhe cabe. Não tendo Eça tido tempo para
publicar um terceiro volume onde nos contasse o que lhe sucedeu depois, A.
Campos Matos veio a saber da existência deste seu diário encontrado na Livraria
Lello do Porto (pois em que outro lugar do universo queirosiano haveria ele de
aparecer?) e, o que é mais, prefaciado pelo seu filho, médico como o pai, e
poeta.
Neste repositório de memórias, a
personagem Carlos da Maia fala do seu criador, das vezes que esteve perto dele
sem se atrever a falar-lhe, talvez para não “o corrigir”, pois nem sempre
concorda com as opiniões que o criador tem sobre a sua criação. E o que é mais,
com a morte prematura de Eça, Carlos da Maia descreve-nos queirosianamente muitos
acontecimentos que lhe são posteriores, uns mundiais, como a 1.ª Grande Guerra,
outros nacionais como a 1.ª República, outros regionais, ocorridos no Vale do
Douro, outros locais, como os da sua quinta em Resende, outros familiares, como
o seu casamento ou a carreira de seu filho, outros pessoais, como o seu
exercício da Medicina, outros íntimos em muitas páginas de um diário que
haveria de ser lido quando desaparecesse. E A. Campos Matos já o “matou”, pelo
menos por agora.
Nestas páginas encontramos reflexões
sobre as religiões, a literatura e a arte, mas também sobre o espírito crítico
de António Sérgio nos seus ensaios, além de acontecimentos e personalidades da
época, de Maximiano Lemos, a Raul Brandão e Sidónio Pais, ou o fenómeno de
Fátima e de novo e sempre o duelo entre a ficção e a realidade: «… é necessário
ter cuidado com a veracidade do que escrevem os escritores, sobretudo os
ficcionistas. Estão sempre prontos a sacrificar a verdade dos factos se
entenderem que esse sacrifício lhes traz vantagens de forma e efeitos de
estilo, ou satisfações à sua vaidade» (op.
cit. p. 382).
No posfácio, o autor constata que «o
problema da efabulação literária sobre uma obra levanta, para muitos, esta
interrogação: é ou não legítimo fazê-la?». Creio que mais do que uma questão de
legitimidade, da lege, deveríamos
antes interrogamo-nos se a obra ficou bem conseguida, se nos agrada. E aqui não
tenho dúvidas: este Diário Íntimo de
Carlos da Maia é uma notável (re)criação de A. Campos Matos, o resultado do
seu quotidiano diálogo de muitos anos
com o escritor e que pode ser lido como um contributo à sua perenidade intemporal
através destas memórias carregada de realidades sobre as quais certamente Eça
de Queirós teria escrito se a vida se lhe tivesse alongado e viesse a morrer
aos noventa e cinco anos. Como tal não aconteceu, A. Campos Matos
transfigurou-se nesta efabulação e criou este livro onde pôs tudo quanto obteve
da intimidade que tem com ele desde os catorze anos. Competirá ao leitor
decidir onde termina um e continua o outro, se é que tal questão se pode pôr,
pois para a pessoalidade da obra ela tem pouco interesse: este Diário é de
Carlos da Maia, prefaciado por seu filho, ambos representados por A. Campos
Matos, porque a fantasia não existe sem tutor, e será lido por muitos dos seus
netos e bisnetos, que somos nós, conscientes de que vivemos apenas «…o que vive
um foguete, o espaço dum estalo e dum clarão» (Eça de Queirós, O Conde de Abranhos).
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
Capítulo
da Confraria Queirosiana
No passado dia 22 de novembro
decorreu no Solar Condes de Resende o 12º Capítulo da Confraria Queirosiana. A
partir das 17,30 foram chegando os confrades e sócios vindos dos diversos
pontos do país, e alguns outros chegados na véspera do Brasil e naquele próprio
dia de Luanda.
Reunidos nas antigas dependências da
Casa, o cortejo de confrades desceu ao pátio e subiu ao salão nobre por entre
as salas com as obras de arte do Salon d’
Automne queirosiano 2014. Esperava-os a orquestra de câmara da Escola de
Música de Perosinho dirigida pelo maestro Prof. João Costa, a executar a
Pastoral do Concerto Grosso em sol menor op. 6 n.º 8 de Corelli. A mesa foi
formada por Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila
Nova de Gaia, que viria a ser insigniado neste mesmo capítulo; José Manuel
Tedim, presidente da direção; César Oliveira, presidente da mesa da assembleia
geral; J. A. Gonçalves Guimarães, mesário mor da Confraria e Olga Cavaleiro, presidente
da Federação das Confrarias Gastronómicas Portuguesas, que usaram da palavra
para referir as atividades da Confraria, dar as boas vindas às instituições
presentes, aludir ao papel das confrarias na cultura portuguesa e, o presidente
no encerramento da sessão, às atribuições do Solar enquanto equipamento
municipal no programa da câmara para a Cultura e a Educação. Estiveram
presentes, além das instituições já referidas, a Associação Cultural Amigos de
Gaia, Associação de Amizade Portugal- Egito; Associação dos Amigos de Pereiros;
Confraria da Doçaria Conventual de Tentúgal; Confraria do Medronho, Tábua;
Confraria do Vinho de Carcavelos; Confraria dos Enófilos da Estremadura;
Confraria dos Sabores de Sintra; Confraria dos Ovos Moles de Aveiro; Confraria
Gastronómica do Concelho de Ovar; Gertal; jornal As Artes entre as Letras; Junta de Freguesia de Canelas e Urbiface.
Os sócios falecidos em 2013, D.
Diogo de Cernache, 5º Conde de Campo Bello e o Eng.º José Pereira Gonçalves,
foram recordados pelo mesário-mor e evocados nas páginas do n.º 11 da Revista de Portugal.
Seguiu-se a assinatura de um
protocolo de colaboração entre a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e os
ASCR - Confraria Queirosiana, de especial incidência no âmbito cultural e no
projeto dos investigadores-tarefeiros.
Foi ainda divulgado o bastão
queirosiano, réplica do que Eça ostenta na “fotografia de noivado”, o qual
complementa o trajo dos confrades.
Foram depois chamados os confrades que,
ao abrigo dos Estatutos da Confraria, mudaram de grau devido à apresentação e divulgação
de trabalhos sobre a vida, obra e época de Eça de Queirós, nomeadamente Eva
Baptista, Licínio Santos, Maia de Fátima Teixeira e Sílvia Santos, a que se
seguiu a insigniação dos novos confrades, Ricardo Haddad, industrial têxtil;
Susana Moncóvio, historiadora da Arte e Eduardo Vítor Rodrigues, sociólogo e
presidente da Câmara de Gaia. Não foi insigniado o realizador João Botelho pois,
por motivos incontornáveis, não pode estar presente na cerimónia.
A orquestra de Câmara tocou depois
uma área de J. S. Bach e, após o discurso de encerramento, os três andamentos
da obra de abertura do capítulo, após o que os presentes se dirigiram ao Jardim
das Camélias, com exuberante floração nesta época do ano, colocar uma coroa de
louros na estátua de Eça de Queirós.
O convívio entre os confrades passou
então ao pavilhão do Solar, onde foi servido o jantar queirosiano, abrilhantado
pelos “Eça Bem Dito” que interpretaram canções da Belle Époque, tendo ao piano Maria João Ventura. Seguiu-se a
exibição de danças de salão pela Academia Gente Gira e o Baile das Camélias.
Livros e revistas
Revista de Portugal
No
capítulo de Confraria Queirosiana foi então lançado o n.º 11 da nova série da
Revista de Portugal, de que é diretor Luís Manuel de Araújo. Dedicada aos 30
anos do Solar Condes de Resende como Casa Municipal de Cultura, apresenta na
capa um recanto desta antiga residência senhorial pintado a óleo por Susana
Guimarães e, no seu interior, o editorial, da autoria do diretor-adjunto da
revista J. A. Gonçalves Guimarães e diretor da instituição, dedicado à
efeméride, lembrando os aspetos mais relevantes destas três décadas e os
acontecimentos internacionais que aqui tiveram lugar. Segue-se a memória dos
confrades falecidos, D. Diogo de Cernache Conde de Campo Bello, e o Eng.º José
Luís Pereira Gonçalves e depois diversos estudos sobre documentos em latim,
entre eles um fragmento de partitura musical possivelmente do século X, da
autoria de Manuel António Ribeiro; um estudo sobre a vida e obra de Leal da
Câmara, de José Manuel Gonçalves; uma abordagem da História Empresarial a nível
mundial por J. A. Gonçalves Guimarães; um depoimento circunstancial e pessoal
sobre o 25 de Abril por Jaime Milheiro, a que se seguem recensões de Luís
Manuel de Araújo e de José António Afonso sobre “A oratória política do Padre
António Vieira” de José Nunes Carreira; as “Memórias Paroquiais de 1758”, vol.
V; e sobre a Editora &etc., e uma notícia sobre o livro “Leiria no século
XIX” de Charters d´Azevedo. O presente número inclui ainda a Bibliografia dos
sócios e confrades referente a 2013 e as Atividades da associação editora no
mesmo ano.
Na senda de Fernão
Mendes
Editado pela Gradiva,
foi lançado no passado dia 19 de novembro no Grémio Literário em Lisboa, o
livro “Na senda de Fernão Mendes – Percursos Portugueses no Mundo” da autoria
de Guilherme de Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura. O
livro reflete as visitas feitas por esta entidade sob o lema “Os Portugueses ao
encontro da sua História”, peregrinações realizadas aos diversos pontos do
globo por onde os portugueses deixaram a marca da sua passagem e da sua
humanidade.
Escutar a Literatura
Da autoria de Mário Vieira de
Carvalho, será apresentado a 18 de dezembro na Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o livro “Escutar a Literatura.
Universos sonoros da escrita”, que aborda as relações com a música e o canto de
autores como Garrett, Teolinda Garção e Lídia Jorge, entre outros. Sobre Eça de
Queirós apresenta este livro o interessantíssimo capítulo IV - “ O som e a escuta na emergência do estilo
queirosiano: O Crime do Padre Amaro”,
aqui com quatro “andamentos” sobre a música nesta obra deste escritor.
Arquivos de Família
Editado pelo Instituto de Estudos
Medievais, com prefácio de Silvestre Lacerda e o patrocínio, entre outras
entidades, do nosso confrade Ricardo Charters d’ Azevedo, vai ser lançado no
dia 10 de dezembro no Centro Nacional de Cultura em Lisboa, o utilíssimo livro
“Arquivo de Família: Memórias Habitadas. Guia para salvaguarda e estudo de um
património em risco”, o qual interessa a todos aqueles que têm arquivos
privados e públicos, ou que têm de os rentabilizar culturalmente.
Está também disponível em versão
digital (e-book) no site daquele Instituto.
Eça no Teatro
Entre 7 e 23 de novembro passados
esteve em cena no Teatro Municipal Joaquim Benite em Almada, a peça O Mandarim,
adaptada do livro de Eça de Queirós e encenada por Teresa Gafeira, com sessões
especiais para grupos escolares. Temos assim mais uma adaptação da obra do
escritor ao palco.
Leiria
queirosiana
No Centro Histórico de Leiria na rua
Barão de Viamonte, antiga rua Direita, abriu ao público o Espaço Eça, um bar
onde se podem degustar algumas especialidades gastronómicas e enófilas e ler um
livro, no cenário onde o escritor viveu um ano que lhe havia de inspirar O Crime do Padre Amaro.
Com uma oferta bastante
diversificada, bastava porém que fossem servidos os vinhos, outras bebidas, e
as comidas constantes na obra de Eça, sem ser preciso inventar nada, pois não
vemos o que é que o escritor terá a ver com os petiscos de Castelo de Vide e da
parafernália de cervejas estrangeiras anunciadas para o local. Eça de Queirós
deve ser texto e não pretexto para qualquer coisa que nada tenha a ver com o
seu universo. Mesmo assim, a Confraria convida todos os seus confrades a
frequentarem este bar e deseja o maior sucesso aos seus gerentes,
independentemente de acatarem ou não as nossas sugestões.
Pereiros, aldeia dos
sonhos
A aldeia de Pereiros, S. João da
Pesqueira, num concurso realizado pela Fundação INATEL intitulado “Aldeia dos
Sonhos”, entre 65 selecionadas para a final, obteve um honroso segundo lugar. A
candidatura foi apresentada pela Associação dos Amigos de Pereiros, com quem a
Confraria Queirosiana tem um protocolo de colaboração já materializado em
diversos projetos. A entrega do galardão teve lugar no dia 3 de novembro em
Campo Maior, tendo aquela associação sido representada pelo nosso confrade
Alberto Silva Fernandes.
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 75 – terça feira, 25 de
novembro de 2014
Cte. n.º
506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN: PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www
.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.pt; eca-e-outras .blogspot .pt;
vinhosdeeca.blogspot.pt; academiaecadequeiros.blogspot.pt; coordenação da
página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção:
Amélia Cabral; colaboração: Charters d’ Azevedo.
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