sábado, 24 de maio de 2014

Eça & Outras, Domingo, 25 de maio de 2014


As atuais classes sociais

Parece-nos óbvio que a sociedade continua dividida em classes e resultou ingénua nos seus propósitos a tentativa de igualdade da Revolução Francesa, impossível de concretizar-se, como o demonstraria Darwin, porque estamos a falar de seres vivos e não de “peças”.
Se nos parece hoje completamente inapropriada a velha classificação classista em clero, nobreza e povo, ela própria já complicada desde o século XIV com a ascensão ao poder da burguesia urbana europeia, também nos parecem completamente fora da realidade as suas denominações derivadas, ainda sustentadas pela terminologia dos pensadores do século XIX, nomeadamente os marxistas, que falam ainda muito, e até aos dias de hoje, em povo e em burguesia. Ora parece-nos que tal já não tem fundamento nem histórico nem sociológico. Talvez seja apenas um comodismo cultural.
Ainda há pouco tempo ouvi, a propósito de terrenos baldios, um presidente de junta de freguesia falar em nome do povo exatamente como o fariam qualquer fidalgo ou frade do século XVIII sobre a sua coutada ou o seu couto, não por poderem ser úteis à comunidade, mas apenas porque lhe pertenceriam por direito, só faltando o “divino”, agora às vezes substituído pelo “constitucional”. Mas sem qualquer alusão à circunstância de tais terrenos servirem ou não para alguma coisa, ou mesmo gerarem despesa pública, como era o caso devido aos incêndios e seu combate. Rendimento? Interesse comunitário? Um rebanho de uma dúzia de cabras e a “satisfação da propriedade”. Ora o tal nobre ou o tal frade, ainda que com fundamentos ideológicos diversos, invocariam noutros tempos os mesmíssimos motivos deste representante do povo de agora. Porquê? Porque hoje já não há separação funcional das classes mas apenas graus ou gradações simbólicas, a sua representação social é transversal porque se democratizou e a única diferenciação efetiva é a económica, gerando ou mantendo a capacidade de sobrevivência e de preponderância do indivíduo, e não já da classe, na sociedade atual.
Nos dias de hoje são pois as seguintes as classes sociais existentes, desde a base da pirâmide para o vértice (para usar ainda uma imagem clássica): em primeiro lugar os Indigentes, aqueles que são completamente dependentes dos outros para sobreviver, não auferindo qualquer remuneração regular nem detendo qualquer meio ou força de produção de bens e serviços.
Seguem-se os Pensionistas, com diversas denominações, aqueles a quem a sociedade organizada, através dos setores público, privado ou misto, assegura uma remuneração regular e pré-determinada, quer ela corresponda à reforma devida pelos descontos que efetuaram durante a sua atividade produtiva, quer corresponda ao subsídio, ainda que temporário, de desemprego ou qualquer outra indeminização social.
Temos depois a grande massa dos Assalariados, aqueles que recebem uma remuneração contratada ou à tarefa, em troca do serviço que prestam ou dos bens que produzem. É também do seu trabalho que sai a maior parte dos descontos para sustentar os Pensionistas e os Indigentes.
Seguem-se os Produtores, aqueles que sob várias formas organizativas “trabalham por conta própria”, na produção de bens e serviços que a sociedade lhes paga diretamente, quer de bens intelectuais (pintores, escritores, músicos), quer de serviços (guias de viagem ou jornalistas free lancers, por exemplo), quer agricultores ou industriais. São os donos dos seus próprios meios de produção e deles, bem assim como da conjuntura económica, são totalmente dependentes.
Temos depois os Especuladores, aqueles que, sem nada produzirem diretamente, vivem dos rendimentos do capital que herdaram ou acumularam e das suas mais valias. Não tanto como os anteriores, o seu número e importância social variam muito, dependendo do capital investido e do saldo conseguido e do volume dos resultados alcançados. Normalmente os indivíduos desta classe seguram-se económica e socialmente como Pensionistas.
Finalmente, em volta do vértice da pirâmide, temos os poucos mas muito poderosos Capitalistas, aqueles que, partindo de ideologias religiosas ou políticas várias, são protegidos por governos, polícias e exércitos, detêm a riqueza das nações, mandam nos governantes – que todos os outros podem eleger ou suportar no poder – e controlam a sociedade de acordo com uma estratégia local, regional ou global de acumulação contínua de riqueza artificialmente valorizada na bolsa e na especulação bancária e não no mundo do trabalho, a qual pouco ou nada tem a ver com a racionalidade humana, as bondades das religiões, os desesperos das fomes e o socorro às desgraças naturais, enganando os cidadãos entretidos com fantasias sociais e culturais. Conseguem (e conseguem-no muitas vezes) transformar a guerra, a doença, a fome, as crenças, a vida das pessoas, a existência enfim, no lucro que continuamente oleia e alimenta a sua máquina.
São estas as classes sociais atuais, ainda que com algumas possibilidades de sobreposições e variantes. É certo que Eça de Queirós já falava de «tempos de semitismo e de capitalismo», quando ainda a «Burguesia Liberal aprecia, recolhe, assimila com alacridade um cavalheiro ornado de avoengos e solares» (A Relíquia), quando alguns padres sonhavam ainda ter «o privilégio de destronar os reis e dispor de coroas! (O Crime do Padre Amaro), e o povo tinha aquela «morosa paciência de boi manso» (A Correspondência de Fradique Mendes). Mas tudo isso é século XIX e vale hoje tanto como as poesias de Castilho. Saiba-me você, caro leitor, sem se enganar a si próprio, se é essencialmente um Indigente, um Pensionista, um Assalariado, um Produtor, um Especulador ou um Capitalista e vai ver que passa a perceber muito melhor o mundo que o rodeia. E arrume na sua estante, ao lado dos romances de Júlio Dinis, essas velhas e hoje inúteis denominações de clero, nobreza, burguesia e povo, ou semelhantes.
Mas, dir-me-á balbuciando, que farei eu a partir de agora com o estatuto social que supunha ter, a minha árvore de costados sem avós adúlteras, o título concedido a um longínquo antepassado que matou infiéis nas Cruzadas, a caveira de um servo da gleba morto em Aljubarrota de quem descendo segundo os mórmons, a memória de um visconde negreiro liberal, um tio-avô carbonário irmão do bispo do Dongo antepassado de um atual ministro de antiga colónia, um avô morgado membro da Internacional, um agricultor da campanha do trigo, um capitão da marinha mercante, um pai e uma mãe crentes nas aparições de Fátima e nas excelências do Estado Novo? Tudo isso vai para a lixeira da História, seu execrável positivista?! (chamar-me-á você assim à falta de melhor, mas olhe que já não se usa!). Não sei que lhe diga. Se puder, estime e cultive a sua dimensão humana, guarde as suas memórias, e se puder estude-as, ou dê a estudá-las a quem o saiba fazer, para se libertar do sarro da História, e talvez isso lhe seja útil e proveitoso.
Mas, dirá ainda você perante a minha já indisfarçável impaciência, mas então o meu doutoramento em semiótica quântica, a minha grã-cruz, a minha filiação no Ordem do Supremo Bem, a minha taça internacional de golf, o diploma de melhor pai de família do ano, não valem nada, não me separam dos “indiferenciados”?
Guarde-os bem guardados e que lhe façam bom proveito. Não sei se lhe agradará saber que muitos outros Indigentes, Pensionistas, Assalariados, Especuladores e (muito poucos) Capitalistas, têm curriculum idêntico ou mesmo superior ao seu e isso não os tem feito mudar de classe social, nem para “cima”, nem para “baixo”. A não ser na República da Fantasia, onde o ingresso ainda é grátis.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria



Eng.º José Pereira Gonçalves

 Faleceu anteontem em Lisboa, dia 23 de maio, o Eng.º José Luís Pereira Gonçalves, um dos nossos mais ativos e entusiastas confrades. Com um brilhante curriculum na área da Engenharia Electrotécnica, trabalhou em grandes empreendimentos em Timor, em Moçambique e em Portugal nas maiores empresas nacionais e internacionais da sua área profissional. Foi chefe de gabinete do Secretário de Estado da Industria Ligeira e Industria Pesada em 1977. Dedicou-se também ao ensino e ao desenvolvimento de programas relacionados com o mar, tendo sido administrados da Fundação Vasco da Gama, vice-presidente da APORVELA e membro da Academia de Marinha. Homem solidário e de projetos que visavam o engrandecimento do país e dos seus semelhantes, era membro de muitas associações e clubes, nomeadamente do Centro Nacional de Cultura, do Grémio Literário, da Associação 25 de Abril e dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, onde integrava os corpos gerentes, a Academia Eça de Queirós e estava a dinamizar o protocolo entre esta instituição e o Centro Cultural Eça de Queirós de Lisboa.
A Confraria perde assim um dos seus mais dinâmicos membros da região de Lisboa cujo exemplo será continuado por todos os seus Amigos e Confrades que sempre o recordarão com estima e apreço como um homem de ação ao serviço dos outros e da portugalidade.
A cremação do corpo ocorrerá hoje dia 25 de maio no Cemitério dos Olivais em Lisboa.

Livros

Eça de Queirós na China

No próximo mês de agosto, numa edição promovida pela Editora Literatura do Povo, com o apoio do Instituto Cultural de Macau e do seu vice-presidente Yao Jing Ming, vai ser lançada na China a coleção de literatura mundial “Espelho do Mar”, que se iniciará com a publicação de um volume de Eça de Queirós com a tradução de “ O Mandarim” e as crónicas “Chineses e Japoneses”. O escritor é já bastante conhecido do público ledor chinês desde que em 1984 foi traduzido “O Crime do Padre Amaro”, a que se seguiram
os seus outros romances. Cumpre-se assim a admiração que o escritor sempre teve pelo grande país do sol nascente.


J. Rentes de Carvalho

J. Rentes de Carvalho
e Francisco José Viegas
no LeV 2014.
Entre 9 e 11 de maio decorreu na Biblioteca Florbela Espanca em Matosinhos mais uma edição de LeV-Literatura em Viagem onde, como é habitual nestes festivais, estiveram presentes escritores a sério, escritores faz de conta, reformados que, não tendo nunca escrito sobre as suas profissões, passaram a dedicar-se afanosamente à Literatura, escritores fabricados pelas editoras, campeões de literatura de supermercado, políticos metidos a escritores, enfim, um curioso painel de espécimes humanos dando encontrões uns aos outros à porta do Olimpo literário.
Salvou-se a noite de sábado em que foi feita uma homenagem ao escritor gaiense José Rentes de Carvalho, numa sessão sobre o tema “Nasci escritor”, durante a qual, Francisco José Viegas anunciou que a Quetzal vai republicar em outubro próximo Montedor, o seu primeiro romance que em 1968 teve um prefácio de António José Saraiva, onde este escreveu «o maior elogio do livro que tenho o gosto de prefaciar, é que não é uma repetição, mas uma invenção», ou seja, que o escritor criara um novo tipo de personagem até aí inédito na Literatura Portuguesa. Em 2015 será a vez de um romance inédito. Na ocasião a Confraria Queirosiana esteve representada, entre outros confrades por Carlos Sousa, membro da direção.

Grande Guerra 1914-1918

Joaquim Santos
apresentando o seu livro no RAL 4
Depois de no passado dia 5 de abril ter sido lançado em Leiria o livro “Jornalismo Leiriense e a Grande Guerra 1914-18” de Joaquim Santos, no RAL 4, sessão essa que contou com a presença de diversas autoridades militares, foi o mesmo livro apresentado em sessão civil no passado dia 10 de maio na Biblioteca Municipal Afonso Lopes Vieira, onde foi apresentado o filme dos anos 20 sobre a ida dos dois Soldados Desconhecidos para o Mosteiro da Batalha.
Entretanto, como acima noticiamos, o Solar Condes de Resende, instituição que este ano celebra 30 anos como propriedade municipal, iniciou também no passado dia 22 de maio o ciclo evocativo deste acontecimento mundial, com a colaboração da Academia Eça de Queirós, desencadeando um conjunto de investigações sobre este tema que irão sendo publicadas até 2018.


História 8.º ano

A Editora Asa acaba de colocar no mercado o conjunto didático Páginas da História para o 8.º ano de escolaridade, o qual teve a colaboração de Eva Baptista licenciada em Ciências-Históricas Ramo Património, professora, membro e colaboradora do Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR-CQ e investigadora do Solar Condes de Resende.

Congressos, colóquios, palestras e visitas

No passado dia 2 de maio, J. A. Gonçalves Guimarães, para o curso de bibliotecários do Instituto Superior de Economia e Gestão do Instituto Politécnico do Porte proferiu a palestra “As Bibliotecas da Minha Vida”; no dia seguinte, no Solar Conde de Resende deu a aula de encerramento do Curso sobre História Empresarial e Institucional sobre o tema “Empresários e Instituições portuenses”; no dia 10 de Maio, na Escola de Artes & Ofícios de Ovar, num colóquio sobre o projeto “O Cantar dos Reis em Ovar. Uma História de Diferenciação”, falou sobre “O Cantar dos Reis em Ovar”. Tradição Cristã e Singularidade Vareira”; no dia 17, de novo no Solar Condes de Resende, para o Clube Unesco da Maia, “Eça de Queirós e a Geração de 70” e ainda nesse mesmo local, no dia 22, a palestra “A 1.ª Grande Guerra em Vila Nova de Gaia”.
No sábado dia 17, Luís Manuel de Araújo, egiptólogo e diretor da Revista de Portugal realizou uma visita guiada à coleção egípcia da Universidade do Porto seguida de conferência no Salão Nobre da Reitoria. Nesse mesmo dia, no Museu do Vinho do Porto, na cidade do mesmo nome, Manuel de Novaes Cabral, presidente do IVDP e nosso confrade falou sobre o Porto 1815, o primeiro vintage de que há notícia fiável, também conhecido por Porto Waterloo ou Porto do Duque de Wellington, largamente referido nas obras de Eça de Queirós e objeto de curiosas falsificações ao longo dos tempos.
O Centro Cultural Eça de Queirós de Lisboa, com quem a Confraria Queirosiana está em vias de estabelecer um protocolo de colaboração, realizou ontem dia 24 de maio uma visita guiada pelo nosso confrade Fernando Andrade Lemos à Mãe de Água, nas Amoreiras, Lisboa, a que se seguirá uma palestra no Grupo de Amigos de Lisboa sobre a Simbólica dos azulejos da entrada do Hospital de S. José no dia 31 de maio e uma visita ao Aqueduto das Águas Livres no dia 14 de junho.
Entre 22 e 24 se maio decorreu no Porto o II Congresso Internacional sobre Património Industrial organizado pela Universidade Católica, no qual participou Laura Sousa, membro dos corpos gerentes dos ASCR-CQ e do seu Gabinete de História, Arqueologia e Património, que falou sobre a Fábrica de Santo António de Vale da Piedade em Gaia.

Protocolo dos Professores

O protocolo entre os Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana e a Associação da Casa dos Professores e Educadores de Gaia foi recentemente alargado de modo a possibilitar aos sócios de ambas uma maior participação nas respetivas atividades, nomeadamente no projeto da Casa – residência cuja construção se iniciará em breve e para a qual decorre um período de inscrição dos interessados.


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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 69 – domingo, 25 de maio de 2014
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154

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