sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Eça & Outras

FREGUESES OU CIDADÃOS?

Desde tempos remotos que as pequenas comunidades tribais com a mesma consanguinidade, a mesma fala e o mesmo deus se agrupam para melhor se administrarem e defenderem do que é extranho. Para tal definiam um território que lhes assegurasse os recursos de sobrevivência, escolhiam um chefe capaz e cultuavam um elemento simbólico central, menhir, templo, igreja, pelourinho ou edifício, conforme as épocas e as crenças.
As pequenas comunidades, indefesas contra os inimigos sérios – o clima, as pragas, as fomes, os invasores, a inanição social – procuraram agregar-se em comunidades maiores, cruzando-se com os vizinhos através de pactos familiares, desde que tivessem a mesma fala e o mesmo deus. Assim se constituíram as formas organizadas do poder, desde as aldeias e comunidades regionais, até às nacionalidades e imperialidades. Nestas últimas impunha-se pela força a fala, o deus e a administração, desde o poder central ao seu ínfimo representante. O território português, mal assimilado na imperialidade romana, continuou castrejo e aldeão na maior parte do território até aos dias de hoje, mais pela geografia passiva do que pelo planeamento dos recursos, despejado para o litoral e mais motivado para a fuga marítima do que para pôr a terra a render a sério. Por isso não admira que tenhamos chegado ao século XXI com uma malha administrativa, de um modo geral, decalcada das paroquias medievais em torno da sua ecclesia, sendo os moradores os filhos da igreja, os filigreses, logo fregueses, os da mesma freguesia. Acontece que os tempos foram mudando e hoje, em muitos casos, a realidade geográfica e económica já não tem na comunidade religiosa de base o seu epicentro. Logo a mesma já não pode servir como referência. A própria Igreja Católica, tantas vezes tida como entidade imóvel, desde sempre resolveu o problema das suas paroquias que não podiam sustentar-se unindo-as à paróquia vizinha passando um só pároco a administrar duas ou três.
Ao longo dos tempos houve poucas tentativas para racionalizar a administração local. Foram quase sempre alterações políticas que deram origem às grandes reformas, aproveitando momentos de reorganização social. É na crise dinástica dos finais do século XIV que se cria o Termo do Porto (o “Grande Porto”); é na guerra civil de 1832-1834 que se proclamam as reformas de Mouzinho da Silveira, que se prolongam pelo século XIX fora, logo desvirtuadas pelos influentes locais.
Após o 25 de Abril, com o regresso de muitos emigrantes de França e de retornados das ex-colónias reformados o país foi percorrido por uma estranha mania que pretendia transformar todas as freguesias em “mairies” à imagem gaulesa, com poderes sobre o território e os seus recursos como se fossem colonatos, e tudo isto justificado pela “democracia de proximidade”, quando na realidade os militantes destas estranhas propostas eram cada vez menos e, em muitos casos, recém chegados ao território que passaram a definir segundo a sua ideia e em desfavor do município a que pertenciam como um todo. Depois veio o seu alçamento em importância reivindicativa: bouças, matas, pedreiras e pinhais, com uma aldeia central ou várias dispersas, passaram oficialmente a “vilas”; dormitórios das velhas urbes passaram elas próprias a “cidades”; há “vilas” dentro de “vilas” e “vilas” dentro de “cidades” e tudo isto coexistindo com as juntas das freguesias medievais, que nuns casos administram cinquenta cidadãos numa velha aldeia despovoada e noutros casos territórios do tamanho de pequenos países com milhares de habitantes encavalitados em bairros sociais. Ressuscitaram-se incongruentes concelhos medievais que já não têm pastores nem cabras! Veja-se a heráldica entretanto criada, que está lá tudo!
Os valores como território, recursos, economia e planeamento foram sendo postos de lado em função dos pequenos jogos de poder local. De modo que a promulgação de uma nova reforma administrativa que atualize o mapa humano económico e social do país não vai ser fácil de implementar face à sua “balcanização”. Mas não se invoque a tradição para defender o imobilismo, ou pior, as incapacidades de reorganização que o tempo parece ter sancionado. Se há lição que a História nos pode dar é a de que as mudanças são inevitáveis e é melhor que sejam sensatas e consensuais para proveito dos que nelas vão ter de viver. E sobretudo não esqueçamos que «… o que a cidade mais deteriora no homem é a Inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade ou lha empurra para a extravagância… na cidade, nesta criação tão anti-natural onde o solo é de pau e feltro e alcatrão, e o carvão tapa o Céu, e a gente vive acamada nos prédios como o paninho nas lojas, e a claridade vem pelos canos, e as mentiras se murmuram através de arames – o homem aparece como uma criatura anti-humana, sem beleza, sem força, sem liberdade, sem riso, sem sentimento, e trazendo em si um espírito que é passivo como um escravo ou imprudente como um histrião…» (Eça de Queirós, A Cidade e as Serras). Cidadãos são pois os que praticam o valor da cidadania, seja na aldeia, na vila ou na cidade, sem nunca perderem de vista o que caracteriza a sua comunidade da fala e da cultura alargada ao conceito grande de nação como conjunto de regiões naturais administradas por municípios sustentáveis, e não apenas os pequenos interesses instalados que não conseguem ver mais além do que as pequenas colinas que delimitam a sua freguesia.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário mor
GRANDE CAPÍTULO

No passado dia 19 de Novembro a Confraria Queirosiana realizou o seu 9.º Grande Capítulo anual no Solar Condes de Resende, em Vila Nova de Gaia.
A mesa que presídio aos trabalhos foi composta pelos confrades César de Oliveira, presidente da mesa da assembleia-geral; Mário Dorminsky vereador da Cultura em representação do Dr. Luís Filipe Menezes, presidente da Câmara de Gaia; José Manuel Tedim, presidente da direção; Gonçalves Guimarães, mesário-mor e Olga Cavaleiro em representação da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas, os quais saudaram os presentes. Além de numeroso grupo de confrades queirosianos estiveram presentes representantes da Casa Adriano Ramos Pinto, Associação de Amizade Portugal-Egito, Associação dos Amigos de Pereiros, Centro Cultural Eça de Queirós, Confrarias da Doçaria Conventual de Tentúgal, do Bodo (Pombal), dos Sabores de Sintra, da Chanfana (Vila Nova de Poiares) e do Leitão da Bairrada, e Junta de Freguesia e Rancho Folclórico de Canelas (Gaia) e vários órgãos da comunicação social, entre os quais o jornal As Artes entre as Letras.
A sessão foi abrilhantada pelo trio de saxofones da Fundação Conservatório Regional de Gaia.
Foram insigniados como novos confrades Mónica Ferreira Rodrigues, professora e pedagoga, Marcus Vinicius Cocentino Fernandes, médico radiologista, Fernando Rui Morais Soares, economista e gestor, Fernando Afonso Andrade Lemos, professor e diretor do Centro Cultural Eça de Queirós, José Maria da Fonseca Carvalho juiz desembargador, Francisco Ribeiro da Silva, historiador e ex-vice-reitor da Universidade do Porto e Guilherme de Oliveira Martins, jurista, diretor do Centro Nacional de Cultura e presidente do Tribunal de Contas, tendo estes dois últimos usado da palavra em nome dos novos insigniados e salientado a perenidade da obra queirosiana nos dias que correm.
Em seguida foi assinado um protocolo de doação à Confraria por parte do Dr. Marcus Fernandes de um Núcleo Documental sobre Teófilo Braga e o Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo apresentou o n.º 8 da presente série da Revista de Portugal de que é diretor, dedicado aos 150 anos de Trindade Coelho. Na ocasião ofereceu à Biblioteca do Solar o catálogo da sua autoria da Colecção Egípcia da Universidade do Porto.
Após o discurso da Dr.ª Olga Cavaleiro representante da Federação, encerrou a sessão o Prof. Doutor José Manuel Tedim, que fez um breve balanço das atividades dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana no ano que em breve findará.
Seguidamente os confrades dirigiram-se à estátua de Eça de Queirós no Jardim das Camélias onde colocaram uma coroa de louros.
Após breves momentos de convívio nas salas onde estão expostos as obras do Salon d’Automne do presente ano, decorreu no pavilhão do Solar o jantar queirosiano animado por um grupo de bailarinos que puseram os Confrade e convidados a dançar enquanto nas mesas se iam dando sugestões para as próximas realizações culturais da Confraria.

REVISTA DE PORTUGAL

Conforme acima se escreveu, acaba de ser lançado o n.º 8 da nova série da Revista de Portugal, desta vez com as Atas das 1.as Jornadas Culturais de Mogadouro realizadas pela Confraria Queirosiana nos passados dias 18 e 19 de Junho, dedicadas aos 150 anos do nascimento de Trindade Coelho, com artigos sobre este jurista e escritor da autoria de Anabela Mimoso, José Silva Évora, António Manuel Silva e José António Afonso; sobre temas relacionados com a geração de 70 por João Bartolomeu Rodrigues, Maria de Fátima Teixeira e Dagoberto Carvalho J.or; sobre Santos Júnior por Carlos d’Abreu; o protocolo celebrado entre a Confraria Queirosiana e o escritor José Rentes de Carvalho; sobre a coleção egípcia da Universidade do Porto por Luís Manuel de Araújo; sobre cerâmica oitocentista por J. A. Gonçalves Guimarães; uma recensão sobre a obra “Valdozende” de Rosa Maria Lopes; a bibliografia de muitos confrades produzida em 2010 e, a encerrar, uma resenha das atividades da associação durante o ano passado. Este número teve o patrocínio da Vox Organização Industrial Gráfica, S. A., sediada em Canelas, Vila Nova de Gaia.

CONGRESSOS E COLÓQUIOS

CENTRO CULTURAL EÇA DE QUEIRÓS

Entre 16 e 19 de Novembro passado e, organizado pelo Centro Cultural Eça de Queirós, realizou-se o XVII Colóquio dos Olivais na Escola Secundária Eça de Queirós em Lisboa, subordinado ao tema “Vida e morte das cidades/1300 anos da Invasão da Península pelos árabes” para o qual o nosso confrade Fernando Andrade Lemos, diretor daquele Centro preparou uma comunicação sobre a “ Crónica moçárabe de 754”. Entre muitas outras comunicações, César Veloso apresentou “Alguns comentários sobre a lingerie das burguesinhas queirosianas”. Além de concertos de música e representações teatrais foi ainda lançado o n.º 3 dos Cadernos Culturais de Telheiras.

GASTRONOMIAS & ENOFILIAS

FEIRA DE S. MARTINHO

Nos dias 11, 12 e 13 decorreu no Solar Condes de Resende a Feira de S. Martinho de produtos do Douro, organizada pela Confraria Queirosiana e a Associação dos Amigos de Pereiros, S. João da Pesqueira, com a colaboração da Gaianima, EEM e da Junta de Freguesia de Canelas.
No primeiro dia o serão foi abrilhantado pelo Rancho Folclórico de Canelas e no segundo atuou o Coral da Justiça do Porto, com o seu coro, orquestra e grupo de danças e cantares tradicionais que encantaram os presentes.

VELEIRO CARREGA VINHO DO PORTO

Entrou recentemente no Douro a escuna holandesa Tres Hombres inteiramente movida à vela e que procura incentivar a utilização deste tipo de barcos não poluentes nos transportes marítimos de pessoas e mercadorias. Como noutros tempos atracou ao Cais da Estiva, do lado da cidade do Porto, tendo aí recebido carga de vinhos destinada ao Funchal da Casa Ramos Pinto sediada do lado da cidade de Gaia.
Tratando-se de uma cena atual ela evoca a antiga azáfama de ambas as margens do Douro quando recebiam as mercadorias de longes terras e embarcavam os produtos do Douro, a partir dos seus armazéns, em navios à vela das frotas mercantis do Atlântico e do Mediterrâneo.


Epitáfio de Jano











Aqui repousa em terra nunca arada
Jano cavalo lusitano
Filho de Vitória a de sangue árabe
E de Trovador em Alter nascido.
No estábulo de Leirez viu a madrugada
Em Janeiro de mil novecentos e noventa
No seu sangue talvez corresse
O dos cavalos que Xeique Rua
Tratou lá longe em Marrocos
Aliviando o seu cativeiro.
Com teu belo porte galopaste
Canelas fora até Vilar d’Andorinho
De Serzedo à Serra de Negrelos
Como se foras estátua andante.
De ti se recordarão teus donos
E todos aqueles que aprenderam
A cavalgar teu dorso inquieto.
Já não existe o campo onde corrias
Onde esperaste em vão pelas éguas
Que te perpetuassem a descendência
Os cavalos estão a desaparecer
Sem que a humanidade lhes agradeça
O terem-nos levado a todo o lado
Onde os navios não navegavam.
Morreste quando caíam as castanhas
Abanadas pelo vento sul
Com a chegada das primeiras chuvas.
A palha do teu estábulo já fenece
Enquanto a tua memória persistirá
Naqueles com quem foste generoso
Repousas entre o castanheiro e a figueira
Que te davam os frutos que comias
Mesmo sabendo certo o penso diário
Se em vez das rações da industria
Te tivéssemos dado só agricultura
Teus dias por certo se teriam dilatado.
Morreste ferrado para a última cavalgada
Que te leva à fonte da memória
Onde correrá sempre a água da saudade.

Fradique Rua Mendes
(bisneto de Fradique Mendes)
29 de Outubro de 2011

Brindar com Porto

Apetece-me beber um Porto com:

Assunção Esteves, a discrição esclarecida; George Wright por se ter tornado José Luís Jorge dos Santos; Mahmoud Abbas, pela entrada da Palestina na UNESCO; Norman Finkelstein, o Uriel Costa estadunidense que tem vindo a denunciar a venda da desgraça como mercadoria política.

Não, não quero brindar com:

Duarte Lima, porque quem vem do “nada” normalmente trás consigo pouca coisa que se aproveite; Presidente Obama, por permitir o corte da quota dos EUA à UNESCO.

Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 39 – Sexta-feira, 25 de Novembro de 2011
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
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confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.