terça-feira, 26 de abril de 2022

Eça & Outras, segunda-feira, 25 de Abril de 2022

Ano do Centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro e do Bicentenário da Independência do Brasil

A Leste nada de novo

         Partilhando convosco estas crónicas, desabafos e interrogações mais ou menos queirosianas sobre este nosso quotidiano, que mantenho com teimosa regularidade kantiana desde 2004, o que de mim exige uma qualidade a que sou bastante avesso, a disciplina, na minha mente pululam sempre vários temas que entendo dignos de mote para uma boa conversa. Que sobre tal esteja convicto ou iludido, não é hoje o caso: o tema sobre o qual a seguir disserto é-me extremamente desagradável e jamais pensei voltar na vida a ter de refletir sobre ele. Refiro-me à desgraçada guerra que se abateu sobre a Ucrânia, que está a destruir o seu povo, o seu território, as suas produções que, com a fertilidade dos seus campos, alimentavam fomes até noutras latitudes. Não que o tema guerra seja desconhecido da minha geração: nascidos já depois da II Grande Guerra, ainda em criança ouvimos falar do que foi o racionamento, a carestia, a falsa esperança democrática com a vitória dos Aliados que continuaram a proteger vários ditadores no pós-guerra. Mas também ouvimos falar dos açambarcadores que ganharam muito dinheiro com os víveres que faltavam a todos, os volframistas que vendiam calhoada debaixo de cascalho de volfrâmio embarcado para os dois lados do conflito, e outros que, tal como agora, enriqueceram durante a desgraça alheia e coletiva. A guerra foi lá longe, mas mesmo assim invadiu o quotidiano de nossos pais e avós. E por aqui nem todos eram pelos Aliados, pois havia igualmente muitos germanófilos, que nos tempos que se seguiram se esconderam da opinião pública.

Nos anos sessenta a realidade da guerra foi-se materializando nos vizinhos, nos familiares e nos amigos que partiam para as ex-colónias e não voltavam, ou quando regressavam vinham aleijados ou estranhos, muitos deles redigindo até hoje memórias que não os deixam dormir o sono dos justos. Conheci essa guerra pessoalmente e sobre ela posso testemunhar se alguém quiser, pois ainda hoje há quem a propósito dela debite discursos de fantasias, de chavões, de paranóias geopolíticas iniciadas em 1415 com a conquista de Ceuta, quando então começaram todas as guerras coloniais portuguesas, das quais a minha geração viveu e encerrou a última, pois estou convicto que não haverá mais nenhuma. Perto tínhamos o Quartel da Serra do Pilar que albergou um armazém de urnas de combatentes mortos que saíam a enterrar em viaturas durante a calada da noite para todo o Norte do País, que a guerra é uma vergonha que se esconde muito para além dos desfiles, das paradas, das medalhas. Para além dos dois túmulos de soldados desconhecidos mortos, um na Flandres, outro em África na I Grande Guerra, como símbolo de todos os soldados conhecidos que as suas mães, namoradas e companheiros de infância esperaram em vão, o país está cheio de epitáfios de soldados mortos em combate na Última Guerra Colonial. Essa consciência de que a guerra existia e esperava por nós, e de que não era um assunto só português mas internacional, levou-nos a vociferar através de vários meios contra a Guerra do Vietname e a solidarizarmo-nos com todos os povos invadidos e massacrados pelas outras potências coloniais. Mas mais recentemente tive alunos meus que não acreditavam que os EUA tinham sido derrotados naquela guerra, pois da mesma só conheciam os filmes do Rambo, quase sempre ofensivos para o povo vietnamita, fantasias impingidas em gigantescas doses pela poderosa indústria do show business mundial que suporta a comunicação social “normalizada”.

         Tendo a minha geração quase ignorado fora do noticiário quotidiano as guerras que o desabar do império soviético e a cobiça da NATO originaram na antiga Jugoslávia, a guerra permanente na Palestina desde 1948 e assistido em direto, sem reação aparente, às guerras do Afeganistão, do Iraque, da Líbia e de muitas outras terras espalhadas pelo mundo, parece que finalmente uma nova consciência humanitária se tem vindo a instalar com o generalizado repúdio pela invasão da Ucrânia pelo exército de Putin, que além de massacrar, destruir, pilhar, inviabilizar e tentar aniquilar o povo ucraniano e o seu direito à independência, está também a destruir o seu próprio povo, a levá-lo cada vez para mais longe da Democracia e da comunhão fraterna dos povos. O legado cultural que Gogól, Tolstoi, Dostoiévski, Tchékhov, Kondratiev, Gorki, Soljenitsin, Pasternak e outros escritores, historiadores e pensadores, ou as imortais partituras de Glinka, Dostoiévski, Mussorgsky e outros músicos, toda uma civilização admirada e respeitada pelo mundo culto que nos foi oferecida por tanto expoente russo, está agora a ser escorraçada da convivência dos povos pelos crimes de guerra cometidos todos os dias por uns cinzentíssimos generais e uns não menos tenebrosos políticos cujo ideal é apenas a destruição e a guerra. «… Por causa dela, e só dela, duas altas nações do mundo estão em áspero conflito, e a diplomacia hesita esgazeada, e as Bolsas cambaleiam tomadas de pânico e pelos ares passa, com o seu costumado ruído de ferro e dor, a velha Belona, deusa da guerra!» (Eça de Queirós, Cartas de Paris. Cartas Familiares). Voltam as palavras do escritor, mais de cem anos depois, a estar tristemente certas.

         Enquanto os números da desgraça todos os dias se somam e os refugiados batem à porta das nações ansiosos por paz e oportunidades, o mundo temeroso perante a insanidade militar da Rússia e a inconsciência dos que brincam às geoestratégias como se estivessem perante um tabuleiro de xadrez em vez de estarem perante um mundo de pessoas que só querem ter direito a ser felizes nesta vida, as bombas continuam a cair na Ucrânia e noutras regiões do planeta. Nestes dias não, não se vislumbra a Leste nada de novo. Mas mantenhamos uma esperança ativa de que um dia «os justos governarão a Terra» e partamos já hoje à sua procura para anteciparmos esse encontro que urge. Antes que seja tarde demais.

 J. A. Gonçalves Guimarães

secretário da direção


         No passado dia 7 de abril decorreu em Maceió, Alagoas, uma sessão evocativa dos 200 anos da Independência do Brasil, localmente organizada pela Academia Alagoana de Letras com a colaboração da associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, com sede em Vila Nova de Gaia, mas que agrega associados em todo o Portugal e também no Brasil. Assim, pelas 9,30 horas do Brasil (13,30 em Portugal), em transmissão direta através da TV Alagoana via Youtube, Alberto Rostand Lanverly, presidente daquela academia saudou os telespetadores que acompanhavam a emissão, a que se seguiram palavras de boas vindas pelo académico Carlos Barros Méro. Seguidamente, a partir de Vila Nova de Gaia via Zoom, seguiu-se uma palestra pelo Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva, historiador e confrade queirosiano, intitulada «A receção da independência do Brasil no Parlamento Português», após a qual o presidente da AAL apresentou o Dr. António Pinto Bernardo que ali em Maceió representava a direção da Confraria Queirosiana, que em seguida dissertou sobre as inter-relação com o Brasil segundo os fecundos propósitos de Eça de Queirós expressos em diversos textos e cartas do escritor, após o que se seguiu a outorga ao palestrante do título de sócio correspondente daquela academia, tendo na ocasião sido também saudado pelo Dr. Marcelo Malta, subprefeito de Satuba, Alagoas, e confrade queirosiano.


Curso de História, Património e Turismo

Com uma aula sobre «Turismo em Gaia e na Área Metropolitana do Porto» pelo Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues, professor de Sociologia na FLUP, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e presidente da Área Metropolitana do Porto, terminou o curso livre sobre História, Património e Turismo, organizado pela Academia Eça de Queirós, secção de trabalho para o ensino da associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, com a colaboração do Solar Condes de Resende (Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia). Na ocasião o conferencista falou sobre as suas perspetivas para a retoma do Turismo quer no Centro Histórico de Gaia e noutras áreas do município, quer em toda a Área Metropolitana do Porto e mesmo do Norte do País. 

Confrarias gastronómicas

       No passado dia 23 de abril realizou-se na Póvoa de Varzim o IXº Capítulo da Confraria dos Sabores Poveiros, o qual decorreu no Cine Teatro Garrett, onde atuou o Coro da Capela Marta e de seguida a Dr.ª Deolinda Carneiro, diretora do Museu local, apresentou o seu estudo sobre a Camisola Poveira. Após a insigniação dos novos confrades, as mais de quarenta confrarias presentes desfilaram pelas ruas da cidade, seguindo-se um almoço com animação em Balazar. A Confraria Queirosiana fez-se representar nesta terra onde Eça de Queirós nasceu por quatro membros dos seus corpos gerentes, António Pinto Bernardo, César Oliveira, J. A. Gonçalves Guimarães e Manuel Moreira.

         No próximo dia 30 de abril decorrerá no Ateneu Comercial do Porto e no Grande Hotel do Porto o I Capítulo da Rabanada, no qual a Confraria Queirosiana igualmente se fará representar. 

Livros

Joaquim Lima Moreira Vaz, ex provedor da Santa Casa da Misericórdia de Gaia e sócio da ASCER-CQ, acaba de publicar as suas memórias no livro que intitulou Momentos de uma vida, que apresenta sempre muito bem acompanhados de fotografias, desde a infância gaiense passando pela vida profissional na margem direita do Rio Douro, mas sobretudo na sua ação ao serviço dos outros e da coletividade em diversas instituições de solidariedade social por onde tem passado. Apresenta igualmente os seus locais de eleição, de entre os quais se destaca na freguesia de Gulpilhares aquele seu ex-libris que é a capela do Senhor da Pedra. Para além de todas as borrascas e nevoeiros que todas as vidas enfrentam, a sua via da solidariedade transparece em todos estes momentos autobiográficos desde a sua juventude.

Manuel de Novaes Cabral, ex-diretor do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto e atualmente do Museu Nacional Ferroviário com sede no Entroncamento e vários núcleos espalhados pelo país, cônsul honorário da França no Porto e homem de várias devoções artísticas e literárias lançou ontem domingo, dia 24 de Abril pelas 17 horas na Casa Comum da Universidade do Porto, vulgo Reitoria, na Praça Gomes Teixeira, vulgo Leões, o seu livro de reflexões sobre Um certo Porto, na ocasião ilustrado pelo videofilme inspirado no seu texto «Do mar e da foz». Entre os apresentadores da obra estará o historiador Joel Cleto.


A Mulher e o Amor na Ficção Queirosiana

Entretanto chegou ao nosso conhecimento a existência da obra Sob o signo do Logro: a Mulher e o Amor na Ficção Queirosiana, dissertação de Mestrado em Estudos Portugueses da autoria de Fernando Miguel de Matos Gonçalves apresentada à Faculdade e Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa em setembro de 2014. «Centrada na obra de Eça de Queirós, a presente dissertação tem como principal finalidade perceber de que forma o logro, a desilusão e a solidão se encontram associados à imagem da Mulher e à temática do Amor. Assim, partindo de uma análise às personagens femininas dos romances deste escritor, chegamos a temas como as “máscaras” do indivíduo na sociedade, as quais estão intimamente ligadas à hipocrisia, à mentira e, por vezes, ao ridículo. Será este o fio condutor que percorrerá todo o texto, ligando os assuntos supracitados a questões tão abrangentes como a interrogação identitária, decorrente da projeção do Eu no Outro, ou os valores da sociedade oitocentista, onde as mulheres assumem um papel central – para o melhor e para o pior». Encontra-se disponível online.

Património Cultural

Para a comemoração dos seus 20 anos, o jornal O Gaiense lançou de novo um evento público para a escolha de 22 maravilhas gaienses nas áreas do património nas seguintes modalidades: móvel, natural, gastronómico, monumental e imaterial. Já em 2013 organizou um primeiro evento que chamou a atenção para muitos dos ícones do município. Já então as peças a considerar foram inicialmente indicadas pelas juntas de freguesia e depois selecionadas por um júri, mas também por votação do público. Desta feita do júri fazem parte, entre outros, os queirosianos J. A. Gonçalves Guimarães, investigador, professor de Património e responsável pelo Solar Condes de Resende, e Manuel Filipe diretor dos Auditórios de Gaia, que selecionaram para por à consideração do júri e do publico, numa segunda fase, 35 dos vários monumentos, sítios, romarias e iguarias gaienses, entre as quais o Solar Condes de Resende e as Tesserae Hospitales romanas que aí se guardam. As 22 maravilhas selecionadas serão reveladas numa gala a realizar a 7 de maio num hotel de Vila Nova de Gaia.

Conferências e palestras

         Integrada nas comemorações do 50.º aniversário da Associação Recreativa Novelense (Novelas, Penafiel), decorreu ontem, dia 24 de abril pelas 21 horas no salão a Junta de Freguesia de Penafiel a apresentação do opúsculo «Humberto Delgado, as eleições de 1958 e a relação com Novelas» pelo seu autor, o Doutor Adrião Cunha, a que se seguiu um concerto musical.

      Nas habituais palestras das últimas quintas-feiras do mês do Solar Condes de Resende, no próximo dia 28 de abril a Dr.ª Inês Vinagre falará sobre «O Núcleo de Azulejos da Coleção Marciano Azuaga», tema que estudou durante um estágio patrocinado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia naquela instituição para a obtenção do grau de Mestre em História da Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Empresas


No dia 8 de abril passado decorreu em Vila Nova de Gaia um evento excecional como há muito se não via: enquanto a tendência nos últimos cinquenta anos tem sido o desaparecimento de antigas empresas de vinhos do Porto e do Douro, a sua transferência para o Douro Superior ou Alto Douro, ou a sua integração em grandes empresas internacionais lideradas por uma marca-âncora, abriu as portas nuns antigos armazéns da Rua Rei Ramiro, ao Castelo de Gaia, a jovem empresa João Nicolau de Almeida & Filhos, mas que historicamente sucede, até do ponto de vista genealógico, à empresa António Nicolau de Almeida & C.ª, fundada em 1870, no século passado integrada no universo de marcas da Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, que desta firma não usou. Empresa familiar, liderada por João Nicolau de Almeida, o criador do Duas Quintas, por sua vez filho de Fernando Nicolau de Almeida, o criador do Barca Velha, agora em colaboração com sua mulher Graça Eça de Queiroz Cabral Nicolau de Almeida e seus filhos Mateus, João e Mafalda, produz agora uma gama de vinhos muito personalizados produzidos na sua Quinta do Monte do Xisto que fundou em terreno virgem em Vila Nova de Foz Côa, perto deste rio e da sua confluência com o Douro. Mas esta abertura dos seus armazéns e loja de vendas em Gaia é, de certo modo, um auspicioso regresso às origens, pois os seus antepassados são oriundos das Regadas e das Costeiras, ali mesmo junto ao Castelo de Gaia, zona histórica matricial da atual cidade e do município, e mesmo do nome do país Portugal que se batizou com vinhos que foram depois correr o mundo com o conhecido sucesso.

         Nesta abertura festiva, estiveram presentes conhecidos produtores de grandes vinhos, seus familiares e amigos, descendentes de Eça de Queirós e vários confrades queirosianas, sendo dominante a presença de muitos jovens num ambiente de música heavy metal, bem indicadora da renovação geracional do Douro vinhateiro.

Exposições

       Também nos dias 8 e 9 deste mês de abril o escultor Hélder de Carvalho, autor de, entre muitas outras obras públicas e privadas, das estátuas de Eça de Queirós e do busto de J. Rentes de Carvalho existentes no Solar Condes de Resende, abriu aos seus numerosos amigos e ao público em geral as novas instalações do seu atelier, tal como o anterior situado nas instalações da antiga Empresa Electro-Cerâmica no Candal (Candal Park), mas agora muito mais amplo e com capacidade para a conceção de obras de muito maior envergadura, uma das quais já ali em elaboração. Por entre o corrupio de colegas artistas, admiradores, encomendantes e curiosos, deu ainda para apreciar uma exposição ali patente de diversos retratos desenhados, pintados e modelados em barro, gesso ou já fundidos, de muitas personalidades das Ciências, das Letras e das Artes do nosso tempo ou do passado, nomeadamente o busto do patriota e poeta ucraniano Taras Shevchenko, inaugurado em Lisboa em setembro de 2019.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 164, segunda-feira, 25 de abrilde 2022; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: AAL; O Gaiense; João Nicolau de Almeida & Filhos; Escultor Hélder de Carvalho.