domingo, 25 de dezembro de 2011

Eça & Outras


Os perigos da História

Desde que me licenciei em História, mestrei em Arqueologia, lecionei Património, procurei exercer as profissões daí decorrentes com a sabedoria possível, a exigência adequada, a honestidade imprescindível – como em qualquer outra profissão para a qual são exigidos requisitos académicos de base - Sempre me preocupei com a função social e cultural do seu exercício, em acrescentar alguma mais valia àqueles que recorrem aos produtos que vendo para que sintam que o salário que me pagam é bem empregue e que eu corresponda com algum bom nome na praça. Suponho que o normal em qualquer profissão.
Curiosamente nunca dei contas que alguns dos meus mestres, salvo raras exceções, tivessem em grande conta a sua profissão: bastavam-se como professores, como funcionários públicos, grau isto, vencimento aquilo. Posso mesmo afirmar que na faculdade que frequentei nunca me ensinaram a exercer a profissão que escolhi e, pelo que vou sabendo, o mesmo continua nos dias de hoje. Logo que pude, nas disciplinas que lecionei noutra universidade procurei corrigir essa anomalia da formação e, aí, o meu espanto foi ao contrário. Tinha alunos que não queriam saber disso para nada. Queriam apenas ter o “canudo” para ocuparem um lugar já prometido ou que tinham em vista. Qualquer coisa como “administrativos” ou “relações públicas”, mas com vencimento de “técnicos superiores”. A função pública e as empresas privadas estão cheias deles e não sou eu que vou mudar o mundo.
Mas pior do que isso foi descobrir, incrédulo, espantado, que na História havia, muito mais do que seria de esperar, tabus, mitos, ideias feitas, crenças, seitas, lendas, obras escritas em pedra ou bronze, que não se podiam contrariar pela análise, pela crítica, pela conclusão, pela simples verificação dos dados. E não pensem que estou a referir-me à História Antiga ou a acontecimentos da névoa dos tempos. Lembro-me de numa aula os meus alunos me interpelarem, como se eu tivesse dito uma heresia, ao afirmar «… quando os americanos perderam a guerra do Vietname…». É que eles, nascidos depois de 75, só conheciam este acontecimento da História recente pelos filmes do Rambo. Num colóquio recente, quando afirmei, analisando as fragilidades históricas da democracia, que Hitler chegou ao poder através do voto popular e que o seu partido foi ajudado pelos que tinham receio que o Partido Comunista, se ganhasse as eleições, nacionalizasse a sua banca e as suas fábricas, perpassou pela assistência um arrepio de incredulidade, uns “não pode ser”. Com a História local ou regional ainda é pior: veja-se o que aconteceu com a corajosa revisão biográfica de D. Afonso Henriques feita por A. de Almeida Fernandes, que o pôs a nascer em Viseu. Quando um dia disse a um colega de profissão que convinha voltar a rever a autenticidade do foral do Porto de D. Teresa, aspeto que já alguns diplomatistas do século XVIII abordaram, até porque D. Hugo era um conhecido falsário da escola de D. Gelmires de Compostela, ele reagiu, não como um cientista da memória, mas como crente em verdades incontestáveis com o mau humor de adepto de clube de futebol em dia de derrota. Fiquei pasmado.
É pois difícil exercer a profissão de historiador ou arqueólogo. A sociedade prefere os contadores de estórias que vão perpetuando os mitos universais, nacionais, regionais, locais. Não há prémio Nobel em História, embora o haja, por exemplo, em Economia, essa espécie de exercício divinatório sobre o quotidiano das pessoas e das sociedades, com muitas probabilidades e matemáticas, cujas contas raramente batem certo e só se ajustam quando já não são precisas. E, no entanto, a Academia sueca premeia anualmente este charadismo atualmente quotidiano nos media tentado substituir o tarot, os videntes e os horóscopos com muito menos esperança. Tenho mesmo verificado que os historiadores e arqueólogos começam a ter a cabeça a prémio: no recente romance policial de José Rodrigues dos Santos, O Último Segredo, que não é segredo nem será o último, alguns historiadores e arqueólogos são assassinados ou quase. Já estamos longe d’ A Relíquia de Eça de Queirós, em que este autor, nos mesmos locais e em volta do mesmo tema daquele recente romance, à falta de arqueólogos portugueses ao tempo, lá colocou o alemão Topsius, aliás «intoleravelmente vaidoso da sua pátria», hoje pecha inaceitável para quem estuda a pátria dos outros.
Outro aspeto que sempre me incomodou foi o pensar-se comummente que, conhecendo o passado, os historiadores são adeptos do imobilismo social, ou da defesa de paraísos perdidos que nunca existiram. Tal não é verdade, pois se há lição que a História nos ensina é a de que «todo o mundo é composto de mudança». Poderia ainda aduzir, pegando nas palavras de Eça, que «A história é a consciência escrita da Humanidade» (Uma Campanha Alegre), ou que «As ciências históricas são a base fecunda das ciências sociais» (Prosas Barbaras). Mas provavelmente os mitómanos não quererão saber disso para nada. Recentemente ouvi um jovem professor de História dizer que ensinava aos seus alunos que os besantes das quinas do escudo nacional representavam as cinco chagas de Cristo. Doeu-me por Herculano. Alguns destes historiadores têm futuro assegurado. Não fico contente.

J. A. Gonçalves Guimarães

COLÓQUIOS E EXPOSIÇÕES

Rentes de Carvalho no Porto

J. Rentes de Carvalho no Porto
No passado dia 11 de Dezembro, na Biblioteca Almeida Garrett no Porto, decorreu um colóquio-entrevista com o escritor José Rentes de Carvalho com um anfiteatro cheio, num dia de inverno com chuva e frio. Presentes vários confrades queirosianos, uma delegação da Câmara de Mogadouro, professores e alunos de literatura, o escultor Helder de Carvalho que recentemente o retratou em busto, muitos dos seus leitores fiéis e entusiastas. O escritor revelou-se, como sempre, um notável performer da comunicação, subindo e descendo o palco até à assistência, apresentando-lhes em contraponto permanente os seus três eus: o cidadão português, o cidadão holandês e o escritor do mundo e da singularidade humana. Estava o diálogo no auge quando um corte generalizado na corrente eléctrica na cidade do Porto o encerrou, não abruptamente, pois mesmo com as luzes de emergência Rentes de Carvalho continuou a distribuir autógrafos e a conversar com os seus admiradores. A Biblioteca não tem gerador eléctrico para estas emergências.

Rostos por Helder de Carvalho
J. Rentes de Carvalho por Helder de Carvalho

Na Casa Museu Teixeira Lopes em Vila Nova de Gaia, está patente ao público até 31 de Dezembro uma exposição de retratos modelados pelo escultor Helder de Carvalho intitulada “Rostos e Pessoas – Outros Olhares”. Entre os retratados figuram muitas das figuras cimeiras da Cultura Portuguesa do passado e do presente, modeladas, desenhadas a preto e a cores, reinventadas nos seus traços fisionómicos inconfundíveis e, entre elas, o escritor José Rentes de Carvalho que o artista contatou pessoalmente aquando das 1.as Jornadas Culturais do Mogadouro em Junho passado, tendo-lhe nessa altura oferecido alguns esboços que lhe serviram de procura para o busto agora exposto.


LIVROS E TEXTOS

Monografia de Pereiros

No passado dia 4 de Dezembro foi lançada a Monografia de Pereiros, S. João da Pesqueira, editada pela Associação dos Amigos de Pereiros com a colaboração da Confraria Queirosiana. Coordenada pelo confrade A. Silva Fernandes, apresenta estudos sobre a Toponímia local de Gonçalves Guimarães e sobre a História da paróquia por Nuno Resende e, entre muitos outros aspetos, uma galeria dos pereirenses ilustres ainda vivos.
Após o lançamento na sede daquela associação, a obra foi igualmente apresentada na Biblioteca Municipal de S. João da Pesqueira, com a presença de José Tulha, presidente da câmara, e demais vereação.

Doutoramento sobre Eça

No passado dia 14 de Dezembro foi lançada na Livraria Almedina Estádio, em Coimbra, a obra que tem por base a tese de doutoramento de Joana Duarte Bernardes intitulada “Eça de Queirós: riso, memória, morte”, apresentada na Faculdade de Letras da Universidade da cidade do Mondego.
A apresentação da obra esteve a cargo do Prof. Doutor José Carlos Seabra Pereira.

Eça no Notícias de Colmeias

O número 144 de 4 de Dezembro passado do Noticias de Colmeias (Leiria), de que é diretor o nosso confrade Dr. Joaquim Santos e dedicado a Dezembro, o mês do Natal, apresenta duas verdadeiras prendas queirosianas: de A. Campos Matos, o texto “Acerca da Leiria de Eça de Queiroz”, e de Orlando Fernandes “José Maria de Eça de Queiroz. A sua escrita é hoje tão viva”. No primeiro caso o conhecido autor da mais recente biografia do escritor salienta a importância da preservação do espaço queirosiano da cidade para o Turismo Cultural; no segundo, uma breve síntese biográfica com pontes para a atualidade.
Entre muita outra colaboração neste número natalício, o anúncio da nova edição do “Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria”, da Textiverso, promovida pelo nosso confrade Ricardo Charters d’Azevedo, a qual foi lançada no passado dia 10 de Dezembro naquela cidade, apresentada pelo padre Luciano Cristino.

Valsa queirosiana

Publicado a primeira vez em 2006, Cem anos sem uma valsa. Romance Queirosiana, de Manuel Córrego, editado pela Campo das Letras, é a recriação de um cinematográfico exercício sobre Eça de Queirós como criador de personagens, no qual o escritor, as figuras reais da sua vida e as da sua ficção se entrecruzam e dialogam, como que desejando estar presentes agora que dele se diz «Eça de Queirós é uma compensação à decadência de Portugal», agora que em vez da valsa austríaca ou inglesa temos a marcha fúnebre alemã, por enquanto só económica.
Não é este o primeiro trabalho de temática queirosiana do autor, que já em 1999 tinha publicado “Trilogia Queirosiana”, uma obra para teatro.
Eça de Queirós continua pois a inspirar os mais recentes exercícios literários e ficcionais.

TEATRO E CINEMA

Eça inspira novo filme

Como é sabido Eça de Queirós criou Fradique Mendes, o qual por sua vez inspirou o romance Nação Crioula de José Eduardo Agualusa. O realizador José Barahona pegou no manuscrito inventado de Fradique e partiu desta ficção para o seu filme O Manuscrito Perdido, rodado em S. Salvador da Bahia e em outras localidades brasileiras, seguindo a ficcional rota de Fradique em volta dos encontros e desencontros entre brancos, índios e africanos. O filme ganhou o prémio TV Brasil, devendo ser exibido ao público brevemente.

Selton Mello e Eça

Numa recente entrevista no jornal Destak (9 de Dezembro), o ator brasileiro da série “A Mulher Invisível” da TV Globo Portugal declarou «… faço questão de dizer que João da Ega, da mini-série Os Maias, foi um dos pontos altos da minha carreira. A narrativa fabulosa de Eça de Queiroz proporcionou-me momentos sublimes».
O Brasil continua a ter uma enorme admiração pelo escritor nascido na Póvoa de Varzim.

Os Maias no Cadaval

Nos próximos dias 3 e 4 de Fevereiro do ano que se segue, vai subir ao palco do Auditório Acácio Barreiros do Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, uma versão teatral de Os Maias, adaptando o romance às mais recentes técnicas cenográficas.

Brindar com Porto

Sim, bebo um Porto à memória de: Serra Formigal, o Signore Ópera que Portugal teve; Luís Francisco Rebello, a memória do Teatro em Portugal; Cesária Évora, a Senhora Sodade.
Não, não quero brindar com: Jacques Chirac, porque a França deve ser o país da Liberdade, Legalidade, Fraternidade; George W. Bush, responsável, com mais alguns, pela morte no Iraque, desde 2003, de mais de 100.000 iraquianos e 4.500 americanos.

Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 40 – Domingo, 25 de Dezembro de 2011
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
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eca-e-outras.blogspot.com; coordenação da página:
J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira; Colaboração: Dias Costa; 
inserção: Amélia Cabral.