sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Eça & Outras


 Sovados, humilhados, arrasados!

Como historiador profissional sempre entendi que a História tem uma importante função social a desempenhar. Se assim não for não passará de uma decoração natalícia, vistosa e piscante, com lugar certo na vida das comunidades, mas que logo depois se guarda nos arrumos à espera de nova ocasião de uso, em que se oscila entre a tradição e a inovação, mas apenas decorativa e efémera. Ora não é esse o conceito da História que tenho trabalhado, ensinado e divulgado, como aliás não é o de muitos outros bons companheiros de jornada, antigos e atuais. Claro que ainda hoje, mesmo pessoas com formação académica, à História preferem a mitologia, por ser mais “cultural”, mais pacífica, mais preenchente do ego, pouco questionável (para quê, se são mitos?), mais decorativa, ou seja mais inútil, porque incapaz de produzir pão, máquinas e riqueza para o dia-a-dia de milhões de seres em todo o mundo. Compreendo que os famintos de pão, de trabalho, de dinheiro, de sossego e de convívio humano, ainda que ricos, se sintam inclinados para os mitos, as grandes ou pequenas fantasias, as grandes ou pequenas burlas, as mais das vezes revestidas com papéis prateados da “técnica”, da “saúde”, da “ciência” e, oh deuses! “da cultura”, e mais recentemente “do social” ou dos “media”. Compreendo, mas não aceito, porque eles não fazem sequer ideia do que é a solidão dos fraternos, dos desalinhados, dos caminheiros infatigáveis em busca da humana felicidade, essa «…pluma que o vento vai levando pelo ar» (Vinícius de Morais, parabéns por seus 100 anos de eterna juventude. Sarabá!) Mas então quais são as diferenças ensinadas pela História? São simples, como quase tudo na vida: os pobres são consumidores e divulgadores de mitologias. Os ricos produzem-nas e institucionalizam-nas para se manterem no poder. Os remediados, quando têm algum incómodo social, trocam de mitologias e, quando alguns deles chegam a ricos depois das revoluções, passam a produzir novas mitologias para os povos passarem a consumi-las. Sempre assim tem sido. Nos últimos tempos tem crescido o número de ricos e de pobres e há cada vez menos remediados, razão pela qual as mitologias se têm vindo a reforçar sem conseguirem mudar nada nem coisa nenhuma. Por isso, nestes dias em que o terrorismo de Estado e dos fundamentalistas, nacional e internacional, nos entra a toda a hora pela casa adentro, lembro-me daquelas palavras de Eça quando um dia imaginou (ingénuo!) meter medo aos políticos portugueses colocando no mercado uma ficção sobre a invasão de Portugal pela Espanha. Imaginava então ele que «sovados, humilhados, arrasados, escalavrados, tínhamos de fazer um esforço desesperado para viver. E em que bela situação nos achávamos! [Sem governo], sem essa caterva de políticos, sem esse tortulho [da troika], porque tudo desaparecia, estávamos novos em folha, limpos, escarolados, como se nunca tivéssemos servido. E recomeçava-se uma história nova, um outro Portugal, um Portugal sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora… Meninos, nada regenera uma nação como uma medonha tareia… Oh! Deus de Ourique, manda-nos o [banqueiro internacional]! (Eça de Queiroz, Os Maias, [com atualização de expressões da minha responsabilidade], sossegando-nos porém, através de Ega, que a «… invasão [da troika] não significa perda absoluta da independência. Um receio tão estupido é digno só de uma sociedade tão estupida como a do Primeiro de Dezembro. Não havia exemplo de [dez] milhões de habitantes serem engolidos, de um só trago, por um [consórcio de algumas centenas de banqueiros que devem viver algures, dormir em mansões de luxo e ir à sanita de vez em quando como qualquer mortal].
Depois ninguém consentiria em deixar cair nas mãos [deles] esta bela linha de costa de Portugal [e a sua área marítima exclusiva que vale quinquilhões]. Sem contar as alianças que teríamos a troco das [regiões autónomas] – das [regiões autónomas] que só nos servem, como a prata de família aos morgados arruinados, para ir empenhando em caso de crise… Não havia perigo; o que nos aconteceria, dada uma invasão [dos mercenários da União Monetária Internacional], num momento de guerra europeia, seria levarmos uma sova tremenda, pagarmos uma grossa indeminização, perdermos uma ou duas [regiões autónomas], ver talvez a Galiza estendida até ao Douro…» (idem, idem, idem, peço desculpa pela atualização, meu Eça, mas tem de ser). Ora eu, não querendo ser troikano, também não quero ser galego, nem castelhano, nem alemão. Sou português, gaiense, portucalense, duriense, alentejano, açoriano, madeirense, algarvio, lisboeta, e o mais que for preciso, desde que universal pela mão de Camões, de Vieira ou de Rentes de Carvalho, tal como tu, meu Eça.
Já estamos a ser sovados desde o século passado. Será que estamos a aprender? Estamos efetivamente a regenerarmo-nos? Meu Eça, como eu desesperadamente quero que isso seja verdade. Se tal acontecer, irei a pé à tua imaginada Torges em peregrinação, pensando «… que outros homens [e mulheres], com uma certeza mais pura do que é a Vida e a Felicidade, dariam como eu com o pé no lixo da supercivilização, e, como eu, ririam alegremente da grande ilusão que findara, inútil e coberta de ferrugem» (Eça de Queirós, Civilização).

J. A. Gonçalves Guimarães

Livros

O Crime do Padre Amaro

No âmbito das comemorações dos 500 anos da Biblioteca da Universidade de Coimbra, o jornal O Público está a divulgar uma coleção de primeiras edições fac-similadas do espólio daquela instituição, entre as quais Os Lusíadas, de Luís de Camões; As Praias de Portugal, de Ramalho Ortigão, com a Granja por onde passaria Eça de Queirós; Coração, Cabeça e Estomago, certamente o melhor romance de Camilo Castelo Branco; e O Crime do Padre Amaro de Eça de Queirós, posto à venda em livro em 1876. Quanto às restantes obras, ai encontramos autores como o Padre António Vieira, Vitorino Nemésio, Almeida Garrett, Soeiro Pereira Gomes, Almada Negreiros, Mário de Sá Carneiro, Raul Brandão e Maria Angelina, José Régio, António Nobre, Irene Lisboa, Natália Correia e Fernando Pessoa.


Saúde Mental

No passado dia 10 de Outubro, na Ordem dos Médicos do Porto foi lançado o livro, O Centro de Saúde Mental de Vila Nova de Gaia de Jaime Milheiro, no dia mundial dedicado à saúde mental, tendo o livro sido oferecido a todos os presentes.
Segundo o autor, «particularizado em Gaia, neste livro discutem-se problemas assistenciais e mentalidades, estigmas e comunidades. Fazendo história e solicitando futuro, discute-se a forma como se ganha ou como se perde a Saúde Mental de todos e de cada um, numa narrativa breve… feita na primeira pessoa».



Obra Selecta

No dia 11 de Outubro, no salão nobre da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim foi lançado o Tomo II vol. I das obras completas do Professor Doutor João Francisco Marques, dedicado a temas sobre Religião, Política e Sociedade. O autor é professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Vinhos e Arte

No próximo dia 7 de Novembro, no restaurante 100 Maneiras em Lisboa, será feita a pré-apresentação do livro Adriano Ramos Pinto Vinhos e Arte de Graça Nicolau de Almeida e J. A. Gonçalves Guimarães, num jantar organizado pela Casa editora. O livro traça a biografia do fundador e dos seus diretos sucessores à frente da empresa, dando especial destaque ao seu universo de inconfundível Arte Publicitária, divulgando muitos documentos e imagens inéditas do seu Arquivo.




Os Idiotas

No dia 26 de Outubro, na livraria Traga-Mundos de Vila Real, o escritor José Rentes de Carvalho apresentará o primeiro romance do escritor Rui Ângelo Araújo intitulado Os Idiotas, imprescindível para percebermos com que linhas se tem cosido o Portugal democrático e como ele se tem implantado por essa paisagem fora.


Leiria no século XIX



Ricardo Charters de Azevedo continua a divulgar preciosos textos sobre Leiria, desta vez William Charters, um oficial inglês em Leiria no século XIX, obra que terá a sua apresentação no Arquivo Distrital de Leiria no próximo dia 16 de Novembro, e que abarca o período das «invasões francesas, as guerras liberais e as vivências socioculturais, com um estudo sobre a família Charters».



Cinema e visitas

Os Maias no cinema

A filmografia queirosiana conta já com muitas e várias versões de obras do escritor. Nestes dias o realizador João Botelho está a rodar a primeira adaptação cinematográfica de Os Maias, a qual deverá aparecer a público em Setembro do próximo ano e conta com um elenco de grandes atores portugueses e brasileiros. Será apresentada em duas versões, uma para cinema, outra como série televisiva.


O Porto de Eça

No próximo dia 27 de Outubro, o jornalista Germano Silva vai continuar uma série de passeios à descoberta da cidade do Porto, desta vez subordinado ao tema “Eça de Queirós e o Porto”, cidade onde o escritor frequentou o ensino secundário no Colégio da Lapa, onde casou em 1886 e onde teve os seus principais editores, não só em vida, mas mesmo ao longo do século XX.
No próximo número da Revista de Portugal será publicado um novo artigo sobre os roteiros queirosianos que se vão fazendo em todas as latitudes relacionadas com a vida e obra do escritor.

Cursos, colóquios e centros

História Empresarial

A partir de 16 de Novembro próximo, a Academia Eça de Queirós, grupo de trabalho profissional dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, vai realizar no Solar Condes de Resende um curso livre sobre este tema. Se é certo que sobre História Institucional existem muitas obras publicadas, algumas de grande valia, sobre a História Empresarial elas são muito escassas, sendo na realidade esta área historiográfica muito pouco cultivada pelos profissionais portugueses da História Moderna e Contemporânea. Daí a grande oportunidade deste curso, que decorrerá ao longo de 13 sessões, aos sábados à tarde, entre as 15 e as 17 horas, ao ritmo de duas por mês.
Serão conferencistas os investigadores Ana Cristina Correia de Sousa; Francisco Ribeiro da Silva, J. A. Gonçalves Guimarães, Joel Cleto, José Manuel Tedim, Laura Peixoto, Nuno Resende, Silvestre Lacerda e Susana Moncóvio.
O programa definitivo poderá ser visto em confrariaqueirosiana.blogspot.com
A todos os participantes será entregue no final do Curso um certificado de frequência e um CD com os textos dos professores.
A frequência do Curso implica a inscrição prévia.

XIX Colóquio dos Olivais

O Centro Cultural Eça de Queiroz e outras entidades, vão promover nos dias 25 a 30 de Novembro próximo o seu XIX Colóquio nas Escolas Secundárias Eça de Queirós e António Damásio em Lisboa. Coordenado pelo nosso confrade Fernando Andrade Lemos, no programa participarão ainda, entre outros, os confrades Luís Manuel de Araújo e César Veloso, num programa evocativo, entre muitos outros aspetos, dos 125 anos da publicação de Os Maias.

Centro Mário Cláudio

Foi recentemente inaugurado no lugar de Venade, freguesia de Ferreira, Paredes de Coura, um centro com o nome deste escritor, autor de As Batalhas do Caia, obra inspirada em Eça de Queirós. Foi o mesmo instalado na antiga escola primária, há muito desativada devido à desertificação humana do mundo rural. O centro destina-se a ser «um local de pesquisa sobre literatura portuguesa do século XX» onde estarão presentes, entre outros, os escritores Afonso Ribeiro, pioneiro do neorrealismo e José Rentes de Carvalho, um dos mais internacionais dos escritores portugueses do nosso tempo, para além, obviamente, do próprio patrono, que sazonalmente vive na casa fronteira ao centro agora criado com o apoio da autarquia local e ao qual cedeu o seu arquivo documental.

Confrarias

Propostas da Confraria Queirosiana

Mais duas novas propostas estão a ser equacionadas pela Confraria Queirosiana para apresentar às entidades nacionais, regionais e locais.
A primeira é a criação de uma comissão regional para a evocação da I Grande Guerra, até porque em Vila Nova de Gaia, onde a Confraria tem a sua sede, no Regimento de Artilharia foram formados batalhões para a Flandres e também para Angola e Moçambique, onde morreram muitos mais soldados do que no teatro europeu, muitos deles de fome, doença e abandono por parte das autoridades portuguesas da época; depois porque aqui, no Seminário dos Carvalhos, teve origem o culto de Nossa Senhora das Trincheiras, que seria depois obscurecido pelo de Nossa Senhora de Fátima; finalmente porque a gripe pneumónica, que destruiu milhares de vidas em Portugal e no mundo, foi difundida a partir dos expedicionários das colónias regressados àquele regimento em 1918. Já existe uma comissão militar para a evocação mas, parafraseando Clemenceau «A guerra é demasiado importante para ser entregue apenas a militares».
Uma outra proposta que a Confraria vem trabalhando de há anos a esta parte é a criação de um Centro José Rentes de Carvalho, na casa onde o escritor nasceu e viveu os primeiros quinze anos de vida, no Monte dos Judeus à Beira Rio, colaborando na reabilitação do local e da casa e aí guardando o seu espólio num centro de ligação entre os povos europeus e o mundo, levando este escritor tão incidente na cultura portuguesa e europeia atuais, mormente na Holanda, a partilhar a sua intensa humanidade com os seus conterrâneos gaienses e com todos os cidadãos do mundo que com ele queiram partilhar a alegria de estarmos vivos. Com todos os desgostos que a espécie humana nos dá, e dos quais estamos fartos, ainda não desistimos de criar o céu na terra.

Jantar de Confrarias

No passado dia 18 de Outubro decorreu na Quinta da Boeira em Vila Nova de Gaia um jantar de Confrarias Gastronómicas do Norte do pais promovido pela Federação das Confrarias Gastronómicas Portuguesas para promover o seu maior conhecimento mútuo e o alinhamento de estratégias como imprescindível parceiro social no âmbito da Cultura, da Saúde, do Turismo, da Gastronomia e da Enofilia. O evento foi muito participado, estando a Confraria Queirosiana representada pelos confrades José Manuel Tedim, presidente da direção, J. A. Gonçalves Guimarães, mesário-mor e Fátima Teixeira.

XI Capítulo da Confraria Queirosiana

No próximo dia 23 de Novembro terá lugar o XI Capítulo da Confraria Queirosiana no Solar Condes de Resende com a insigniação de novos confrades de honra e de numero, a apresentação de obras realizadas pelos seus investigadores, o lançamento do numero 10 da Revista de Portugal, para além da assinatura de um protocolo de cooperação com o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, a que se seguirá um jantar queirosiano com a atuação musical de confrades queirosianos e que terminará com o habitual Baile das Camélias, este ano com a colaboração do Grupo de Danças de Salão da Associação Recreativa de Canelas.


Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 62 – Sexta-feira, 25 de Outubro de 2013
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154

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