sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Eça & Outras, 25 de janeiro de 2015

Je suis Hebdo!

         Entendamo-nos: um ser humano dos dias de hoje que só tenha lido um livro, sagrado ou político, nunca compreenderá o mundo e a humanidade na sua plenitude. Pode mesmo acontecer que acredite que “o seu livro” é a única verdade e que, quem sobre tal esboçar um leve sorriso, escrever um poema, desenhar um cartoon, fizer um filme, ou mesmo formular algumas elementares perguntas sobre as suas origens, autor(res) e condições de escrita, estará a ofendê-lo e a ofendê-la (à “única verdade”) e, nesse caso, o defensor do “livro único” poderá achar que o questionador merecerá morte violenta, sem direito a encolher de ombros. Os crentes nas verdades únicas, que são sempre étnicas, totémicas e teológicas, e nunca universais, humanistas e racionais, seguem à letra o que ali está escrito, quer “o resto” da humanidade (os das outras religiões, os indiferentes, os não crentes, os racionalistas militantes…) queira ou não queira. Cheio de humana compreensão, estenda a um desses dogmáticos a fraterna mão do diálogo e vai ver o desdém com que é mimoseado e, em alguns casos e locais, anda com sorte se sobre si não ocorrer a prisão arbitrária, a facada, o tiro ou a bomba com que o presenteiam. São assim os “iluminados”, quase sempre pessoas pouco cultas, com capacidades intelectuais pouco desenvolvidas, insuportáveis ao convívio humano. Às vezes com alma de criminosos, as mais das vezes simples patetas a soldo de outros mais espertos. Não são exclusivos de qualquer religião ou crença, ainda que laica.
         Mais valia pois que não soubessem ler livro algum. O saber parcial, transformado em militância religiosa ou política é mais perigoso do que a ignorância, pois falta-lhe a humildade que só a consciência da pequenez individual nos dá. Foi o que recentemente aconteceu em França quando um grupo destes devotos do Parcial atacou o jornal Charlie Hebdomadaire e assassinou 12 pessoas pelo facto desta publicação os incomodar com algumas pilhérias sobre a sua intocável “meia” sabedoria (e meia é favor, pois nem sequer abrange metade da humanidade e, mesmo que tal acontecesse, tal não quereria, só por si, dizer que essa meia verdade estivesse certa e fosse “intocável”, exceto, claro, para os que nela acreditam).
         Nós, europeus e portugueses, sabemos do que estamos a falar, pois já fomos assim: já tivemos cruzadas contra os albigenses e outros povos com outros credos, tivemos inquisições, analfabetismos, censuras, perseguições políticas, totalitarismos, a “verdade oficial” contra as evidências das descobertas. Fomos, mas já quase o não somos: desde o século XVI fomos introduzindo a dúvida metódica no nosso quotidiano e a Terra passou a girar à volta do Sol, contra o parecer das igrejas e dos estados. Tenho para mim como historiador que o fundamentalismo se agudiza sempre que os povos se movimentam em levas pelo orbe, como acontece nos dias de hoje. Os caciques locais na origem querem transformar cada emigrante num missionário e cada um deles num guerreiro. Na realidade temem que “o” ou “a” “dos nossos”, até aí servos locais, se transformem em cidadãos de um mundo livre e passem a ser “dos outros”. Têm medo que eles lhes escapem, e às suas “verdades”. Depois, para abrigo da sua intolerância, escudam-se na obrigatoriedade do respeito dos outros pelas suas opções, respeito esse que normalmente os “ocidentais” atualmente praticam sem grande esforço e, às vezes, com demasiada benevolência. Na sua arrogância, os fundamentalistas nem se dão conta de que, se levadas à letra, grande parte das suas crenças ofendem todos os dias os princípios da Biologia, da Física, da Matemática, da História, da Medicina e de muita da sabedoria humana acumulada ao longo dos séculos pelos livres pensadores (ainda que crentes) que ousaram descrer das “verdades únicas” e cujas ousadias de liberdade de pensamento hoje fazem parte do nosso quotidiano. Por aqueles outros ainda andaríamos a pastorear camelos ou ovelhas e não saberíamos nada de micróbios. Ou seja, ofendem uma boa parte da humanidade que com eles convive e que nestes outros princípios da Cultura, da Ciência e da Técnica acredita, praticando-os, até sem de tal se aperceber, todos os dias. Só que, ao contrário da prática dos “iluminados”, respondem-lhes com a Tolerância. Acabem-me pois com essa conversa hipócrita dos melindres dos respeitos, que têm pelo menos de ter como regra básica o deverem ser recíprocos. De outro modo serão subserviência intelectual ou mesmo medo, ainda que em nome do pacífico convívio humano entre indivíduos com crenças diferentes. Tal como o papa Francisco, também era capaz de dar um murro a quem ofendesse a minha mãe. Mas não é dessa humaníssima reação que estamos a falar, mas sim do que pensam, e atuam em conformidade, a mãe, o pai, a família, a comunidade, o país e a região das pessoas que querem impor aos outros as suas crenças e convicções pela violência através de religiões, serviços secretos, exércitos, bandos, máfias, clubes, seitas, comandos, comentadores, etc.
         O mundo, sob risco de perecer, fatalmente caminhará em direção à fraternidade universal, ainda que de tempos a tempos os fanáticos mostrem a sua impotência matando os companheiros que seguem pela Estrada Larga da Vida (Walt Whitman), aquela que se palmilha lado a lado, ombro a ombro, para além da etnia, da língua, da religião, da nacionalidade, das ideias que cada um carrega, espera-se que sempre em liberdade e pela liberdade. Avisou-nos Eça de Queirós: «Quiseste criar os Direitos do Homem, trouxeste um mal divino chamado Liberdade, que vai sempre fugindo de Ti, e só às vezes se volta de repente, para te borrifar de sangue!» (Eça de Queirós, Prosas Bárbaras).
         E se há coisa que os “iluminados” não suportem, entre muitas outras, é uma inocente criança a gritar “Os profetas vão nus”. Voltemos a Eça: «O riso é a mais antiga e ainda a mais terrível forma de crítica. Passe-se sete vezes uma gargalhada em volta duma instituição, e a instituição alui-se… O riso é a mais útil forma de crítica, porque é a mais acessível à multidão. O riso dirige-se não ao letrado e não ao filósofo, mas à massa, ao imenso público anónimo. É por isso que hoje é tão útil como irreverente rir das ideias do passado…» (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas).
         Meu Caro Eça: tu, que com a tua ironia salvaste este país de se tornar no Portugalistão, por certo que já aí, no Paraíso da Boa Memória Humana, acolheste os nossos amigos do Charlie Hebdo, mas, felizes por finalmente te conhecerem – um deles (exagerado) até te chamou profeta! - ainda não lhes disseste que foste tu quem um dia escreveu: «Vamos rir, pois. O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação. E em política constitucional, pelo menos, o riso é uma opinião» (Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre).
         Na nossa crença é assim. E também exigimos respeito. Mas podem caricaturar à vontade as nossas convicções, sem medos de quaisquer represálias. A Liberdade de expressão é com certeza um direito divino. Por isso alguns dele têm tanto medo.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor


Publicações


Encontra-se em distribuição o n.º 79 do Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia, com quem os ASCR-CQ têm protocolo de colaboração e de que é diretor o nosso sócio Dr. Francisco Barbosa da Costa. No seu interior, J. A. Gonçalves Guimarães escreveu sobre «Mafamude: de freguesia rural a sede do município de Vila Nova de Gaia», Abel Ernesto Barros sobre «Jugos e cangas em Vila Nova de Gaia» e Salvador Almeida sobre o «Plano municipal de prevenção e atuação de cheias no Douro de Vila Nova de Gaia», para além de artigos de outros colaboradores sobre caminho-de-ferro e estudos de Biologia marítima.

        
Por sua vez, editado pela Associação dos Amigos de Pereiros, com quem a Confraria Queirosiana tem igualmente um protocolo de colaboração, acaba de ser lançado o livro “Pereiros na Região Demarcada do Douro ou Fora Dela”, compilado pelo nosso confrade A. Silva Fernandes, presidente daquela associação, o qual reuniu a documentação enviada ao longo de anos a todas as autoridades nacionais a protestar contra a Portaria 1080/82 que excluiu aquela freguesia de S. João da Pesqueira da Região Demarcada do Douro onde desde sempre esteve integrada.

Conferências, aulas e palestras

Prossegue no Solar Condes de Resende o curso sobre “História e Carisma da Região do Douro Atlântico (Gaia/Porto/Matosinhos), tendo falado no passado dia 10 o biólogo Doutor Nuno Oliveira sobre o “Contributo para o conhecimento da fauna e flora da região do Porto por alguns naturalistas dos séculos XVIII e XIX”, e no dia 17 o historiador da Arte, Prof. Doutor José Manuel Tedim sobre “Arte barroca e neo-clássica na região portuense: Nasoni e seus émulos”. O curso prossegue no dia 7 de fevereiro com uma aula sobre “ A industrialização da região do Porto”, pelo historiador Professor Doutor Jorge Alves.
No dia 8 de janeiro o Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo proferiu na Casa do Infante, no Porto, uma conferência sobre os 3000 anos de História do Antigo Egito como introdução às viagens abaixo indicadas.
Prosseguem igualmente as palestras das últimas quintas-feiras do mês no Solar: no próximo dia 29 o Dr. Licínio Santos falará sobre “ Cultura e lazer operários nos finais da Monarquia e princípios da República”, tema da sua tese de Mestrado recentemente apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Viagens ao Egito e à Terra Santa

Em colaboração com a empresa Pinto Lopes Viagens, no presente ano de 2015, o egiptólogo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, docente da Universidade de Lisboa, vice-presidente da direção dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana e diretor da sua Revista de Portugal, vai dirigir três viagens sobre temática egiptológica e queirosiana: a primeira terá lugar de 26 de março a 6 de abril, designada como “ Visita de Estudo ao Egito”, percorrendo os locais mais emblemáticos desta antiga civilização; a segunda terá lugar de 13 a 23 de agosto e chamar-se-á “ Egito na Europa”, visitando os grandes museus europeus com coleções egípcias. A terceira viagem decorrerá de 26 de dezembro a 3 de janeiro de 2016 e decalcará a visita de Eça de Queirós e o Conde de Resende à Terra Santa realizada em 1869, com passagem de ano em Jerusalém.
         Os interessados deverão contatar a Confraria Queirosiana que os encaminhará para as entidades organizadoras.

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Eça &  Outras,  IIIª. Série, n.º 77 – domingo, 25 de janeiro de 2015
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