quinta-feira, 23 de outubro de 2008


Dagoberto Carvalho Junior
presidente da Sociedade Eça de Queiroz do Recife,
confrade de honra da Confraria Queirosiana
Dagoberto Carvalho Junior autografa os seus livros

Temos entre nós Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior, médico, professor e historiador, que nasceu em Oeiras, Piauí, a 9 de Maio de 1948. É formado em Medicina e Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco, onde defendeu a tese «A Talha de Retábulos no Piauí», publicada em 1990 e reeditada em 2005. Foi professor visitante da Universidade Estadual do Piauí.
Pertence à Sociedade Brasileira de Pediatria, à Associação Piauiense de Medicina, à Associação Médica Brasileira, ao Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, ao Instituto Histórico de Oeiras, ao Comité Norte-Nordeste de História da Arte, à Sociedade Brasileira de Escritores Médicos, à Academia Piauiense de Letras e é presidente da Sociedade Eça de Queiroz do Recife, fundada em 1948.
Tal é particularmente grato numa Casa que tem antigas e estreitas ligações com o Brasil: consta nas suas descrições familiares setecentistas que no «reinado dos Filipes de Castela» andou «Tomé da Costa e seus filhos, nas guerras de Pernambuco e teve o foro de fidalgo». Em 1716 temos o seu descendente Tomé da Silva Baldaia a testemunhar num cartório portuense a contratação de mestres de pedraria de Vila Nova de Gaia, para seguirem para a Baía a edificarem a Casa que ainda hoje se chama Torre de Garcia d’Ávila, provavelmente alguns dos mesmos mestres pedreiros que, depois de retornarem à terra de origem, acrescentaram o pormenor do cocar de índio brasileiro às portas nobres desta sala construída já no período pombalino.
Foi Vice-rei do Brasil D. José Luís de Castro, 2.º Conde de Resende, mas só com seu neto, o 4.º conde D. António de Castro, casado com a filha do 1.º Visconde de Beire, herói da Guerra Peninsular, haveria esta Casa de entrar no património dos Condes de Resende, onde se manteve até à sua aquisição pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia em 1984, destinando-a o município para ser a Casa da Memória dos gaienses no mundo.
Em 1995 expusemos nas salas aqui ao lado o núcleo da amazónia da velha Colecção Marciano Azuaga, intitulado Mundurukus, Carajás e outros índios do Brasil, devidamente estudado e reabilitado pelo arqueólogo luso-brasileiro António Sérgio dos Santos Pereira.
Em 1997 outra exposição, a que chamamos «O Triunfo das Asas», recordou a viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral que em 1922 levaram aquele abraço aéreo a Santos Dumont. Nessa época foi uma garrafa de Vinho do Porto, que ainda hoje se guarda em Gaia como relíquia sagrada, que lhes deu asas para voarem sobre ares nunca dantes atravessados.
Em Janeiro de 1999 decorreu aqui uma recepção ao IV Colóquio de Estudos Históricos Portugal-Brasil, organizado pela Universidade Portucalense Infante D. Henrique, com a participação de professores das universidades Federal Fluminense, PUC de Minas Gerais, UNI - Rio, UNIOESTE do Paraná e do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
No ano 2000, comemorando o centenário eciano, tivemos aqui o «Colóquio Eça de Queirós, Portugal e o Brasil», a recordar a ligação do escritor a esta Casa, mas também a admiração constante, persistentemente renovada, que o Brasil lhe testemunha mesmo a nível popular.
Amanhã, dia 14 de Outubro, decorrerá aqui um colóquio luso brasileiro sobre Geografia Física, organizado com a colaboração das Universidades do Porto e da Uberlândia.
Das paredes desta sala contemplam-nos um busto de D. Pedro I do Brasil e nosso D. Pedro IV, o rei-soldado, e uma litografia de seu filho D. Pedro II, que em 1889, quando veio para o exílio no Porto, foi à Serra do Pilar honrar o mosteiro-fortaleza onde a generosidade da juventude se bateu pela liberdade em 1832, depois do apelo às armas contra a opressão interna lançado em Aveiro em 1828, logo secundado pelo Porto, brado esse soltado por um magistrado chamado Joaquim José de Queirós, avô de Eça de Queirós, que por isso foi condenado à morte e teve de se refugiar em Inglaterra. Muitos outros exilados encontraram então no Brasil o abrigo para plantar o futuro que a pátria lhes negava e que D. Pedro veio resgatar.
Mas antes, ainda no tempo de D. João VI, já o avô de Eça de Queirós tinha estado no Brasil e, por isso, o escritor é também filho destas circunstâncias e também talvez por isso o Brasil ame este seu filho adoptivo cujo pai foi nascer ao Rio de Janeiro em 1820, o ano da Revolução Constitucional.
Portanto tomemos como facto que muito nos honra o termos hoje entre nós alguém que veio desse Brasil sempre aqui presente, e que nas suas obras, para além da presença natural de uma erudição tarimbada na universidade, nas bibliotecas, em muitas leituras dos mestres da ciência médica e dos mestres da língua , da análise sociológica, da história e da leitura dos monumentos e das suas manifestações artísticas, tem nos seus escritos três características sempre presentes que nos são gratas sobremaneira: um permanente deslumbramento com a humanidade e as suas criações espirituais; uma enorme gratidão para com os mestres e companheiros da lusologia, que conheceu nas obras que deixaram ou que encontrou ao longo da vida, como Gilberto Freire e Paulo Cavalcanti, e uma omnipresente comunhão com o mundo queirosiano, não como a exibição de um baú de recordações que lhe chegou por herança cultural, o que até é verdade, mas como uma inesgotável mina dos mais puros diamantes e outras preciosidades científicas, literárias e humanas - estes os de mais fino quilate - capazes de nos darem algumas das chaves da felicidade possível nos dias de hoje e de aplanarem as estradas do futuro, que muito para além das preocupações de mestre Darwin, queremos que transbordem da Cidadela do Espírito para o mundo que os portugueses e brasileiros estão a criar partilhando-o com a humanidade inteira.
Além de colaborador assíduo do Diário de Pernambuco, onde tem uma crónica quinzenal, e em muitos outros periódicos, Dagoberto Carvalho Junior publicou: História Episcopal do Piauí, 1980; Passeio a Oeiras, 1982; A Obstetrícia no Piauí, 1989; A Talha de Retabulos no Piauí, 1990 e 2005; A Palavra e o Tempo, 1992; A Cidade do Espírito - Considerações sobre a Arte Sacra na obra de Eça de Queiroz, 1994; Eça e Gilberto na Fundação Joaquim Nabuco (org.), 1997; Eça de Queiroz - Retratos de Memória, 2001 e A Boa Mesa de Eça de Queiroz, 2008.
E nesta sua caminhada os seus escritos falam com ternura e fraternidade eciana dos nossos confrades Maria da Graça Salema de Castro, A. Campos Matos, Carlos Reis, Isabel Pires de Lima, Manuel Lopes e também de Beatriz Berrini, Dário Alves e outros eçólogos que teremos o gosto de convidar para nos darem essa honra.
Não sendo aqui o lugar e a hora de comentar os seus livros, que li com supremo gosto e cuja leitura recomendo a todos os eçófilos, permita que sobre eles deixe uma pequena boutade: sempre desconfiei que o falso problema do acordo ortográfico era uma questão inventada por funcionários da língua portuguesa, língua rebelde, sempre jovem e brincalhona entre os xês beirões, o crioulo caboverdiano, os oxalás dos pastores alentejanos, os vocábulos cantados na música da vida no imenso Brasil, o portinhol, expressões do tempo de Camões perdidas na Malásia e em aldeias de pescadores do oriente longínquo, que seio eu, que mais haverá por se saber. Língua difícil de entalar em qualquer gramática, em qualquer dicionário, obras que quando nascem, como diz a nossa juventude, já eram. A língua está aí viva e mutante, como a quis Eça de Queiroz.
De facto, de fato, com ou sem cê, não me lembrei do raio do Acordo e das suas discussões bizantinas quando li os seus textos: saboreei o encanto do seu saber e do seu discorrer expresso nos seus livros nesta língua que nos é comum e o há-de continuar a ser. Mesmo quando portugueses e brasileiros percorrerem as galáxias aí continuaremos a recordar o que Eça de Queirós escreveu em A Correspondência de Fradique Mendes, que «as línguas... são apenas instrumentos do saber - como instrumentos de lavoura». Por isso, e por muitas outras razões, ambos acreditamos que «mais duzentos anos passarão, e mil - e o nome , a figura, a vida de certo homem que não governou nem a Alemanha nem a Cristandade estará tão fresca e rebrilhante como hoje na memória dos homens» (Eça de Queiroz, Prefácio dos Azulejos do Conde de Arnoso); no que diz respeito ao nosso patrono, tal muito se deve, muito se deverá por muitos e bons anos a Dagoberto Carvalho Junior em todo o mundo lusófono e na sua envolvência da América latina castelhana, pois é certamente um dos maiores divulgadores da vida, da obra e do espírito universalista de Eça de Queirós, não apenas no Brasil mas, através de um apreciável reflexo cultural atlântico, também em Portugal, devolvendo-nos engrandecida a visão brasileira do caleidoscópio linguístico, literário, histórico, social e estético eciano. Por isso será hoje feito sócio de honra dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana, como Grão-louvado neste Capítulo extraordinário que tem lugar no Solar Condes de Resende neste dia 13 de Outubro de 2008.

J. A. Gonçalves Guimarães
mesário-mor da Confraria Queirosiana



Dagoberto Carvalho Junior e o Mesário-mor
da Confraria, durante o jantar queirosiano.

Palavras de apresentação de Dagoberto Carvalho Jor, presidente da Sociedade Eça de Queiroz do Recife, no Capítulo extraordinário em que foi entronizado como confrade de honra Grão-louvado da Confraria Queirosiana, a 13 de Outubro de 2008 no Solar Condes de Resende, proferidas pelo mesário-mor e director desta Casa queirosiana, que na mesma cerimónia recebeu o diploma de sócio de honra daquela Sociedade, tendo na ocasião a confreira Maria Carolina Calheiros Lobo recebido o diploma de sócia correspondente da mesma. À insigniação, que foi abrilhantada com a orquestra Per Cordare da Escola de Música de Perosinho, seguiu-se um jantar queirosiano que terminou com uma serenata pelo Grupo de Fados de Engenharia do Porto.



Entretanto o Presidente daquela Sociedade eciana fez no acto o seguinte discurso:


No Solar dos Condes de Resende

Nenhum eciano - ou queirosiano, como dizem os confrades portugueses - chegaria a esta casa, por excelência, da memória familiar de Eça de Queiroz, sem a emoção que caracteriza os iniciados na leitura e na admiração do maior escritor de língua portuguesa de todos os tempos. É possuído desse espírito, quase de veneração, que me apresento, “pobre homem” de Oeiras do Piauí - como a si chamou-se o mestre, em carta a Manuel Pinheiro Chagas, o famigerado “Brigadeiro” de suas cartas satíricas, referindo-se à Povoa de Varzim do nascimento - para, segundo o ritual da Confraria Queirosiana, proferir a louvação ou, como escreveram, em versos musicados, o compositor e cantar brasileiro (nosso ex-ministro da Cultura), Gilberto Gil e seu parceiro piauiense Torquato Neto, “fazer a louvação do que deve ser louvado”. Louvação de Eça de Queiroz, de sua casa romântica de Canelas, da Associação dos Amigos do Solar Condes de Resende, da própria Vila Nova de Gaia.
Para vir a Canelas, não esperaria o domingo como sugeriu a Eça, em carta de 22 de Janeiro de 1886, Emília de Castro, preocupada em que ele chegasse “moído demais para uma passeata tão grande”. O Solar ficou, incomensuravelmente, maior na dimensão do espírito e mais próximo, na geografia dos sentimentos. Chego quase de surpresa, são e salvo, mesmo vencidas as distancias da brasílica travessia atlântica, porque à vilegiatura do deslocamento, soma-se o preceito devocional da crença literária. Foi o próprio Eça de Queiroz quem a profetizou, confessando ao Conde de Resende que sua afeição pela irmã do amigo datava de quando o “foi ver a Canelas”, bem antes das investidas de Cupido na Granja ou na Costa Nova. Não há, portanto, razão melhor para que se imponha o vosso “caminho” de Vila Nova de Gaia, per omnia saecula saeculorum, ao roteiro sentimental da memória queiroziana; através do qual, peregrino, busco a unção dos congregados.
Nome que, aqui e agora, se há de registrar, pelo apadrinhamento da causa que esta insigniação consagra, é o da confreira (se não há dúvidas com relação ao tratamento) Maria Carolina Calheiros Lobo, através de quem - “descoberto” no Recife - chego à vossa Confraria onde, ao fim e ao cabo, sinto-me em casa, na companhia, também, de velhos e bons amigos, como Alfredo Campos Matos, Maria da Graça Salema de Castro, Carlos Reis e o saudoso ermitão da Povoa de Varzim, Manuel José Ferreira Lopes, todos de relevantes serviços à causa queirosiana internacional.
Chego, ainda, imbuído de patrióticos valores intelectuais e familiares tais as ligações literárias e atávicas resgatadas da leitura dos muitos textos de J. A. Gonçalves Guimarães em “Eça & Outras” - no consagrado jornal portuense O Primeiro de Janeiro - e, sobretudo, das páginas de seu opúsculo, ou plaquete, como dizemos em Pernambuco, Brasileiros Ilustres de Vila Nova de Gaia, ali, o reencontro sentimental com o poeta gaiense de nascimento Domingos Carvalho da Silva, que conheci na Revista de Poesia e Crítica e, pessoalmente, por apresentação do ensaísta piauiense - como eu e meu confrade na Academia de Letras do referido estado brasileiro - Manuel Paulo Nunes. Recuando no tempo da memória, debruço-me sobre a curiosa e notável (para a História da Arte) notícia de um contrato de “mestres de pedraria” de Vila Nova de Gaia, em 1716, para trabalhos de sua arte a serviço do Coronel Garcia d’Ávila Pereira, “fidalgo da Casa de Sua Majestade, morador na Torre de Garcia d’Ávila, sertão da Bahia de Todos os Santos, onde pretendia fazer várias obras de predaria”. Ora, venho de Oeiras, nos Sertões de Dentro do Piaguhy - como então se chamavam - terra de pecuária e belas construções de “pedraria”, colonizada por prepostos da referida Casa da Torre. Se ao português de Mafra, Domingos Afonso, cabe a honra do assentamento pioneiro, em nome de Garcia d’Ávila; construtores gaienses beneficiados pelo famoso “contrato”, também, não teriam passado por lá? A Torre de Garcia d’Ávila continua referência histórica das mais vivas em minha terra, onde a cantaria de centenárias igrejas clama por pesquisa que lhe resgate a autoria anônima.
Gonçalves Guimarães aborda, também, na citada pesquisa, a relação da família Coelho, de Vila Nova de Gaia, com o Brasil e, particularmente, com Pernambuco; tema outra vez a nos aproximar, agora no plano genealógico, como descendente do português Valério Coelho Rodrigues, da Freguesia de São Salvador do Paço de Souza, Bispado do Porto, estabelecido na primeira metade do século XVIII, no arraial do Paulista, no Piauí. E, em notícia acerca do gaiense José Bento Leitão (ascendente de Almeida Garrett), conjectura sobre a origem do apelido Lima - tida, entre nós, por portuguesa, de Ponte do Lima - registrando-a como pernambucana. Seja como for, ligo-me a essa gente (natural de engenhos da Mata-Sul de Pernambuco), através da mulher, Ana Cristina Gomes de Matos da Fonseca Lima e de nossos filhos.
Feitas as provas, apresento-me à Confraria Queirosiana de Vila Nova de Gaia.


Dagoberto Carvalho Junior autografando livro de sua autoria para Fátima Teixeira

OUTRAS
Eça & Outras soma e segue

A página Eça & Outras vai na sua III.ª série: a primeira constou de uma folha A4, ao princípio bimestral, impressa só de um lado, em que o n.º 1 apareceu a 31 de Janeiro de 2003 e a última, o n.º 9 a 1 de Junho de 2004.
A IIª série, em formato quase A3, constou de uma página em O Primeiro de Janeiro, que apareceu quase sempre ao dia 25 de cada mês (dia de aniversário de Eça de Queirós) e, às vezes, também no caderno Das Artes das Letras publicado às segundas feiras, a n.º 1 a 25 de Novembro de 2004 e a última, n.º 46, a 25 de Agosto de 2008.
A IIIª série iniciou-se no passado dia 25 de Setembro, neste blogue e estará para durar. Os ASCR - Confraria Queirosiana não põem de parte a idéia de a página voltar a sair num periódico tradicional, sem prejuízo desta edição informática. E estão a pensar digitalizar as séries I e II e reproduzilas em CD.

Salon d’Automne queirosiano 2008

No passado dia 27 de Setembro pelas 18 horas decorreu no Solar Condes de Resende a vernissage da exposição anual dos sócios dos ASCR - Confraria Queirosiana com a presença do vereador Mário Dorminsky, muitos dos artistas presentes e alunos do curso de pintura do Solar Condes de Resende. Algumas das obras expostas foram logo vendidas, mostrando o êxito crescente do certame.

Capítulo anual da Confraria

No próximo dia 22 de Novembro decorrerá no Solar Condes de Resende o capítulo anual da Confraria com a entronização dos novos confrades de honra e de número.
Aí será lançado o n.º 5 da nova série da Revista de Portugal, dedicado ao 150º aniversário do nascimento de José Leite de Vasconcelos, e apresentado o livro Marquês de Soveral Homem do Douro e do Mundo de J. A. Gonçalves Guimarães, produzido pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património e editado pelo Município de S. João da Pesqueira e Edições Gailivro.
Seguir-se-à o jantar queirosiano e o Baile das Camélias.

Queirosianos publicam livros

No passado dia 10 de Outubro, no Parque Biológico de Gaia, Nuno Gomes Oliveira lançou o livro Áreas de importância natural da região do Porto - memória para o futuro.
No dia seguinte, Beatriz Pacheco Pereira, na Biblioteca Almeida Garret no Porto, apresentou Bianca e o Dragão, o seu último romance editado pela Calendário.
Desde 23 de Outubro que está nas livrarias Porto versus Lisboa. Uma batalha campal em livro, de António Eça de Queiroz e António Costa Santos, da editora Guerra & Paz, «o 1-º livro a incluir o seu próprio making of».
Entretanto Pedro Lopes Barbosa, em colaboração com Constantino Magalhães Costa e José Manuel Rebelo, publicaram Um século de postais do concelho de Vila Nova de Cerveira (1904-2005), editado pela respectiva Câmara Municipal em primorosa edição.

A Ira de Deus sobre a Holanda de J. Rentes de Carvalho



No início da nova temporada editorial J. Rentes de Carvalho publicará o seu mais recente livro intitulado A Ira de Deus sobre a Holanda, a que acrescentou o subtítulo testemunho de um meio século (1956-2006).
A obra sairá em neerlandês pela editora Atlas e, embora redigida, como sempre o foram os seus romances e outros textos, em português, provavelmente não aparecerá no nosso mercado livreiro nesta língua nos tempos mais próximos.
Por gentileza do autor tive o privilégio de a ler e fiquei tão encantado quanto preocupado com a sua leitura. Só aparentemente se trata de um livro de memórias de um português que “foi ter” à Holanda e aí se “desenrascou” já lá vão cinquenta anos. O livro está escrito com gentileza de cidadão agradecido para com o país e o seu sistema político, cultural e social, em análise pinguepongueada com o que se foi passando em Portugal no pós Segunda Grande Guerra, no período da Guerra Colonial de agonia do salazarismo e nos equívocos do pós 25 de Abril, mas que diagnostica de forma implacável as fragilidades preocupantes que se têm vindo a evidenciar nas últimas décadas.
Este livro é uma profunda reflexão sobre o que era então a Holanda e o que ela é hoje e, por extensão, sobre a civilização européia e ocidental e como ela se foi abastardando, adulterando, cedendo a nada e a coisa nenhuma, só por causa daquilo que os políticos foram definindo como o “politicamente correcto”, na realidae a compra de votos a qualquer preço. A Europa Ocidental, alfobre e prado de valores éticos, morais e culturais, foi progressivamente decaindo até esta situação actual do vale tudo, onde o que importa é ganhar e ter sucesso, ainda que breve. Este livro incomoda porque se trata de uma análise profundamente humana e generosa, mas, ao mesmo tempo, incontornável nas suas conclusões proféticas do caos que se avizinha. Para o tentar evitar, nós cidadãos pensantes, estamos praticamente impotentes porque a multidão todo lo pode todo lo manda, chafurdando num consumismo desbragado e ovacionando continuadamente os heróis e as vedetas das mais alarves futilidades. Num dia reclama contra o aumento dos transportes, mas no domingo seguinte ovaciona jogadores de futebol que foram transacionados por milhões de euros. Porque sim. Porque se os ricos têm direito às suas extravagâncias, os pobres têm direito às suas contradições. Quanto ao Estado, que se amanhe; desde que lhes dê os subsídios, estará tudo bem. Senão...
Definindo o escritor como «cientista de coisa nenhuma» e reafirmando-se «apenas escritor e cidadão, [tendo] por única ferramenta a sensibilidade e as palavras», J. Rentes de Carvalho utiliza neste livro, como aliás acontece quase sempre na sua obra publicada, a sua história pessoal e a dos seus dois países de afecto, a Holanda e Portugal, para reflectir sobre a realidade dos nossos tempos.
Sobre o seu país de origem é claro: «ama-se mais Portugal exortando-o a que se desenvolva e deixe de ser a nação mais pobre da Europa, do que cantando-lhe loas por ter descoberto a rota da Índia em 1498». Sobre o mundo académico deixou este desabafo «não fui feliz na universidade. Tãopouco encontrei nela as satisfações e o enriquecimento intelectual que idealizara. Contudo, foi aí que se me proporcionaram campos de observação do comportamento individual, social e político que noutro ambiente certamente me teriam escapado». Ou ainda sobre os dias de hoje: «socialmente a ilusão é o nosso Valium, debitado em irreal abundância pelos media com o beneplácito de quem governa», e que aquilo com que a classe média se enverniza não passa do «pasmo bovino e superficial das hordas que olham sem saber o que vêem, convictos de que ficar especado e silencioso defronte de uma obra de arte empresta status e diferencia de vulgo», por fim ansiando por uma sociedade em que haja «menos massa, mais elite, menos rebanho, mais pastores conscientes da sua responsabilidade e mais competentes no seu saber», na Holanda, em Portugal ou no mundo.
«Cinquenta anos passados, vejo-me a encarar a Holanda com um misto de receio e estranheza, como se durante todo esse tempo não tivesse vivido no país real, mas na miragem que dele me criei, no anedótico, no passageiro, no álbum de fotografias e nos preconceitos» desabafa o autor num permanente dasafio às suas próprias reflexões e conclusões, «esquecidos ou ignorantes de que entrementes, lá no alto, Deus ou Allah, ou talvez ambos, nos olham desconsolados, perguntando-se porque terá saído torta a Criação».
Assim escreve José Rentes de Carvalho, que a 15 de Maio de 1930 nasceu num pequeno largo em Vila Nova de Gaia mas que «daí em diante e até à data, não houve escola, quartel, instância ou patrão que [o] domasse» e que um dia, como imigrante, chegou «em pé de guerra consigo próprio e o estupor de país para onde o destino o empurrou», mas que, na próxima reencarnação, gostará «que [o] mandem de novo para a Holanda», voltando a seguir as pisadas daquele Grande Inquieto, que no princípio do século XVII, também da Barra do Douro para ali partiu à procura da clarividência possível sobre a imortalidade da alma, esse belo desejo que todos os pensantes têm, o de ficarem a partilhar com os seus irmãos de espécie esta maravilhosa futilidade que se chama Vida per omnia saecula saeculorum. Das angustias de Uriel Costa aproveitou Espinosa; de J. Rentes de Carvalho, aproveitem agora e enquanto é tempo os holandeses que terão o privilégio de o ler nesta sua pungida «Imitação do Homem de hoje», que entretanto aos portugueses estará vedada porque a maioria das editoras caseiras continuarão a ganhar dinheiro com a nossa menoridade intelectual, editando os intragáveis bonzos e bonzas, ou os “pudins instantâneos” da escrita que se vendem nos supermercados às toneladas. E não penso que queiram mudar.

J. A. Gonçalves Guimarães


Eça & Outras, IIIª. série n.º 2 - Sábado, 25 de Outubro de 2008
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J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638)
Redacção: Fátima Teixeira
Inserção: Amélia Cabral

Colaboradores desta edição: J. A. Gonçalves Guimarães; Dagoberto Carvalho Junior; Fátima Teixeira.