terça-feira, 25 de julho de 2023

Eça & Outras

 Ano do Centenário do “Vencido da Vida” e diplomata Luís Maria Pinto de Soveral, Marquês de Soveral (1851-1922)

Professor José Mattoso: a perenidade da História

         No passado dia 8 de julho faleceu o Professor Doutor José Mattoso, um dos historiadores portugueses mais conhecidos, mais respeitados e mais lidos do nosso tempo, não apenas no meio académico, mas também fora dele. A imprensa, e de um modo geral os diversos órgãos de comunicação social, além de colegas, amigos, antigos alunos, discípulos, instituições e coletividades, todos noticiaram o infausto acontecimento relembrando e comentando a sua biografia e sobretudo a sua bibliografia. Medievalista, reequacionou como nenhum outro a fundação e a consolidação da nacionalidade e mesmo os fundamentos da portugalidade, onde a permanente remembrança da História, ainda que de forma acrítica, é uma das suas mais vigorosas caraterísticas. José Mattoso era um clerc: sobrinho-neto de um bispo da Guarda e filho de um profissional da História – seu pai foi professor do ensino liceal e autor de um célebre “livro único” usado durante anos no ensino secundário, ingressou jovem na vida religiosa como frade da Ordem de São Bento, tendo-se doutorado na Universidade Católica de Lovaina com uma tese sobre Le monachisme ibérique et Cluny. Les monastéres du diocese de Porto de l’an mille à 1200, publicado em 1968. Em 1970 deixa a vida religiosa, vindo a ser docente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mais tarde professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi ainda presidente do Instituto Português de Arquivos e diretor da Torre do Tombo. Tendo estado em Timor-Leste na hora da consolidação da independência da última colónia portuguesa, aí colaborou na recuperação do Arquivo Nacional e no Arquivo da Resistência. Entre muitas outras ações como historiador profissional, professor e cidadão recordemos a sua presença em Mértola a dar apoio à ação de Cláudio Torres na revisão da ação das populações moçárabes no todo nacional. Das suas obras mais conhecidas, destacaria D. Afonso Henriques (2006), uma vigorosa biografia do Rei Fundador, e a monumental síntese História de Portugal (1992), as quais ficarão imprescindíveis por muito tempo, o mesmo devendo acontecer a muitos de outros dos seus ensaios, pesem embora os bons discípulos que, entretanto, foi motivando ao longo da sua vida académica e profissional.

      Tive o gosto de privar com o Professor Mattoso em 1988 durante as 1.as Jornadas de Estudo sobre a Terra de Santa Maria organizadas pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, durante as quais trocamos impressões sobre a investigação dos tempos medievais no Entre-Douro-e-Vouga, e tempos depois no lançamento de O Castelo e a Feira. A Terra de Santa Maria nos séculos XI a XIII, que escreveu com Luís Krus e Amélia Andrade (1989), a que se seguiu, pelos mesmos autores, A Terra de Santa Maria no século XIII. Problemas e Documentos (1993) e, desse mesmo ano e sua única autoria, a conferência A Terra de Santa Maria na Idade Média. Limites Geográficos e Identidade Peculiar. Estas obras suscitaram aplauso, mas também debate: o medievalista A. de Almeida Fernandes, geógrafo de formação, tinha polemizado alguns aspetos contidos no primeiro destes livros numa série de artigos que reuniu no livro Faria e Não Feira (1127-1128) editado em 1991. Para além do valor intrínseco de cada uma das referidas obras, sendo certo e sabido que a História Medieval é ela própria também uma sucessão de acontecimentos regionais, algumas instituições de Santa Maria da Feira e de Guimarães quiseram captar estes dois autores para defenderem as suas mais embandeiradas tradições, aspeto de que se foram obviamente demarcando, até de uma forma algo inesperada e hilariante: tendo uma instituição vimaranense contratado A. de Almeida Fernandes para escrever uma biografia de D. Afonso Henriques que exponenciasse a sua ligação ao “berço da nacionalidade”, ao reavaliar as fontes e os testemunhos da época, rapidamente este autor concluiu que aquele rei teria nascido em Viseu, e não em Guimarães, aspeto que o seu criticado e suposto “inimigo académico” veio a corroborar em nome da procura da verdade histórica.

         Para além daqueles acutilantes ensaios e grandes sínteses, também a metodologia e a função social do historiador mereceram ao Professor Mattoso reflexões e proposições como A Escrita da História. Teoria e Métodos (1988) e o exercício da profissão mereceu-lhe o ensaio A Função Social da História no Mundo de Hoje, editado pela Associação de Professores de História em 1999. Aí se encontram explanadas as suas mais imediatas preocupações, como professor e como profissional, sobre o devir dos seus alunos no mercado de trabalho para os licenciados nesta área do saber, não apenas como docentes dos diversos graus de ensino, mas também como «historiadores a exercer uma variada gama de profissões», nomeadamente em «centros de investigação em ciências humanas», «…mesmo em cidades do Interior, e ocupam-se a investigar o passado de todos os lugares e de todas as regiões, em paralelo, de resto, com os arqueólogos, cujo conhecimento do território português é hoje muito mais completo e sistemático». Começando por se interrogar e interrogar-nos sobre «a função social da História no mundo de hoje», concluindo que «é útil e necessária… neste país em que vivemos», dá conta do seu «alargamento de projeção cultural…», de tal modo que «a História está presente, pois, em toda a parte» e que o seu exercício «prepara para considerar questões complexas» e que «sem ela não se pode compreender o mundo em que vivemos», devendo o historiador «considerar o país como um todo, e não apenas como a capital», para quem «os verdadeiros problemas que a investigação deve prioritariamente resolver são os colocados pelos problemas da atualidade». Mas também que o seu exercício profissional, para ser sério e fecundo, deve «ter uma perceção clara da relação possível entre os conhecimentos históricos e as necessidades do mundo em que vivemos», devendo «informar-se cuidadosamente acerca da vida social», tendo em conta que «a História exige uma enorme amplidão de conhecimentos das ciências humanas».

         O Professor José Mattoso morreu aos noventa anos após uma vida serena, mas intensa, de estudo, reflexão e partilha que deixou plasmada nas suas obras. Virá a propósito deixar-lhe aqui este singelo epitáfio pedido emprestado a Eça de Queirós «”A história é a consciência escrita da Humanidade”, disse um homem que teve, quando lutava, o segredo das palavras que ficam.» (Uma Campanha Alegre). Ou ainda, voltando às suas próprias palavras no ensaio atrás citado, concluir que «recordar o passado coletivo é, portanto, uma forma de lutar contra morte». Quer a sua quer a do nosso Portugal como ente coletivo.

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

Presenças da Confraria

Junho

Dia 19: para o programa de Joel Cleto no Porto Canal, o historiador Paulo Costa gravou um programa sobre a molinologia do vale do Febros.

Dia 23, noite de São João: para o Porto Canal e numa colaboração que já vai sendo habitual neste dia e hora, o historiador J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre alguns aspetos dos festejos sanjoaninos durante o Cerco do Porto.

Dia 26: em representação dos corpos sociais da associação, o presidente da direção Prof. Doutor José Manuel Tedim e o dirigente Dr. António Pinto Bernardo estiveram presentes nas comemorações do 94.º aniversário da Misericórdia de Gaia, de que é provedor o confrade Dr. Manuel Moreira.

Julho

Dia 1: tiveram início no Clube Fenianos Portuenses o início das comemorações dos 100 anos da Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto onde foi orador o Dr. Manuel Moreira, membro dos corpos sociais da Confederação e tesoureiro da ASCR-CQ.

Löeckie, J. A. Gonçalves Guimarães; J. Rentes de Carvalho;
Paula Carvalhal, Francisco Olazabal; 
fotografia de Maria de Fátima Teixeira

Neste mesmo dia uma delegação de confrades composta por J. A. Gonçalves Guimarães, Maria de Fátima Teixeira, Paula Carvalhal, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e Francisco Olazabal da Quinta do Vale Meão visitaram em Moncorvo o confrade escritor J. Rentes de Carvalho quase de partida para a Holanda, que na ocasião ofereceu à associação mais uma caixa de espólio pessoal a adicionar ao já existente. Houve ainda oportunidade para falar com o Dr. Nelson Campos do Projeto Arqueológico da Região de Moncorvo sobre um roteiro rentesiano em elaboração e uma visita à famosa Quinta do Vale Meão, por cortesia do seu proprietário.

Dia 14: uma delegação do Gabinete de História, Arqueologia e Património composta pelo arqueólogo J. A. Gonçalves Guimarães e a patrimonióloga Maria de Fátima Teixeira visitou as escavações que decorrem pelo terceiro ano consecutivo no Castro da Madalena, Vila Nova de Gaia, um programa organizado pelo Centro de Arqueologia de Arouca dirigido pelo arqueólogo Prof. Doutor António Manuel S. P. Silva, coordenador da nova série da revista Gaya. Estudos de História, Arqueologia e Património recentemente apresentada. As escavações têm vindo a revelar a existência de várias casas redondas, construídas em barro, mas também algumas delas com paramentos em pedra, além de espólio indicador de atividades de fiação e moagem, mas nenhum indício de romanização, o que contrasta com a vizinha necrópole do Sameiro. Os mesmos membros do GHAP estiveram ainda no jantar final com a equipa que realizou esta campanha e que decorreu num restaurante local com a presença do Dr. Miguel Almeida, presidente da Junta de Freguesia da Madalena e o Sr. António Silva, presidente da direção dos Bombeiros Voluntários de Valadares, proprietários do terreno onde decorrem as escavações, as quais deverão prosseguir no próximo ano.

Palestras

Palestras das últimas Quintas-feiras do mês: no assado dia 29 de junho, pelas 18,30 horas, no Solar Condes de Resende e via Zoom, na habitual palestra promovida pela Confraria Queirosiana, a investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património, Mestre Cristiana Borges Ferreira, falou sobre «Iconografia da História de Portugal em painéis azulejares: o caso da Estação de S. Bento no Porto», aludindo ainda à produção deste tipo de painéis produzidos por fábricas gaienses e pintados pelos seus artistas cujo levantamento está por fazer.

No próximo dia 27 de julho a palestra terá como tema «Eutanásia. Busca da correta impostação do problema» e será proferida pelo juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. José Pereira da Graça, com os seguintes tópicos: «Numa primeira parte, revisita-se o texto inicial da lei, tal como a Assembleia da República o produziu e o texto final que, forçadamente, foi promulgado. Procura-se perceber a razão pela qual a questão andou a saltitar entre os protagonistas interventores, restando, para o cidadão comum, uma justificada perplexidade. Numa segunda parte, faz-se uma análise crítica da lei que vai ser publica, após a regulamentação governamental em curso e propõe-se uma solução essencialmente jurídica para o futuro. Denuncia-se o erro contido no texto constitucional “o direito à vida é inviolável”, subalternizando o direito à dignidade. O referendo».

Livros

Acaba de ser disponibilizado aos autores a luxuosa obra em três volumes da autoria de MORAIS, Rui; CENTENO, Rui M. Sobral e FERREIRA, Daniela, intitulada Myths, Gods and Heroes; Greek Vases in Portugal, elaborada pelo designer Miguel Teixeira e com desenhos de capa de Álvaro Siza Vieira feitos para esta edição, publicada no final de 2022 pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira - Museu Convento dos Loios, em colaboração com a Reitoria da Universidade do Porto e a sua Faculdade de Letras e a Imprensa da Universidade de Coimbra. Trata-se da obra que regista uma exposição temporariamente adiada devido à epidemia de Covide e que deverá brevemente ser aberta ao público naquele museu. Tendo a Coleção Marciano Azuago depositada no Solar Condes de Resende uma «Lêkythos bojuda de figuras vermelhas» do século V, figura a mesma no III volume (ARF 22), p. 142. Para o seu enquadramento museográfico, J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães escreveram o capítulo «Archaeology in Marciano Azuaga’s Collection», muito ilustrado, e publicado no I volume, p. 132- 138.

Publicado pelo FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade, acaba de ser disponibilizado aos seus associados e publico em geral o livro A felicidade é uma árvore?, Ditos e escritos, 1970-2022, da autoria do biólogo Doutor Nuno Oliveira, uma coletânea de textos sobre a sua atividade em variadíssimos projetos de estudo, divulgação e proteção do ambiente e das espécies vegetais e animais em lugares tão diversos  como a Barrinha de Esmoriz, Mata de São Jacinto (Aveiro), Parque Biológico de Gaia, Gerês, Serras de Santa Justa, Pias e Castiçal, estuário do Rio Douro, Serra de Canelas, litoral de Gaia, Rio Douro, Porto, Quinta Marques Gomes, Avintes, Serra da Malcata, Parque Botânico do Outeiro, São Tomé e Príncipe, Afurada, Quinta das Devesas, Quinta da Telheira, Mindelo, Vale do Febros, Dunas da Aguda e Monte da Virgem. Por estes textos passam também nomes como Santos Júnior, William Tait, Hoffmannsegg, Link, José Bonifácio de Andrada e Silva, e Alfred Smith, os antecedentes enciclopédicos deste meio século de luta em devesa da biodiversidade e o crescimento sustentável.

Feiras

         No World of Wine (WOW) em Vila Nova de Gaia, com a colaboração da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas, vai decorrer entre 10 e 15 de agosto uma mostra de produtos tradicionais e de Cultura Portuguesa através da participação de várias confrarias, entre as quais a Confraria Queirosiana.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 179, terça-feira, 25 de julho de 2023; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública); C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.