segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Eça & Outras

Eça & Outras, domingo, 25 de setembro de 2016

Do Realismo ao pós-Neorrealismo

Eça de Queirós nasceu em 1845, pouco depois da frequência obrigatória do ensino primário ter sido estabelecida por decreto, o que demorará décadas a ser verdade. Viveu numa época em que tudo era interrogado e equacionado, nomeadamente a Literatura. Escrevia-se para quê? Para entreter ócios? Para "dar brilho à pena"? Para alardear erudições? Para descarregar frustrações? Para ganhar a vida? Tudo isto foi questionado pela Geração de 70 saída, com bastante ruido, da Universidade de Coimbra. Antero escreve A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais em 1865 e no ano seguinte Eça publicará na Gazeta de Portugal os seus primeiros textos "diferentes", que no ano seguinte largamente praticará no Distrito de Évora. Buscava então novos caminhos, que ensaia em 1897 em As Farpas e teoriza nas Conferências do Casino com «A Nova Literatura ou o Realismo como nova expressão de Arte». É sabido o que veio a seguir com os seus romances O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio e outros, onde o desespero das classes populares está sempre presente, ainda que secundarizado pelos "dramas" das classes média e alta.
Mas no final do século XIX reaparecem os escritores preocupados com os suspiros das donzelas e outras banalidades expressas em exotismos, parnasianismos, simbolismos, modernismos e nacionalismos, que pouco tinham a ver com o quotidiano das pessoas comuns e a sua luta pela sobrevivência. Este panorama literário estéril, de jogos florais, que tinha no escritor Júlio Dantas o seu expoente máximo, mas que também encontramos em muitos outros seus contemporâneos e atuais, alguns deles muito endeusados pela opinião pública letrada, nos anos trinta do século XX vai mudar radicalmente quando o sofrimento dos pobres e das classes trabalhadoras em geral passa a ser objeto literário corrente. Chegou-se assim ao Neorrealismo, e retomou-se, diferentemente embora, o caminho desbravado por Eça de Queirós, que por isso alguns intelectuais tentaram “domesticá-lo” no Centenário de 1945. Um dos precursores deste movimento foi o escritor Afonso Ribeiro, de quem já aqui falamos, e que hoje importaria reeditar e voltar a ler, quando os pobres, os refugiados, os migrantes, os desempregados, os excluídos, continuam a ser todos os dias ameaçados e perseguidos por uma nova e mais perversa organização social que domina o mundo, em nome do "desenvolvimento", a partir das grandes capitais ou de pequeníssimas ilhas privadas.      
Nascido em 1911 na Vila da Rua, Moimenta da Beira, frequentou o Seminário e a Escola do Magistério Primário. Em 1937 era colaborador do jornal Sol Nascente do Porto, onde estreava uma nova visão literária sobre a vida das classes excluídas que em 1938 apresenta no livro Ilusão na Morte, sendo por isso considerado um dos precursores do neorrealismo português, tendo em conta que naquele mesmo ano Alves Redol publica Glória e em 1939 Gaibéus, enquanto Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, só aparecerá em 1941.         
Em 1939 vai para o Brasil mas, não tendo conseguido visto de permanência, volta nesse mesmo ano, pois os tempos por ali também estavam conturbados devido às tentativas ditatoriais de Getúlio Vargas para a criação de um Estado Novo brasileiro.                                                                                                       
Regressado a Portugal e ao ensino, fixa-se em Vila Nova de Gaia, tendo lecionado na escola primária de Vilar do Paraíso, bem assim como sua mulher Otília Leitão, também ela professora da instrução primária. Em 1946 é um dos signatários de uma exposição enviada ao ministro da Educação Nacional sobre a «difícil situação económica do professorado português», subscrita por docentes dos ensinos particular, técnico, liceal e superior. Em novembro desse mesmo ano é também um dos muitos signatários de outra exposição, desta feita enviada ao presidente da República, general Carmona, intitulada «Os intelectuais portugueses protestam» sobre as condições de repressão e censura de que eram alvo e a liberdade de expressão e de associação que lhes era negada, na qual encontramos escritores, jornalistas, artistas, arquitetos e criadores intelectuais, subscrita por António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Eugénio de Andrade, Fernando Azevedo e Fernando Lopes Graça, entre muitos outros. No ano seguinte parte com a sua mulher para Moçambique, onde teve várias profissões e continuou a sua atividade de escritor, só regressando de novo a Portugal em 1976, fundando em Lisboa a Editorial Notícias, ligada ao Diário de Notícias, vindo a falecer em Cascais em 1993. Em 2011 a Câmara Municipal de Moimenta da Beira comemorou o centenário do seu nascimento, colocando uma lápide na casa onde nasceu.
Enquanto residiu em Vila Nova de Gaia, para além de artigos e crónicas dispersas por várias publicações, escreveu Plano Inclinado, romance, 1941; Aldeia, romance, 1943; Trampolim, romance, 1944; Povo, contos, 1947. Ainda em 1946 tinha aqui iniciado, com o romance Maria, a publicação de uma trilogia intitulada Escada de Serviço, vindo o segundo romance, O Pão da Vida, a ser publicado somente em 1956 em Lourenço Marques, e finalmente em 1959 O Caminho da Agonia, também publicado naquela colónia. É assim a década de quarenta o período mais fecundo deste escritor, hoje pouco recordado, até porque em todas as suas páginas lembra misérias e condições sub-humanas que ainda hoje existem entre nós e não são bonitas de ver, de ler ou sequer de se saber que existem. Mas ele é, inequivocamente, um dos pioneiros do romance social em Portugal. Os cenários e personagens das suas obras, embora podendo ser colocados em qualquer grande cidade e nos seus arrabaldes, foram obviamente colhidos na sua vivência local como o denunciam certos pormenores do texto. A exceção é o romance Aldeia, o qual, com os mesmos cuidados de universalização, se reporta à sua terra natal na Beira Alta.
Prosa crua e dura, chocante mesmo na sua crueza, mas tristemente verdadeira nos retratos que traça da maior parte das crianças, homens e mulheres que viveram no tempo da 2° Grande Guerra, que as gerações de hoje até talvez tenham dificuldade em acreditar que existiram, porque os pobres e os excluídos atuais são já muito diferentes daqueles outros, pois dão entrevistas na televisão e são referidos em todos os discursos políticos, acabando por originar empregos para a classe média baixa, tais como polícias, professores, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, médicos, advogados, informáticos e outros que fazem a gestão do seu quotidiano, absorvendo as verbas que eventualmente poderiam contribuir para que os excluídos mudassem de situação. E, além do mais, os pobres hoje são numerosos e votam, naturalmente de acordo com os interesses das classes “dirigentes” que os protegem e os mantêm numa situação da qual, as mais das vezes, nem sequer querem sair. Para quê? O desemprego é uma realidade incontornável, pois a agricultura mecanizou-se e a indústria fabrica toneladas de coisas inúteis e baratas. Competiria à Educação entreter os cidadãos inativos, mas aí ainda vamos atrasados e temos deixado essas tarefas ao turismo, aos cuidados de saúde e às religiões. A sociedade vive da procura de equilíbrios, nem sempre os melhores. Por isso mesmo, talvez sirva para alguma coisa o lembrarmo-nos que os retratados naqueles romances são os bisavós e avós dos adultos atuais, e que, entretanto, a maior parte da literatura do nosso tempo voltou a refugiar-se num onirismo metafórico que ignora a realidade comum, a qual, e salvo muito raras exceções, divulga e impinge uma elevadíssima dose de sensaboria aos seus leitores através do marketing das editoras e dos “prémios” literários pré-cozinhados. Mas, apesar de tudo, oxalá que não tenhamos necessidade de criar um Neo-neorrealismo.

J. A Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Registo de trabalhos de investigação

             O sítio da Confraria Queirosiana, no blogue da Academia Eça de Queirós, passou a registar, de acordo com os interessados, os títulos dos temas em investigação por parte dos sócios e confrades dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, independentemente da obrigatoriedade do seu registo noutras instituições, como é o caso dos temas de teses de mestrado e doutoramento. Os objetivos são, entre outros, a defesa dos direitos de autor e direitos conexos e o registo da prioridade autoral dos mesmos.

Livros, revista e outros

Quinto – Lisbon to Aberford, de Alan Carrick
           
O autor esteve no Solar Condes de Resende em 1996 à procura de dados sobre o bispo do Porto filho dos condes de Resende e de outras personalidades que se destacaram na região, no país e na Europa no início do século XIX. Produziu agora esta narrativa que parte da existência concreta de uma lápide no adro da igreja de  Aberford  de Henry van Zeller, nascido no Porto a 15 de outubro de 1787 e ali falecido a 31 de janeiro de 1810, com 23 anos. Este livro procura explicar como é que este jovem português, nascido numa das mais importantes famílias de negociantes da região do Porto, foi morrer naquela povoação de New Yorkshire na época em que Portugal, entalado pelos interesses imperialistas da Inglaterra contra a França napoleónica, sofreu invasões francesas, inglesas e espanholas no seu território. Utilizando documentos verdadeiros o autor coloca-nos no palco da época em que todos aqueles interesses estão presentes, em cenários que ainda hoje existem. Escrevemos negociantes e não “negociantes de Vinho do Porto” como ali se escreve, mitologia que essas famílias e os seus cronistas recentes efabulam, pois os Van Zeller, e outros, eram negociantes de “tudo” o que aportava ou saía da barra do Douro, neste caso em maior quantidade os cereais importados de Norte da Europa. O negócio do Vinho do Porto, à época Vinho de Feitoria estava nas mãos dos ingleses anglicanos, pois o seu maior ciente era a Armada Britânica. Em todo o caso um livro fascinante onde o percurso individual se confunde com a  História da Europa da época.

The Horse and the Bull agora em papel

Coordenadas por Fernando Augusto Coimbra foram agora disponibilizadas em edição em papel as Actas do I Congresso Internacional o Cavalo e o Touro, que teve lugar na Golegã e na Chamusca em 2013, intituladas The Horse and the Bull in Prehistory and in History, as quais contêm, entre muitos outros, os textos de ARAÚJO, Luís Manuel de – O cavalo no Egito faraónico: uma avalizadora semiótica do poder, e idemKanakht, “touro poderoso”: um expressivo título da realeza egípcia; COIMBRA, Fernando A. – A possible horse hunting scene in the rock art from Philippi (Grece); idem, O cavalo como animal psicopompo na Europa do I milénio a. C.; idem com SOUSA, Rosário – 30.000 anos de história do cavalo: sua divulgação através da pintura contemporânea; GUIMARÃES, J. A. Gonçalves; GUIMARÃES, Susana - Aprestos e representações equestres da Coleção Marciano Azuaga.

Cursos, palestras, colóquios, jornadas e outros

História da Educação
            No passado dia 8 de setembro decorreu em Lugo, Espanha, o VIII Encontro Ibérico de História da Educação, o qual teve a presença de muitos investigadores desta área oriundos de Espanha, Portugal e de outros países lusófonos e castelhanistas. A investigadora no Solar Condes de Resende, Eva Baptista, apresentou a comunicação «A educação em Vila Nova de Gaia (município do noroeste de Portugal), entre 1880 e 1930: escolas, associações e personalidades».

Jornadas Europeias do Património 2016
Eduardo Vitor Rodrigues nas JEP2016
            No passado sábado, dia24 de setembro decorreram no Solar Condes de Resende as Jornadas Europeias de Património 2016, promovidas pelo Concelho da Europa e em Portugal pela Direção Geral do Património Cultural, este ano sob o tema “Comunidades e Culturas”. Esteve presente como palestrante Eduardo Vitor Rodrigues, professor de Sociologia na FLUP e presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e ainda Gonçalves Guimarães, António Manuel Silva, Paulo Costa, José Vaz, Eva Baptista, Fátima Teixeira e Joana Ribeiro que apresentaram as suas mais recentes investigações nos domínios do património destinadas ao PACUG (Projeto de levantamento do Património Cultural de Gaia).
            Estas Jornadas decorreram por todo o país, tendo nelas participado diversos confrades queirosianos, como foi o caso das que se realizaram no Museu Municipal de Penafiel, coordenadas, entre outros, pelo Prof. Doutor Nuno Resende da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Iniciação à escrita hieroglífica
A partir de 28 de setembro decorre na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa este curso organizado pelo seu Centro de História, o qual se prolongará até 14 de dezembro, com a coordenação científica do egiptólogo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo.

Património de Gaia no Mundo
 No dia 29 de setembro, quinta-feira, decorrerá no Solar Condes de Resende pelas 21,30 horas a palestra sobre o título em epígrafe proferida pelo Prof. Doutor Francisco Queirós, coordenador do respetivo volume do PACUG, o projeto dirigido pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana para a Câmara Municipal de Gaia, com um coordenador geral, dez coordenadores de volume e largas dezenas de investigadores profissionais nas diversas áreas do Património.

Curso de História Naval no Solar
No próximo dia 3 de outubro decorrerá no Palácio da Bolsa no Porto mais uma conferência sobre os desafios do Mar, intitulada “Atlântico Mais – A evolução das operações portuárias”, para a qual foi convidado J. A. Gonçalves Guimarães como investigador de História Naval e coordenador de um curso sobre a mesma temática no Solar Condes de Resende, o qual terá início no próximo dia 15 de outubro, sábado, com uma aula sobre «Uma política marítima para a frente atlântica» pelo sociólogo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues, a que se seguirá no dia 22 de outubro «Navios e navegações antigas no Mediterrâneo» pelo egiptólogo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, lembrando o berço da marinha europeia e norte-africana. Este curso é organizado pelo Solar Condes de Resende com a colaboração da Academia Eça de Queirós e certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente do Ministério da Educação.

XIX Jornadas Culturais de Balsamão
Nos próximos dias 6 a 9 de outubro decorrem estas jornadas no Centro Cultural de Balsamão, Macedo de Cavaleiros, este ano subordinadas ao tema “O contributo do associativismo para a defesa do património”, as quais terão como conferencistas, entre outros, o Dr. Andrade Lemos do Centro Cultural de Telheiras/Centro Cultural Eça de Queirós, o qual, em colaboração, falará sobre «A Irmandade de Nossa Senhora da Porta do Céu».

X Edição dos Colóquios do Porto “Encontros com o Tempo”
Nos dias 4 e 5 de novembro decorrerá na Fundação Eng. António de Almeida no Porto uma nova edição destes colóquios, que têm como presidente honorário o Dr. Jaime Milheiro, desta feita subordinado ao tema “Psicanálise e Cultura”. O referido médico psiquiatra, psicanalista e escritor, membro da Sociedade Portuguesa de Psicanálise, participará ainda como comentador na conferência de abertura e apresentará o tema «Medicina Desportiva, “Anti-aging”».

Prémio
No passado dia 23 de setembro decorreu na Fundação Eça de Queiroz em Baião a entrega do seu prémio literário patrocinado pela respetiva Câmara Municipal. O júri, de que fez parte, como presidente, o Dr. Guilherme de Oliveira Martins, galardoou a obra «As atualizações dos romances de Eça de Queirós para o pequeno ecrã» de Filomena Antunes Sobral.

Outros eventos

Marca “GAIA Todo um Mundo”


No passado dia 19 de setembro, no Auditório Municipal de Gaia foi apresentado o projeto “Gaia Todo um Mundo”, como citymark e conjunto de conteúdos e propósitos de identificação da comunidade gaiense e as suas características voltadas para o exterior: o ambiente e os parques naturais; o mar atlântico e o Rio Douro, os Vinho do Porto e do Douro, a indústria cerâmica e metalomecânica, o turismo e as unidades hoteleiras; os eventos populares e o património. Do painel de comentadores do projeto faziam parte, além do anfitrião, Eduardo Vitor Rodrigues, presidente da câmara municipal, e Albino Almeida presidente da assembleia municipal, Manuel de Novaes Cabral, presidente do IVDP e Sebastião Feyo de Azevedo, reitor da Universidade do Porto, além de outros.
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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 95 – domingo, 25 de setembro de 2016; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154 ;
IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Susana Moncóvio.