terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Eça & Outras

Ano do Centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro

e do Bicentenário da Independência do Brasil

Centenários com o Brasil em Portugal

Decorrem no presente ano de 1922 o centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro e o bicentenário da Independência do Brasil. No primeiro caso a façanha iniciada a bordo do hidroavião Lusitânia, pilotado por Sacadura Cabral, sentado na parte dianteira da nave, tendo como navegador Gago Coutinho, sentado no assento imediatamente atrás, que no dia 30 de março, pelas sete horas da manhã, levantaram voo no Rio Tejo, junto da Torre de Belém, rumo ao Brasil. Levavam consigo o aperfeiçoado sextante Gago Coutinho e o “corretor de abatimento” Coutinho-Sacadura; 220 galões de gasolina e 15 de óleo; duas maletas pessoais que não excediam os cinco quilos; uma mala de ferramenta e ambulância; os casacos e bonés do uniforme, uma edição de Os Lusíadas de Luís de Camões, impressa em 1670, para oferecer ao Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, uma carta do presidente da República Portuguesa, Dr. António José de Almeida, para o presidente da República do Brasil, Dr. Epitácio da Silva Pessoa; e uma garrafa de Vinho do Porto Adriano oferecida pela Casa Ramos Pinto de Vila Nova de Gaia. Entre “papéis de navegação”, cada um deles levava também o seu “livro dos recados” e respetivo lápis, onde foram escrevendo mensagens de um para o outro ao longo da viagem. Não havia outra forma de o fazer para obviar ao barulho do motor, senão bater nas costas do parceiro da frente e passar a folha escrita, ou o da frente esticar o braço e passar a folha para trás, evitando ambos largá-las ao vento.

Após passarem pelas Canárias, e Cabo Verde, fazendo 2.906 quilómetros, amararam com incrível precisão junto dos minúsculos penedos de S. Pedro e S. Paulo no meio do mar, de onde foram resgatados pelo navio português República. Depois de mudarem para o hidroavião Portugal, e ainda depois para o Santa Cruz, chegam a 17 de junho ao Rio de Janeiro ao fim de 8.311 quilómetros e várias atribulações, sendo recebidos em apoteose pelos brasileiros e pela comunidade portuguesa aí residente. O Conde de Sabugosa, escritor queirosiano, escreveu então que estes heróis do ar «…atravessaram a maior saraivada de adjetivos, de advérbios, de hipérboles, de metáforas, de ditirambos, de beijos, de abraços, de condecorações, de títulos, de aclamações, de sorrisos, de coroas sem que o ridículo os atingisse, e sem que perdessem a elegante simplicidade própria de quem é realmente superior». Um feito que levou o abraço de Portugal ao Brasil de Bartolomeu de Gusmão e Santos Dumond e que espantou então o mundo. Por isso vale a pena comemorá-lo.

Quanto ao duplo centenário da Independência do Brasil recordemos aqui os principais passos que a tal levaram: contrariando os intentos de Napoleão, a 27 de janeiro de 1808 a família real e a Corte portuguesa chegam ao Brasil, desembarcando pouco depois no Rio de Janeiro que passa a ser a capital do Império português. A 16 de dezembro de 1815 deixa de ser colónia, passando a fazer parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, do qual no ano seguinte D. João VI será rei. Mas pouco depois, em abril do 1817, Pernambuco acolhe a primeira revolta republicana em território português, que será esmagada. A 24 de Agosto de 1820 ocorre no Porto a Revolução Constitucional, que rapidamente foi seguida por diversas capitanias brasileiras que elegem deputados às Cortes que haveriam de reunir em Lisboa no ano seguinte, tendo, entretanto D. João VI regressado a Lisboa. Tal como acontecera com as Cortes de Cádis de 1812, que menosprezaram os interesses representados pelos deputados das colónias espanholas da América do Sul, também os constitucionalistas portugueses vão destratar os deputados brasileiros e as vontades locais que representavam. Do outro lado do Atlântico, D. Pedro, príncipe herdeiro, é chamado a Portugal, mas, a pedido dos brasileiros, resolve ficar e a 7 de setembro de 1822 declara a independência, sendo a 12 de outubro proclamado Imperador do Brasil. Após demoradas negociações entre portugueses e brasileiros, com a mediação da Inglaterra, para acautelar os interesses dos portugueses ali residentes, e os interesses daquela potência nas terras e nos mares do Atlântico. Portugal reconhece a independência do Brasil a 29 de agosto de 1825. D. João VI morrerá envenenado por alguém da sua esfera a 10 de março do ano seguinte. Após este breve período de cissiparidade dos dois países, a História de ambos irá continuar interligada até aos dias de hoje.

Sobre o Brasil sempre os portugueses tiveram opinião como assunto de família que é, pois não haverá cidadão do lado de cá que não tenha tido um antepassado ou contemporâneo que para lá emigrasse. O contrário também será verdade para muitos brasileiros. E até nos permitimos opinar sobre os acertos dos seus destinos, como o fez Eça de Queirós em vários escritos e ocasiões: «nos começos do século [XIX], há uns [cento e] cinquenta e cinco, [cento] e sessenta anos, os brasileiros, livres dos seus dois males de mocidade, o ouro e o regime colonial, tiveram um momento único, e de maravilhosa promessa. Povo curado, livre, forte, de novo em pleno viço, com tudo por criar no seu solo esplêndido, os brasileiros podiam, nesse dia radiante, fundar a civilização excecional que lhes apetecesse, com o pleno desafogo com que um artista pode moldar o barro inerte que tem sobre a tripeça de trabalho, e fazer dele, à vontade, uma vasilha ou um Deus. Não desejo ser irrespeitoso, caro Prado; mas tenho a impressão que o Brasil se decidiu pela vasilha» (Eça de Queirós, Cartas e Outros Escritos (Carta de Fradique a Eduardo Prado). Respeitemos a sua opção pelas coisas mais humanas em detrimento das sobrenaturais, que sempre lá estarão, pois a sua felicidade, como se fora a de um parente que só estivesse temporariamente longe, é aquela que a todos nos importa. E sabemos que os ventos nem sempre correm de feição. Mas numa coisa acreditamos: a Independência do Brasil merecerá aos portugueses um brinde ao futuro dos dois países. 

J. A. Gonçalves Guimarães

secretário da direção


Cursos

Prossegue o curso sobre História - Património – Turismo, organizado pela Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ) e pelo Solar Condes de Resende, com o patrocínio da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente (M.E.), presencial e por videoconferência. Depois de no sábado dia 8 de janeiro ter decorrido a 7.ª sessão intitulada «Ao Sabor de Portugal – Rotas de Turismo Gastronómico» pela Dr.ª Olga Cavaleiro, no dia 22 será a 8.ª sessão pelo Dr. Luís Pedro Martins, presidente da Associação de Turismo do Porto e Norte sobre «O Turismo na pós-pandemia». Prosseguirá a 12 de fevereiro com o tema «Turismo Musical» pela Prof.ª Doutora Elisa Lessa, e no dia 26 sobre «Turismo Militar» pelo Prof. Doutor Sérgio Veludo Coelho. 

                Depois do sucesso do ano transato, de novo no próximo mês de julho, entre 17 e 22, organizado pela Universidade do Porto através do CITCEM/FLUP e com a colaboração de universidades estrangeiras e diversas entidades portuguesas, vai realizar-se em Vila Nova de Foz Côa o International Heritage Summer School Douro’22. Terá como conferencistas, entre muitos outros, Nuno Resende, professor da FLUP e membro da comissão organizadora deste curso universitário de verão, que falará sobre «On the threshold of imagination»; J. A. Gonçalves Guimarães, ex-professor da Universidade Portucalense Infante D. Henrique e atual coordenador do Gabinete de História, Arqueologia e Património (ASCR-CQ), que falará sobre «Quinta da Ervamoira, Vale do Côa: das escavações arqueológicas ao Museu de Sítio»; e João Duarte, investigador do CITCEM/FLUP; IACOBUS-USC que falará sobre «Architecture and landscape in the Alto Douro Wine Region».

Livros e Revistas

Finalmente o correio trouxe até nós a edição em papel do n.º 25 da Revista da Academia Alagoana de Letras, a qual, ao abrigo do acordo de cooperação entre os Amigos do Solar Condes de Resende-Confraria Queirosiana (ASCR-CQ) e aquela instituição sediada em Maceió, Alagoas, cujo edifício sede está presentemente a ser alvo de obras de beneficiação que lhe estão a devolver a singularidade da sua arquitetura, apresenta, para além da colaboração de três confrades queirosianos portugueses, a que já nos referimos no número anterior deste blogue, nas suas 102 páginas, para além daqueles textos os de mais cinco ensaístas, e mais outros vinte e três autores de artigos, crónicas, contos e poesia, sobre diversos temas de sempre e da atualidade. Número dedicado ao centenário do médico, contista e jornalista Breno Accioly (1921-1966), aqui estudado no ensaio «Medo do Medo» escrito pela professora e académica da AAL, Edilma Acioli Bonfim, apresenta na capa a pintura Minutos antes da ceia da autoria de Juarez Orestes Gomes de Barros.

«A edição crítica d’A Relíquia que agora se publica integra-se numa série editorial que chega agora ao seu vigésimo volume. A presente publicação é, então, o resultado parcial de um projeto de investigação designado como Edição Crítica das Obras de Eça de Queirós, projeto desenvolvido desde há quase três décadas, com a colaboração de alguns dos mais destacados estudiosos em matéria queirosiana; trata-se, como é sabido, de rever e de fixar o cânone textual queirosiano, objeto de percalços vários, desde o tempo de Eça e por razões que os títulos já publicados têm procurado esclarecer. Para além disso, a Edição Crítica das Obras de Eça de Queirós propõe-se fazer a história de cada texto, entendida como contributo decisivo para incutir segurança e fundamento àquela revisão.

O romance A Relíquia, publicado pela primeira vez em 1887, ocupa um lugar singular na produção literária queirosiana. Estamos perante uma obra que se se situa na linha da literatura e do pensamento anticlericais, muito férteis no século XIX, e que diretamente se relaciona com as resistências e com as contradições que a laicização da vida pública portuguesa enfrentou, desde o advento do Liberalismo. Por isso, a história do texto, no caso d’A Relíquia, não pode deixar de contemplar esta que é uma questão com larga tradição na cultura portuguesa.

O relato em que Eça quis pôr “o manto diáfano da Fantasia” sobre “a nudez forte da Verdade” tem uma outra história, esta de caráter pessoal. Liga-se ela à experiência do escritor como viajante e à digressão que, ainda jovem, fez por terras do Egito e da Palestina. Muito do que ficou dessa jornada está projetado no texto d’A Relíquia e ainda em abundantes e quase sempre saborosas notas de viagem, muitas delas deixadas inéditas. Na época, estava ainda bem viva uma sensibilidade romântica que não resistia ao forte apelo das origens do Cristianismo, nos lugares exóticos que foram o seu berço. Eça não desprezou esse apelo.»

(“Nota Prefacial”; Eça de Queirós, A Relíquia. Edição de Carlos Reis e Maria Eduarda Borges dos Santos. Lisboa: Imprensa Nacional, 2021, pp. 11-12) publicada em «Eça de Queirós. Investigação, ensino, e debate sobre temas queirosianos» queirosiana.wordpress.com, 13 de janeiro de 2022.


         Acaba de ser publicada pela Scortecci Editora a mais recente obra de Carlos Méro intitulada Contos Covidianos, «coletânea… [de] narrativas sem nenhum compromisso com o que quer que seja» onde o autor assume «que a melhor maneira de mentir é dizer a verdade que convém», ou seja «contar, com aparência de alguma idoneidade, o que no fim não passa de ostensivo fingimento». Postas estas e outras advertências, seguem-se os contos com títulos como «A Praga», «Trancelim», «Um herói sem juízo», «Queda Livre», «O Retrato Improvável», «A Degola», «A Implicância de Oxóssi», «Abelardo e Adalgisa», «Os Dois Melros», «A Lapinha» e «A Escolha de Jacó» que decorrem no contexto de medo e alguma paranoia que a pandemia veio trazer numa época em que o statos quo já não acreditava que estas coisas pudessem acontecer. Carlos Méro é advogado, natural de Penedo, Alagoas, Brasil e vive em Maceió. Autor de uma vasta e diversificada obra publicada por diversas editoras é académico da Academia Alagoana de Letras, da similar Penedensee, e do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de alagoas.

Conferências e palestras

    No próximo dia 27 de janeiro os Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana vão retomar as palestras das últimas quintas-feiras do mês. O tema será «Os centenários com o Brasil em Portugal», por J. A. Gonçalves Guimarães. Será tentada uma nova modalidade: para além das palestras passarem a ser presenciais e via Zoom, com disponibilização gratuita do respetivo link, o horário será entre as 18,30 e as 19,30 horas. Seguir-se-á, para os presentes que o desejarem, um jantar por marcação num restaurante próximo para assim poder ser continuada a conversa sobre o tema em foco.

      Nesse mesmo dia, pelas 21 horas, o Prof. Doutor Carlos Brito, professor de Marketing na Faculdade de Economia da Universidade do Porto e na Porto Business School falará online sobre «O que é Marketing num mundo Digital» Para participar basta aceder a https://www.linkedin.com/.../um:li:ugcPost.../

      No dia 9 de fevereiro, o Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, académico correspondente da Academia Portuguesa da História, e vice-presidente da ASCR-CQ ainda recentemente regressado de mais uma viagem de estudo ao Egito, apresentará nesta instituição em Lisboa o tema «Os primórdios da Egiptologia em Portugal».

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 161, terça-feira, 25 de janeiro de 2022; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.