domingo, 26 de março de 2017

Eça & Outras

Eça & Outras, sábado, 25 de março de 2017

30 anos de Concertos de Primavera

           Tendo o Conservatório Regional de Gaia celebrado este ano os seus trinta anos de existência com um Concerto de Primavera com o Requiem de Mozart no dia 25 de março, escrevemos algumas breves palavras sobre a sua existência e mais algumas outras relacionadas com a efeméride.
           Vila Nova de Gaia sempre foi terra de músicos e de apetências musicais: provam-nos tal afirmação as notícias dos grandes Te Deum organizados pela Confraria do Santíssimo Sacramento de Santa Marinha, a criação de um Clube Musical com orquestra própria na rua Direita em 1877, os concertos promovidos pela Assembleia da Granja onde, entre outros, atuaram Pablo Casals, Guilhermina Suggia e Alfredo Napoleão, este último compositor e pianista filho de mãe gaiense e de quem este ano se comemora o centenário do falecimento, irmão do muito mais célebre Artur Napoleão, talvez o maior pianista mundial entre Liszt, que conheceu, e Rubinstein, e que se radicou no Brasil. Poderíamos falar de outros expoentes musicais aqui nascidos ou aqui radicados, como Armando Leça, César Morais, Günther Arglebe, pianistas como Maria José Morais, melodistas como Adriano Correia de Oliveira, guitarristas como Jorge Fontes, interpretes e promotores da antiga música portuguesa de órgão, como Simões da Hora, e uma mais nova geração de compositores como António Pinho Vargas e maestros como Cesário Costa ou Rui Massena.
           Mas até aos anos oitenta do século passado, para além da ação individual, da docência no Conservatório do Porto e do recurso à migração para Lisboa ou para o estrangeiro, não tinha então o município estruturas organizadas, leia-se escolas e instituições, que praticassem e divulgassem a grande música europeia e mundial, quer no que diz respeito ao nível profissional dos seus executantes, quer dos seus apreciadores, o seu público afinal. Para além da ação, certamente meritória, das tunas e bandas locais, algumas centenárias, da persistência da atividade orfeónica na Madalena e Valadares e de ações pontuais com a realização de alguns concertos, só a partir de então se criaram aqui escolas que viriam a suprir e a elevar essa apetência musical da sociedade gaiense. De entre elas sobressai o Conservatório Regional de Gaia, sob a direção dos professores Mário Mateus e Fernanda Correia. Para além da sua criação e dos seus programas de docência cada vez mais altos, desde aquela época que promoveram ações paralelas que trouxeram a Vila Nova de Gaia grandes nomes da música erudita aos Festivais Internacionais de Canto Francisco de Andrade, ao Festival Internacional de Gaia, cuja primeira edição decorreu em 1985 no Ano Europeu da Música, ou buscando origens com o agrupamento Musica Reservata para a música medieval e do Renascimento, ou contrapontando-o com o Centro de Estudos de Música Vocal Contemporânea que interpretou as Missas de Stravinsky (1944-1948) e de Maurice Ohana (1977), num memorável concerto na igreja do Mosteiro da Serra do Pilar a que assistiu este último compositor. E também na criação dos grandes Concertos de Primavera, a que a colaboração com a autarquia gaiense associava alguns eventos como foi o caso do centenário da morte de Soares dos Reis e do nascimento de Diogo de Macedo, em que a 29 de maio de 1989, na igreja de Mafamude, se tocou e cantou o Requiem de Mozart, que teve como intérpretes Fernanda Correia, soprano, Mário Marques, contra-tenor, Rui Taveira, tenor, Walter Raninger, baixo, e o coro e orquestra do Conservatório, sob a direção de Mário Mateus. Ou no ano seguinte, na evocação do centenário de Camilo Castelo Branco, também na igreja de Mafamude, a Missa Solene de Rossini, em que foram intérpretes Bettina Cosack, soprano; Marianne Schartner, contralto; Seiji Makino, tenor; Walter Raninger, baixo, coro e orquestra do Conservatório e a direção de Mário Mateus, a que outros grandes e marcantes concertos se seguiram. Mas se todos os anos houve primavera, durante alguns a dureza de ouvido institucional não colaborou na realização destes concertos e o calendário cultural de Gaia, quando tal aconteceu, ficou muito mais pobre. A quem vinha com outras prioridades talvez valesse a pena lembrar que um tal Platão em tempos já muito remotos escreveu em A República (III – 401d) «…a educação pela música é capital, porque o ritmo e a melodia penetram mais fundo na alma e afetam-na mais fortemente, trazendo consigo a perfeição e tornando aquela perfeita».
           Felizmente hoje há um outro entendimento do vetor cultura na sociedade gaiense e voltamos a ter um grande Concerto de Primavera com um sempre renovado Requiem de Mozart, a sua última e incompleta obra, composta em 1791, quando em Portugal reinava uma rainha com problemas mentais, em França a Revolução em marcha capturava o rei Luís XVI em fuga, que então juraria apressadamente a nova Constituição, e por aqui se continuava um então florescente comércio naval com o Brasil e os países do Norte da Europa, que permitia a realização dos grandes Te Deum já referidos.
           Um requiem é muito mais do que um «ofício clerical em dia de mortos», como em determinado contexto mundano se lhe referiu Eça de Queirós (Omphalia de Benoiton), e faz todo o sentido como concerto de primavera, não apenas por se inserir na tradição ocidental judaico-cristã de que é nesta quadra do ano que à morte de Jesus Cristo sucede a sua ressurreição, mas também porque, num conceito mais universal e transverso a todas as civilizações, devemos refletir, certamente com mágoa, sobre a precaridade da vida de todos os que nos são queridos quer como familiares próximos, quer como membros a nossa comunidade local, nacional ou universal, para tentarmos entender  melhor esta perpetuidade da renovação da natureza, e logo humana, dada pela sequência das ressurreições, dos renovos, das primaveras desde o sempre.
           Creio que é essa a mensagem que nos quis deixar «o divino Mozart», como também Eça sem blasfémia lhe chamou, como conhecedor de que Deus se tem revelado à Humanidade através da sua música, gerando certamente um grande consenso mundial de harmonia entre os homens e as nações. A este De profundis sucederá sempre a luminosa constelação da obra do músico de Salzburgo e de Viena que em tão boa hora o Conservatório de Gaia nos trouxe em mais este Concerto de Primavera.

J. A Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Prémio literário SPA

J. Rentes de Carvalho
J. Rentes de Carvalho acaba de ser galardoado com mais um prémio literário, desta vez pela sua obra ficcional O Meças, publicado em 2016 pela Quetzal e considerado o “Melhor Livro de Ficção”, o qual lhe foi atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores. A obra retrata o português retornado da emigração cheio de problemas e frustrações por resolver e para quem a violência e a mediocridade rural são a normalidade, em completa oposição ao falso mito dos “brandos costumes” que o Estado Novo formatou e divulgou, e o pós-25 de Abril reinventou, para um “povo” que só existe na ficção literária. Recentemente numa entrevista concedida à revista Observador disse: «Nada tenho a ver com os meus leitores, não lhes devo coisa nenhuma, tão-pouco me interessa o seu favor ou desfavor, ou que eles suponham poder-me associar com Wilders, a islamofobia, a extrema-direita, o partido dos animais ou os vegetarianos. Não pertenço, não me associo, não tiro proveito. Sou livre e ajo com liberdade, nenhum interesse material, político, económico, social ou outro tem poder para coartar a minha liberdade».
Sabendo-se que a maior parte dos escritores das bolas de sabão literárias que por aí se publicam fazem todo o tipo de malabarismos para venderem e serem conhecidos, estas declarações, ainda que tenham de ser enquadradas no contexto daquela entrevista sobre a situação político-social na Holanda e na Europa, só serão surpreendentes para os que não conhecem a obra desassombrada deste escritor. O próximo livro de J. Rentes de Carvalho, a sair em breve, será sobre Trás-os-Montes.

Roteiros queirosianos

Casa de Verdemilho, Aveiro


A Casa do avô de Eça de Queirós, o juiz Joaquim José de Queirós, mentor da revolta de Aveiro e depois do Porto em 1828 contra D. Miguel, que o condenou à morte de que logrou escapar, vai finalmente ser recuperada para memória museológica queirosiana pela Câmara Municipal de Aveiro. Aí passou o escritor a infância aos cuidados de sua avó e ouvindo as estórias do escravo negro que seu avô trouxe do Brasil. No cemitério da terra, em jazigo próprio, repousam os restos mortais de seu avô e de seu pai, o juiz Teixeira de Queirós, aquele que absolveu Camilo e Ana Plácido do crime de adultério e mandou deter para levar a julgamento por corrupção e branqueamento de capitais o Conde do Bolhão, um dos “donos disto tudo” da época. Propriedade particular abandonada durante anos e quase reduzida à fachada, teve em tempos um projeto de recuperação do arquiteto A. Campos Matos. Presentemente a Câmara fez um protocolo com os proprietários do terreno e das ruinas para a sua dignificação e rentabilização do espaço e da área envolvente.
A melhor bibliografia sobre este assunto é o livro de Jorge Campos Henriques, Eça em Aveiro. Raízes e outras histórias, Aveiro: Câmara Municipal, 2001 e o Dicionário de Eça, de A. Campos Matos.

Mestrado

         
Mestre Maria de Fátima Teixeira
No passado dia 16 de março defendeu na Faculdade de Letras da Universidade do Porto a sua dissertação de mestrado em História Contemporânea a investigadora do Solar Condes de Resende Dr.ª Maria de Fátima Teixeira, sobre o tema “A Companhia de Fiação de Crestuma. Do fio ao pavio”, a qual teve como orientador o Professor Doutor Jorge Fernandes Alves, como arguente a Professora Doutora Teresa Soeiro e como presidente do júri a Professora Doutora Conceição Meireles. Perante uma numerosa assistência a mestranda apresentou a história desta marcante empresa têxtil do município gaiense e da região, a qual presentemente se encontra em fase de reabilitação patrimonial do seu complexo edificado, mas também do seu espólio documental e artístico por vontade e empenho do seu atual proprietário Dr. Ricardo Haddad, que também esteve presente nestas provas, bem assim como diversos coordenadores e investigadores do projeto do Património Cultural de Gaia (PACUG), outros técnicos, autarcas amigos e familiares da candidata autora deste estudo que lhe valeu o grau de mestre no qual foi aprovada por unanimidade com dezanove valores, devendo o mesmo ser publicado em livro em breve

Livros & Revistas

Luís de Camões continua a ser um tema dominante na cultura portuguesa, tendo dado origem a uma vastíssima bibliografia, iconografia, óperas, filmes e outras manifestações culturais, simbólicas, institucionais literárias e historiográficas. Camões é a Pátria Portuguesa e as suas messiânicas contradições, como já em tempos equacionaram Almeida Garrett (Camões, 1825); Arnaldo Gama (A Caldeira de Pero Botelho, 1856); George Le Gentil (Camões, 1952); Bernardo Xavier Coutinho (Camões, Arte e História Portuense, 1975); Hermano José Saraiva (Vida ignorada de Camões, 1978), e muitos outros, sendo talvez estes os mais populares. Foi agora a vez de Mário Cláudio nos propor uma revisitação romanceada do homem e do mito através de Os Naufrágios de Camões, editado pelas Publicações D. Quixote e lançado no passado dia 7 de março no Porto e no dia 17 de março na Biblioteca Nacional de Portugal em Lisboa.


Na mais pequena e remota aldeia ou nas muitas aldeias existentes dentro de cada cidade, a memória oral foi efabulando historietas que procuram preencher as lacunas do espírito comunitário construído ao longo dos tempos e dar-lhe conteúdos. No que à cidade invicta diz respeito a recolha desses relatos tem vindo a ser recentemente empreendida por Joel Cleto, que acaba de lançar no passado dia 8 de março na Biblioteca Pública Municipal de Vila Nova de Gaia o quarto volume de Lendas do Porto. A obra tem fotografias de Sérgio Jacques.



Cursos, palestras, colóquios, jornadas…

Colóquio em Évora
        

No passado dia 17 de março decorreu em Évora no salão nobre dos Paços do Concelho um colóquio comemorativo dos 150 anos da passagem de Eça de Queirós por esta cidade alentejana em 1867, cuja conferência de abertura foi proferida pela Professora Doutora Ana Teresa Peixinho, da Universidade de Coimbra, continuada depois com diversos outros oradores. Este evento insere-se nas comemorações promovidas pela Câmara Municipal em parceria com um grupo de cidadãos eborenses e várias instituições locais que promovem diversas iniciativas ao longo do ano.

         Com o mesmo objetivo a Confraria Queirosiana está a programar uma visita a Évora Queirosiana nos dias 20 e 21 de maio próximos, estando a decorrer as inscrições.

Castelos

         No próximo dia 30 de março, na habitual palestra da última quinta-feira do mês do Solar Condes de Resende, o Dr. Tiago Carmo falará sobre “Os castelos da Terra de Santa Maria nos séculos X-XII, segundo o Cartulário Baio-Ferrado”, tema da sua tese de mestrado recentemente apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Sendo poucos os estudos sobre a Idade Média da região, este tema apresenta-se como da mais relevante importância para a sua compreensão.

Dia Internacional dos Monumentos e Sítios

         No próximo dia 18 de abril lembram-se estas referências da cultura dos povos, este ano sob o tema “Património Cultural e Turismo sustentável”, num colóquio no Solar Condes de Resende com a participação de diversos profissionais do património e do Turismo, tendo como moderador J. A. Gonçalves Guimarães.

Confraria Queirosiana

Aviões da TAP

         No passado dia 14 de março a TAP festejou os seus 72 anos, apresentando ao público uma nova frota de 20 aviões para voos regionais batizados com os nomes e iconografia dos antigos 18 distritos de Portugal continental e das regiões autónomas, num programa justamente intitulado “TAP abraça Portugal”. A Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas associou-se ao evento estando presente através dos seus órgãos dirigentes e de numerosas confrarias que apresentaram os melhores produtos de todo o país, tendo estado presente o Cante Alentejano interpretado por 160 elementos de diversos grupos. Na ocasião o Dr. Fernando Pinto, presidente executivo da empresa felicitou a presidente da FPCG, Dr.ª Olga Cavaleiro, pelo trabalho desenvolvido em prol desta iniciativa. A Confraria Queirosiana esteve representada pelo seu dirigente Dr. Manuel Nogueira.

Jantar de encerramento do curso

Exposição na Quinta da Boeira
No passado dia 18 de março, com uma aula sobre “O Porto de Leixões” pelo Prof. Doutor Jorge Fernandes Alves, encerrou no Solar Condes de Resende o curso sobre História Naval do Noroeste de Portugal organizado pela Academia Eça de Queirós, que ali decorreu ao longo de treze sessões. Seguiu-se uma visita à exposição de modelos de embarcações históricas da Quinta da Boeira guiada por Gonçalves Guimarães, uma prova de vinhos do Porto na “maior garrafa do mundo” e um jantar no seu palacete para quarenta confrades e convidados, o qual foi abrilhantado com a atuação do grupo musical Eça Bem Dito, que interpretou canções antigas, fados e tangos, que hoje são Património Cultural da Humanidade.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 100 – sábado, 25 de março de 2017; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Susana Moncóvio; Manuel Nogueira.