Eça & Outras, 25 de janeiro de 2015
Je suis Hebdo!
Entendamo-nos: um ser humano dos dias
de hoje que só tenha lido um livro, sagrado ou político, nunca compreenderá o
mundo e a humanidade na sua plenitude. Pode mesmo acontecer que acredite que “o
seu livro” é a única verdade e que, quem sobre tal esboçar um leve sorriso,
escrever um poema, desenhar um cartoon, fizer um filme, ou mesmo formular algumas
elementares perguntas sobre as suas origens, autor(res) e condições de escrita,
estará a ofendê-lo e a ofendê-la (à “única verdade”) e, nesse caso, o defensor
do “livro único” poderá achar que o questionador merecerá morte violenta, sem
direito a encolher de ombros. Os crentes nas verdades únicas, que são sempre
étnicas, totémicas e teológicas, e nunca universais, humanistas e racionais,
seguem à letra o que ali está escrito, quer “o resto” da humanidade (os das
outras religiões, os indiferentes, os não crentes, os racionalistas
militantes…) queira ou não queira. Cheio de humana compreensão, estenda a um
desses dogmáticos a fraterna mão do diálogo e vai ver o desdém com que é
mimoseado e, em alguns casos e locais, anda com sorte se sobre si não ocorrer a
prisão arbitrária, a facada, o tiro ou a bomba com que o presenteiam. São assim
os “iluminados”, quase sempre pessoas pouco cultas, com capacidades
intelectuais pouco desenvolvidas, insuportáveis ao convívio humano. Às vezes
com alma de criminosos, as mais das vezes simples patetas a soldo de outros
mais espertos. Não são exclusivos de qualquer religião ou crença, ainda que
laica.
Mais valia pois que não soubessem ler
livro algum. O saber parcial, transformado em militância religiosa ou política
é mais perigoso do que a ignorância, pois falta-lhe a humildade que só a
consciência da pequenez individual nos dá. Foi o que recentemente aconteceu em
França quando um grupo destes devotos do Parcial atacou o jornal Charlie Hebdomadaire e assassinou 12
pessoas pelo facto desta publicação os incomodar com algumas pilhérias sobre a
sua intocável “meia” sabedoria (e meia é favor, pois nem sequer abrange metade
da humanidade e, mesmo que tal acontecesse, tal não quereria, só por si, dizer
que essa meia verdade estivesse certa e fosse “intocável”, exceto, claro, para
os que nela acreditam).
Nós, europeus e portugueses, sabemos do
que estamos a falar, pois já fomos assim: já tivemos cruzadas contra os
albigenses e outros povos com outros credos, tivemos inquisições,
analfabetismos, censuras, perseguições políticas, totalitarismos, a “verdade
oficial” contra as evidências das descobertas. Fomos, mas já quase o não somos:
desde o século XVI fomos introduzindo a dúvida metódica no nosso quotidiano e a
Terra passou a girar à volta do Sol, contra o parecer das igrejas e dos estados.
Tenho para mim como historiador que o fundamentalismo se agudiza sempre que os
povos se movimentam em levas pelo orbe, como acontece nos dias de hoje. Os
caciques locais na origem querem transformar cada emigrante num missionário e
cada um deles num guerreiro. Na realidade temem que “o” ou “a” “dos nossos”,
até aí servos locais, se transformem em cidadãos de um mundo livre e passem a
ser “dos outros”. Têm medo que eles lhes escapem, e às suas “verdades”. Depois,
para abrigo da sua intolerância, escudam-se na obrigatoriedade do respeito dos
outros pelas suas opções, respeito esse que normalmente os “ocidentais” atualmente
praticam sem grande esforço e, às vezes, com demasiada benevolência. Na sua
arrogância, os fundamentalistas nem se dão conta de que, se levadas à letra,
grande parte das suas crenças ofendem todos os dias os princípios da Biologia,
da Física, da Matemática, da História, da Medicina e de muita da sabedoria
humana acumulada ao longo dos séculos pelos livres pensadores (ainda que
crentes) que ousaram descrer das “verdades únicas” e cujas ousadias de
liberdade de pensamento hoje fazem parte do nosso quotidiano. Por aqueles
outros ainda andaríamos a pastorear camelos ou ovelhas e não saberíamos nada de
micróbios. Ou seja, ofendem uma boa parte da humanidade que com eles convive e que
nestes outros princípios da Cultura, da Ciência e da Técnica acredita, praticando-os,
até sem de tal se aperceber, todos os dias. Só que, ao contrário da prática dos
“iluminados”, respondem-lhes com a Tolerância. Acabem-me pois com essa conversa
hipócrita dos melindres dos respeitos, que têm pelo menos de ter como regra
básica o deverem ser recíprocos. De outro modo serão subserviência intelectual
ou mesmo medo, ainda que em nome do pacífico convívio humano entre indivíduos
com crenças diferentes. Tal como o papa Francisco, também era capaz de dar um
murro a quem ofendesse a minha mãe. Mas não é dessa humaníssima reação que
estamos a falar, mas sim do que pensam, e atuam em conformidade, a mãe, o pai,
a família, a comunidade, o país e a região das pessoas que querem impor aos
outros as suas crenças e convicções pela violência através de religiões,
serviços secretos, exércitos, bandos, máfias, clubes, seitas, comandos,
comentadores, etc.
O mundo, sob risco de perecer, fatalmente
caminhará em direção à fraternidade universal, ainda que de tempos a tempos os fanáticos
mostrem a sua impotência matando os companheiros que seguem pela Estrada Larga
da Vida (Walt Whitman), aquela que se palmilha lado a lado, ombro a ombro, para
além da etnia, da língua, da religião, da nacionalidade, das ideias que cada um
carrega, espera-se que sempre em liberdade e pela liberdade. Avisou-nos Eça de
Queirós: «Quiseste criar os Direitos do Homem, trouxeste um mal divino chamado
Liberdade, que vai sempre fugindo de Ti, e só às vezes se volta de repente,
para te borrifar de sangue!» (Eça de Queirós, Prosas Bárbaras).
E se há coisa que os “iluminados” não
suportem, entre muitas outras, é uma inocente criança a gritar “Os profetas vão
nus”. Voltemos a Eça: «O riso é a mais antiga e ainda a mais terrível forma de
crítica. Passe-se sete vezes uma gargalhada em volta duma instituição, e a
instituição alui-se… O riso é a mais útil forma de crítica, porque é a mais
acessível à multidão. O riso dirige-se não ao letrado e não ao filósofo, mas à
massa, ao imenso público anónimo. É por isso que hoje é tão útil como
irreverente rir das ideias do passado…» (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas).
Meu Caro Eça: tu, que com a tua ironia
salvaste este país de se tornar no Portugalistão, por certo que já aí, no Paraíso
da Boa Memória Humana, acolheste os nossos amigos do Charlie Hebdo, mas, felizes por finalmente te conhecerem – um deles
(exagerado) até te chamou profeta! - ainda não lhes disseste que foste tu quem um
dia escreveu: «Vamos rir, pois. O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é
uma salvação. E em política constitucional, pelo menos, o riso é uma opinião»
(Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre).
Na nossa crença é assim. E também
exigimos respeito. Mas podem caricaturar à vontade as nossas convicções, sem
medos de quaisquer represálias. A Liberdade de expressão é com certeza um
direito divino. Por isso alguns dele têm tanto medo.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
Publicações
Encontra-se
em distribuição o n.º 79 do Boletim da Associação
Cultural Amigos de Gaia, com quem os ASCR-CQ têm protocolo de colaboração e
de que é diretor o nosso sócio Dr. Francisco Barbosa da Costa. No seu interior,
J. A. Gonçalves Guimarães escreveu sobre «Mafamude: de freguesia rural a sede
do município de Vila Nova de Gaia», Abel Ernesto Barros sobre «Jugos e cangas
em Vila Nova de Gaia» e Salvador Almeida sobre o «Plano municipal de prevenção
e atuação de cheias no Douro de Vila Nova de Gaia», para além de artigos de
outros colaboradores sobre caminho-de-ferro e estudos de Biologia marítima.
Por
sua vez, editado pela Associação dos Amigos de Pereiros, com quem a Confraria
Queirosiana tem igualmente um protocolo de colaboração, acaba de ser lançado o
livro “Pereiros na Região Demarcada do Douro ou Fora Dela”, compilado pelo
nosso confrade A. Silva Fernandes, presidente daquela associação, o qual reuniu
a documentação enviada ao longo de anos a todas as autoridades nacionais a
protestar contra a Portaria 1080/82 que excluiu aquela freguesia de S. João da
Pesqueira da Região Demarcada do Douro onde desde sempre esteve integrada.
Conferências,
aulas e palestras
Prossegue
no Solar Condes de Resende o curso sobre “História e Carisma da Região do Douro
Atlântico (Gaia/Porto/Matosinhos), tendo falado no passado dia 10 o biólogo
Doutor Nuno Oliveira sobre o “Contributo para o conhecimento da fauna e flora
da região do Porto por alguns naturalistas dos séculos XVIII e XIX”, e no dia
17 o historiador da Arte, Prof. Doutor José Manuel Tedim sobre “Arte barroca e
neo-clássica na região portuense: Nasoni e seus émulos”. O curso prossegue no
dia 7 de fevereiro com uma aula sobre “ A industrialização da região do Porto”,
pelo historiador Professor Doutor Jorge Alves.
No
dia 8 de janeiro o Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo proferiu na Casa do
Infante, no Porto, uma conferência sobre os 3000 anos de História do Antigo
Egito como introdução às viagens abaixo indicadas.
Prosseguem
igualmente as palestras das últimas quintas-feiras do mês no Solar: no próximo
dia 29 o Dr. Licínio Santos falará sobre “ Cultura e lazer operários nos finais
da Monarquia e princípios da República”, tema da sua tese de Mestrado
recentemente apresentada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Viagens
ao Egito e à Terra Santa
Em
colaboração com a empresa Pinto Lopes Viagens, no presente ano de 2015, o
egiptólogo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, docente da Universidade de
Lisboa, vice-presidente da direção dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria
Queirosiana e diretor da sua Revista de Portugal, vai dirigir três viagens
sobre temática egiptológica e queirosiana: a primeira terá lugar de 26 de março
a 6 de abril, designada como “ Visita de Estudo ao Egito”, percorrendo os
locais mais emblemáticos desta antiga civilização; a segunda terá lugar de 13 a
23 de agosto e chamar-se-á “ Egito na Europa”, visitando os grandes museus
europeus com coleções egípcias. A terceira viagem decorrerá de 26 de dezembro a
3 de janeiro de 2016 e decalcará a visita de Eça de Queirós e o Conde de
Resende à Terra Santa realizada em 1869, com passagem de ano em Jerusalém.
Os interessados deverão contatar a
Confraria Queirosiana que os encaminhará para as entidades organizadoras.
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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 77 – domingo, 25 de janeiro
de 2015
Cte.
n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
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eca-e-outras .blogspot .pt; vinhosdeeca.blogspot.pt;
academiaecadequeiros.blogspot.pt; coordenação da página: J. A. Gonçalves
Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral;
colaboração: A. Silva Fernandes;Luís Manuel de Araújo.
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