segunda-feira, 25 de junho de 2012

Eça & Outras

A cada um seu Eça?!

O arquiteto Campos Matos (ACM) é, sem favor algum, um dos maiores especialistas mundiais sobre a vida e obra de Eça de Queirós e o seu maior divulgador desde os anos setenta do século passado. A Fundação Eça de Queiroz (FEQ) é uma respeitabilíssima instituição que guarda a melhor parte do que resta do espólio do escritor na Quinta de Vila Nova, Santa Cruz do Douro, Baião, propriedade que foi de sua mulher D. Emília de Castro, filha do 4º e irmã dos 5.º e 6.º Condes de Resende. ACM é, ou foi, membro do conselho cultural da FEQ.
Recentemente, ACM e o conselho de administração da FEQ envolveram-se em controvérsia por causa de alguns documentos e peças do espólio desta instituição e da oportunidade e condições da sua divulgação nacional e internacional.
Tenho uma profunda e grata admiração por ACM pelo que lhe devemos em termos de Cultura Portuguesa e, além do mais, é meu confrade na Confraria Queirosiana. Tenho também uma respeitosa atitude perante a FEQ pelo que tem conseguido manter da memória do escritor e com a qual a Confraria tem um protocolo de colaboração por nós proposto e assinado. Não tencionava pois meter-me neste desaguisado entre, digamos assim para abreviar, dois amigos e assim alcançar uma confortável posição acaciana, distribuindo elogios a um e a outra e repimpando-me depois no sono dos néscios. Suponho que este ataque de comodismo será consequência da idade, embora seja daqueles que não confundem senetude com sabedoria. Estava eu neste arremedo de paraíso mental quando, não só fui mimoseado com os escritos de ambos os lados e respetivas razões, como comecei a receber interrogativos telefonemas, emails e bate-bocas sobre o que é que eu pensava sobre a “polémica”.
Para me manter isento e equidistante procurei fazer uma resenha das razões ementadas pela FEQ, e das apresentadas por ACM. Fiquei assim a saber que ACM «queirozianista e curador da exposição dedicada a Eça de Queiroz a realizar no Museu da Língua Portuguesa de S. Paulo» (Brasil), abordou em Abril passado o conselho de administração da FEQ para:
- publicar um diário de D. Emília da Castro, que ali lhe deram a conhecer em 1994, ao qual faltam algumas páginas e outras estão rasuradas, crê-se que pela mão de sua filha Maria, aspeto comum noutros escritos do próprio Eça feito por outros filhos e editores póstumos.
- providenciar a exposição permanente de 4 ou 5 peças do faqueiro de prata de Eça numa vitrina na FEQ e obter autorização para uma fotografia dessas peças figurar naquela exposição.
Sobre o diário ACM entende que ele é o «último documento de valia dos arquivos da FEQ» e seria um risco enorme [d]a sua publicação por um não especialista».
Sobre o segundo entende que «estes objetos-relíquias são representativos de um tema estrutural da narrativa queiroziana, a comida».
O conselho de administração recusou ambas as pretensões alegando que:
- o diário de uma senhora que faleceu em 1934 «… contém testemunhos íntimos da vida privada, que não devem ser do conhecimento público».
- não se trata de um faqueiro mas «de cerca de quarenta talheres díspares com o monograma de Eça, alguns de prata outros não» e vai daí a FEQ «não autoriza que os talheres do escritor saiam daqui… tratará da sua exposição e da aquisição da vitrina para o efeito».
Mais ficamos a saber que já em 2011 ACM tinha solicitado à FEQ a cedência da escrivaninha de Eça de Queirós para aquela exposição internacional, ao que a instituição respondeu que autorizava apenas a realização de uma réplica e a exposição de fotografias de «vários objetos do espólio da Fundação».
Ficamos ainda a saber que a FEQ sobre ACM tem a opinião de que «ele tem projetado muito e muito bem o escritor Eça de Queiroz através de variadíssimas e premiadas obras cuja realização jamais teria sido possível sem a total, permanente e absoluta disponibilidade da FEQ ao longo de muitos anos», ou seja, que a FEQ julga que, sem o seu apoio, o queirozianista ACM praticamente nem existiria.
Viemos também a saber que os «15.000 visitantes, por semana, durante, pelo menos, três meses» que visitarão a exposição internacional sobre Eça de Queirós em S. Paulo verão objetos que pertenceram ao escritor provenientes de várias instituições e de colecionadores particulares portugueses e estrangeiros, mas da FEQ só verão a réplica da escrivaninha e fotografias. Se quiserem ver os verdadeiros lá terão de se apear na estação ferroviária de Caldas de Aregos e jacintar até à Quinta de Vila Nova.
Caros Amigos: a vida é assim e estes são os factos, parcialmente aqui resumidos, como se fossem os estatutos de uma associação recreativa num suplemento da III.ª série do D. R., a partir dos textos que tiveram a gentileza de me enviar e que, entenda-se e que fique claro, de modo algum, me pediram para comentar ou tomar partido. Por isso aqui estou a redigir esta nota com a mesma serenidade com que o civilizado Pilatos, em assunto que o transcendia, pediu a bacia, a toalha e o sabonete, e lavou as mãos.
Mas, tendo consultado Eça no Olimpo através da mesa pé-de-galo, (não, meu caro ACM, você não tem o exclusivo de falar com ele, nem isso é coutada só sua, como diria o relator da FEQ…) ele disse-me: «estou estupefacto!» e, justificando-se, «é que já não é a primeira vez que não me deixam ir ao Brasil! A primeira foi quando me negaram o consulado da Baía…». Da conversa interrompida que tive com o Altíssimo, ele ainda me confidenciou que, por uma questão de pudor e respeito, nunca quis saber o que sua mulher caligrafava no tal diário, mas que, já agora, quando ACM lhe transmitiu a perspetiva da sua publicação com os seus elegantíssimos comentários, que Diabo, isso sim, que ficou curioso, passados estes anos todos. Sobre se se devem ou não revelar os escritos íntimos dos que já partiram riu-se e, pondo o monóculo, lembrou que ele próprio revelou epístolas íntimas de Fradique Mendes e que você, sim você ACM, publicou (quase) toda a sua correspondência, incluindo a que ele trocou com sua mulher e outras senhoras, é certo que com escrúpulo e sem cortes ou rasuras, e que lhe está muito agradecido por isso. Lembrou-me também o que tinha escrito na “correspondência de Fradique Mendes”, que esse tipo de escritos pessoais «reproduzindo necessariamente os costumes, os modos de sentir, os gostos, o pensar contemporâneo e o ambiente, enriquece sempre o tesouro da documentação», e que o mesmo se aplica a diários, porque estes não são nem mais nem menos íntimos do que uma carta.
Sobre a curiosidade por estas coisas lembrou-me que na mesma obra distinguiu o ato de escutar às portas do de descobrir américas, a diferença entre um bisbilhoteiro e um descobridor. Ora você ACM é o grande navegador do oceano queirosianista e não um bisbilhoteiro qualquer, ainda que endoutorado.
Por fim, já com muita interferência na “linha”, ainda lhe apanhei que, por muito menos escreveu um dia a Jaime Batalha Reis que, se ele persistisse numas absurdas acusações que lhe tinha feito, seriam elas «motivo bastante… para considerar que a nossa intimidade de tão longos anos deve sofrer alteração».
Depois a “ligação” caiu e o escritor ficou ocupado e eu fiquei sozinho, mas não já em orfandade opinativa. E com alguns a insistirem: «e então?! O que é que dizes sobre a “polémica!?
Ora, como já não há duelos à pistola, não vejo pois outro desfecho aceitável senão a FEQ e ACM entenderem-se daqui para o futuro para bem da Cultura Portuguesa e da universal divulgação da vida e obra de Eça. A Confraria Queirosiana oferecerá o vinho para o almoço reconciliativo.
Pela minha parte apenas direi que ACM acaba de prestar à FEQ mais um inestimável serviço: deu-lhe de bandeja e sem custos uma polemicazinha catita. E mesmo que a Quinta de Vila Nova não veja, para já, chegarem hordas de brasileiros a extasiarem-se diante das verdadeiras relíquias do escritor, sempre haverá um ou outro autocarro de turistas que, de máquina fotográfica em riste, dirão uns para os outros: olha a secretária de Eça que não foi a S. Paulo; olha o faqueiro, que não é faqueiro mas apenas um grupo de talheres, que não foi ao Brasil. E os mais curiosos e ledores ainda passarão pela loja a perguntar: têm cá o último livro de Campos Matos sobre Eça de Queirós? E lá partirão contentes com ele debaixo do braço à procura do seu autógrafo. Em defesa da promoção da universalidade do escritor, que é suposto a FEQ também promover em conjunto com as restantes instituições queirosianas, desejo o maior sucesso para ACM e para a Exposição em S. Paulo. Eça e todos nós ficar-lhe-emos, mais uma vez, muito gratos.

J. A. Gonçalves Guimarães
Amigo e confrade de ACM
Amigo protocolado da FEQ
Livros e textos

Sexo queirosiano

Em edição de Autor, A. Campos Matos acaba de publicar “Sexo e sensualidade em Eça de Queiroz”, com excelentes ilustrações a cores de Rui Campos Matos que valorizam sobremaneira este excelente ensaio do mais categorizado comentador da vida e obra de Eça de Queirós que refere, entre outros comentários, tratar-se de «uma incursão pormenorizada, numa área das mais originais e ricas da narrativa queiroziana, a da sexualidade, que inclui uma boa parte do seu mundo onírico fantástico… [Eça] compreendeu, muitos antes de Freud, a importância do sexo e dos sonhos na vida do homem». Finalmente sem tabus, mas também sem banalidades desnecessárias, o Eça erótico total.

À venda na Loja da Confraria.

Leiria queirosiana

O ano tem sido muito queirosiano em Leiria. Assim, logo a 23 de Fevereiro o Clube Rotário local organizou num hotel da cidade a recriação da refeição com que a S. Joaneira obsequiou o padre Amaro no dia da sua chegada. Na ocasião falaram o confrade Orlando Cardoso, sobre o Roteiro Queirosiano de Leiria e Dulcineia Silva sobre “O Crime do Padre Amaro”.
No dia 2 de Junho os confrades Ana Margarida Dinis Vieira e Orlando Cardoso animaram uma conversa sobre Eça na Feira do Livro local.
O Notícias de Colmeias de 3 de Junho, dedicou a capa e o interior à publicação de um texto da confrade Ana Teresa Peixinho intitulado “Reencontro com Leiria de Eça de Queirós…”, tendo o seu diretor, o confrade Joaquim Santos, publicado um livro de poesia e prosa autobiográficas intitulado “Imagens de Letras”, com prefácio do confrade António Eça de Queiroz.
No passado dia 15 na Biblioteca do Arquivo Distrital, pelas 18 horas, Ana Margarida Dinis Vieira, através da editora Nova Vega, apresentou ao público a sua tese de mestrado intitulada “O olhar na construção de O Crime do Padre Amaro”, curiosamente publicada após a sua tese de doutoramento intitulada “As vertentes do olhar na Ficção Queirosiana” anteriormente lançada pela mesma editora.
Algumas destas e outras atividades queirosianas foram apoiadas pela Câmara Municipal e o Encontro de Olhares Queirosianos foi promovido pela respetiva Junta de Freguesia. No entanto, os participantes nestas atividades têm lamentado o estado de abandono em que se encontra a casa onde viveu Eça de Queirós, que merecia transformar-se num polo de referência do respetivo Roteiro. Claro que a casa tem dono e, antes de mais alguém, compete ao respetivo proprietário promover a sua promoção: sendo o Património uma riqueza coletiva o setor privado tem nele tanta responsabilidade como o setor público.
Mas não há dúvidas de que Leiria está cada vez mais queirosiana.

Os olhos do padre

Ana Margarida Dinis Vieira tem explorado até à exaustão do tema o mecanismo do olhar na obra queirosiana, partindo dessa “ferramenta” física e psicológica usada nas relações humanas e na maneira como ela é descrita na prosa de Eça de Queirós e o seu importantíssimo papel na construção da sua ficção.
“O Crime do Padre Amaro”, história em que os jogos de sedução e de comunicação muito devem aos olhos e ao olhar, encontram nesta obra a sua escalpelização anatómica e literária que ajudam à releitura do romance ou mesmo à revisão das suas recriações cinematográficas, onde o ato de “ver” e (não) ser visto se tornou fundamental para entender, até que ponto, aquela obra foi, ou não, entendida pelos adaptadores, além de outras questões que nos fazem bater as pestanas.
À venda na Loja da Confraria.

Palavras Cruzadas

A Quetzal acaba de editar o livro “Palavras Cruzadas com Literatura” de Paulo Freixinho, autor deste curioso passatempo há mais de vinte anos e que o publica em alguns dos principais jornais portugueses e na imprensa estrangeira. Este livro apresenta palavras cruzadas a partir de textos de Almeida Garrett, Luís de Camões, Eça de Queirós e José Rentes de Carvalho, entre outros escritores portugueses, ao todo doze, e setenta e dois problemas e respetivas soluções. No que diz respeito a Eça e a Rentes é um bom teste aos seus conhecimentos sobre a vida e obra destes “mestre e discípulo”.

Notícias

Humor queirosiano

No passado dia 30 de Maio decorreu no Grémio Literário em Lisboa uma conferência sobre “Considerações sobre o Humor. Vergílio Ferreira e o Humor Queirosiano” por Onésimo Teotónio Almeida, professor na Brown University (EUA), onde se tem dedicado às relações americanas e portuguesas, em especial através da componente açoriana.

História da Misericórdia

Nos próximos dias 28 e 29 de Junho decorre no Auditório da Fundação da Juventude no Porto o II Congresso de História da Santa Casa da Misericórdia do Porto, subordinado ao tema Culto, Cultura, Caridade, o qual tem como presidente da sua comissão científica o confrade Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva. Neste congresso participarão ainda, entre muitos outros oradores, os confrades José Manuel Tedim e J. A. Gonçalves Guimarães.

Academia de História

No próximo dia 3 de Julho na Academia Portuguesa de História o nosso confrade Fernando Andrade Lemos fará uma comunicação sobre os Inválidos do Comércio.

Curso de Verão

Nos próximos dias 23 a 27 de Julho decorrerá na Fundação Eça de Queirós em Baião, subordinado ao tema “Gentes e paisagens na Literatura Portuguesa do século XIX”, com a coordenação científica de Irene Fialho.
Serão conferencistas Ana Isabel Queiroz, Maria Cristina Lopes Pais Simon e Daniel Alves.

Atividades da Confraria

Colóquio em Crestuma

No próximo dia 30 Junho pelas 15,30 h, decorrerá no Centro Náutico de Crestuma o 2.º Colóquio “Encontros do Castelo”, referente aos resultados da intervenção arqueológica que aí decorre desde 2010 sob o patrocínio das Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM e realizadas pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana e com a colaboração do Solar Condes de Resende. Na presente edição serão oradores Nuno Oliveira, diretor do Parque Biológico de Gaia; J. A. Gonçalves Guimarães, António Manuel Silva e Paulo Lima do projeto CASTR’UÍMA; M. Almeida e N. Barroca da Dryas Arqueologia e F. Almeida da Universidade de Aveiro, após o que será feita uma visita ao sítio arqueológico do Castelo de Crestuma.
As escavações prosseguem a partir dos próximo dia 23 de Julho até ao fim de Agosto.

Salon d’Automne

Até ao dia 30 de Junho estão abertas as inscrições para a participação dos artistas profissionais e amadores no Salon d’Automne queirosiano 2012, que terá lugar em Novembro próximo promovido pelos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, o qual desde 2006 vem reunindo obras inéditas ou em retrospetiva de pintura, escultura, cerâmica, fotografia e outras modalidades estéticas praticadas pelos sócios e confrades.
Entretanto prossegue no Solar Condes de Resende o curso de Pintura ministrado pela Professora Pintora Paula Alves.

Brindar com Porto

Amélia Varejão, a senhora que vestiu o Teatro; Raul Nery, um expoente da guitarra portuguesa.

Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 46 – Segunda-feira, 25 de Junho de 2012
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN:PT50001800005536505900154;Email:queirosiana@gmail.com; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira;
inserção: Amélia Cabral: colaboração: Joaquim Santos, J. Rentes de Carvalho, A. Campos Matos, FEQ, Nova Vega, José Pereira Gonçalves.