quarta-feira, 24 de abril de 2013

Eça & Outras



O condomínio da Europa

Gravura do Charivari, 1889.
Por norma o cidadão comum sabe pouco da História da sua terra, do seu país, da Europa e do Mundo. Regra geral, saberá as vicissitudes do atual campeonato de futebol, se for homem, e as monótonas futilidades das telenovelas, se for mulher. Na escola matraquearam-lhe uns vagos Romanos, um D. Afonso Henriques fundador, um Infante D. Henrique navegador, um Vasco da Gama descobridor, e pouco mais ficou. O “resto” é tudo vago, nevoento, feito de curiosidades para eruditos, normalmente aborrecidas. Daí que explicar ao dito cidadão o que tem sido a evolução da Humanidade e, agora o que mais interessa, a da Europa, não seja tarefa fácil. Para ver se ele compreende, parafraseando Salgueiro Maia na véspera do 25 de Abril, «o Estado a que isto chegou» elaboramos a metáfora que se segue. É aliás para isso que serve a História: reter memórias credíveis para criar o paraíso na Terra. Se não for assim é justo que o cidadão normal continue no ópio do futebol ou a chafurdar na monotonia televisiva. Os outros, os que se preocupam, que se amanhem. Ele “está-se nas tintas” para a política. A sua principal preocupação são as próximas férias “de papo para o ar”.
A Europa é um condomínio fechado, uma espécie de propriedade em terraços, como nos complexos turísticos, em que os ricos habitam mais acima, com melhores vistas para o mar largo da economia, e os mais pobres, indigentes e insolventes, habitam nos rez de chaussée. A vigilância da propriedade tem sido assegurada pela NATO, uma empresa norte-americana com escritórios nos Açores e noutros locais, que não só recebe pelo serviço como, em contrapartida, pode intervir noutros países e outras regiões do globo como lhe apraz, que a administração do condomínio europeu não se opõe. É certo que tem ido longe buscar lenha para se queimar em casa, mas o saldo em mortes a seu favor é astronómico. Nesta administração europeia quem manda são obviamente os proprietários ricos que elegem sistematicamente a Alemanha para mandar no condomínio e trancar o elevador, as “partes comuns”, a garagem, as antenas parabólicas, decidir as despesas e as obras a fazer. Anos atrás, os ricos do norte entusiasmaram os pobres condóminos do sul a gastarem à tripa forra, a fazerem obras, a comprarem o que lhes deu na republicana gana para embelezarem os “apartamentos”, emprestando-lhes dinheiro com fartura. Foi um plano diabólico para apanharem de vez a administração do condomínio e, na melhor das hipóteses, reduzirem os proprietários do sul a trabalhadores precários da limpeza, jardineiros, canalizadores, pobres contribuintes endividados e sem dinheiro para pagar as prestações a tempo e horas. Já para não falar naquele condómino amalucado do norte com quem é difícil conviver: a Inglaterra, neste edifício da Europa, sempre se portou como uma velha rezingona que gosta mais do seu bichinho de estimação – a libra – do que de qualquer “politica comum”. Sempre foi assim desde Isabel I até ao recente funeral da dama de ferro de engomar.
Fala-se, de vez em quando, que os condóminos do sul deveriam reunir-se para decidirem como é que podem voltar a ter voz ativa no prédio. Mas ninguém os leva a sério, nem eles próprios, pois o que eles gostam mesmo é de continuar a ver futebol e telenovelas, não nos intervalos do dia-a-dia, como os seus vizinhos do norte, mas a todas as horas do dia e da noite, entre duas varredelas, duas cortadelas de relva, uma torneira deixada a pingar, um escândalo no futebol, um banco a prometer 25% de juros. Os condóminos do sul, mesmo com vulcões nos Capelinhos e na Itália, acreditam em muitas e estranhas coisas, entre as quais, que a Europa permanecerá necessária para os condóminos do norte continuarem a passar férias baratas nas praias do sul e e mandarem na administração do condomínio, cada vez menos fechado é certo, que a concorrência entre as “empresas de vigilância” americanas, russas, chinesas e iranianas começa a ser grande. E todas elas a quererem “proteger a Europa”. Mas, no fundo, no fundo, o que elas querem é demolir este “prédio” que, apesar de tudo, lhes têm dado um padrão de referências, humanamente nem sempre muito melhor do que o seu, mas, que diabo, mais universal, mesmo que com prejuízo da própria Europa, o continente onde o respeito pelo outro e a tolerância deixaram escola, ainda que vagamente filosófica ou poética, ainda que com cartilhas diferentes no norte e no sul, ou seja, inútil e despesista como diria um MBA de qualquer universidade de Porto Rico. Como escreveu Eça de Queirós ainda em oitocentos, «… de todos os homens, só o europeu verdadeiramente possui fantasia – quero dizer, a faculdade de ser ou de criar com genuína originalidade. Só ele põe fantasia, não só na sua obra, mas também na sua vida» (Notas Contemporâneas “A Europa em resumo”).
 Eça foi um inegável europeu chauvinista e clarividente. A velha Europa acabará por erguer-se, como o seu mito da Fénix renascida, mas não será por obra e graça dos corretores de Wall Street. Mas o mundo será certamente diferente. Preparem desde já as veredas e mandem lavar as vestes, mas desculpem não vos poder confidenciar quando chegará essa boa nova.

J. A. Gonçalves Guimarães

Grémio Literário

Esta centenária instituição lisboeta fundada, entre outros, por duas personalidades gaienses, Almeida Garrett e D. Manuel Bento Rodrigues, e frequentada por Eça de Queirós e por muitas outras figuras da Cultura portuguesa, com a qual a Confraria Queirosiana tem um protocolo de colaboração, se o bom senso não voltar ao país corre o risco de, a breve prazo, encerrar devido à recente lei das rendas que vai destruir, em nome do economês, o equilíbrio social e cultural das cidades e vilas, ou seja, a sua alma. Contra as medidas cegas desta lei já se manifestaram a própria Câmara Municipal de Lisboa e outras agremiações de cidadãos.

Livros

Aqui nasceu J. Rentes de Carvalho

(reprodução autorizada pelo artista)
Adélio Martins, que já tinha pintado um retrato do escritor, recriou agora a casa onde ele nasceu no Monte dos Judeus em Gaia (ver o blogue Pintar na Terra), devolvendo ao lugar, através da sua recriação artística, a dignidade que lhe foi tirada pelas construções espúrias que ali foram sendo edificadas desde os anos cinquenta do século passado e até por aquela tentativa de lhe chamar Monte Coimbra que não vingou. A Confraria Queirosiana apoiará todos os projetos que queiram dignificar o local central do romance Ernestina.
Como noticiamos, foi recentemente lançado o seu novo romance Mentiras & Diamantes que tem sido acolhido com enorme aplauso pelos seus muitos leitores que consideram que «não há nada que se compare aos livros de José Rentes de Carvalho na literatura contemporânea» (hmbf). O autor tem falado sobre esta nova obra em várias revistas e são-lhe dedicadas páginas da Ipsilon de 26 de Abril e da Ler de 2 de Maio próximos.
Entretanto, para além da divulgação da sua obra em Itália, outras grandes editoras preparam-se para inserir os seus textos em antologias da literatura portuguesa contemporânea ainda no presente ano.

Arte Sacra

Acaba de ser publicado o catálogo do Museu de Arte Sacra de Trevões, da autoria do nosso confrade Prof. Doutor Nuno Resende, que é também o autor do projeto museográfico desta enriquecedora “oficina de Cultura” situada naquela freguesia de S. João da Pesqueira de que é dinâmico pároco o P.e Amadeu da Costa e Castro.
O catálogo, com excelente apresentação gráfica, mostra as peças existentes neste Museu, desde uma cupa romana a uma máquina de relógio, separadas por cerca de 2000 anos, e também os paramentos, a pintura retabular, a escultura religiosa, livros sacros, alfaias religiosas de prataria portuguesa, e ainda uma referência aos magníficos frescos da igreja paroquial.
O autor, professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tem um notável conhecimento do Património Religioso da Diocese de Lamego, já acessível em vária da sua seleta bibliografia.

Monografia

No passado dia 12 de Abril na sede da Tuna Musical de Vilar de Andorinho, Vila Nova de Gaia, foi lançado o livro São Salvador de Vilar de Andorinho. Notas monográficas, da autoria do nosso sócio Dr. Francisco Barbosa da Costa com a colaboração do Dr. Paulo Costa, editado pela respetiva Junta de Freguesia.
A terra do escultor Alves de Sousa e do industrial Salvador Caetano ficou assim com uma nova referência bibliográfica para a sua compreensão desde tempos remotos.

Brasil

A Confraria Eça-Dagobertiana de Oeiras, Piauí, realizou no passado dia 30 de Março o seu XV Encontro Litero-gastronómico no Cine Teatro local, onde foram analisados A Ilustre Casa de Ramires, pela Prof.ª Maria da Conceição Neiva Santos Barbosa, e Arte Sacra Popular e Resistência Cultural, de Dagoberto Carvalho J.or, pelo Prof. Edson Sá. Esta atividade teve o apoio da Secretaria Municipal de Cultura local.

 Casas queirosianas

Verdemilho, Aveiro

A comunicação social noticiou que a Câmara Municipal de Aveiro finalmente tem um plano para salvar, dignificar e valorizar a casa do avô de Eça de Queirós em Verdemilho, onde o escritor viveu entre os cinco e os dez anos. A ação deveria igualmente abranger o jazigo de família situado no cemitério de Outeirinho. Recorde-se que o avô de Eça, que ele provavelmente não conheceu, foi o mentor da revolta de 1828 contra o absolutismo, acabando por ter de exilar-se.
O Arq.to A. Campos Matos em tempos apresentou à edilidade um projeto de recuperação daquela casa tão singelo quanto digno da memória do escritor, de seu pai e seu avô, o qual terá, obviamente, de ser considerado neste processo, pois foi elaborado pelo arquiteto que mais sabe sobre Eça de Queirós.

Hotel em Lisboa

A capital portuguesa já tem o seu hotel queirosiana. Chama-se Palácio Ramalhete e fica às Janelas Verdes, em frente ao Museu Nacional de Arte Antiga, num soberbo edifício onde se restaurou tudo o que era de qualidade e se instalaram equipamentos para o conforto atual.
A administração não quer impingir aos seus hospedes uma ideia falsamente biográfica de Eça de Queirós, mas tão só literária em volta de Os Maias e das ficções do escritor sobre a Lisboa e o Portugal oitocentistas. E isso lhe basta para vender o charme deste edifício que poderá ter inspirado a descrição da casa da família de Carlos da Maia. E no meio de um cenário acolhedor e de bom gosto sempre se pode voltar a reler este romance e toda a obra do escritor, ou o roteiro queirosiano de A. Campos Matos sobre Lisboa e Arredores.


 Palestras e Cursos

No passado dia 6 de Abril, na abertura da Cartogaya 2013, exposição de postais dedicada aos 250 anos da Torre dos Clérigos no Mosteiro de Corpus Christi, organizada pelo Clube de Colecionadores de Gaia, o presidente da direção dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, Prof. Doutor José Manuel Tedim, fez uma conferência sobre “Nasoni e a Torre dos Clérigos”.
No passado dia 18 no Solar Condes de Resende, com uma dissertação sobre “A Serra do Pilar ao longo dos tempos” pelo mesário-mor da Confraria Queirosiana J. A. Gonçalves Guimarães, terminou o 1.º ciclo de palestras das 5.as feiras, iniciado em Outubro passado e nas quais colaboraram também José Manuel Tedim, António Manuel Silva, Susana Moncóvio e Eva Baptista, que versaram os mais variados temas. Estas noites de Cultura serão retomadas em Outubro próximo.
Naquele mesmo dia 18 de Abril, J. A. Gonçalves Guimarães participou numa ação organizada pela Misericórdia de Gaia, integrada no Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, sobre o Património da Fábrica Cerâmica das Devesas, com visitas guiadas ao seu complexo edificado, uma boa parte do qual pertence a esta instituição de beneficência que o pretende conservar, valorizar e divulgar.
No dia 20 de Abril o mesmo investigador ministrou no curso livre “Esplendor da Arqueologia: Ciência, Cultura e Turismo”, que decorre no Solar Condes de Resende organizado pela Academia Eça de Queirós, uma aula sobre “A outra Arqueologia do Côa: a estação arqueológica de Ervamoira”. Este curso termina no próximo dia 4 de Maio com uma aula sobre “De Portucale a Cale - reflexões arqueológicas sobre uma questão historiográfica” por António Manuel Silva.
Em Outubro próximo a mesma instituição vai promover um novo curso sobre História Empresarial e Institucional para o qual já tem assegurada a colaboração de vários investigadores de reconhecido mérito.

Exposições de Arte

Helder de Carvalho inaugurou na Misericórdia de Braga, nas comemorações dos seus 500 anos, uma exposição de retratos de figuras locais intitulada Rostos & Pessoas, na qual este artista nosso consócio capta a expressão própria de cada um para além da verosimilhança física.
Valença Cabral inaugurou no passado dia 20 de Abril no Posto de Turismo da Beira Rio em Vila Nova de Gaia uma exposição dos seus transcendentes quadros, em que a natureza se aproxima da abstração, intitulada Paisagens, a qual está patente ao público até 11 de Maio.

Arqueologia urbana

No Centro Histórico de Gaia decorrem obras de requalificação da Rua Rei Ramiro, ao Castelo de Gaia, as quais estão a ser acompanhadas pelo nosso consócio Arqueólogo António Sérgio dos Santos Pereira, membro do Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR – CQ.

Colóquios, Jornadas e Congressos

Nos próximos dias 15 a 19 de Maio decorre na Golegã e na Chamusca o 1.º Congresso Internacional o Cavalo e o Touro na Pré-história e na História, na qual estarão presentes com comunicações os sócios e confrades Fernando Coimbra, Luís Manuel de Araújo, J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães.
Nos dias 6 a 8 de Junho o confrade Paulo Sá Machado promove em Boticas o Colóquio Internacional de Cultura Popular comemorativo do 120º aniversário do nascimento de Gomes Monteiro.
Nos dias 28 e 29 de Junho o Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR-CQ, com o patrocínio da empresa Águas e Parque Biológico de Gaia e a colaboração da Junta de Freguesia de Crestuma e do Clube Náutico, vai realizar as 1.as Jornadas Arqueológicas do Castelo de Crestuma com a participação de arqueólogos e historiadores portugueses e espanhóis.
A intervenção nesta estação arqueológica deverá ter uma nova campanha no próximo verão.


Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 56 – Quinta-feira, 25 de Abril de 2013
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
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