terça-feira, 25 de outubro de 2016

Eça & Outras


O velho cilindro compressor

            Lembro-me que quando era menino e ia pela mão de minha avó Dioguina ou minha tia Lucinda até à escola pré-primária à entrada do Bairro das Pedras ficar fascinado com o gigantismo dos caterpillars e a eficiência dos “cilindros” compressores que “passavam a ferro” quaisquer materiais até ficarem lisos. E tal era verdade para amontoados de brita e saibro postos por cima das valas abertas nas ruas para o saneamento e a água encanada, mas também para as latas de sardinha vazias ou quaisquer outros objetos, metálicos ou não, com que nos divertíamos atirando-os para debaixo do cilindro e esperando pelo resultado nas traseiras depois da máquina passar, e também, diga-se em abono da verdade, do olhar cúmplice ou mesmo divertido do condutor da máquina com a demonstração do seu poder, que reduzia volumes a folhas fininhas. Tão fascinado com o facto fiquei que, apanhando-me logo depois mais ou menos sozinho em casa, ou com minha avó a dormir, desenhei a toda a volta nas paredes do quarto de meus pais toda uma banda desenhada a representar estas máquinas. Fiquei sem saber se ficaram embasbacados com a asneirada ou com a habilidade do menino. Lembro-me de terem andado a mostrar a “capela sistina” improvisada e, além do mais, não eram de bater no desconcertante, mas pacífico, rebento. Mas esta imagem ficou-me pela vida fora, não tanto o velho cilindro compressor da infância, mas uma máquina muito mais subtil e poderosa que é, e continua a ser, o cilindro compressor institucional do dia-a-dia sobre a vida, o trabalho, os afetos, as convicções e a sua partilha em liberdade, igualdade e fraternidade, essa velha máxima nunca alcançada e já hoje esquecida. E este outro, não só reduz a qualquer coisa fininha, insignificante e medíocre tudo o que é nosso, quer seja importante ou mero objeto banal, como continua inexorável no seu peso, na sua direção, no seu objetivo de cilindrar-nos, exigindo que abandonemos de vez a pretensão de ter, e pior ainda, de querer manter e afirmar, os “relevos” que vamos construindo, ainda que úteis ou sensatos. Lembro-me de como o ar vagamente filosófico do condutor do cilindro se transformava em esgar de fúria quando, em vez da lata de folheta cuja planificação absoluta o divertia, atirávamos para aquela frente niveladora qualquer outra coisa capaz de resistir ao previsível esmagamento, como por exemplo, uma pedra com algum volume e dureza. Tal não estava previsto e contrariava sumamente o efeito circense habitual. A seguir, tal como agora, vinham os impropérios, as ameaças, as nossas possíveis fugas.
            Desde então este segundo, e muito mais terrível “cilindro compressor” tem-me acompanhado ao longo da vida, e, embora tal me não conforte por aí além, suponho que cada um terá o seu, ainda que de tal não tenha dado conta. Esse cilindro existia com certeza na minha infância lá em casa, como aplanador do “parece bem” e do “tem de ser assim” e, ainda que afetuoso pela sabedoria de gerações de boa gente, cada qual também com o seu “cilindro” de que já conhecia o regulamento, quantas vezes terminava, ainda que a contragosto, no “porque sim” e ponto final. Tive depois mais algumas destas máquinas na escola primária, na catequese, no liceu, no primeiro curso, na tropa, no 25 de Abril a cilindrarem os cravos da esperança e o “The Times They Are a-Changin” de Bob Dylan, na profissão, na vida adulta, no empenhamento artístico, sindical, cívico e político, no segundo curso, na segunda profissão, na trajetória de vida até hoje, mesmo nestes escritos que aqui deixo, com a convicção assumida, mas cilindrada, de que estou a publicar as minhas opiniões e “latas de folheta” num blogue de uma instituição felizmente poliédrica, onde eu sou apenas, e não quero ser jamais qualquer outra coisa, que não seja a inevitabilidade plana e simples que fica depois de o cilindro passar. E creio bem que esta é a única aspiração a que um cidadão que não cultiva a sua horta, que não apascenta o seu gado, que não pesca o seu peixe, que não sabe nem treinou a pontaria à possível caça, que não teceu a sua roupa, que não moldou o seu prato, que não construiu a sua casa, que não inventou a língua com que se faz entender aos mais próximos, que não firmou nenhum dos totens que a sua comunidade tomou como símbolo, que não fundou o seu país, que ainda o não conduziu ao paraíso terreal nem à glória eterna, depois da frustração de não ter participado por aí além em qualquer destas grandezas, pode desejar. Dir-me-ão que outros não são assim, que o banal é vermos e ouvirmos cidadãos que nada criaram para o bem comum, que pouco ou nada fizeram na vida, que nem sequer a sua profissão exerceram com seriedade, que viveram à custa dos outros vendendo-lhes – quantas vezes por bom preço – monumentais aldrabices, futilidades, inutilidades, prejudicialidades, pestes, fomes e guerras, ainda que não as que matam logo, mas as que cilindram a existência e tornam o cidadão um permanente dependente dos aclamados mantenedores do “porque sim”, dos vendedores de “banha da cobra”, dos “iluminados”, dos exploradores das infinitas orfandades humanas que gostaríamos de ver aplacadas no dia que passa e não quando formos “pó, cinza e nada”, e todos eles a exigirem benesses, prebendas, lugares de destaque para si, sua família e membros dos clubes que os protegem e promovem.
            Muitos desses não têm de se preocupar com o “cilindro”, pois tudo lhes vai nas asas do vento, pelo menos enquanto ele está de feição. Terá sido a pensar neles que certamente Eça de Queirós escreveu em “A Ilustre Casa de Ramires”, o seguinte «…o Homem só vale pela Vontade – só no exercício da Vontade reside o gozo da Vida. Porque se a Vontade bem exercida encontra em torno submissão – então é a delícia do domínio sereno; se encontra em torno resistência – então é a delícia maior da luta interessante. Só não sai gozo forte e viril da inércia que se deixa arrastar mudamente, em silêncio e macieza de cera…». Contra o exercício da nossa vontade teremos sempre de contar com a ronceirice niveladora do “cilindro” social. A única hipótese de lhe escapar é desviando-nos do seu trajeto, quase sempre bastante previsível. E arcar com as consequências. É esse o gozo da vida.

J. A Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Honoris Causa

Guilherme d’ Oliveira Martins
No passado dia 21 de setembro, no auditório do Centro Cultural de Belém em Lisboa, tomou o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade Aberta o confrade de honra da Confraria Queirosiana, Doutor Guilherme Valdemar Pereira d’ Oliveira Martins, tendo como padrinhos o Professor Doutor Roberto Carneiro e o nosso confrade Professor Doutor Carlos Reis. O texto da sua oração de sapiência intitulada «Serviço público da Língua Portuguesa» ficou impresso no jornal Público do dia 26 de setembro passado.
No dia 12 de outubro foi o mesmo também agraciado com o mesmo grau pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas na sua Aula Magna no Alto da Ajuda também em Lisboa.
Tendo sido deputado em várias legislaturas, secretário de estado e ministro em vários governos, presidente do Tribunal de Contas, além de presidente do Centro Nacional de Cultura, foi distinguido com várias condecorações. O ilustre doutorado é presentemente administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian. 


Cursos, palestras, colóquios, jornadas e outros


Curso de História Naval do Noroeste de Portugal


Como anteriormente noticiamos, no passado dia 3 de outubro decorreu no auditório do Palácio da Bolsa no Porto mais uma conferência da série “Atlântico Mais”, desta vez sobre “A evolução das operações portuárias”, na qual, entre outros profissionais convidados, falou J. A. Gonçalves Guimarães, investigador de História Naval e coordenador do curso sobre a mesma temática no Solar Condes de Resende, sobre “Os portos do Porto (Matosinhos, Gaia, Porto): o porto por excelência”, a qual pode ser escutada em https://youtube. com/watch?v=NuSiPZeSJz4. Também como previsto teve início no dia 15 de outubro a abertura daquele curso com a presença do presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Prof. Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, do presidente dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, Prof. Doutor José Manuel Tedim, do Dr. Carlos Sousa, em representação da diretora do Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente, Dr.ª Maria Virgínia Barroso, do diretor do Solar e de representantes de várias instituições. Após a entrega dos certificados do curso anterior, e na qualidade de professor de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Eduardo Vítor Rodrigues apresentou uma aula sobre «Uma política marítima para a frente atlântica».
 No dia 22 de outubro, o Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, egiptólogo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa apresentou «Navios e navegações antigas no Mediterrâneo». Seguir-se-á no próximo dia 5 de novembro «Navios romanos na rota atlântica», pelo Prof. Doutor Rui Morais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto» e no dia 12 de novembro «As origens medievais da Marinha Portuguesa» pelo Prof. Doutor Luís Miguel Duarte também daquela faculdade.
Este curso é organizado pelo Solar Condes de Resende com a colaboração da Academia Eça de Queirós e certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente do Ministério da Educação.

Encontro anual da FAMP
           
            No passado dia 8 de outubro decorreu em Barcarena, Oeiras, o Encontro Anual da Federação dos Amigos de Museus de Portugal, no qual a associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana está filiada, tendo aí sido representada pelo seu vice-presidente, o egiptólogo Luís Manuel de Araújo.

Centenário da Banda de Coimbrões

            No passado dia 9 de outubro na sede da Junta da União de Freguesias de Santa Marinha e Afurada decorreu a sessão solene do centenário da Sociedade Musical 1.º de Agosto, localmente mais conhecida como “Banda de Coimbrões”, com o lançamento de um livro sobre a memória da sua existência. Na ocasião, entre outros, falou J. A. Gonçalves Guimarães sobre a história da localidade e dos grandes músicos de Gaia do passado ao presente. À cerimónia compareceram diversos confrades queirosianos em representação da Câmara Municipal e de outras instituições, ficando aí definido o tema do curso do Solar para o ano de 2017/2018, que será sobre Música & Músicos da região norte, numa perspetiva da História da Música e da Musicologia.

“Por uma sociedade decente”

           No passado dia 21 de outubro decorreu no Pavilhão da Lavandeira uma sessão comemorativa do 3º aniversário do atual mandato do executivo da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, entidade com quem a ASCR - Confraria Queirosiana tem vários protocolos em desenvolvimento, presidida pelo confrade e presidente da autarquia Prof. Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, tendo sido convidado como palestrante o Professor Doutor Eduardo Paz Ferreira, que na ocasião dissertou sobre o tema do seu livro “Por uma Sociedade Decente”, o qual já vai em terceira edição. Presentes também vários confrades em representação de outras instituições. A sessão foi ainda abrilhantada com o melodista Pedro Abrunhosa.

500 anos do Foral de Gaia

            No próximo dia 27 de novembro, quinta-feira, pelas 21,30 horas nas habituais palestras das últimas quintas-feiras do mês no Solar Condes de Resende, J. A. Gonçalves Guimarães irá falar sobre “O Foral Manuelino de Vila Nova de Gaia (1518): 500 anos de História” para sensibilizar os ouvintes para a importância das comemorações deste documento estruturante do município que decorrerão em 2018.

Tertúlia Educação 2016

            No próximo dia 29 de outubro, sábado, 21,30 horas, decorrerá no auditório da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia uma tertúlia subordinada aos temas: “Qual o estado da Educação? Evolução histórica e novos desafios” promovida pelo MCG. Serão conferencistas, entre outros, o Prof. Doutor José António Afonso, da Universidade do Minho e dos corpos gerentes da ASCR-Confraria Queirosiana; a Dr.ª Eva Baptista, do Gabinete de História, Arqueologia e Património, ASCR-CQ; tendo como moderador o Dr. Albino Almeida, presidente da Assembleia Municipal e confrade de honra dos ASCR-CQ.

Regresso das Tesserae Hospitales
           
            Depois de terem sido mostradas em Mérida, Lisboa e Madrid na Exposição “Lvsitania Romana – Origem de dois povos”, promovida pelos museus nacionais de Arqueologia e pelos governos de Portugal e de Espanha, que terminou na capital espanhola a 16 de outubro, vão regressar ao Solar Condes de Resende as duas Tesserae Hospitales encontradas em 1983 no Monte Murado, Vila Nova de Gaia, datadas dos anos 7 e 9 d. C., estudadas e publicadas pelo Professor Doutor Armando Coelho Ferreira da Silva na revista Gaya, vol. I, 1983.
            Entretanto a Junta da União de Freguesias de Pedroso e Seixezelo adquiriu ao Gabinete de História, Arqueologia e Património duas réplicas em bronze destas notáveis peças romanas para figurarem em exposição permanente na sede cívica da terra onde foram encontradas e arqueologicamente enquadradas.

Feira de S. Martinho

Nos dias 12 e 13 de novembro vai decorrer no Solar Condes de Resende a tradicional Feira de S. Martinho, com produtos do Douro e de Gaia. No sábado às 21,30 horas haverá uma serenata e o lançamento de um CD pelo grupo de fados dos Antigos Estudantes da Universidade do Porto, intitulado “Fados de Coimbra”. No domingo de tarde atuará o grupo coral do Solar “Eça Bem Dito”, interpretando antigas canções portuguesas e europeias.

Errata:

A propósito do livro “Quinto – Lisbon to Aberford”, de Alan Carrick, que divulgamos no blogue anterior, temos de fazer as seguintes correções: o autor esteve no Solar em Abril de 2004 e não em 1996; onde se escreveu erradamente New Yorkshire, leia-se West Yorkshire; e já agora onde aparece “ciente” leia-se cliente. E sobretudo leia-se este interessantíssimo livro sobre mais um português que foi morrer longe.
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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 95 – terça-feira, 25 de outubro de 2016; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154 ; 
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