quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Funcionários públicos

Meu caro concidadão, companheiro de percurso neste mundo e no Portugal que amamos e onde somos desgraçados. Provavelmente quando nasceste foste aparado por um médico e uma enfermeira ambos funcionários públicos. A auxiliar que depois limpou a sala de partos, o administrativo que te anotou na maternidade e depois o do registo civil, também o eram. Se não foste para um colégio religioso, o professor da pré-primária e depois todos os outros do teu percurso escolar em escolas públicas, o sargento que te apresentou os papeis na tropa que não quiseste frequentar por não estarmos em guerra com quase ninguém, os funcionários e professores da universidade onde te inscreveste para tirar aquele curso de que não gostas, mas que achaste que te dava emprego garantido, a funcionária do centro de emprego onde te habilitaste para ter trabalho remunerado, o do registo civil, outra vez, onde foste casar e, anos depois, divorciar-te, o da Segurança Social onde tratas do subsídio de desemprego e da pensão dos teus pais, os do tribunal onde foste levado por aquele assunto mesquinho que qualquer julgado de paz a funcionar capazmente teria prontamente resolvido com bom senso e justiça imediata, o polícia que te multou e aquele outro que prendeu o ladrão que te roubou o carro, os médicos, enfermeiros e técnicos de saúde que te radiografaram e trataram daquela apendicite que precisou de operação de urgência, os empregados das finanças que conferem e arrecadam os teus impostos que pagam as estradas úteis e as desnecessárias, todos eles, estes e muitos mais, são funcionários públicos e não podes viver sem eles, a não ser que voltemos a um outro feudalismo onde os senhores privados decidam e controlem toda a nossa vida. Já faltou mais para tal e há quem tolamente ache que esse é o caminho do “desenvolvimento”. Tenho para mim que seria boa política manter público o que a todos diz respeito e privado tudo o resto, preferindo, num meio adaptável às circunstâncias da produção e do mercado, um bom setor mutualista e cooperativo com gente capaz e de largos horizontes. Sou também pela iniciativa privada legítima, a favor de quem justamente a promove e distribui os seus resultados pela comunidade.
Na tua terra, desde os que tratam da administração do território e o mantêm habitável, até ao coveiro que ha-de sepultar-te ou levar-te ao crematório, todos eles são funcionários públicos, neste caso da administração local.
São poucos e bons? São muitos e maus? Há entre eles profissionais dedicados, sabedores e prestáveis? Ou, pelo contrário, é tudo uma caterva de ignorantes, corruptos, desleixados, em suma, ratazanada? Penso que qualquer destes extremos estará errado. Em todos os serviços por onde tiveres de passar haverá certamente uns e outros. E inúteis também. Terás de estar atento. E perguntar-te-ás como tal é possível: como é que, estando Portugal em paz desde 1975, hoje tem quase mais coronéis e generais do que soldados funcionários públicos e nós com tanto mar à espera de marinheiros; como foi possível o sistema de ensino ter no quadro professores com horário zero, “professores zero”? E porque é que um juiz ganha muito mais do que um professor no topo da carreira? Os criminosos são mais respeitáveis do que os cidadãos em formação? E as repartições onde os funcionários se acotovelam e se sentam à vez, por não haver cadeias para todos, e outras onde o trabalho se acumula porque são poucos e até lá têm um funcionário incapaz, mas que alguém meteu no quadro por concurso e arte e é promovido regularmente sem que se perceba por quê? E aqueles “técnicos superiores” que fizeram uma licenciatura “à la minuta”, que ganham como tal, mas que não fazem mais do que os antigos empregados administrativos, os “empregados de escritório” do setor privado, faziam?
Para tudo isto há responsabilidades, pois o Estado é um corpo hierárquico entre a base e a cúpula, organizado em todos os patamares da administração. Logo, se a função pública não é o exemplo que devia ser, a culpa é dos sucessivos governantes a nível nacional e local e daqueles em quem delegam funções. Seria interessante, sociologicamente falando e por amostragem, o saber-se como foi o percurso de cada funcionário público e da administração local desde 1974 para cá. Quando publicado, tal relatório criaria certamente mais estupefação do que o Relatório Kinsey. Estupefação fingida, já se vê, pois desde 1974 que é o povo que, com o seu voto, elege os governantes e estes legislam sobre a Função Pública que temos, ou não. Logo, em última instância, foram os eleitores os responsáveis pelo estado a que chegamos na administração central, na Saúde, na Escola, nos Tribunais, nas Forças Armadas, nas Autarquias. Por isso não se queixem sem, antes de mais, tentarem compreender. A questão não é de hoje, pois já no seu tempo Eça de Queirós escreveu: «Fomos outrora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: e fizemos muitas revoluções para sair dela. Ficámos exatamente em condições idênticas.
O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros que o vai buscar alegremente, ao meio dia, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu alto e paletó.
Esse caldo é o Estado. Toda a Nação vive do Estado. Logo desde os primeiros exames no liceu, a mocidade vê nele o seu repouso e a garantia do seu futuro. A classe eclesiástica já não é recrutada pelo impulso de uma crença; é uma multidão desocupada que quer viver à custa do Estado. A vida militar não é uma carreira; é uma ociosidade organizada por conta do Estado. (…) O Estado é a esperança das famílias pobres e das casas arruinadas. Ora como o Estado é pobre, paga pobremente, e ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a indústria ou para o comércio, esta situação perpetua-se de pais a filhos como uma fatalidade. Resulta uma pobreza geral» (Uma Campanha Alegre).
«… nos nossos tempos, em que o Estado está cheio de elementos mórbidos, que o parasitam, o sugam, o infeccionam e o sobre exercitam (…)» (A Correspondência de Fradique Mendes); apud A. Campos Matos, Dicionário de Citações de Eça de Queirós, Lisboa. Livros Horizonte, 2006, pp. 124/125.
Isto foi escrito no século XIX por um funcionário público empregado no Ministério dos Negócios Estrangeiros chamado Eça de Queirós. O que é terrível é que ainda está certo.
Meu caro concidadão, como já descobristes nem todos os funcionários são iguais e no setor privado também nem sempre os empregados são exemplares e os empresários mantêm-nos no posto vá-se lá saber porquê. E num e noutro setor descartam-se os mais aptos, mais capazes, mais empenhados ficando os quadros cheios de medíocres ronceiros. Mas, para além da compreensão do fenómeno importa melhorar o sistema. Isso vai demorar pelo menos uma geração, pois a máquina hoje está minada por cínicos e inúteis. Mas por entre eles há os funcionários zelosos, convictos e prestáveis que têm de aturar chefias de circunstância com ideias bizarras quantas vezes a esconderem a sua real incapacidade. Há para aí um Evangelho com a simples e sábia frase: «pelas obras os conhecereis». O mais hilariante é que alguns dos tais são dos que dizem que o leram, o professam, o têm como sagrado. Mas apenas em proveito próprio. Haja esperança nos tempos que virão.

J. A. Gonçalves Guimarães
Funcionário público na administração local;
Mesário-mor

Nota: as opiniões expressas nestes editoriais são da inteira responsabilidade do autor e apenas a ele o obrigam. A Confraria Queirosiana é estatutariamente uma associação plural onde coexistem todas as civilizadas correntes de opinião que lhe merecem o mesmo lugar de destaque e de controvérsia.


30 anos do Solar



No próximo dia 27 de setembro, sábado, pelas 15 horas, com a presença do presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues, abrirá ao público o curso “História e Carisma da Região do Douro Atlântico (Gaia, Porto, Matosinhos)”, organizado pela Academia Eça de Queirós, o qual decorrerá ao longo de treze sessões até março de 2015, ministrado por reconhecidos investigadores.
Com esta abertura iniciam-se também as comemorações dos 30 anos do Solar Condes de Resende como Casa Municipal de Cultura, pois para tal foi adquirido pelo município em 1984 à família da esposa de Eça de Queirós. Nesta sessão, aberta ao público em geral, serão entregues os diplomas e documentação do curso anterior sobre História Empresarial, tal como este curso certificado pelo Centro de Formação da Associação de Escolas Gaia Nascente do Ministério da Educação.
Entretanto prosseguem as palestras das quintas-feiras no Solar Condes de Resende, às 21,30 horas, com entrada livre: a 28 de agosto J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre “As Praias de Gaia” e a 25 de setembro sobre “Espaços Públicos de Gaia: o Jardim do Morro, um emplastro urbanístico?”. A 23 de outubro Susana Moncóvio falará sobre “ O Centro Artístico Portuense” fundado por Soares dos Reis.
No próximo dia 2 de outubro tem aqui início o Curso de Pintura da professora Pintora Paula Alves e no próximo dia 5 de outubro aqui decorrerá a habitual Feira das Novidades, com vendedores de artesanato e outras coisas boas de coleção.


Dagoberto em Portugal

Dagoberto Carvalho J.or
A partir de 25 de outubro fará uma visita de saudade a Portugal o nosso confrade Dr. Dagoberto Carvalho J.or, médico, historiador da Arte e eciano maior, presidente da Sociedade Eça de Queiroz do Recife e autor de numerosos ensaios reunidos em livros sobre as relações culturais entre Portugal e o Brasil, mormente as que têm como eixo a vida, época, obra e evocações queirosianas. A partir de Lisboa, passará por Castelo Branco e depois Porto, com deslocação a Bragança, Chaves e Mirandela. Irá à Póvoa de Varzim “beijar a pedra” queirosiana e rever amigos de longa data.
No sábado, dia 25 de outubro, no Solar Condes de Resende a Confraria Queirosiana organizará em sua honra uma sessão de boas-vindas seguida de jantar por inscrição.


Escavações em Crestuma

 Escavações em Crestuma
Entre 25 de agosto e 5 de setembro decorreu mais uma campanha de escavações arqueológicas no Castelo de Crestuma dirigida pelos arqueólogos J. A. Gonçalves Guimarães e António Manuel Silva, do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana. Este ano, devido a restrições orçamentais, os trabalhos
incidiram apenas numa área junto à praia de Favaios onde foram descobertas estruturas construídas em pedra com abundante espólio do século VI d. C., tendo tido a visita do presidente da Câmara de Gaia, Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues e do diretor do Parque Biológico, Doutor Nuno Oliveira no dia 3 e setembro.
Entretanto diversos arqueólogos da equipa continuam a estudar o espólio e estruturas já exumadas desta impressionante estação arqueológica e a apresentar os resultados em vários colóquios internacionais, continuando em itinerância a exposição “Castelo de Crestuma: a Arqueologia em busca da História”.


Eventos culturais

Nos últimos tempos, um pouco por todo o país, diversos eventos culturais têm contado com a ação de vários confrades queirosianos, alguns dos quais passamos a divulgar.
Assim, a 13 de setembro passado decorreram em Penafiel as “1ªs Jornadas de Museologia nas Misericórdia”, organizadas pela instituição local e dinamizadas pela nossa consócia a museóloga Mestre Rita Pedras.

A 20 de setembro passado, o nosso presidente da Direção, Prof. Doutor José Manuel Tedim, conduziu uma visita guiada à nasoniana Igreja de Santa Marinha de Vila Nova de Gaia, para os sócios da Associação Cultural Amigos de Gaia.

De 2 a 5 de outubro próximo decorrerão no convento de Balsamão, Macedo de Cavaleiros, as “XVII Jornadas Culturais de Balsamão – Olhares sobre a vida e a morte”, que têm o empenhado apoio do nosso confrade Fernando Andrade Lemos, diretor do Centro Cultural Eça de Queirós de Lisboa e no qual apresentará uma comunicação o nosso confrade José Maia Marques.

A 9 e 10 de outubro decorrerá na Faculdade de Letras da Universidade do Porto o colóquio «A Grande Guerra (1914-1918): Problemáticas e representações», organizado pelo CITCEM, no qual será conferencista J. A. Gonçalves Guimarães, que falará sobre «Vila Nova de Gaia e a 1.ª Grande Guerra».

Nos dias 24 e 25 de outubro decorrerão as II Conferências do Museu de Lamego/CITCEM sob o tema “Quintas do Douro: História, Património e Desenvolvimento” no qual participarão os confrades Nuno Resende com uma comunicação sobre «“Santos da casa”: capelas, devoção e poder na região de Lamego. O património religioso ao serviço das elites» e J. A. Gonçalves Guimarães apresentará «Da intervenção arqueológica ao museu de sitio: a experiencia da Quinta da Ervamoira (Vale do Côa)».

Curandeiras chinesas

Um trabalho de investigação histórica de J. A. Gonçalves Guimarães, apresentado no Fórum Cultural da China no Museu do Oriente em 2011, organizado pelo Instituto Português de Sinologia, de que o autor é membro fundador, intitulado «O caso das curandeiras chinesas de Lisboa que queriam pôr os cegos a ver no primeiro ano da República Portuguesa», publicado em Zhongguo Yanjiu – Revista de Estudos Chineses, n.º 7, 2011, p. 225-246, serviu de base à elaboração de um romance histórico recentemente publicado sobre o mesmo tema, embora tal não apareça referido na publicação em causa. É costume os professores universitários citarem as fontes que usam e, no que diz respeito a romances históricos, até Garrett e Arnaldo Gama o faziam. Não é pois verdade que o assunto estava «varrido para debaixo do tapete da História Nacional», como escreveu o autor, pois, já mesmo antes daquele nosso artigo, o historiador Rui Ramos o tinha abordado na História de Portugal dirigida por José Mattoso, indo assim também por água abaixo a «inquirição original e pioneira» que o prefaciador lhe atribui. Já depois da obra publicada o autor informou-nos por email que se tinha inspirado naquele nosso texto para a sua elaboração. Aqui fica o registo a posteriori, para que conste.
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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 73 – quinta-feira, 25 de setembro de 2014
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