quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015


Jornalismos ontem e hoje

Todos os estudiosos de Eça e, de um modo geral, muitos dos seus leitores, sabem que além de grande ficcionista, autor de obras imorredouras, que além das circunstâncias da época têm a perenidade da condição humana, o escritor foi também um grande jornalista, de cuja atividade nos deixou a sua prosa no jornal Distrito de Évora e n’ As Farpas, depois “filtradas” em Uma Campanha Alegre, e muitas outras crónicas publicadas ao longo da sua vida em jornais e revistas portuguesas e brasileiras, postumamente reunidas em vários volumes: Notas Contemporâneas; Cartas de Paris; Cartas de Inglaterra, e outros textos. Eça foi também um informadíssimo e não menos notável ensaísta profissional sobre Relações Internacionais, como funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sendo esta a sua prosa mais desconhecida a qual, jazendo talvez no arquivo daquele ministério ou noutros, estará por divulgar, à exceção do esgotadíssimo relatório Emigração como força civilizadora, publicado em 1979 pelo jornalista Raúl Rego e, mais recentemente, por Isabel Pires de Lima e José Lello.
Hoje falemos de Eça jornalista e do enorme interesse dos seus textos produzidos enquanto tal. O assunto já foi abordado por vários queirosianistas, nomeadamente Elza Miné, Eça de Queirós Jornalista, Livros Horizonte, 1986; Maria Filomena Mónica, livro com o mesmo título, Principia, 2003; e A. Teresa Peixinho, Textos jornalísticos de Eça de Queirós: o jornalismo oitocentista olhado pelo escritor/jornalista, «Estudos do século XX», n.º 7, 2007, p. 15-38.Temos pois já excelentes análises e antologias sobre tal. Na sua época, aquilo a que chamaríamos hoje o código deontológico do “comunicador social” (denominação que vai substituindo a de jornalista), era um pouco vago, se é que verdadeiramente existia ou sequer se achava que deveria existir. Não se distinguiria então muito o jornalista do literato. Aos “rapazes dos jornais” pedia-se que tivessem uma bela prosa e, para triunfarem na vida, que acertassem os seus textos e conclusões pelos interesses do proprietário da publicação, o qual, por sua vez, os aferia pelo partido político que estava no poder ou pelo peso social das instituições a quem servia, situações que embora hoje nos pareçam desatualizadas, afinal ainda não mudaram, a não ser através do grande empenhamento e, quantas vezes, do sacrifício pessoal dos intervenientes. Também no tempo de Eça havia os “canastrões” da comunicação social e não foi com eles e a sua prosa que o mundo mudou: o escritor caricatura-os em algumas das suas obras e hoje deliciamo-nos com esse quadro social e cultural que magistralmente nos deixou em herança, satisfeitos que estamos com o facto de apenas lidarmos com o quadro da época e os seus atores nos livros e no cinema, não valendo a pena tirar dores pelas suas ações, não lhes sentindo os perfumes ou o mau hálito. Tudo vantagens. Mas se aqui trago à colação estas lembranças faço-o a propósito das reflexões que me sugeriu o livro do jornalista Aurélio Cunha, Um repórter inconveniente. Bastidores do jornalismo de intervenção. Lisboa, Chiado Editora, recentemente lançado no Porto no auditório da Biblioteca Almeida Garrett repleto de público. O livro alude à sua atividade de profissional assumido e com um alto sentido da sua missão social, apresentando as grandes reportagens que publicou no “seu” Jornal de Notícias durante anos, as quais agitaram o país ao relatarem aspetos escabrosos, ou simplesmente parolos, nas áreas da Saúde, da Justiça, da Economia, do Municipalismo, do Desporto, da Solidariedade social, da vida quotidiana dos cidadãos, sistematicamente ludibriados por incompetentes ou chicos-espertos quase sempre “acima de qualquer suspeita”. Muitas chegaram ao parlamento e abalaram ministérios e governos. Graças a algumas delas a vida de muitas pessoas mudou para melhor e por isso também o autor reconhece, regista e agradece a ação de muitos outros profissionais que não pactuaram com estas situações, quantas vezes com risco da sua situação laboral ou mesmo da própria vida. Eles e o jornalista, que a coisa em alguns casos não era para menos. E também ali se relata a existência da censura interna que não permitiu a publicação de reportagens que envolvessem instituições religiosas ou a denúncia do terrorismo psicológico da indústria dos media sobre os jornalistas.
Um certo retrato da sociedade portuense e portuguesa, desde os anos setenta até ao início do seculo XXI, aí está nesse livro. Com uma grande diferença em relação aos retratos jornalísticos de Eça que tanto nos deliciam: é que estes, os que ali se descrevem, são histórias reais do nosso tempo, nós conhecemos os protagonistas, alguns deles ainda andam por aí a tentar retocar o retrato. Não, não estou a comparar o estilo literário de Eça com o de Aurélio ou outras inutilidades com que alguns quererão fugir à verdadeira questão que aqui importa. O livro está escrito numa boa e agradável prosa, mas agora estou apenas a comparar o sentido altamente cultural dos textos destes dois jornalistas separados por mais de um século. Quem quiser que os leia e tire as suas conclusões, talvez fazendo a seguinte pergunta a si próprio ou aos seus amigos: a sociedade portuguesa mudou para melhor? Tem mudado? Tem hipóteses de mudar? Eu cá por mim sou otimista e o livro de Aurélio Cunha, também com o seu humor, faz-me acreditar que sim, que tal é possível. Apesar de tudo estamos no ocidente, numa sociedade livre para se interrogar a si própria sem medos tolos, ainda que tarde, e de tal jamais abdicaremos.
«O jornalismo na sua justa e verdadeira atitude, seria a intervenção permanente do país na sua própria vida política, moral, religiosa, literária e industrial (…). É o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os atos culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual e material em presença das outras nações, pelo progresso que fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes». Isto escreveu Eça de Queirós, então um jovem jornalista com vinte e dois anos, no Distrito de Évora em 1867. São estes bons e profissionais princípios que vejo agora no livro de Aurélio Cunha, cento e cinquenta anos depois ainda fazem falta.
Obrigado Aurélio: Eça com certeza terá gostado do seu livro. Deliciado mas, certamente, preocupado, pois afinal não mudamos ainda assim tanto para melhor.


J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria
Carteira Profissional de jornalista TE-638


Livros e publicações

 Douro 03

Acaba de ser publicado o número 3 da revista Douro-Vinho, História & Património/ Wine, History and Heritage, propriedade da Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho/ GEHVID, dirigida por António Barros Cardoso, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O presente número tem a colaboração de J. A. Gonçalves Guimarães, membro do Conselho Consultivo da revista, que assina um estudo sobre “Vale Meão. Antecedentes de uma quinta vinícola e olivícola no Douro Superior”, feito no âmbito dos trabalhos do Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR-Confraria Queirosiana, e um outro estudo de Nuno Resende, também membro do mesmo gabinete, sobre “Pontes e vias medievais a sul do Douro na região de Montemuro: as primeiras questões”, entre os diversos artigos subscritos por investigadores nacionais e estrangeiros nesta edição referente ao ano de 2014.

 A. Campos Matos


É verdadeiramente notável a atividade editorial de A. Campos Matos que se anuncia para este ano de 2015: para além de ainda circularem no Brasil alguns já raros exemplares do seu livro Eça de Queiroz. Uma biografia, editado pela Universidade de Campinas (Unicamp), acaba de sair uma segunda edição revista e aumentada de Sexo e Sensualidade em Eça de Queiroz, pela editora Esfera Poética, com notáveis ilustrações de Rui Campos Matos. Em Maio sairá o segundo volume de Diário Íntimo de Carlos da Maia, e entretanto, o Dicionário de Eça de Queiroz, nova edição, tem a revisão terminada, devendo ser lançado ainda este ano. Este incansável investigador e autor de temática queirosiana trabalha ainda na preservação do seu espólio, provavelmente a maior biblioteca queirosiana do mundo, a qual deverá permanecer intacta e em Portugal, continuadamente enriquecida pelo seu proprietário e organizador.


Os Maias ilustrados

          No passado dia 13 de fevereiro na Galeria Fernando Pessoa do Centro Nacional de Cultura, ao Chiado, em Lisboa, a obra “Os Maias – antologia ilustrada”, de Rui Campos Matos, publicada pela Editora Exclamação, foi apresentada pelo presidente da instituição e nosso confrade, Prof. Dr. Guilherme de Oliveira Martins.

Exposições
        

           No passado dia 7 de fevereiro foi inaugurada no Solar Condes de Resende a exposição “ A Grande Guerra e a Literatura”, organizada por José Valle de Figueiredo, a qual apresenta um apreciável número de obras de escritores portugueses sobre a participação lusa naquele conflito de que se evoca o centenário. Para além da mostra bibliográfica, exibe-se um trecho do filme João Ratão, de Brum do Canto, a única produção cinematográfica portuguesa que evoca a participação portuguesa nos combates da Flandres. Em vitrinas, algum material bélico e bibliografia da época ou sobre a 1ª Grande Guerra das coleções do Solar Condes de Resende e da Confraria Queirosiana completam a exposição.

Cursos, palestras e conferências

       Integrada no curso “História e Carisma da Região do Douro Atlântico (Gaia, Porto, Matosinhos)”, 5ª edição, a decorrer no Solar Condes de Resende, no passado dia 7 de fevereiro teve lugar a aula do Professor Doutor Jorge Fernandes Alves sobre “A industrialização da região do Porto”.
         Hoje, 25 de fevereiro, às 18 horas, na Galeria Nave dos Paços do Concelho de Matosinhos, o Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva falará sobre “A participação das populações na elaboração dos Forais Manuelinos”, integrada no ciclo Conferências do Foral comemorativo dos seus quinhentos anos.
No próximo dia 26 deste mês, nas palestras das últimas quintas-feiras, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre “Há bruxas (e bruxos) em Gaia? Uma visão antropológica e histórica do tema”.
Nos dias 27 e 28, no 25º Fórum Avintense estarão presentes com comunicação, diversos membros da Confraria Queirosiana, nomeadamente Eva Baptista, J. A. Gonçalves Guimarães e Maria de Fátima Teixeira, que falarão sobre o projeto Cidadania e Património criado pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património para as AECS aplicado à freguesia de Avintes, e aquela última investigadora falará ainda sobre o busto do industrial Pimenta da Fonseca, proprietário da Companhia de Fiação de Crestuma, da autoria do escultor avintense Henrique Moreira.
         No dia 28 pelas 15 horas e integrado no curso acima referido que decorre no Solar Condes de Resende, o historiador Joel Cleto falará sobre “ Matosinhos, do julgado de Bouças ao grande porto atlântico de Leixões”
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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 7 – quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015.
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