quarta-feira, 25 de maio de 2022

Eça & Outras

 Ano do Centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro e do Bicentenário da Independência do Brasil

Fitas queimadas


        Chegado o mês de maio ocorre em Coimbra, no Porto, e de há uns anos a esta parte noutras cidades agora com academias, uma festarola estudantil que extravasa os muros dos estabelecimentos onde tem origem. Lisboa teve em tempos alguns arremedos, mas não virou tradição. Referimo-nos obviamente à Queima das Fitas, cuja origem e evolução está já explicada em diversos estudos. A sua parte mais visível, e mais incidente na vida local, é o cortejo em que participam todas as academias com carros alegóricos, mais ou menos engalanados. Compreende-se que assim seja, como manifestação de regozijo dos estudantes do ensino superior pelo facto de estarem a acabar um curso que os habilita a exercerem uma profissão em princípio exigente e de grande incidência técnica, cultural, económica e social. É também o corolário de uma certa fase da vida que teve alguns rituais corporativos, a que chamam praxe, às vezes muito pouco fraternais ou mesmo muito pouco aceitáveis, e já muito longe do preconizado no célebre Palito Métrico e Correlativa Macarrónea Latino-Portvguesa, com várias edições, e que provavelmente nunca foi lido pelas atuais gerações. No que à atividade praxística diz respeito há até uma constatação fácil de tirar: salvo uma ou outra exceção, a sua deselegância ou mesmo perniciosidade individual e social é tanto mais repugnante quanto mais recente for a academia onde os seus atos ocorrem.

            Não tanto sobre estes acontecimentos mais ou menos folclóricos que entopem as ruas da cidade do Porto uma vez por ano, mas do interesse histórico que uma outra das suas produções pode suscitar, gostaria agora de vos falar dos esquecidos livros de curso, preciosas edições que também têm alguma tradição académica em Portugal mas, que eu saiba, a que ainda não foi votada qualquer especial atenção. E, no entanto, se quisermos caracterizar devidamente o ensino universitário na época a que dizem respeito, não há como ignorá-los, pois eles estão muito para além das estatísticas e da documentação oficial, esparramando nas suas páginas o momento biográfico de cada aluno e o que ele ou ela pensavam da utilidade ou da função social do curso, bem assim como os seus pais, os padrinhos, os namorados, alguns colegas. Para além do curso ou variante, do nome e da caricatura do visado – gerações de caricaturistas estão aí representados, uns famosos e persistentes, outros ocasionais – apresentam-se também ali as suas virtudes ou pequenos hábitos, anseios ou projetos de vida em quadras ou versos geralmente maus e de “pé-quebrado”, mas mesmo assim muito reveladores sobre quem é o novo “doutor” ou “doutora”, generosa denominação popular do título académico obtido pelos diplomados, bacharéis ou licenciados, conforme a época, a academia ou o curso, e quando este não tinha imediata conotação profissionalizante, como é o caso dos engenheiros, dos arquitetos, dos enfermeiros ou outros, mas ali todos “doutores”. Tanto quanto sei esta prática editorial em muitos casos contínua, mais ou menos elaborada, mas sempre com edições limitadas a pouco mais do que o número dos que concluíram o curso, perdendo-se depois nas andanças dos espólios pessoais. Quando com eles nos deparamos podemos aí encontrar interessantes elementos proto-biográficos de ministros e de sábios, as mais das vezes de vulgaríssimos cidadãos, que pouco ou nada acrescentaram à magnificência nacional das Ciências, das Artes e das Letras. Mas, potencialmente, todos textos premonitórios ou proféticos na glória ou nos anonimatos dos discentes das academias portuguesas.

            Veio-me à mão o Livro de Curso da Faculdade de Letras da Universidade do Porto de 1971, com o subtítulo No final da rota, novos rumos, com silhueta de barco à vela com âncora à proa na capa da autoria de um arquiteto José Duarte. No miolo a alusão a todos os “Fitados de Letras” da Queima das Fitas desse ano, com ou sem caricatura, com ou sem versalhada. Pode realmente ter sido um final de rota para os então 63 finalistas de Ciências Históricas e os 27 de Ciências Filosóficas, muitos dos quais terão agora, em média, setenta e cinco anos, mas dos quais as bibliotecas pouco ou nada registam, sendo embora esse um dos atributos das profissões que escolheram, o de descobrir, conferir e divulgar conhecimentos naquelas áreas através da escrita e das publicações. Será, pois, muito interessante espiolhar ali algumas luzes que nos façam entender o que pensavam então os novos “doutores” da forma como iriam exercer a profissão de historiadores, filósofos ou outras derivadas – bibliotecários, arquivistas – que requeriam pós-graduações. E não resisti a comparar esse livro com o do meu ano de curso (Finalistas de Letras 1981-82) da mesma faculdade: evidentes diferenças, numéricas e outras, logo na própria dimensão do livro, que apresenta agora 69 alunos de Filosofia, 173 de História e 27 da variante de Arte e Arqueologia, seguidas de um numeroso contingente de alunos e alunas de Línguas e Literatura, espalhados por Estudos Portugueses…Franceses…Ingleses e Alemães, com várias agregações de idiomas. E se é certo que muitos dos nomes ali constantes se podem encontrar hoje nos ficheiros da Biblioteca Nacional, no que diz respeito às caricaturas e à versalhada familiar e amiga, no geral elas são muito semelhantes, passada que fora uma década. A sociedade, no essencial, mudara muito pouco nos seus objetivos. Mas já então havia, por parte de alguns alunos mais vividos ou com outras experiências de formação, uma outra perceção do que deveria ser a universidade e o seu propósito social, cultural e profissional. Não terá sido por acaso que nesse mesmo ano, para além da “tradicional” Queima das Fitas onde os alunos e alunas de “Letras” mais ou menos se integraram no respetivo programa, que um pequeno grupo organizou a 12 de maio nos jardins e no interior das instalações um questionante «Faculdade de Letras Show!!» integrado numa contra realização chamada «A Teima das Pitas», sob o mote adaptado de um conhecido fado coimbrão: «Letras tem mais encantos [oh se tem!] na hora da despedida». Já então havia alguma consciência de que nem todos os alunos daquela faculdade se destinavam exclusivamente ao ensino e que, para exercer as profissões de historiador, arqueólogo ou outras inerentes, saíam dali com um grande e muito evidente deficit de consciência profissional na sua preparação, que só alguns viriam a superar. A maioria acomodou-se ao pouco que a sociedade lhe ofereceu como emprego. «E em Portugal não se pode avaliar a eficácia da Academia – como se não pode apreciar a utilidade de um instrumento durante longos anos esquecido ao canto de um casarão, enferrujando-se e apodrecendo sob a escuridade e o bolor» (Eça de Queirós, Notas Contemporâneas).

            Dir-me-ão que tal já não é verdade, que hoje as universidades passam por crivos de aferição de qualidade, há para aí uns rankings, e outras orações gestionárias. Mas quanto à consciência profissional dos seus formandos, na área em que trabalho que é a da História e ofícios correlativos, creio bem que estamos exatamente como nos anos setenta, ou no tempo de Eça. 

J. A. Gonçalves Guimarães
secretário da direção

Provas de doutoramento de António Manuel S. P. Silva
fotografia de José Manuel Tedim
Doutoramento

            No passado dia 9 de maio decorreram na Faculdade de Humanidades da Universidade de Santiago de Compostela, em Lugo, as provas de doutoramento em Estudos Culturais (Arqueologia e História Antiga) de António Manuel S. P. Silva com a apresentação e defesa da sua tese intitulada Cale e os Callaeci. Territórios e Comunidades na foz do Rio Douro entre a Proto-história e a Romanidade, a qual teve como orientadores os professores doutores Gerardo Pereira-Menaut (USC) e Rui Morais (FLUP) e, por falecimento do primeiro, os professores doutores Dolores Dopico e Manuel Villanueva (USC). O júri do ato académico, presidido pelo Prof. Doutor Amílcar Guerra (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) contou com a participação dos professores doutores Ana Suárez Piñeiro (USC) e Fermín Perez Losada (Universidade de Vigo). Após uma brilhante apresentação do tema por parte do doutorando seguiram-se as intervenções dos membros do júri, unânimes na apreciação da obra como exaustiva e exemplar, seguindo-se algumas pequenas intervenções de outros doutores presentes na assistência, conforme é uso nas universidades espanholas, tendo sido a tese classificada com nota máxima (sobresaliente cum laude).

            O Doutor António Manuel S. P. Silva é também co-coordenador do Gabinete de História, Arqueologia e Património e membro dos corpos gerentes dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, e assim esta instituição fez-se representar no ato através dos Doutores José Manuel Alves Tedim e J. A. Gonçalves Guimarães, respetivamente presidente e secretário da direcção e também co-coordenadores daquele Gabinete. Estiveram igualmente presentes familiares e amigos do doutorado que no final o festejaram.

Independência de Timor – 20 Anos

Coincidindo com as comemorações dos 20 anos da Independência de Timor, o realizador Francisco Manso está a rodar no arquipélago da Madeira uma nova série de ficção, agora sobre a invasão japonesa de Timor-Leste em 1942. Denominada “Abandonos” e protagonizada pelo ator Marco Delgado, relata em sete episódios a união de timorenses, australianos e portugueses contra o inimigo comum escrita pelo falecido historiador António Monteiro Cardoso na obra Timor na Segunda Guerra Mundial – Diário do Tenente Pires, publicada em 2007. A série deverá ser estreada ainda este ano tanto em Portugal como em Timor.

Entretanto, a convite das autoridades timorenses, um significativo grupo de personalidades portuguesas estiveram presentes em Díli nas cerimónias comemorativas da independência que decorreram nos últimos dias, nomeadamente o Presidente da República, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa e o Chefe da Casa Real Portuguesa, D. Duarte Pio,

Instituições

            Manuel de Novaes Cabral, ex-diretor do Instituto Português dos Vinhos do Douro e do Porto, cônsul honorário da França no Porto e diretor do Museu Nacional Ferroviário, foi feito académico de número da Academia Internacional de Cerimonial e Protocolo por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Protocolo que decorreu em Granada, Espanha, em abril passado, inaugurando a cadeira n.º 14 cujo patrono é o Marquês de Pombal.

Livros e Revistas

 Assinalando o Dia Internacional dos Museus, no passado dia 21de maio no Museu da Indústria Têxtil da Bacia do Vale do Ave em Famalicão, e apresentado pelo seu diretor, Prof. Doutor José Manuel Lopes Cordeiro, foi lançado o número correspondente ao 1.º semestre de 2022 da revista Arqueologia Industrial. Entre os diversos artigos publicados encontra-se «A indústria metalúrgica em Crestuma, Vila Nova de Gaia. A Fábrica Paiva Freixo» da autoria de Maria de Fátima Teixeira, investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património (ASCR-CQ). Após este lançamento, aquele docente da Universidade do Minho fez uma visita guiada à exposição ali patente sobre os 175 anos da Fábrica do Rio Vizela.


        Da autoria de Francisco Queiroz, Ricardo Charters d‘ Azevedo e Miguel Saraiva, o livro Villa Portela. Mais de um Século de História, editado pela Horas de Ler, apresenta uma exaustiva descrição deste edifício emblemático de Leiria e dos seus proprietários ao longo dos tempos, cujas obras de adaptação a equipamento cultural começaram no passado dia 26 de abril. O livro será posto à venda no dia 4 de Junho.


Conferências e palestras

            Prosseguem no Solar Condes de Resende nas últimas quintas-feiras do mês, entre as 18,30 a as 19,30 horas, presenciais e por videoconferência, as habituais palestras sobre os mais diversos temas, feitas por jovens investigadores ou por especialistas em determinadas matérias. Amanhã, dia 26 de maio, o historiador Paulo Jorge C. Sousa Costa falará sobre «Senhorios nobres no julgado de Gaia no século XIII», um tema tanto mais interessante quanto hoje vão sendo cada vez mais raros os estudos profissionais sobre a Idade Média da região.

Exposições

            No passado dia 14 de maio abriu ao público no Palácio do Raio em Braga a exposição do escultor Hélder de Carvalho Espessa Escuridão, com trabalhos que materializam a seguinte interrogação: «Em tempos de crueldade e horror, até onde vai a nossa consciência perante a violência da guerra?». Estará aberta até 11 de junho.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 165, quarta-feira, 25 de maio de 2022; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

 

 

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