sábado, 25 de junho de 2022

Eça & Outras

Ano do Centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro e do Bicentenário da Independência do Brasil

Mitologias caseiras

          Isso do rigor da memória nas recordações passadas a escrito não é connosco, Portugueses. País literário desde o berço medieval, dado a cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer, mas tudo cantigas, analfabeto na ciência de árabes e moçárabes, avaramente guardada por judaisantes, logo tudo inimigos da fé cantigueira, as atitudes exigentes tiveram de esconder-se ao longo dos tempos das inquisições várias até quase aos dias de hoje. Já não há fogueiras a queimar hereges, mas há micro-ondas para despachar fervuras. Ficamos pois nas facilidades de escrever maus versos e de divulgar mitologias e fantasias, uma espécie de sarampo cultural, quer seja em torres de conhecimento quer seja no banal quotidiano. Isso da investigação, do rigor, da «clara certidão da verdade» dá muito trabalho, e é geralmente inconveniente ou mesmo perigoso. Por isso é mais fácil tocar de ouvido, seguir o método do «parece que» e condimentar a gosto com banalidades. Adiante. Este erudito arrazoado a propósito de um livro de memórias que me veio recentemente à mão, intitulado A Póvoa no seu melhor: crónicas do tempo que passa, da autoria de José de Azevedo e editado pela autarquia poveira em 2020. Nele encontrei o capítulo «Dois Amigos - Júlio Gomes e Sousa Dias» que particularmente me interessou. Estes livros de recordações são normalmente interessantes quando, despretensiosamente, se limitam a divulgar isso mesmo: visões pessoais sobre pessoas, locais e acontecimentos sobre os quais ainda ninguém escreveu e com algum conteúdo que nos acaricie o quotidiano coletivo, sempre limitado pelas possibilidades individuais. Escritas de forma coloquial, estas memórias apresentam-nos outros ângulos de observação sobre algo que também já conhecemos, mas de forma incompleta e até imperfeita e que, por isso mesmo, nos ajudam a completar ou a rever a nossa própria informação. Mas a que se exige alguma pesquisa e rigor para não sobrepormos mitos a fantasias. Para as elaborar não nos podemos pois fiar unicamente na nossa memória ou vivência. Tudo isto a propósito do grande blagueur Basílio de Sousa Dias (BSD), ali invocado com informações, algumas delas fantasistas, como aliás ele gostava. Conhecia-o desde miúdo, de o ver passar ao fim do dia, ou ao começo da noite, em direção ao Porto, pois ele morava no “Prédio Parafuso” na rua Elias Garcia (antiga Dr. Avides ou popularmente “das pipas”, por aí existir a tanoaria a vapor Correia Ribeiro), em Vila Nova de Gaia, e não naquela outra cidade, como o texto em causa afirma. O seu vestir, elegantíssimo, um pouco exótico por excessos, mas desmazelado por falta de ajuda doméstica, o casaco branco estival ou negro, de pele, invernal, as luvas, o chapéu de coco, a comenda de Cristo pendente do colarinho da camisa, não deixavam de atrair a atenção dos passantes para o “Sousa Noites” ou, mais popularmente, o “barão da meia rota” que andava de trolley, embora tivesse tido carro. Dele pouco na realidade se sabia, mas comentava-se que, entre outras excentricidades, acordava os vizinhos martelando nas paredes pela noite fora. Soube depois que colecionava pratos-souvenir que pregava nas paredes da sua habitação emoldurados por mantilhas sevilhanas negras debruadas a ouro. Na sua porta havia uma chapa que avisava “alta tensão perigo de morte” e, volta e meia, no seu patamar exibia-se um estranho “tapete” feito de farinhas, grãos diversos, café, colorau e outros produtos comestíveis dispostos em mais ou menos artística composição. Já não falando no Saab que usou para passear a nonagenária mãe e que ficou a apodrecer num canto de prédio depois dela morrer.

Tive a oportunidade de o conhecer melhor quando começou a aparecer em algumas das realizações do Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia, como as Jornadas de Antropologia Cultural (1987) e o 2.º Congresso Internacional Sobre o Rio Douro (1996), tendo vindo em peregrinação de afeto ao Solar Condes de Resende pouco antes de falecer a 1 de junho de 2002, com 94 anos, em Braga.

          Devido àquele conhecimento, vindo eu uma certa noite da tardia montagem de uma exposição com uma colega (MGP) em busca de ainda comermos qualquer coisa no desaparecido Café Mucaba, encontrámo-lo a regressar a casa àquela sua habitual hora de recolha e, perante a inevitabilidade do encontro, depois de estranho e hilariante foge que te não vi, lá tivemos de cumprir a já então muito prometida aceitação de visita ao seu tugúrio, experiência surrealista que um dia me merecerá um texto, até porque dele não deve ter ficado nenhum registo fotográfico e tal merece porque irrepetível, excepcional e desde então inexistente.

          Basílio de Sousa Dias apresentava-se com um cartão de visita exuberante, com brasão, e a indicação de inúmeras associações e instituições de que faria parte, entre elas a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Era um personagem gerador de afetos, embora por vezes de um humor mordaz, mas que logo desfazia numa rápida casquinada. Agente artístico, sem dúvida, pelo menos em parte da sua vida, talvez mais de coristas do que de vedetas, escrevia também as suas croniquetas em vários jornais que hoje só por curiosidade se lerão, Apresentava-se como jornalista aposentado. Tendo, em tempos recuados, começado por frequentar o curso de Medicina que precocemente abandonou, tornou-se figura assídua do circo exotérico de Vilar de Perdizes, onde afluíam muitos devotos das perdidas fontes da juventude vendendo barato as angústias pelo tempo perdido.

          Sendo obviamente um excêntrico adorável e do qual guardo uma simpática saudade, ao contrário do que diz o texto que vimos seguindo, não era propriamente um «homem culto», e da inteligência usava sobretudo uma boa dose de sagesse, o que não é a mesma coisa. E também não foi certamente «um dos mais respeitados autores de temas nortenhos» e muito menos um «especialista em trabalhos sobre a história, doçaria e cozinha do Norte» como também ali se escreve, assuntos para os quais desde os anos oitenta do século passado que se requer formação profissional adequada e há efetivamente bons autores. E quanto às «teses» que apresentava em público, tivemos ocasião de escutar com bonomia algumas delas e poderemos dizer que ficariam bem num almanaque do século XIX para entreter quem à sombra de um jardim de camélias as leria com dedicatória do «querido Basilinho».

          Certamente que BSD está nos registos daqueles que o conheceram e na galeria da memória de muitos como um singular barão de opereta. Pretender algo diferente disto é criar fantasias que só se encontram na lápide esverdeada erguida por ele próprio e pregada no muro da saudade por alguns dos seus amigos, mas que não passam de mitomanias, de que o Norte, a Póvoa de Varzim, Gaia e Porto têm mais alguns exemplos, como o Tio Élio, o Senhor Júlio “Luís da Baviera”, e outros excêntricos que ficaram na memória das gentes e das comunidades.

Para além da saudade e da permanência da simpatia que os próprios geraram, não será útil nem necessário escrever exageros croniquentos que também contaminam literaturas mais exigentes, mas isso são outras andanças. E a propósito de personagens de casino e de outras paragens, aqui nos lembramos daquilo que o poveiro até hoje mais célebre escreveu: «…entre nós, a mentira é um hábito público. Mente o homem, a política, a ciência, o orçamento, a imprensa, os versos, os sermões, a arte, e o País é todo ele uma grande consciência falsa. Vem tudo da educação» (Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre).

J. A. Gonçalves Guimarães

secretário da direção

J. Rentes de Carvalho na RTP e em Gaia

         

No passado dia 20 de junho, no programa «Primeira Pessoa» da RTP, Fátima Campos Ferreira apresentou uma entrevista biográfica do escritor J. Rentes de Carvalho, nascido a 15 de maio de 1930 em Vila Nova de Gaia, ex-professor na Universidade de Amsterdam, cidade onde habitualmente também reside, e autor de uma incontornável obra sobre o Portugal Contemporâneo. No próximo dia 1 de Julho, pelas 18,45, o escritor estará no Centro Histórico de Gaia no World of Wine no lançamento de um álbum fotográfico intitulado Douro, para o qual fez um dilatado prefácio.


Centenário do Marquês de Soveral

No próximo dia 5 de outubro decorrerá a data do centenário da morte de Luís Maria Pinto de Soveral, nascido em São João da Pesqueira a 28 de maio de 1851, o diplomata que ficaria conhecido como Marquês de Soveral. Sendo um dos Vencidos da Vida, e enquanto embaixador em Inglaterra e Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Portugal, amigo e superior hierárquico de Eça de Queirós, mereceu já à Confraria Queirosiana diversas ações evocativas em colaboração com o Município de São João da Pesqueira, a Associação dos Amigos de Pereiros e a APHVIN/GEHVID – Associação Portuguesa da História da Vinha e do Vinho. Assim a 22 de outubro de 2005 a Confraria organizou com a colaboração daquelas duas primeiras entidades e da Cooperativa Agrícola de S. João da Pesqueira, uma visita a esta vila duriense que incluiu uma sessão evocativa no salão nobre da autarquia com a presença de muitos confrades que ali se deslocaram, durante a qual J. A. Gonçalves Guimarães proferiu a palestra «Um “Vencido da Vida” – Notas biográficas sobre Luís Pinto de Soveral (marquês de Soveral, 1853-1922)», depois publicada na Revista de Portugal, n.º 3, 2006, p. 22-36. O ano de seu nascimento aparecia então errado em vários escritos biográficos, o que depois será corrigido pela documentação consultada. Na sequência desta ação, o presidente da Câmara, Eng.º António José Lima Costa propôs à Confraria a organização de uma biografia atualizada do ilustre diplomata, a qual, após várias semanas de trabalho no arquivo do Paço Ducal de Vila Viçosa, onde se guarda o seu espólio, tal deu origem ao livro Marquês de Soveral Homem do Douro e do Mundo. Son of the Douro Man of the World, também da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães, edição bilingue com tradução para inglês de Karen Bennett promovida pelo Município de São João da Pesqueira e as Edições Gailivro em 2008, o qual foi lançado na Vindouro desse ano no Museu Eduardo Tavares, com a presença do presidente da edilidade já referido e da saudosa vice-presidente Prof.ª Maria do Céu Beires, aí apresentado pelo Prof. Doutor António Barros Cardoso da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e cuja recensão foi depois publicada na Revista da Faculdade de Letras. História. Universidade do Porto, III série, volume 10, Porto, 2009, p. 205-207. Ainda por convite do Município de São João da Pesqueira, o autor apresentou o livro num programa da RTP sobre o Douro, e em dezembro seguinte a Gailivro promoveu também a sua apresentação na Casa Barbot em Vila Nova de Gaia. No ano seguinte o autor esteve presente a 29 de março no «XVIII Colóquio de História Militar. Política Diplomática, Militar e Social do Reinado D. Carlos no centenário da sua morte», que se realizou no Palácio da Independência em Lisboa, organizado pela Comissão Portuguesa de História Militar, onde apresentou a comunicação «D. Carlos e o Marquês de Soveral: o Soberano e o Diplomata» publicada nas respetivas Actas. A convite da APHVIN/GEHVID, a 29 de março de 2012, o autor apresentou ainda o tema deste seu livro na Biblioteca Municipal de Peso da Régua e a 30 de maio de 2013 na Universidade Lusófona no Porto.

          Mais recentemente, o autor daquela obra gravou para os serviços da autarquia pesqueirense um videofilme sobre a vida o obra do Marquês de Soveral destinado a divulgação nas escolas e junto da população em geral.

Na sequência destas atividades já desenvolvidas em volta da evocação desta figura maior da diplomacia portuguesa do século XIX, a Associação dos Amigos de Pereiros (São João da Pesqueira)  e os Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana decidiram propor ao município pesqueirense a realização de umas comemorações do seu centenário com início em dezembro próximo e o seu prolongamento durante um ano com diversas ações cívicas e culturais.

Academia Alagoana de Letras      

Encontram-se concluídas as obras na sede da Academia Alagoana de Letras, que foi assim devolvida ao seu antigo esplendor arquitetónico, mas também às novas funcionalidades que os nossos tempos exigem. A centenária instituição brasileira continua pois com mais fulgor a acolher diversos eventos culturais, preparando neste momento a 3.ª Festa Literária da Barra de S. Miguel, Alagoas, que terá lugar entre 14 e 18 de setembro próximo. Entretanto seu presidente Alberto Rostand Lanverly publicou recentemente uma sua crónica intitulada “Festas Juninas” onde descreve como Santo António, São João e São Pedro se sentem em casa quer seja em Lisboa, em Gaia, em Alagoas ou em muitas outras terras onde se festeja o solstício de verão na língua de Camões.

Confraria da Broa de Avintes

          Hoje, dia 25 de junho, decorrerá em Avintes, Vila Nova de Gaia, o XXIV capítulo da Confraria da Broa de Avintes, comemorativo dos seus 25 anos de existência. O programa decorrerá na sede dos Plebeus Avintenses com a insigniação de novos membros. A Confraria Queirosiana far-se-á representar por vários confrades.

Conferências e palestras

          Lembrando o Bicentenário da Independência do Brasil, no próximo dia 30 de junho, quinta-feira, na habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês no Solar Condes de Resende, entre as 18,30 e as 19,30, presencial e por videoconferência, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre «A Serra do Pilar e o coração de D. Pedro IV».

Revistas

No próximo sábado dia 2 de julho, pelas 17 horas, no Solar Condes de Resende, serão lançados os números 08 e 09 da revista Douro. Vinho História e Património. Wine History and Heritage, editada pela Associação Portuguesa da História da Vinha e do Vinhos (APHVIN/GEHVID), os quais ainda não tinham sido apresentados a público devido às hesitações da pandemia. Apresentados pelo presidente da direção daquela associação, Prof. Doutor António Barros Cardoso (e também autor de estudos aqui publicados), entre os diversos trabalhos de autores portugueses e estrangeiros encontram-se os de Cristiana Borges Ferreira, J. A. Gonçalves Guimarães e Nuno Resende. A sessão será abrilhantada com uma atuação dos Eça Bem Dito, grupo coral da ASCR-CQ.

 

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 166, sábado, 25 de junho de 2022; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração:

 

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