Ano do Centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro e do Bicentenário da Independência do Brasil
Mitologias caseiras
Isso do rigor da memória nas recordações passadas a
escrito não é connosco, Portugueses. País literário desde o berço medieval, dado
a cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer, mas tudo cantigas,
analfabeto na ciência de árabes e moçárabes, avaramente guardada por judaisantes,
logo tudo inimigos da fé cantigueira, as atitudes exigentes tiveram de
esconder-se ao longo dos tempos das inquisições várias até quase aos dias de
hoje. Já não há fogueiras a queimar hereges, mas há micro-ondas para despachar
fervuras. Ficamos pois nas facilidades de escrever maus versos e de divulgar
mitologias e fantasias, uma espécie de sarampo cultural, quer seja em torres de
conhecimento quer seja no banal quotidiano. Isso da investigação, do rigor, da
«clara certidão da verdade» dá muito trabalho, e é geralmente inconveniente ou
mesmo perigoso. Por isso é mais fácil tocar de ouvido, seguir o método do
«parece que» e condimentar a gosto com banalidades. Adiante. Este erudito
arrazoado a propósito de um livro de memórias que me veio recentemente à mão,
intitulado A Póvoa no seu melhor: crónicas do tempo que passa, da autoria
de José de Azevedo e editado pela autarquia poveira em 2020. Nele encontrei o
capítulo «Dois Amigos - Júlio Gomes e Sousa Dias» que particularmente me interessou.
Estes livros de recordações são normalmente interessantes quando,
despretensiosamente, se limitam a divulgar isso mesmo: visões pessoais sobre
pessoas, locais e acontecimentos sobre os quais ainda ninguém escreveu e com algum
conteúdo que nos acaricie o quotidiano coletivo, sempre limitado pelas
possibilidades individuais. Escritas de forma coloquial, estas memórias apresentam-nos
outros ângulos de observação sobre algo que também já conhecemos, mas de forma
incompleta e até imperfeita e que, por isso mesmo, nos ajudam a completar ou a
rever a nossa própria informação. Mas a que se exige alguma pesquisa e rigor
para não sobrepormos mitos a fantasias. Para as elaborar não nos podemos pois
fiar unicamente na nossa memória ou vivência. Tudo isto a propósito do grande blagueur Basílio de Sousa Dias (BSD),
ali invocado com informações, algumas delas fantasistas, como aliás ele gostava.
Conhecia-o desde miúdo, de o ver passar ao fim do dia, ou ao começo da noite,
em direção ao Porto, pois ele morava no “Prédio Parafuso” na rua Elias Garcia
(antiga Dr. Avides ou popularmente “das pipas”, por aí existir a tanoaria a
vapor Correia Ribeiro), em Vila Nova de Gaia, e não naquela outra cidade, como
o texto em causa afirma. O seu vestir, elegantíssimo, um pouco exótico por
excessos, mas desmazelado por falta de ajuda doméstica, o casaco branco estival
ou negro, de pele, invernal, as luvas, o chapéu de coco, a comenda de Cristo
pendente do colarinho da camisa, não deixavam de atrair a atenção dos passantes
para o “Sousa Noites” ou, mais popularmente, o “barão da meia rota” que andava
de trolley, embora tivesse tido
carro. Dele pouco na realidade se sabia, mas comentava-se que, entre outras
excentricidades, acordava os vizinhos martelando nas paredes pela noite fora.
Soube depois que colecionava pratos-souvenir
que pregava nas paredes da sua habitação emoldurados por mantilhas sevilhanas
negras debruadas a ouro. Na sua porta havia uma chapa que avisava “alta tensão
perigo de morte” e, volta e meia, no seu patamar exibia-se um estranho “tapete”
feito de farinhas, grãos diversos, café, colorau e outros produtos comestíveis
dispostos em mais ou menos artística composição. Já não falando no Saab que usou para passear a nonagenária
mãe e que ficou a apodrecer num canto de prédio depois dela morrer.
Tive a oportunidade de o conhecer melhor quando
começou a aparecer em algumas das realizações do Gabinete de História e
Arqueologia de Vila Nova de Gaia, como as Jornadas de Antropologia Cultural
(1987) e o 2.º Congresso Internacional Sobre o Rio Douro (1996), tendo vindo em
peregrinação de afeto ao Solar Condes de Resende pouco antes de falecer a 1 de
junho de 2002, com 94 anos, em Braga.
Devido àquele conhecimento, vindo eu uma
certa noite da tardia montagem de uma exposição com uma colega (MGP) em busca
de ainda comermos qualquer coisa no desaparecido Café Mucaba, encontrámo-lo a
regressar a casa àquela sua habitual hora de recolha e, perante a
inevitabilidade do encontro, depois de estranho e hilariante foge que te não
vi, lá tivemos de cumprir a já então muito prometida aceitação de visita ao seu
tugúrio, experiência surrealista que um dia me merecerá um texto, até porque dele
não deve ter ficado nenhum registo fotográfico e tal merece porque irrepetível,
excepcional e desde então inexistente.
Basílio de Sousa Dias apresentava-se
com um cartão de visita exuberante, com brasão, e a indicação de inúmeras
associações e instituições de que faria parte, entre elas a Associação de
Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Era um personagem gerador de afetos,
embora por vezes de um humor mordaz, mas que logo desfazia numa rápida
casquinada. Agente artístico, sem dúvida, pelo menos em parte da sua vida, talvez
mais de coristas do que de vedetas, escrevia também as suas croniquetas em
vários jornais que hoje só por curiosidade se lerão, Apresentava-se como
jornalista aposentado. Tendo, em tempos recuados, começado por frequentar o
curso de Medicina que precocemente abandonou, tornou-se figura assídua do circo
exotérico de Vilar de Perdizes, onde afluíam muitos devotos das perdidas fontes
da juventude vendendo barato as angústias pelo tempo perdido.
Sendo obviamente um excêntrico
adorável e do qual guardo uma simpática saudade, ao contrário do que diz o
texto que vimos seguindo, não era propriamente um «homem culto», e da
inteligência usava sobretudo uma boa dose de sagesse, o que não é a mesma coisa. E também não foi certamente «um
dos mais respeitados autores de temas nortenhos» e muito menos um «especialista
em trabalhos sobre a história, doçaria e cozinha do Norte» como também ali se
escreve, assuntos para os quais desde os anos oitenta do século passado que se
requer formação profissional adequada e há efetivamente bons autores. E quanto
às «teses» que apresentava em público, tivemos ocasião de escutar com bonomia
algumas delas e poderemos dizer que ficariam bem num almanaque do século XIX
para entreter quem à sombra de um jardim de camélias as leria com dedicatória
do «querido Basilinho».
Certamente que BSD está nos registos
daqueles que o conheceram e na galeria da memória de muitos como um singular barão de opereta. Pretender algo
diferente disto é criar fantasias que só se encontram na lápide esverdeada
erguida por ele próprio e pregada no muro da saudade por alguns dos seus
amigos, mas que não passam de mitomanias, de que o Norte, a Póvoa de Varzim,
Gaia e Porto têm mais alguns exemplos, como o Tio Élio, o Senhor Júlio “Luís da Baviera”, e outros excêntricos
que ficaram na memória das gentes e das comunidades.
Para além da saudade e da permanência da simpatia que os próprios geraram, não será útil nem necessário escrever exageros croniquentos que também contaminam literaturas mais exigentes, mas isso são outras andanças. E a propósito de personagens de casino e de outras paragens, aqui nos lembramos daquilo que o poveiro até hoje mais célebre escreveu: «…entre nós, a mentira é um hábito público. Mente o homem, a política, a ciência, o orçamento, a imprensa, os versos, os sermões, a arte, e o País é todo ele uma grande consciência falsa. Vem tudo da educação» (Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre).
J.
A. Gonçalves Guimarães
secretário da direção
J. Rentes de Carvalho na RTP e em Gaia
Centenário do Marquês de Soveral
Mais recentemente, o autor daquela
obra gravou para os serviços da autarquia pesqueirense um videofilme sobre a
vida o obra do Marquês de Soveral destinado a divulgação nas escolas e junto da
população em geral.
Na sequência destas atividades já desenvolvidas em volta da evocação desta figura maior da diplomacia portuguesa do século XIX, a Associação dos Amigos de Pereiros (São João da Pesqueira) e os Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana decidiram propor ao município pesqueirense a realização de umas comemorações do seu centenário com início em dezembro próximo e o seu prolongamento durante um ano com diversas ações cívicas e culturais.
Academia Alagoana de Letras
Confraria
da Broa de Avintes
Hoje, dia 25 de junho, decorrerá em Avintes, Vila Nova de Gaia, o XXIV capítulo da Confraria da Broa de Avintes, comemorativo dos seus 25 anos de existência. O programa decorrerá na sede dos Plebeus Avintenses com a insigniação de novos membros. A Confraria Queirosiana far-se-á representar por vários confrades.
Conferências
e palestras
Lembrando o Bicentenário da Independência do Brasil, no próximo dia 30 de junho, quinta-feira, na habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês no Solar Condes de Resende, entre as 18,30 e as 19,30, presencial e por videoconferência, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre «A Serra do Pilar e o coração de D. Pedro IV».
Revistas
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Eça
& Outras, III.ª série, n.º 166, sábado, 25 de junho de 2022; propriedade da
associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º
506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN:
PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães
(TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração:
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