quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Eça & Outras

Também Eça falou do Afeganistão…

            E de repente estamos todos a opinar sobre a situação nesse país sobre o qual pouco mais sabemos do que o estar sempre a ser invadido por estrangeiros, logo permanentemente em guerra; de ter papoilas brancas de onde se extrai o velho anfião da antiga farmacopeia, usado desde longa data como anestésico, mas a que a sociedade ocidental que o invadiu no século XIX deu outros usos, nomeadamente o de ter com ele tentado destruir a China através do consumo do ópio para aí levado pelos ingleses; de ter uns belíssimos galgos esguios de pelo comprido; de ser um país de cavaleiros. E, de uns tempos a esta parte, o ter também soviéticos, mujahedins, talibans, Bin Laden, americanos, e outros nomes mais a que nos fomos habituando, quantas vezes sem saber o que realmente significam e o contexto em que apareceram, persistem ou desaparecem. Mas uma coisa é certa: o Afeganistão não tem tido só afegãos no seu chão ancestral, e sobre este velho país asiático corre o epíteto militar de “cemitério de impérios”, mais concretamente e nos últimos duzentos anos, do inglês, do otomano, do russo e, ultimamente, do estadunidense e seus aliados, incluindo Portugal. Uma gloriosa história na defesa do seu território e dos seus costumes, fator muito prezado pelos países ocidentais em sua casa, mas tido como desprezível quando cultivado pelos países que invadem com os mais variados pretextos.

         A questão não é nova, mesmo entre nós. Não ficando o Afeganistão nas rotas de curiosidade expansionista dos portugueses de antanho, nunca tivemos muitos de nós por aquelas paragens. Mas mesmo assim o tema não deixou de interessar Eça de Queirós quando vivia como cônsul em Bristol em 1880, como escreveu numa das crónicas enviada para a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, depois republicada postumamente em Cartas de Inglaterra, certamente também como resultado do seu espírito cosmopolita atento a uma sociedade que se ia globalizando. Refletindo sobre o velho aforismo muito pouco académico de que «A História é uma velhota que se repete sem cessar», sobre o tema escreveu: «Em 1847 os ingleses, “por uma razão de Estado, uma necessidade de fronteiras científicas, a segurança do Império, uma barreira ao domínio russo da Ásia…” e outras coisas vagas que os políticos da Índia rosnam sombriamente retorcendo os bigodes – invadem o Afeganistão, e aí vão aniquilando tribos seculares, desmantelando vilas, assolando searas e vinhas: apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado nas bagagens, com escravas e tapetes; e logo que os correspondentes dos jornais têm telegrafado a vitória, o exército, acampando à beira dos arroios e nos vergéis de Cabul, desaperta o correame, e fuma o cachimbo da paz… Assim é exatamente em 1880».

         E continuou: «No nosso tempo, precisamente como em 1847, chefes enérgicos, Messias indígenas, vão percorrendo o território, e com os grandes nomes de Pátria e Religião, pregam a guerra santa: as tribos reúnem-se, as famílias feudais correm com os seus troços de cavalaria, príncipes rivais juntam-se no ódio hereditário contra o estrangeiro, o homem vermelho, e em pouco tempo é todo um rebrilhar de fogos de acampamentos nos altos das serranias, dominando os desfiladeiros que são o caminho, a estrada da Índia… e quando por ali aparecer, enfim, o grosso do exército inglês, à volta de Cabul, atravancado de artilharia, escoando-se espessamente, por entre as gargantas das serras, no leito seco das torrentes, com as suas longas caravanas de camelos, aquela massa bárbara rola-lhe em cima e aniquila-o. Foi assim em 1847, é assim em 1880…» (Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra). E acrescentamos agora todos nós: é assim em 2021! Afinal não se aprendeu nada com «a velhota que se repete sem cessar…».

Mas um pouco por todos os media lemos e ouvimos descansadas opiniões sobre "a solução ideal para o Afeganistão" que nos fazem lembrar aquelas outras proferidas em 1974/1975 (e desde então para cá por alguns que querem fazer-nos acreditar que é possível rejuvenescer a «velhota») sobre o que deveria ter sido a "descolonização ideal das colónias portuguesas". Pois é tudo muito bonito à posteriori, repimpados no sofá, distribuindo ideias que seriam belas se tivessem vindo a tempo e alguém as tivesse querido por em prática. Esquecem os opinadores duas coisas elementares: no primeiro caso, o futuro do Afeganistão compete aos seus habitantes sem interferências de estrangeiros, a não ser quando por eles tolerados para ajudarem em nome da paz entre os povos, e não da encapotada ganhuça internacional; no segundo, que já não havia ânimo, nem tempo, nem plano para tal. O sono foi longo e só do pesadelo acordamos a 25 de Abril de 1974.

Ninguém ignora que na sociedade afegã existem ideias, crenças e valores muito diferentes dos nossos e que sobre os quais não convergimos. Mas manda o princípio da tolerância que respeitemos os deles e que eles respeitem os nossos para que assim nos tentemos entender no que é essencial nesta vida. E já agora, muitos dos "desvios civilizacionais" que lhes atribuem, também existem noutros países ditos "civilizados", muitas vezes de forma mais encapotada, e em pequenos grupos, mas existem. E assim como os países ocidentais, de um modo geral, puderam ilustrar-se e evoluir, também esses dons são inerentes a todos os seres humanos, incluindo os afegãos. O problema são os indefetíveis fundamentalistas. Lá e cá.

Correndo o risco de abusar de citações, aqui vai mais uma, desta feita sobre os “americanos”, os estadunidenses recém-derrotados no Afeganistão, os quais, segundo Eça, quando vistos de perto, o observador «compreende logo que está entre um povo bárbaro, que aprendeu a civilização de cor. Mas bárbaro como é – que força, que originalidade inventiva, que perseverança, que firmeza! – É estranho! E ao mesmo tempo que grosseria de maneiras: revólver, praga e empurrão, algumas palavras de inglês e muita saliva – eis o que é a língua americana. Como eu detesto esta canalha! (Eça de Queirós, Correspondência, carta a Ramalho Ortigão, 20.7.1873). Será que também, com os “americanos” algo mudou desde aquela data? Creio antes que Eça continua a estar terrivelmente certo.

J. A. Gonçalves Guimarães

secretário da direção da Confraria Queirosiana

Feira do Livro do Porto

Entre 27 de agosto e 12 de setembro decorre nos Jardins do Palácio de Cristal a habitual Feira do Livro do Porto, este ano dedicada aos 150 da morte do médico e professor da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, Joaquim Guilherme Gomes Coelho, aqui divulgado e homenageado no seu pseudónimo literário Júlio Dinis (tendo também usado o de Diana de Aveleda). O autor de A Morgadinha dos Canaviais, e de outros romances de grande sucesso popular, aparece assim evocado numa programação que, segundo a organização, «convoca o universo vegetal e o ideário romântico».

Este ano, e pela primeira vez, a associação Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana vai estar presente disponibilizando ao público ledor as suas já numerosas e diversificadas edições e coedições com diversas entidades, num total de 37 títulos. Estão representados autores como A. Silva Fernandes, Álvaro Gonçalves, Amélia Cabral, António Manuel Silva, Domingos A. Moreira, Francisco Barbosa da Costa, Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, Joana Almeida Ribeiro, João de Sousa, J. A. Gonçalves Guimarães, José Joaquim Dias dos Santos, José Pereira do Couto Soares, Júlio Duarte, Licínio Santos, Luís Manuel de Araújo, Maria de Fátima Teixeira, Nuno Resende, Romero Vila, Susana Guimarães, Susana Moncóvio e outros.

Ainda a festa de 3 de julho passado

       Em rigoroso exclusivo, e devido a várias solicitações, abaixo se publica, em edição fac-similada, a carta que Eça de Queirós nesse dia enviou a J. A. Gonçalves Guimarães:


Livros

No passado mês de junho a Quetzal lançou um novo livro do escritor J. Rentes de Carvalho, intitulado O País do Solidó. Segundo o editor: «São histórias reais de gente inventada e histórias inventadas de gente real, mulheres destemidas e homens combativos, mas também capazes de momentos desprezíveis e de atitudes medrosas. Corajosos e malandros, mentirosos, que fazem pela vida. Gente de carne e osso que aprendeu a desconfiar e a sobreviver num país do solidó, sempre com aquela musiquinha em fundo, atrevida e monótona, divertida e medíocre. No país do solidó, estes retratos são instantâneos das vidas verdadeiras que não aparecem nos jornais nem na sociologia universitária, mas frequentam as redes sociais e as igrejas que ainda restam. Entre o conto e a crónica, trocando os nomes e avariando as grandes teorias sobre o funcionamento da pátria, J. Rentes de Carvalho não dá explicações sobre um mundo que não quer ser explicado - mas observa-o com humor, cumplicidade, atrevimento, uma compreensão que não pede distância mas proximidade. São personagens que não receberão medalhas no Dia de Portugal; mas compõem um dos melhores retratos de todos nós».

O novo livro de Mário Cláudio, publicado em junho pela D. Quixote, é assim apresentado pela editora: «Depois da edição de alguns volumes de poesia assinados por Tiago Veiga, o escritor Mário Cláudio decidiu dar à estampa em 2011 uma biografia exaustiva que tirasse definitivamente do anonimato este poeta que foi contemporâneo de Pessoa, Almada e Pascoaes e que, tendo conhecido figuras de renome em toda a Europa, como Yeats ou Cocteau, escolheu, ao contrário do que se esperava de um português culto e cosmopolita, retirar-se da vida mundana e internar-se no campo com a mulher, Ellen Rassmunsen, pintora irlandesa que logo se identificou com a paisagem e o clima do Alto Minho. Já depois da publicação de Tiago Veiga: Uma Biografia, descobriram-se, contudo, novos documentos que vieram trazer uma nova luz sobre a figura do poeta que era bisneto de Camilo Castelo Branco, em particular um diário extremamente interessante de Ellen Rassmunsen durante a sua permanência no Sanatório do Caramulo, aonde se deslocara para fotografar os doentes e acabara por contrair a doença que conduziria ao seu internamento. Esses achados levaram então Mário Cláudio a escrever o presente volume que, dividido em três partes, sela e conclui o relato da sua relação com Veiga».

Entretanto no passado dia 11 de agosto, no Centro Cultural de Paredes de Coura abriu ao público a Coleção Mário Cláudio com muitas obras de Arte e outros documentos que evidenciam as relações do escritor com muitos cultores da Arte Contemporânea portuguesa.

Investigadores do GHAP

   Desde o final do mês de julho que diversos investigadores do GHAP, a título pessoal, em representação da ASCR-CQ, ou de outras instituições de que fazem parte, estiveram presentes em diversos eventos culturais a apresentar trabalhos de investigação profissional.

Assim, entre os dias 19 e 22 de julho decorreu o congresso Douro & Porto – Memória + Futuro, organizado pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I. P., com sede na cidade do Porto, maioritariamente por videoconferência, onde, entre muitas outras, foram apresentadas as seguintes comunicações: no dia 21 de julho, “O Vinho do Porto e a Diplomacia (séc. XVIII)”, por Francisco Ribeiro da Silva; “O Anuário da Região Duriense 1940: uma fonte para o estudo sincrónico do Douro”, por Nuno Resende; “O Visconde de Beire produtor de Vinho do Douro no século XIX – novos dados”, por Susana Guimarães; “Arte Publicitária dos Vinhos do Douro e do Porto: os artistas estrangeiros”, por J. A. Gonçalves Guimarães. No dia 22, “Do Vinho do Douro ao Porto do Vinho”, por António Barros Cardoso, que fez parte da comissão científica do Congresso.

Entre os dias 18 e 24 de julho decorreu a partir de Vila Nova de Foz Côa, com extensão a vários outros municípios do Douro, organizada pela Universidade do Porto através do CITCEM/ Faculdade de Letras com a colaboração de outras universidades europeias e outras entidades, a International Heritage Summer School 2021, a qual teve a presença de vinte alunos vindos de Argélia, Brasil, Estados Unidos da América, Hong Kong, Itália, Macau, Portugal e República Checa. A comissão organizadora contou com a participação de Nuno Resende, docente na FLUP, e o corpo docente teve, entre outros, a participação de Luís Raposo do ICOMOS e da Associação dos Arqueólogos Portugueses, que dissertou sobre “Património Cultural, Cidadania e Turismo” na conferência de abertura no dia 19 no Museu do Côa, e de J. A. Gonçalves Guimarães, coordenador do Gabinete de História, Arqueologia e Património (ASCR-CQ) que falou sobre “S. Salvador do Mundo e a aldeia de Pereiros, S. João da Pesqueira: dois locais singulares do Património Duriense” no Museu do Vinho de S. João da Pesqueira no dia 21 de julho, tendo nesse mesmo dia guiado uma visita àquele primeiro espaço. Seguiu-se uma visita guiada com A. Silva Fernandes, presidente da Associação dos Amigos de Pereiros àquela aldeia e seu património recuperado, onde decorreu um jantar ao ar livre sendo servida a gastronomia local. Entre vários outros locais dedicados à produção vinícola e olivícola, no dia 23 foi visitada a Quinta do Vale Meão, de Francisco de Olazabal & Filhos, sendo os participantes recebidos numa visita à Adega dos Novos, onde foram inteirados das diversas etapas da produção dos seus famosos vinhos, a que se seguiu uma alegre degustação perante o seu esplendoroso cenário.

Entre 30 de julho e 21 de agosto decorreu na Casa da Cultura Francisco Marques Rodrigues Jr. em Avintes um ciclo de palestras sobre temas locais, tendo sido palestrantes, entre outros, no dia 5 de agosto o Dr. Paulo Costa sobre “Fernão Brandão Pereira – o 1.º escritor de Avintes” e no dia 21 do mesmo mês o Dr. José Vaz sobre “O livro infanto/juvenil”. 

Monumento a três escritores 

Monumento aos Escritores, de Hélder de Carvalho, Torre de Moncorvo.

No passado dia 15 de agosto em Torre de Moncorvo foi apresentado ao público o Monumento aos Escritores da autoria do escultor Hélder de Carvalho, complementado com uma visita à exposição “A Ideia, o Mestre e a Obra”, a qual mostra como nasceu, se desenvolveu e se concretizou este projeto que perpetuará três autores de raízes locais: os portugueses Miguel Torga e José Saramago e o argentino de ascendência transmontana Jorge Luís Borges.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 156, quarta-feira, 25 de agosto de 2021; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

 

 

 

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