sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Eça & Outras

Ainda há novidades sobre Eça de Queirós?

       «Vocês lá na Confraria Queirosiana, no Solar Condes de Resende, lá vão divulgando a vida e obra de Eça de Queirós …, mas, para além disso, têm acrescentado alguma coisa ao que já se sabe, têm corrigido erros transmitidos de texto em texto, têm feito mais alguma coisa do que o divulgar?». Esta questão foi-nos assim posta recentemente, e nem nos competiria a nós responder-lhe, pois, ao tal fazer, parece aquela, sempre suspeita, defesa em causa própria. Poderíamos simplesmente responder: veja o que desde 2002 temos feito em termos de estudos, participação em congressos, publicação de textos, organização de cursos sobre temática queirosiana, revelação de documentos inéditos ou pouco conhecidos, divulgação de textos e iniciativas alheias que nos parecem válidas, apresentação de espetáculos e da filmografia baseada na vida ou na obra do escritor, propostas de correções ou de novas reflexões sobre o já publicado, quer em eventos, quer em publicações diversas, quer na Revista de Portugal (RP), quer no blogue eca-e-outras e no jornal As Artes Entre As Letras, quer em outros meios, as quais poderão ser referenciadas na bibliografia de alguns dos sócios e confrades, que sistematicamente publicamos naquela revista desde 2005 (RP, n.º 3, 2006, p. 60). Mas o melhor é mesmo apresentar aqui uma resenha do já publicado pela própria Confraria, não contando pois para esta remembrança o apresentado pelos seus membros noutras edições.

         Comecemos então pelos livros editados, ainda que com o apoio de outras editoras e entidades diversas: logo em 2002, Imagens do Egipto Queirosiano, de Luís Manuel de Araújo, álbum muito ilustrado (312 p.), sobre um aspeto fundamental da construção do ideário humanista e cosmopolita do escritor, a que se seguiu em 2006 a dissertação de mestrado de Susana Cristina Gomes Gonçalves Guimarães, A Quinta da Costa em Canelas, Vila Nova de Gaia (1766 – 1816). Família, Património e Casa, sobre a história da família de sua mulher e do Solar Condes de Resende (427 p.), onde a Confraria tem a sua sede por protocolo com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. Ainda nesse ano preparamos e publicamos, talvez pela primeira vez em livro autónomo, uma edição crítica das mais notáveis obras de Eça, o conto S. Cristóvão, com três estudos complementares para melhor entendimento da mesma por Anabela Mimoso. J. A. Gonçalves Guimarães e José Manuel Tedim (224 p.). Em 2008, após exaustiva pesquisa no arquivo do Paço Ducal de Vila Viçosa, onde se encontra o seu arquivo pessoal, saiu a obra de J. A. Gonçalves Guimarães, Marquês de Soveral, Homem do Douro e do Mundo/ Son of the Douro Man of the World, sobre este “Vencido da Vida”, amigo e “chefe” do escritor no Ministério dos Negócios Estrangeiros (220 p). Em 2019 foi feita a publicação de Eça de Queirós e o Caminho de Ferro, de Joana Ribeiro, produzido no âmbito do projeto dos investigadores tarefeiros do Solar Condes de Resende.

Nestes cinco livros de temática queirosiana direta, creio que foram dadas importantes contribuições para o aprofundamento de diversas questões biográficas, nomeadamente: a importância na sua vida e obra da viagem que fez com o 5.º conde de Resende (que nunca foi seu cunhado, como erradamente aparece escrito, pois morreu novo; seu cunhado foi o 6.º conde de Resende, irmão do primeiro), ao Egito e Palestina em 1869, cuja análise tem sido continuada noutros artigos entretanto publicados e até no curso sobre o Antigo Egito que decorre este inverno no Solar dirigido pelo egiptólogo Luís Manuel de Araújo autor daquele livro e de muitos outros escritos sobre esta temática; se os antepassados paternos e maternos do escritor já tinham sido objeto de diversas análises, tal não tinha ainda acontecido, de forma exaustiva, com a família de sua mulher, e sobretudo sobre a casa onde, segundo Eça escreveu em carta enviada de Londres a 28 de julho de 1885 ao futuro cunhado, pela primeira vez reparou na senhora com quem viria a casar, a mãe de seus filhos «A minha afeição por tua irmã não foi improvisada o ano passado, na Granja e na Costa Nova. Data de uma ocasião mais antiga, de quando eu te fui ver a Canelas» (Eça de Queiroz Correspondência, coordenação de A. Campos Matos, 2008, vol. I, p. 386) Tal foi feito no livro de Susana Guimarães, tendo também esta historiadora igualmente continuado a apresentar estudos sobre a Casa e este ramo da família; se os “Vencidos da Vida” tinham desde há muito sido objeto de vários artigos e obras monográficas, não havia uma biografia de Luís de Soveral baseada no seu arquivo pessoal, que ligasse o futuro marquês não apenas a Lisboa e sobretudo a Londres, os palcos onde brilhou de forma inexcedível, não apenas às suas lides diplomáticas, mas sobretudo às suas raízes durienses, a S. João da Pesqueira, ao Porto e a Vila Nova de Gaia, ao vinho do Porto e à Praia da Granja por onde todos eles, Eça e os restantes “vencidos”, passaram e cujo estudo está por fazer. Tal é o que podemos encontrar nesta biografia.

Se é certo que Eça foi um infatigável viajante, a pé, a cavalo, de carruagem e de barco, não há dúvidas que elegeu o comboio como o seu meio predileto e sobre ele escreveu com devoção e encanto. Nestes nossos dias em que o desenvolvimento dos comboios de alta velocidade, dos intercidades e dos “metro”, estão na ordem do dia, para uma necessária e urgente remodelação, através do texto deste exaustivo livro sobre a relação do escritor com os “seus” comboios, Joana Ribeiro propõe-nos uma agradável e útil viagem em todos os cenários e ficções percorridos pelo escritor.

Estando já hoje conhecida a totalidade dos escritos de Eça e em curso a meritória tarefa de os expurgar de acrescentos alheios, com a apresentação de todas as variantes realmente saídas da sua mente e da sua pena por uma equipa dirigida por Carlos Reis; sendo já pouco provável o aparecimento de mais inéditos (hipótese nunca descartada por A. Campos Matos, que continua a publicar novas interpretações e revisitações da obra), em 2006 a confraria abalançou-se a republicar o conto S. Cristóvão, não “a seco”, como até então tinha sido feito, ou apenas com interpretações sociológicas ou literárias, mas indo mais longe e, sem descurar aquelas, acrescentou-lhes análises históricas e iconográficas. Esta edição popular mereceria uma edição mais monumental e o texto deveria servir para argumento de um filme de sucesso.

Ficando agora por falar sobre os entretanto numerosos estudos que a Confraria tem publicado, o que faremos oportunamente, sabemos que não só alguns deles estarão a ser reunidos em livro, como é propósito desta continuar a divulgar “novidades novas” sobre a vida, obra e época de Eça de Queirós e todo o universo que inspiram, não apenas numa análise literária mas sobretudo multidisciplinar. Eça de Queirós, como literato, não foi apenas o escritor admirável que a unanimidade lhe reconhece: foi também um questionador de pensamentos e atitudes, individuais e sociais, com as quais dificilmente continuamos a lidar.  

J. A. Gonçalves Guimarães

Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Eça de Queirós no Panteão?

         Recentemente um grupo de deputados do Partido Socialista, entre os quais José Luís Carneiro, apresentou na Assembleia da República um projeto de resolução recomendando ao Estado a concessão de honras de Panteão Nacional ao escritor, o que parece recolher pacífica unanimidade, até porque o repouso dos seus restos mortais tem sido bastante agitado. Recordemos brevemente as peripécias a que já foram sujeitos: tendo Eça falecido em Paris, daí teve um funeral até ao Havre, de onde veio de barco até Lisboa. Na capital teve funeral com honras de Estado desde o Cais das Colunas até ao cemitério do Alto de S. João, onde ficou num jazigo da família de sua mulher. Foi então aventada a hipótese de ser encontrada uma sepultura definitiva, tendo sido proposto o jazigo do pai e do avô no cemitério do Outeirinho, em Aveiro, perto do solar de Verdemilho, onde viveu na infância. Anos depois várias personalidades propuseram o Panteão Nacional, nomeadamente o jornalista António Valdemar, que por tal se bateu até junto da Assembleia da República. Em 1989 foram os restos mortais trasladados para o cemitério de Santa Cruz do Douro, Baião, perto da Quinta de Vila Nova, sede da Fundação Eça de Queiroz, onde entretanto tinha sido construído um jazigo de família.

Tendo entretanto sua mulher Emília de Castro falecido na Granja em 1934 e sido sepultada no cemitério de Arcozelo, Vila Nova de Gaia, não foi a sepultura remida pela família nos anos seguintes, pelo que se perderam as referências aos seus restos mortais, que por isso não acompanharam os do marido. Tudo leva a crer que Eça terá um novo funeral, um quinto funeral, situação que lhe mereceria certamente um texto de profunda reflexão sobre o humano destino após a morte.

         Devido a mais um acaso, uma daquelas curiosidades de que a vida está cheia, se tal se concretizar, desta vez Eça ficará sepultado muito perto do antigo palácio dos condes de Resende em Lisboa, ali por detrás no largo de Santa Clara, atualmente conhecido por Casão Militar, antiga residência dos antepassados de sua mulher, cujas armas ostenta no cunhal voltado para o antigo Hospital da Marinha, à Feira da Ladra. Coincidências.

Curso sobre o Antigo Egito

         A partir do Solar Condes de Resende e seguindo o calendário pré-determinado, prossegue o curso sobre o Antigo Egito organizado pela Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ) até agora ministrado por videoconferência. Assim, no dia 28 de novembro, foi a vez da 4.ª sessão sobre «Egiptologia e egiptomania», pelo Prof. Doutor José das Candeias Sales, da Universidade Aberta, e no dia 12 de dezembro a 5.ª sessão sobre «Coleções egípcias em Portugal», pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo. Em janeiro próximo decorrerão a 6.ª sessão no sábado dia 9, de novo com o Prof. Doutor José das Candeias Sales sobre «A arquitetura do Antigo Egito» e no sábado, dia 23, a 7.ª sessão sobre «A arte funerária do Antigo Egito», pelo Prof. Doutor Rogério Sousa. Logo que as condições o permitam o curso regressará à modalidade presencial, ou pelo menos a sessões mistas, com assistência e por videoconferência.

Autores, livros e revistas


O Prof. Doutor Paulo Talhadas dos Santos, biólogo do Instituto de Zoologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, ex-dirigente do FAPAS, e também, entre os anos de 1997 e 2001, o orientador dos alunos e licenciados em Biologia durante as Semanas de Estudos Especializados de Ervamoira (Vale do Côa), que decorriam ali durante as férias da Páscoa coordenadas pelo editor desta página, então numa frutuosa cooperação entre aquele instituto, a Universidade Portucalense Infante D. Henrique e o Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia, da qual resultaram não apenas alguns conteúdos da exposição do Museu de Sítio de Ervamoira, mas também alguns trabalhos publicados em diversas revistas. Foi ainda autor e coordenador dos textos da especialidade na obra São Salvador do Mundo santuário duriense. Património Natural, Arqueológico e Etnográfico, também coordenada por J. A. Gonçalves Guimarães e levada a cabo em 2007 por uma equipa daquele Gabinete entretanto integrado desde 2004 na Confraria Queirosiana. Entre outras distinções, aquele professor e investigador recebeu a medalha de ouro de Mérito Científico da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. Lutando denodadamente contra a doença que o tem vitimado, com o apoio da esposa e do filho, continua a produzir novos livros que vem adicionando à sua basta bibliografia, como é agora o caso de Fauna Exótica invasora em Portugal Continental, Açores e Madeira que acaba de publicar através das Edições Afrontamento. Os seus amigos, alunos e admiradores saúdam o biólogo, o professor, e o companheiro de tantas jornadas de conhecimento e defesa do Património Natural e Ambiental, e também o cidadão que não se deixa abater pela adversidade.


No IV Encontro Nacional de Literaturismo organizado pela União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, que decorreu, desta vez por videoconferência, no passado dia 27 de novembro, foi apresentado o n.º 1 da coleção Cadernos de Literaturismo, intitulado Por variadas terras não andadas, título extraído de um poema do escritor e publicista José Valle de Figueiredo, o grande mentor e animador destes encontros. No interior, entre diversos outros textos, encontram-se os de J. A. Gonçalves Guimarães, «Os biógrafos e os estudos biográficos sobre Eça de Queirós»; de José Augusto Maia Marques, «Ensaio sobre a geografia literária de As Mulheres da Beira de Abel Botelho»; e de José Valle de Figueiredo, «O Descoberto».  

         No passado dia 15 de outubro esteve para ser lançado no salão nobre da Ordem dos Médicos no Porto o álbum de textos e desenhos sobre a sociedade actual e as suas toleimas intitulado Saponárias, da autoria de Jaime Milheiro (autor) e Joaquim Pinto Vieira (ilustrador), editado pela Cordão de Leitura, o qual deveria ter contado com a presença de Manuel Sobrinho Simões, prefaciador, e de Arnaldo Saraiva como convidado especial. Devido ao agravamento da situação da pandemia a sessão foi adiada para data a indicar. Encontrando-se entretanto já à venda, a obra está a despertar enorme interesse entre aqueles que já a conhecem, não só por ser completamente diferente na forma dos livros habitualmente publicados pelo autor, mas também pelo facto da musicalidade dos seus versos ter sugerido o seu aproveitamento como libreto operático do nosso tempo trágico-cómico.


Nesta época natalícia, recordemos também aqui com os nossos leitores nos EUA, a encantadora edição de 2015 da Tagus Press, o departamento da Universidade de Massachusetts Dartmouth Center for Portuguese Studies and Culture, da tradução para inglês do conto S. Cristóvão de Eça de Queirós, nove anos após a edição em português da Confraria, ali apresentada como  Saint Christopher «uma narrativa muito mais importante nos dias de hoje quando reflexões sobre religião, hipocrisia e justiça social são mais urgentes do que o eram quando a obra apareceu em 1912». Que o digam os cidadãos dos EUA, que acabam de se livrar de um presidente que, com certeza, nunca leu este conto. Tradução de Gregory Rabassa, professor emérito de Línguas e Literaturas Hispânicas no Queens College e na The Graduate School, Cuny (Nova Iorque, EUA) e Earl E. Fitz, professor de Português, Espanhol e Literatura Comparada na Universidade de Vanderbilt (Nashville, EUA). A edição foi ainda enriquecida com palavras de apresentação pelo Professor Doutor Carlos Reis, que recentemente se jubilou, apresentando a sua “última aula” na Universidade de Coimbra.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 148, sexta-feira, 25 de dezembro de 2020; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; c.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

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