domingo, 25 de agosto de 2019

Eça & Outras, domingo, 25 de agosto de 2019




Diálogo com António Sérgio de A. Campos Matos
         As Edições Colibri acabam de disponibilizar ao público ledor um precioso livro para todos aqueles que se interessam pela Cultura portuguesa, os seus antecedentes e o seu futuro, sobretudo naqueles aspetos em que homens e doutrinas serão um dia recordados como excecionais em viagens a caminho de Saturno. Que nestes dias, e entre nós, mesmo os que era suposto encontrarem-se com estas coisas, andam arduamente encantados com a possibilidade do 1%. Refiro-me ao livro Diálogo com António Sérgio, de A. Campos Matos, agora em 3.ª revista e ampliada edição.
         Enquanto fui professor sempre ensinei aos meus alunos que os lampejos do génio, esplendorosos mas imprevistos como os raios e os trovões nas noites de verão, às vezes acontecem. É este o caso. Mas também que, quando estamos perante alguém que nos surpreende, convém ver as suas credenciais. A. Campos Matos, além de ser o “representante de Eça de Queiroz cá na terra (ou na Terra!)”, como um dia foi apresentado na Galiza, para além dos seus inúmeros trabalhos sobre temática queirosiana, tem também percorrido um longo caminho de estudo, reflexão e partilha sobre essa outra figura maior da Cultura portuguesa do século XX que se chama António Sérgio. Tendo no prelo a Fotobiografia e uma Bibliografia deste pensador e pedagogo - «um apóstolo cívico, um estudioso da sociedade, um afinador de intelectos, um escritor de ideias», que assim se definiu ele próprio em 1953 (p. 172) ou também como «um pedagogista, uma sorte de pregador, um filósofo, um campeador pela cultura e pelo bem do Povo cujo único cuidado são as pedras vivas que sofrem...» como escreveu no IIº volume dos Ensaios (p. 15) – , sobre ele A. Campos Matos apresenta-nos agora um seu trabalho de décadas de interrogação, reflexão e maturação neste Diálogo que decorrem cativantes na leitura e surpreendentes para o espírito de quem lê ao longo das suas 283 páginas, que se folheiam de trás para a frente e da frente para trás, várias vezes.
         O esquema da sua elaboração é tão simples como outras coisas excecionais com que, de quando em vez, nos deparamos, mas devedor da secretíssima “máquina do tempo” que o autor usa com inegável mestria. Depois de revisitar a vida e obra de António Sérgio e de se ter apercebido, desde as primeiras e já distantes leituras, que estava perante um poliédrico questionador da identidade portuguesa, na impossibilidade física de o ter à mão para a entrevista, foi elaborando as perguntas para as respostas a haver já respondidas na não menos notável extensão dos seus escritos publicados. E assim não há transcrição de diálogo mais fiel do que esta, mesmo quando para uma mesma questão houve respostas algo diferentes num ou noutro momento, num ou noutro escrito.
         Homem e figura pública desde os tempos da 1.ª República, em 1923 foi ministro da Educação tendo, entre outras medidas, criado uma instituição que antecedeu a actual Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e fundado o Instituto Português de Oncologia criado por Francisco Gentil. Podendo ter sido facilmente um engagé dos regimes, foi perseguido pelo Estado Novo, vindo a ser várias vezes detido, talvez porque as suas permanentes interrogações cosmopolitas brigavam com o cinzentismo académico nacional dominante no seu tempo e, curiosamente, ou talvez não, desde a monarquia constitucional, passando pela República, pelo sidonismo, pelo radicalismo populista que haveria de chamar o 28 de Maio, pela “revolução nacional”, pela estabilização salazarista, pelas euforias esperançadas nas vitórias das democracias aliadas, ao longo de todos estes tempos, António Sérgio nada mais quis do que «o amor à serenidade, a independência, o desprezo das comodidades» (p. 231)
         Neste Diálogo cada um escolherá o que mais o sensibiliza, desde a questão da existência de Deus, do divino topado «nas aspirações da consciência humana» (p. 231) ou, na esteira de Antero d’«aquilo que em nós ama» (p. 236), da constatação da inexistência de uma «civilização cristã» pois que a que assim se intitula lançou «ao olvido todas as verdades morais em que consiste a essência do viver de Cristo» (p. 247). Homem crente, assim fez profissão de fé: «creio na existência de ideais eternos, de princípios universais, de valores imutáveis, manifestações da unidade da consciência humana» (p. 265). «A existência de elites intelectuais, considerei-a sempre de importância enormíssima, por si e pelo bem que faz aos outros. Mas de verdadeiras elites, claro está, progressivas e de ação generosa, composta de homens que verdadeiramente pensem, que sejam nobres e de magnânimo espírito, de perfeita lealdade no falar e no agir, superiores aos odiozinhos, às invejas, às facadinhas, às questões pessoais: de homens que busquem as soluções dos problemas sem deixarem ao mesmo tempo de elevar as almas, e capazes de se obrigarem a uma paciência infinita perante todas as formas da incompreensão» (p. 153). Procurou essas elites do seu tempo, no Grupo da Biblioteca, na Renascença Portuguesa, na Seara Nova... mas foi com Platão, Jesus Cristo, Camões, D. Francisco Manuel de Melo, Descartes, Espinosa, Vieira, Voltaire, Ribeiro Sanches, Kant, Herculano, Garrett, Engels, Marx, Camilo, Oliveira Martins, Antero, Eça, Junqueiro, Raúl Proença, Jaime Cortesão, José Régio, e poucos mais, com quem mais se deu ao longo da vida.
         Sérgio não se considerava um historiador, pois estava mais preocupado com as histórias disponíveis desde Herculano, as metodologias e mensagens que lhes estavam subjacentes, ou com a idolatria do documento coevo sem uma séria crítica e esforço de enquadramento, alertando para, entre outras questões, a ocultação das causas e factos devido ao «...susto de descomprazer aos grandes, ou o respeito social a esses mesmos grandes, ou a sua maneira de imaginar os “heróis”, ou a sua conceção da “dignidade da História” (p. 599).
         Para si «a cultura não é um enchimento, uma receção, uma absorção de ideias, uma ingestão de noções: é uma ginástica, um trabalho do espírito sobre si próprio, um aguçamento das facilidades críticas [...] A cultura não é receber, ingerir, mas essencialmente criar – criar em nós próprios uma mente lúcida, universalista, crítica [...]. No sentido absoluto é a faculdade de nos desprendermos do nosso ser biológico, do eu individual, acanhado, restrito...» (p. 139/140). Era um fervoroso adepto «da pedagogia do trabalho, contra a pedagogia da leitura; uma pedagogia da produção, contra a armazenagem de conhecimentos; uma pedagogia da Ação Social, contra a pedagogia das Ideias Abstratas...» (p. 261).
Enfim, um manancial inesgotável de temas e reflexões neste Diálogo, absolutamente imprescindíveis para o trabalhador e o consumidor de temas culturais portugueses da nossa contemporaneidade, entre os quais não poderiam, obviamente , faltar os de temática queirosiana. Para além de dissertar sobre o “tédio do ócio” como «fenómeno psicológico fundamental da obra romanesca queirosiana» (p. 87), Sérgio considerava que tinha uma íntima e coincidente identificação com os ideais do escritor, «...porque se reclui na generalidade da sua aspiração justiceira, que não dá ensejo a que as divergências brotem...» (p. 98), falando também sobre Antero, Oliveira Martins e Ramalho e as relações entre si e outros da mesma geração Dele absorveu também a alta importância intelectual da Ironia e mesmo do sense of humour que também chegou a encontrar em Fernando Pessoa: «há muita gente que me condena a ironia sem reparar que, se eu escrevesse como eles queriam – me tornaria um sensaborão respeitável, sim, muito digno de entrar para a Academia... mas ilegível, além de infiel à minha própria índole. Prefiro que me repreendam, mas que me leiam, a que me venerem e manipansem sem me ler» (p. 149).
Sobre a escola portuguesa em geral opinou que «a escola exprime a sociedade, dá o que lhe pedem; e ninguém lhe pede educação, mas diplomas – sendo certo, no entanto, que os que pedem diplomas para seus filhos, e só diplomas, foram educados no seu tempo pelas escolas portuguesas» (p. 201), escrito isto assim no já longínquo ano de 1928!
Neste breve escrito, não vos vou revelar mais daquilo que Sérgio contou a A. Campos Matos sobre, entre muitas outras coisas, o Estado Novo, o Marxismo, a Crença, a Obra de Arte, eu sei lá que mais, pois vou ter de continuar a reler este livro para ver se ainda vou a tempo de ter ideias mais claras e úteis (mesmo que discutíveis) sobre a Cultura Portuguesa, nestes dias constantemente metida na “picadeira molinex” do tudismo e das banalidades. Se eu fizesse férias, daquelas que proporcionam doses maciças de “tédio do ócio”, iria procurar desintediar-me com este esplendoroso livro. Como não é o caso, vou ter de usá-lo nos intervalos possíveis das inquietas jornadas como um breviário de reflexões sobre o que é que andamos a fazer neste mundo que todos os dias espera de nós mais alguma coisa.
J. A. Gonçalves Guimarães
mesário-mor da Confraria Queirosiana

Livros e Revistas

        Referente a 2018, acaba de conhecer a difusão pública o n.º 7 da revista Douro – Vinho, História e Património – Wine, History and Heritage, Porto, APHVIN/GEHVID, a qual presenta, entre outros, os seguintes estudos: «A origem da “Real Companhia Velha” revisitada através de alguns documentos», por António Barros Cardoso; «Produção de vinhos de marca em contexto urbano: o caso dos Nicolau de Almeida em Vila Nova de Gaia» por J. A. Gonçalves Guimarães e Licínio Santos; «”Vinho e medo descobrem o segredo”. O vinho e a vinha no discurso intra e interfamiliar em casas do Douro (séculos XVI – XIX)», por Nuno Resende. O lançamento deverá ocorrer na cidade do Porto no próximo mês e Setembro.

         No passado dia 22 de agosto na XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, foi lançada uma nova edição de Os Maias, a partir do texto crítico preparado pelo Professor Doutor Carlos Reis, que intermediou a presente edição brasileira. Com capa de Descartes Gadelha, foi editada por proposta do Grupo Eça pela Universidade Federal do Ceará (Brasil) em co-edição com a Imprensa Nacional – Casa da Moeda (Portugal).


         Acaba de ser posta à venda a terceira edição de As Batalhas do Caia, romance de Mário Cláudio escrito a partir do conto inacabado de Eça “A Catástrofe”. Reconstruindo esta ficção, na qual figura o próprio Eça nos seus últimos anos, perseguido pela ideia da decadência nacional num país embrulhado em sonhos e mitos do passado e incapaz de se redimir, que de repente se vê confrontado com uma invasão espanhola, o autor não só revisita a vida e a obra queirosianas como subrepticiamente trás aquela fantasia para as realidades do Portugal de hoje onde a Espanha continua aqui ao lado, atirando-nos pela fronteira, agora mais esmaecida, velhos fantasmas de mapas ibéricos e gasolina mais barata, em vez de Lolas, como no tempo de Eça.

Eventos passados


                                                      Delegação da Confraria Queirosiana; foto de Margarida Dias
VILA DO CONDE
         Decorreu no passado dia 23 de agosto pelas 18 horas a abertura da 21.ª edição da “Cozinha à Portuguesa” – Feira de Gastronomia de Vila do Conde, a qual decorre até ao dia 1 de setembro nos Jardins da Avenida Júlio Graça na cidade marinheira do Ave. Organizada pela Associação para Defesa do Artesanato e Património de Vila do Conde, a mostra apresenta stands e restaurantes representativos de todas as maravilhas gastronómicas portuguesas do continente e Regiões Autónomas. Como habitualmente, a abertura contou com a presença da presidente da Câmara Municipal e de diversos membros da organização e com a presença de representantes de várias confrarias, entre as quais a Confraria Queirosiana que, como habitualmente esteve presente neste evento desta terra queirosiana. No início do habitual jantar das confrarias presentes o mesário-mor fez uma breve alusão às comemorações dos 500 anos da viagem de Fernão de Magalhães e à das espécies culinárias.

Seminários, Fóruns, Congressos

FUNDAÇÃO EÇA DE QUEIROZ, BAIÃO
            De 30 de setembro a 4 de outubro decorrerá na sede da Fundação Eça de Queiroz em Baião a XXIII edição do Seminário internacional Queirosiano, este ano dedicado ao tema “Entre Deus e o Diabo – a evolução estética e ideológica de Eça de Queiroz”, destinado a todos os interessados na obra queirosiana. O seminário será ministrado por professores das universidades do Minho, Paraná e Londrina (Brasil). Está prevista a atribuição de 10 bolsas de frequência a estudantes universitários nas áreas da língua, literatura, cultura portuguesa, literatura e cultura comparadas ou estudos europeus.

FÓRUM AVINTENSE
         Nos dias 28 e 29 de fevereiro de 2020 decorrerá na Junta de Freguesia de Avintes o 30º Fórum Avintense, organizado por esta autarquia com a colaboração de diversas entidades, o qual tem como tema principal “30 Anos de Fórum: um balanço”. A pré inscrição decorre até 15 de outubro próximo.

MISERICÓRDIA DO PORTO
         Nos dias 5, 6 e 7 de março de 2020 decorrerá o V Congresso de História da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que coincidirá com o 2.º Centenário da Revolução Liberal, inspirado na trilogia «Misericórdia, Liberdade, Património». Da Comissão Científica fazem parte, entre outros, os historiadores Francisco Ribeiro da Silva, António Barros Cardoso, Jorge Fernandes Alves e José Manuel Tedim. As inscrições com comunicação decorrem até ao dia 30 de Setembro.

Palestras
OS ANDRESEN EM VILA NOVA DE GAIA
            No próximo dia 29 de agosto pelas 21, 30 horas, na habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês no Solar Condes de Resende, J. A. Gonçalves Guimarães, a propósito do Centenário de Sophia de Mello Breyner que decorre este ano, falará sobre a ligação dos Andresen a Vila Nova de Gaia desde as empresas criadas por João Henrique Andresen neste município até ao contributo literário de Sophia e outros poetas gaienses da sua geração.

Roteiros Queirosianos
EGITO E TERRA SANTA
            Entre 26 de dezembro e 6 de janeiro decorrerá uma nova edição de “A Viagem de Eça de Queirós ao Egito e Terra Santa” acompanhada pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, egiptólogo, vice-presidente da direcção da Confraria Queirosiana, director da sua Revista de Portugal Professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Esta viagem, promovida pela empresa Novas Fronteiras Viagens, em parceria com a Confraria Queirosiana, tem um itinerário exclusivo, procurando replicar a viagem de Eça por ocasião da inauguração do Canal de Suez há precisamente 150 anos. Estão a decorrer as inscrições para um número limitado de participantes, aceites por ordem de inscrição. 
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 132, domingo, 25 de agosto de 2019; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira e Amélia Cabral; inserção: Licínio Santos; colaboração: comment-reply@wordpress.com

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