Jornalismos ontem e
hoje
Todos os estudiosos de Eça e, de um modo
geral, muitos dos seus leitores, sabem que além de grande ficcionista, autor de
obras imorredouras, que além das circunstâncias da época têm a perenidade da condição
humana, o escritor foi também um grande jornalista, de cuja atividade nos
deixou a sua prosa no jornal Distrito de
Évora e n’ As Farpas, depois
“filtradas” em Uma Campanha Alegre, e
muitas outras crónicas publicadas ao longo da sua vida em jornais e revistas
portuguesas e brasileiras, postumamente reunidas em vários volumes: Notas Contemporâneas; Cartas de Paris; Cartas de Inglaterra, e outros textos. Eça foi também um
informadíssimo e não menos notável ensaísta profissional sobre Relações
Internacionais, como funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sendo
esta a sua prosa mais desconhecida a qual, jazendo talvez no arquivo daquele
ministério ou noutros, estará por divulgar, à exceção do esgotadíssimo
relatório Emigração como força
civilizadora, publicado em 1979 pelo jornalista Raúl Rego e, mais
recentemente, por Isabel Pires de Lima e José Lello.
Hoje falemos de Eça jornalista e do
enorme interesse dos seus textos produzidos enquanto tal. O assunto já foi
abordado por vários queirosianistas, nomeadamente Elza Miné, Eça de Queirós Jornalista, Livros
Horizonte, 1986; Maria Filomena Mónica, livro com o mesmo título, Principia,
2003; e A. Teresa Peixinho, Textos
jornalísticos de Eça de Queirós: o jornalismo oitocentista olhado pelo
escritor/jornalista, «Estudos do século XX», n.º 7, 2007, p. 15-38.Temos
pois já excelentes análises e antologias sobre tal. Na sua época, aquilo a que
chamaríamos hoje o código deontológico do “comunicador social” (denominação que
vai substituindo a de jornalista), era um pouco vago, se é que verdadeiramente
existia ou sequer se achava que deveria existir. Não se distinguiria então muito
o jornalista do literato. Aos “rapazes dos jornais” pedia-se que tivessem uma
bela prosa e, para triunfarem na vida, que acertassem os seus textos e
conclusões pelos interesses do proprietário da publicação, o qual, por sua vez,
os aferia pelo partido político que estava no poder ou pelo peso social das
instituições a quem servia, situações que embora hoje nos pareçam desatualizadas,
afinal ainda não mudaram, a não ser através do grande empenhamento e, quantas
vezes, do sacrifício pessoal dos intervenientes. Também no tempo de Eça havia
os “canastrões” da comunicação social e não foi com eles e a sua prosa que o
mundo mudou: o escritor caricatura-os em algumas das suas obras e hoje deliciamo-nos
com esse quadro social e cultural que magistralmente nos deixou em herança,
satisfeitos que estamos com o facto de apenas lidarmos com o quadro da época e
os seus atores nos livros e no cinema, não valendo a pena tirar dores pelas
suas ações, não lhes sentindo os perfumes ou o mau hálito. Tudo vantagens. Mas
se aqui trago à colação estas lembranças faço-o a propósito das reflexões que me
sugeriu o livro do jornalista Aurélio Cunha, Um repórter inconveniente. Bastidores do jornalismo de intervenção.
Lisboa, Chiado Editora, recentemente lançado no Porto no auditório da
Biblioteca Almeida Garrett repleto de público. O livro alude à sua atividade de
profissional assumido e com um alto sentido da sua missão social, apresentando
as grandes reportagens que publicou no “seu” Jornal de Notícias durante anos, as quais agitaram o país ao
relatarem aspetos escabrosos, ou simplesmente parolos, nas áreas da Saúde, da
Justiça, da Economia, do Municipalismo, do Desporto, da Solidariedade social, da
vida quotidiana dos cidadãos, sistematicamente ludibriados por incompetentes ou
chicos-espertos quase sempre “acima de qualquer suspeita”. Muitas chegaram ao
parlamento e abalaram ministérios e governos. Graças a algumas delas a vida de
muitas pessoas mudou para melhor e por isso também o autor reconhece, regista e
agradece a ação de muitos outros profissionais que não pactuaram com estas
situações, quantas vezes com risco da sua situação laboral ou mesmo da própria
vida. Eles e o jornalista, que a coisa em alguns casos não era para menos. E
também ali se relata a existência da censura interna que não permitiu a
publicação de reportagens que envolvessem instituições religiosas ou a denúncia
do terrorismo psicológico da indústria dos media sobre os jornalistas.
Um certo retrato da sociedade portuense
e portuguesa, desde os anos setenta até ao início do seculo XXI, aí está nesse
livro. Com uma grande diferença em relação aos retratos jornalísticos de Eça que
tanto nos deliciam: é que estes, os que ali se descrevem, são histórias reais
do nosso tempo, nós conhecemos os protagonistas, alguns deles ainda andam por
aí a tentar retocar o retrato. Não, não estou a comparar o estilo literário de
Eça com o de Aurélio ou outras inutilidades com que alguns quererão fugir à
verdadeira questão que aqui importa. O livro está escrito numa boa e agradável
prosa, mas agora estou apenas a comparar o sentido altamente cultural dos
textos destes dois jornalistas separados por mais de um século. Quem quiser que
os leia e tire as suas conclusões, talvez fazendo a seguinte pergunta a si
próprio ou aos seus amigos: a sociedade portuguesa mudou para melhor? Tem mudado?
Tem hipóteses de mudar? Eu cá por mim sou otimista e o livro de Aurélio Cunha,
também com o seu humor, faz-me acreditar que sim, que tal é possível. Apesar de
tudo estamos no ocidente, numa sociedade livre para se interrogar a si própria
sem medos tolos, ainda que tarde, e de tal jamais abdicaremos.
«O jornalismo na sua justa e verdadeira
atitude, seria a intervenção permanente do país na sua própria vida política,
moral, religiosa, literária e industrial (…). É o grande dever do jornalismo
fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e
as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política
estrangeira, protestar com justa violência contra os atos culposos, frouxos,
nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual
e material em presença das outras nações, pelo progresso que fazem os
espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família,
do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes». Isto escreveu Eça de
Queirós, então um jovem jornalista com vinte e dois anos, no Distrito de Évora em 1867. São estes
bons e profissionais princípios que vejo agora no livro de Aurélio Cunha, cento
e cinquenta anos depois ainda fazem falta.
Obrigado Aurélio: Eça com certeza terá gostado
do seu livro. Deliciado mas, certamente, preocupado, pois afinal não mudamos
ainda assim tanto para melhor.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor
da Confraria
Carteira
Profissional de jornalista TE-638
Livros e publicações
Douro 03
Acaba de ser publicado o número 3 da
revista Douro-Vinho, História &
Património/ Wine, History and Heritage, propriedade da Associação
Portuguesa de História da Vinha e do Vinho/ GEHVID, dirigida por António Barros
Cardoso, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O presente
número tem a colaboração de J. A. Gonçalves Guimarães, membro do Conselho
Consultivo da revista, que assina um estudo sobre “Vale Meão. Antecedentes de
uma quinta vinícola e olivícola no Douro Superior”, feito no âmbito dos
trabalhos do Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR-Confraria
Queirosiana, e um outro estudo de Nuno Resende, também membro do mesmo
gabinete, sobre “Pontes e vias medievais a sul do Douro na região de Montemuro:
as primeiras questões”, entre os diversos artigos subscritos por investigadores
nacionais e estrangeiros nesta edição referente ao ano de 2014.
A.
Campos Matos
É verdadeiramente notável a atividade
editorial de A. Campos Matos que se anuncia para este ano de 2015: para além de
ainda circularem no Brasil alguns já raros exemplares do seu livro Eça de Queiroz. Uma biografia, editado
pela Universidade de Campinas (Unicamp), acaba de sair uma segunda edição
revista e aumentada de Sexo e
Sensualidade em Eça de Queiroz, pela editora Esfera Poética, com notáveis
ilustrações de Rui Campos Matos. Em Maio sairá o segundo volume de Diário Íntimo de Carlos da Maia, e
entretanto, o Dicionário de Eça de
Queiroz, nova edição, tem a revisão terminada, devendo ser lançado ainda
este ano. Este incansável investigador e autor de temática queirosiana trabalha
ainda na preservação do seu espólio, provavelmente a maior biblioteca
queirosiana do mundo, a qual deverá permanecer intacta e em Portugal,
continuadamente enriquecida pelo seu proprietário e organizador.
Os Maias ilustrados
No
passado dia 13 de fevereiro na Galeria Fernando Pessoa do Centro Nacional de
Cultura, ao Chiado, em Lisboa, a obra “Os Maias – antologia ilustrada”, de Rui
Campos Matos, publicada pela Editora Exclamação, foi apresentada pelo
presidente da instituição e nosso confrade, Prof. Dr. Guilherme de Oliveira
Martins.
Exposições
No passado dia 7 de fevereiro foi
inaugurada no Solar Condes de Resende a exposição “ A Grande Guerra e a
Literatura”, organizada por José Valle de Figueiredo, a qual apresenta um apreciável
número de obras de escritores portugueses sobre a participação lusa naquele
conflito de que se evoca o centenário. Para além da mostra bibliográfica,
exibe-se um trecho do filme João Ratão, de Brum do Canto, a única produção cinematográfica
portuguesa que evoca a participação portuguesa nos combates da Flandres. Em
vitrinas, algum material bélico e bibliografia da época ou sobre a 1ª Grande
Guerra das coleções do Solar Condes de Resende e da Confraria Queirosiana
completam a exposição.
Cursos, palestras e
conferências
Integrada
no curso “História e Carisma da Região do Douro Atlântico (Gaia, Porto,
Matosinhos)”, 5ª edição, a decorrer no Solar Condes de Resende, no passado dia
7 de fevereiro teve lugar a aula do Professor Doutor Jorge Fernandes Alves
sobre “A industrialização da região do Porto”.
Hoje, 25 de fevereiro, às 18 horas,
na Galeria Nave dos Paços do Concelho de Matosinhos, o Professor Doutor
Francisco Ribeiro da Silva falará sobre “A participação das populações na
elaboração dos Forais Manuelinos”, integrada no ciclo Conferências do Foral
comemorativo dos seus quinhentos anos.
No próximo dia 26 deste mês, nas
palestras das últimas quintas-feiras, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre
“Há bruxas (e bruxos) em Gaia? Uma visão antropológica e histórica do tema”.
Nos dias 27 e 28, no 25º Fórum Avintense
estarão presentes com comunicação, diversos membros da Confraria Queirosiana,
nomeadamente Eva Baptista, J. A. Gonçalves Guimarães e Maria de Fátima
Teixeira, que falarão sobre o projeto Cidadania e Património criado pelo
Gabinete de História, Arqueologia e Património para as AECS aplicado
à freguesia de Avintes, e aquela última investigadora falará ainda sobre o
busto do industrial Pimenta da Fonseca, proprietário da Companhia de Fiação de
Crestuma, da autoria do escultor avintense Henrique Moreira.
No dia 28 pelas 15 horas e integrado no
curso acima referido que decorre no Solar Condes de Resende, o historiador Joel
Cleto falará sobre “ Matosinhos, do julgado de Bouças ao grande porto atlântico
de Leixões”
_________________
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º
7 – quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015.
Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154
IBAN:
PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www
.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.pt; eca-e-outras .blogspot .pt;
vinhosdeeca.blogspot.pt; academiaecadequeiros.blogspot.pt; coordenação da
página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção:
Amélia Cabral; colaboração: A. Campos Matos.
Sem comentários:
Enviar um comentário