Eça & Outras, 25 outubro 2014.
O
Brasil entre nós
Não sei qual a primeira
recordação que tenho da palavra Brasil, mas estou certo que a ouvi quando era muito
novo. E não tenho a certeza se foi associada a Pedro Alvares Cabral ou à
farinha de pau, ementa frequente na minha infância. E a tapioca, uma sobremesa
deliciosa. Depois as canções na rádio, uma tal Carmen Miranda, uma Mara
Abrantes e depois Vinícius de Morais e Chico Buarque da Holanda. E Gabriela, a
telenovela de Jorge Amado. E muitas outras referências, sempre saudáveis,
sempre simpáticas. Depois a Historia da construção dos dois países, separados
por uma imensidão de águas, o que fez sonhar Bartolomeu de Gusmão e levar Gago
Coutinho e Sacadura Cabral a concretizarem a aproximação em 1922. Depois a
família: quase toda a gente que conheço tem família brasileira, tios,
sobrinhos, primos que percorrem todos os dias as avenidas de Niterói, do Rio,
de S. Paulo, da Baía, de Pernambuco, de tantas vilas perdidas e encontradas no
sertão. Não os conhecemos pessoalmente. Há um Gonçalves Guimarães que publicou
um “Canto da Amazónia” que não sou eu e não conheço. Primo brasileiro,
descendente de meu tio Artur Peixoto Guimarães que só conheço de fotografia?
Jamais saberei, mas guardo uma enorme dose de afeto para esses meus
desconhecidos parentes brasileiros.
No Solar Condes de
Resende, Casa tão ligada à História de ambos os países, que teve construtores
comuns na Casa - torre Garcia d´ Ávila na Baía, entre outros aspetos,
promovemos em 1995 o núcleo museológico da Amazónia, sob a denominação de
“Mundurukus, Carajás e outros Índios do Brasil”, estudado pelo arqueólogo luso
– brasileiro António Sérgio, e vamos fazendo a ponte permanente entre os
brasileiros – gaienses, como o professor e poeta maior Domingos Carvalho da
Silva, nascido em 1915 nos Carvalhos, e os gaienses – brasileiros que
frequentam as nossas realizações.
O Brasil aí está, com
os seus 200 milhões de lusodescendentes, de africanos, de índios, de italianos,
de alemães, de japoneses e de tantos outros que o português carente de terra,
de paciência e de postura foi procurar em cada canto do mundo.
Já do Brasil dizia Eça
de Queirós, não ontem nem hoje mas no século dezanove, que «está, como nação,
em pleno vivo êxito (apesar destes anos de atrapalhação política, que vem, não
da falta das ideias, mas da falta de pessoal, junto a um individualismo
exagerado que produz indisciplina). E nem pode deixar de estar em êxito, sendo
como é, um povo superiormente inteligente, provadamente activo, e
escandalosamente rico. Com tais qualidades que inveja pode ele ter do
estrangeiro, e que medo da sua concorrência? E não tem, como soberbamente o
prova, cada dia, com a sua magnífica franqueza hospitaleira, porque a
hospitalidade não é somente um sinal de doçura: é sobretudo um sinal de força».
(Eça de Queirós, Cartas de Paris
«Cartas familiares»). Estas palavras ainda hoje valem em pleno.
Temos entre nós
Dagoberto Carvalho Júnior, o quotidiano discípulo de Eça de Queirós do Piauí,
presidente da Sociedade Eça de Queirós do Recife e mentor da Confraria
Eça-Dagobertiana que os amigos lhe instituíram. Um brasileiro que se embala na
língua comum, tão comum até nas diferenças, que nelas apenas vemos as joias que
engrandecem esta coroa imperial da identificação atlântica. Não veio fazer
conferências, mas apenas reabastecer-se de écite aguda (como diria A. Campos
Matos) de que há muito sofre com prazer. Suponho que não terá cura. Nem quer.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário
– mor da Confraria Queirosiana
Visita
de Dagoberto Carvalho Júnior
O Cônsul do Brasil no Porto saudando os presentes |
A
Confraria Queirosiana recebeu a visita de seu confrade honorário, Dr. Dagoberto
Carvalho Júnior, presidente da Sociedade Eça de Queiroz do Recife, médico,
historiador da Arte, escritor, colunista e grande divulgador da vida e obra
queirosianas que, mais uma vez, se encontra a percorrer os itinerários queirosianos
de Portugal, acompanhado por sua esposa Cristina e sua irmã Fátima. Tendo
passado por Lisboa e pelo Grémio Literário, esteve em Sintra com A. Campos
Matos, alojando-se no Porto no Grande Hotel, por onde passaram Eça de Queirós e
D. Pedro II, Imperador do Brasil. A 25 de Outubro a Confraria Queirosiana
recebeu-o no Solar Condes de Resende, tendo presidido à sessão de boas-vindas o
mesário-mor J. A. Gonçalves Guimarães, acompanhado por César Oliveira,
presidente da assembleia geral, e o cônsul do Brasil no Porto, Embaixador
Gelson Fonseca Júnior, que evocaram a obra e ação cultural do visitante e as
ligações do Solar e de Vila Nova de Gaia ao Brasil. O homenageado agradeceu a
receção (ver anexo), tendo-se em seguida os presentes dirigido ao Jardim das
Camélias, onde foi colocada uma coroa de louros na estátua de Eça de Queirós.
Seguiu-se um jantar queirosiano confecionado e servido pela direção da
Confraria, acompanhado por vinhos da Quinta do Vale Meão, após o que os
comensais se dirigiram de novo ao Salão Nobre do Solar onde o agrupamento Eça
Bem Dito organizou um serão musical com canções do final da Belle Époque. No
final os visitantes trocaram prendas com os anfitriões tendo Dagoberto Carvalho
Júnior recebido o primeiro exemplar da réplica do bastão que Eça usou com o
fato de casamento, mandada fazer pela Confraria que a partir de agora a
disponibiliza aos seus confrades como complemento do traje.
Homenagem a Eça de Queirós |
«De volta a Canelas
Não é sem a emoção da primeira visita – a maturidade
longe de arrefecer, aviva minha admiração literária por Eça de Queiroz – que
volto ao convívio desta Casa ilustre e amiga que me quis seu e da Confraria
Queirosiana em Vila Nova de Gaia; aqui sabiamente abrigada, para lusa
preservação de rico patrimônio arquitectônico do país, e internacionais
repercussão e ressonância da Quinta da Costa, eterno solar de verão dos Condes
de Resende.
Vejo-os senhoras e senhores, meus nobres pares, à
frente esse intrépido cavaleiro do Quinto Império – de Fernando Pessoa e de Eça
de Queiroz - , J. A. Gonçalves Guimarães (escritor, historiador, arqueólogo,
patrimoniólogo, qualidades intelectuais que o personificam como mestre-doutor
em todos esses saberes), quais sucessores de Luís e Manuel Castro, 5.º e 6.º
condes do referido e reverenciado título; a testemunharem e presidirem-me a
fidelização à vossa santa causa. Testemunhas de minha volta à Confraria seis
longos e saudosos anos depois que dela me fiz arauto nas terras brasílicas por
onde – em vida – começou Eça a ter leitores e devotos. Verdadeiro missionário
do referido Quinto Império. Também, como teórico, porquanto precursor da
verdade – depois, “pessoana” – de ser “na língua onde verdadeiramente reside a
nacionalidade”. Disse-o em sua “Correspondência” (carta à Madame S), o segundo
e inexcedível Fradique Mendes.
E já que falei na antecipação, em prosa, do verso
perfeito de Fernando Pessoa – assertiva que, decerto, já vos havíeis ocorrido –
eu a ofereço aos meus confrades como contribuição, se o contrário, verdade for;
de estudioso e aprendiz d’ “A Correspondência”, em sua mais autêntica
heteronimia literária. Porque, longe de emular, os dois gigantes da saga,
portuguesa, do Quinto Império tenho-os e reverencio – os dois – justamente pelo
idioma em que escreveram e se eternizaram; fazendo minha a interpelação do
autor de “Mensagem”, quanto à conquista de futuros novos “falantes” do que o
poeta brasileiro Olavo Bilac definiria como “última flor do Lácio inculta e
bela”.
“Quem foi que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?
E, o homem do leme disse tremendo,
“El-Rei D. João Segundo!”
Ele, seus sucessores e, sobretudo, nossos povos
desvendaram cavernas e venceram os mares salgados que – como também escreveu
Fernando Pessoa – mais nos unem que separam. Principalmente, no caso presente,
portugueses e brasileiros que falam e vivem o idioma e as antecipações
linguísticas, filosóficas e políticas do patrono de nossos grémios. Ele,
também, habitante, senão físico, sentimental, desta casa; desde que aqui se
enamorou de Emília de Castro Pamplona, com que dividiria a vida e o sonho; como
confessou – carta de 28 de Julho de 1885, ao futuro cunhado, Manuel – “A minha
afeição por tua irmã não foi improvisada o ano passado, na Granja e na Costa
Nova. Data de uma ocasião mais antiga, de quando eu te fui ver a Canelas”. À
sombra de vossas cameleiras heráldicas.
Outra bandeira que alegre me traz a esta Quinta – redimensionada
pela vossa hospitalidade de atuais e, queira Deus, definitivos proprietários e
anfitriões - , até como seu imprescindível guião, não só turístico, como,
sobretudo, literário e cultural; é o livro tese de Susana Guimarães, “A “Quinta
da Costa em Canelas”, verdadeiro ex-libris (também o livro), como à nobre Casa
se referiu no prefácio daquele, o então presidente Luís Filipe Meneses, da
Câmara de Gaia.
E, como há Eça – da família materna de nosso patrono –
em sobrenomes que passaram pelo meu Piauí do nascimento (inclusive pela
governança da antiga Capitania de São José, que homenageava vosso e, então,
nosso Rei D. José I); não foi, também sem emoção que descobri no livro de
Susana, referência ao Pernambuco que adotei como segunda “terra”, porque de Cristina
e de meus filhos António e Ana Elvira; de minha própria vida literária, por uma
residência que já chega aos trinta e cinco anos.
Anota Susana
Guimarães que “A esta Quinta chamada da Costa lhe derão este nome os
possuidores dela por serem da família dos Costas, usando este apelido athe o
Reynado dos Felipes de Castella a quem servio Thomé da Costa e seos filhos nas
guerras de Pernambuco…”. Portuguesidade lavrada na gratidão e no mármore do
obelisco lisboeta da Praça dos Restauradores. Haja familiaridade.
É a minha
profissão de fé à Confraria e a Vila Nova de Gaia.
Dagoberto
Carvalho Jr.
25 de
Outubro de 2014»
LEGIÃO
DE HONRA
Manuel de Novaes Cabral |
No
passado dia 13 de outubro, com a sala de conferências do Instituto dos Vinhos
do Douro e do Porto, na cidade do Porto, completamente cheia, o nosso confrade
Manuel de Novaes Cabral, seu presidente, foi agraciado com o grau de Chevalier de la Légion d’ Honneur pelo
embaixador da França em Portugal, Monsieur Jean-François Blarel e Madame Sabine
Blarel.
MESTRADO
Licínio Santos |
No
passado dia 22 de outubro o nosso confrade e membro dos corpos gerentes dos
ASCR – CQ, Licínio Manuel Moreira Santos, apresentou na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto a sua dissertação de mestrado com o título “Cultura e lazer
operários em Gaia, entre o final da Monarquia e o início da República (1893 –
1914)”, a qual mereceu do júri a nota de dezassete valores. O autor vai
apresentar o tema numa palestra no Solar Condes de Resende no início do próximo
ano, enquanto prepara a sua edição em livro.
HOMENAGEM
No
passado dia 4 de outubro, no Museu Nacional Soares dos Reis, na cidade do
Porto, foi realizada uma conferência seguida da abertura de uma exposição sobre
a atividade do nosso confrade o livreiro Fernando Fernandes promovida pela SPA.
CURSOS,
CONFERÊNCIAS, COLÓQUIOS, VISITAS
Estudantes belgas no Castelo de Crestuma |
Prossegue
no Solar Condes de Resende o curso sobre “História e Carisma da Região do Douro
Atlântico (Gaia, Porto, Matosinhos)”, na sua 5ª edição, organizado pela
Academia Eça de Queirós e certificado pelo Centro de Formação de Associação de
Escolas Gaia Nascente (Ministério da Educação), o qual teve a sua abertura no
passado dia 27 de setembro com a presença do presidente da Câmara Municipal de
Vila Nova de Gaia, Eduardo Vitor Rodrigues, que na ocasião se referiu à
atividade cultural do Município e do Solar e aos projetos para 2015, e ainda
Virgínia da Costa Barroso, diretora daquele Centro, José Manuel Tedim,
presidente da Academia, e J. A. Gonçalves Guimarães, diretor do Solar, que em
seguida apresentou o tema “A Arte do Vinho do Porto como emblema da Região”. No
dia 4 de outubro, Fantina Tedim apresentou “ Caracterização geográfica do Douro
Atlântico”; no dia 11, António Manuel Silva, “A região antes da nacionalidade”
e no dia 25, Amândio Barros “ A aventura das navegações atlânticas (séc. XIV –
XVII)”. A 8 de novembro Manuel Luís Real falará sobre “A Arte da Alta Idade
Média na Região” e a 15, Francisco Ribeiro da Silva sobre “Os Forais Manuelinos
e os alvores da Época Moderna”.
Ainda
no Solar Condes de Resende prosseguem as palestras das últimas quintas-feiras
do mês: a 25 de setembro J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre “O Jardim do
Morro, um emplastro urbanístico? A propósito de logradouros, praças, largos,
jardins e outros espaços públicos”, e a 23 de outubro, Susana Moncóvio
apresentou o “Centro Artístico Portuense (1880 - 1893)”, fundado por Soares dos
Reis.
A
15 de outubro teve início na Biblioteca Municipal Almeida Garrett no Porto um
curso sobre “Histórias de Família, atelier de escrita”, ministrado pelo nosso
confrade o escritor Mário Cláudio.
A
20 de outubro o arqueólogo António Manuel Silva conduziu uma visita guiada às
escavações arqueológicas do Castelo de Crestuma para um grupo de 19 estudantes
belgas acompanhados por dois professores. A ação foi organizada pelo
Agrupamento de Escolas Diogo de Macedo, Olival, Vila Nova de Gaia.
Ainda
nos passados dias 24 e 25 de outubro decorreu no Museu de Lamego mais uma edição das suas
Conferências/CITCEM – 2014, nas quais participaram os confrades Nuno Resende,
com «Santos da casa: capelas, devoção e poder na região de Lamego. O património
religioso ao serviço das elites», e J. A. Gonçalves Guimarães com «Da
intervenção arqueológica ao museu de sítio: a experiência da Quinta da
Ervamoira».
Entre
13 e 15 de novembro decorrerá na Casa da Prelada da Santa Casa da Misericórdia
do Porto o seu III Congresso de História, no qual participarão, entre outros os
confrades, J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães, com o tema “Os
provedores da Misericórdia do Poto, José Pamplona Carneiro Rangel (1805 – 1811)
e seu filho Manuel Pamplona Carneiro Rangel (1824): documentação inédita existente
no Arquivo Condes de Resende”, e Francisco Ribeiro da Silva, com “ A
proclamação da República e as imediatas tentativas estatais de interferência na
administração da Santa Casa da Misericórdia do Porto”.
Entre
24 e 29 de novembro decorrerá no Centro Cultural Eça de Queirós, Lisboa, o XX
Colóquio dos Olivais, organizado por esta entidade que tem um protocolo de
colaboração com a Confraria Queirosiana. No seu programa participarão, entre
outros, os confrades Fernando Andrade Lemos, diretor daquele Centro, que terá
uma comunicação sobre «Maria Parda e Lisboa» (em colaboração); Luís Manuel de
Araújo sobre «25 de Abril – a minha experiência» e Alda Barata Salgueiro sobre
«Os Barata Salgueiro e os Olivais»
LIVROS
Diário
Íntimo de Carlos da Maia, por A. Campos Matos
A
Correspondência de Fradique Mendes (Memórias e Notas),
coord. de Carlos Reis
800 anos de Literaturas
em Português
O jornal “Público” lançou mais uma coleção de
edições fac-similadas, desta vez para comemorar os oitocentos anos da data do
mais antigo documento régio conhecido em língua portuguesa, o testamento de D.
Afonso II, em parceria com a editora A Bela e o Monstro. Composta por 15 obras
de autores lusófonos de Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor, o primeiro livro lançado foi o
primeiro volume de “Os Maias” de Eça de Queirós, publicado pela primeira vez em
1888, e cujo segundo volume sairá a 2 de dezembro próximo. Pena é que a coleção
não tenha incluído escritores lusófonos das antigas parcelas da Índia, de Macau
e de outras comunidades da diáspora ou do contato cultural onde a sobrevivência
do português ou dos seus crioulos é um milagre de um indescritível afeto ou
teimosia na valorização da diferença.
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Eça
& Outras, IIIª. Série, n.º 74 – sábado, 25 de outubro de 2014
Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154
IBAN:
PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www .queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.pt; eca-e-outras .blogspot .pt;
vinhosdeeca.blogspot.pt; academiaecadequeiros.blogspot.pt; coordenação da
página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção:
Amélia Cabral; colaboração: Dagoberto Carvalho J.or; A. Campos
Matos; Fernando Andrade Lemos.
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