Funcionários públicos
Meu
caro concidadão, companheiro de percurso neste mundo e no Portugal que amamos e
onde somos desgraçados. Provavelmente quando nasceste foste aparado por um
médico e uma enfermeira ambos funcionários públicos. A auxiliar que depois
limpou a sala de partos, o administrativo que te anotou na maternidade e depois
o do registo civil, também o eram. Se não foste para um colégio religioso, o
professor da pré-primária e depois todos os outros do teu percurso escolar em
escolas públicas, o sargento que te apresentou os papeis na tropa que não
quiseste frequentar por não estarmos em guerra com quase ninguém, os
funcionários e professores da universidade onde te inscreveste para tirar
aquele curso de que não gostas, mas que achaste que te dava emprego garantido,
a funcionária do centro de emprego onde te habilitaste para ter trabalho
remunerado, o do registo civil, outra vez, onde foste casar e, anos depois,
divorciar-te, o da Segurança Social onde tratas do subsídio de desemprego e da
pensão dos teus pais, os do tribunal onde foste levado por aquele assunto
mesquinho que qualquer julgado de paz a funcionar capazmente teria prontamente
resolvido com bom senso e justiça imediata, o polícia que te multou e aquele
outro que prendeu o ladrão que te roubou o carro, os médicos, enfermeiros e
técnicos de saúde que te radiografaram e trataram daquela apendicite que
precisou de operação de urgência, os empregados das finanças que conferem e
arrecadam os teus impostos que pagam as estradas úteis e as desnecessárias,
todos eles, estes e muitos mais, são funcionários públicos e não podes viver
sem eles, a não ser que voltemos a um outro feudalismo onde os senhores
privados decidam e controlem toda a nossa vida. Já faltou mais para tal e há
quem tolamente ache que esse é o caminho do “desenvolvimento”. Tenho para mim
que seria boa política manter público o que a todos diz respeito e privado tudo
o resto, preferindo, num meio adaptável às circunstâncias da produção e do
mercado, um bom setor mutualista e cooperativo com gente capaz e de largos
horizontes. Sou também pela iniciativa privada legítima, a favor de quem
justamente a promove e distribui os seus resultados pela comunidade.
Na
tua terra, desde os que tratam da administração do território e o mantêm habitável,
até ao coveiro que ha-de sepultar-te ou levar-te ao crematório, todos eles são
funcionários públicos, neste caso da administração local.
São
poucos e bons? São muitos e maus? Há entre eles profissionais dedicados,
sabedores e prestáveis? Ou, pelo contrário, é tudo uma caterva de ignorantes,
corruptos, desleixados, em suma, ratazanada? Penso que qualquer destes extremos
estará errado. Em todos os serviços por onde tiveres de passar haverá
certamente uns e outros. E inúteis também. Terás de estar atento. E
perguntar-te-ás como tal é possível: como é que, estando Portugal em paz desde
1975, hoje tem quase mais coronéis e generais do que soldados funcionários
públicos e nós com tanto mar à espera de marinheiros; como foi possível o
sistema de ensino ter no quadro professores com horário zero, “professores zero”?
E porque é que um juiz ganha muito mais do que um professor no topo da carreira?
Os criminosos são mais respeitáveis do que os cidadãos em formação? E as repartições
onde os funcionários se acotovelam e se sentam à vez, por não haver cadeias
para todos, e outras onde o trabalho se acumula porque são poucos e até lá têm
um funcionário incapaz, mas que alguém meteu no quadro por concurso e arte e é
promovido regularmente sem que se perceba por quê? E aqueles “técnicos
superiores” que fizeram uma licenciatura “à la minuta”, que ganham como tal,
mas que não fazem mais do que os antigos empregados administrativos, os
“empregados de escritório” do setor privado, faziam?
Para
tudo isto há responsabilidades, pois o Estado é um corpo hierárquico entre a
base e a cúpula, organizado em todos os patamares da administração. Logo, se a
função pública não é o exemplo que devia ser, a culpa é dos sucessivos
governantes a nível nacional e local e daqueles em quem delegam funções. Seria
interessante, sociologicamente falando e por amostragem, o saber-se como foi o
percurso de cada funcionário público e da administração local desde 1974 para
cá. Quando publicado, tal relatório criaria certamente mais estupefação do que
o Relatório Kinsey. Estupefação fingida, já se vê, pois desde 1974 que é o povo
que, com o seu voto, elege os governantes e estes legislam sobre a Função Pública
que temos, ou não. Logo, em última instância, foram os eleitores os responsáveis
pelo estado a que chegamos na administração central, na Saúde, na Escola, nos
Tribunais, nas Forças Armadas, nas Autarquias. Por isso não se queixem sem,
antes de mais, tentarem compreender. A questão não é de hoje, pois já no seu
tempo Eça de Queirós escreveu: «Fomos outrora o povo do caldo da portaria, das
procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um
aviltamento da dignidade humana: e fizemos muitas revoluções para sair dela.
Ficámos exatamente em condições idênticas.
O
caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de
mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros que o vai buscar alegremente, ao
meio dia, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu
alto e paletó.
Esse
caldo é o Estado. Toda a Nação vive do Estado. Logo desde os primeiros exames
no liceu, a mocidade vê nele o seu repouso e a garantia do seu futuro. A classe
eclesiástica já não é recrutada pelo impulso de uma crença; é uma multidão
desocupada que quer viver à custa do Estado. A vida militar não é uma carreira;
é uma ociosidade organizada por conta do Estado. (…) O Estado é a esperança das
famílias pobres e das casas arruinadas. Ora como o Estado é pobre, paga
pobremente, e ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a indústria
ou para o comércio, esta situação perpetua-se de pais a filhos como uma
fatalidade. Resulta uma pobreza geral» (Uma
Campanha Alegre).
«…
nos nossos tempos, em que o Estado está cheio de elementos mórbidos, que o
parasitam, o sugam, o infeccionam e o sobre exercitam (…)» (A Correspondência de Fradique Mendes); apud A. Campos Matos, Dicionário de Citações de Eça de Queirós,
Lisboa. Livros Horizonte, 2006, pp. 124/125.
Isto
foi escrito no século XIX por um funcionário público empregado no Ministério
dos Negócios Estrangeiros chamado Eça de Queirós. O que é terrível é que ainda
está certo.
Meu
caro concidadão, como já descobristes nem todos os funcionários são iguais e no
setor privado também nem sempre os empregados são exemplares e os empresários
mantêm-nos no posto vá-se lá saber porquê. E num e noutro setor descartam-se os
mais aptos, mais capazes, mais empenhados ficando os quadros cheios de
medíocres ronceiros. Mas, para além da compreensão do fenómeno importa melhorar
o sistema. Isso vai demorar pelo menos uma geração, pois a máquina hoje está
minada por cínicos e inúteis. Mas por entre eles há os funcionários zelosos, convictos
e prestáveis que têm de aturar chefias de circunstância com ideias bizarras quantas
vezes a esconderem a sua real incapacidade. Há para aí um Evangelho com a
simples e sábia frase: «pelas obras os conhecereis». O mais hilariante é que
alguns dos tais são dos que dizem que o leram, o professam, o têm como sagrado.
Mas apenas em proveito próprio. Haja esperança nos tempos que virão.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Funcionário
público na administração local;
Mesário-mor
Nota:
as opiniões expressas nestes editoriais são da inteira responsabilidade do
autor e apenas a ele o obrigam. A Confraria Queirosiana é estatutariamente uma
associação plural onde coexistem todas as civilizadas correntes de opinião que
lhe merecem o mesmo lugar de destaque e de controvérsia.
30 anos do Solar
No próximo dia 27 de setembro, sábado, pelas 15 horas, com a presença do presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues, abrirá ao público o curso “História e Carisma da Região do Douro Atlântico (Gaia, Porto, Matosinhos)”, organizado pela Academia Eça de Queirós, o qual decorrerá ao longo de treze sessões até março de 2015, ministrado por reconhecidos investigadores.
Com
esta abertura iniciam-se também as comemorações dos 30 anos do Solar Condes de
Resende como Casa Municipal de Cultura, pois para tal foi adquirido pelo
município em 1984 à família da esposa de Eça de Queirós. Nesta sessão, aberta
ao público em geral, serão entregues os diplomas e documentação do curso
anterior sobre História Empresarial, tal como este curso certificado pelo
Centro de Formação da Associação de Escolas Gaia Nascente do Ministério da
Educação.
Entretanto
prosseguem as palestras das quintas-feiras no Solar Condes de Resende, às 21,30
horas, com entrada livre: a 28 de agosto J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre
“As Praias de Gaia” e a 25 de setembro sobre “Espaços Públicos de Gaia: o
Jardim do Morro, um emplastro urbanístico?”. A 23 de outubro Susana Moncóvio
falará sobre “ O Centro Artístico Portuense” fundado por Soares dos Reis.
No
próximo dia 2 de outubro tem aqui início o Curso de Pintura da professora
Pintora Paula Alves e no próximo dia 5 de outubro aqui decorrerá a habitual
Feira das Novidades, com vendedores de artesanato e outras coisas boas de
coleção.
Dagoberto em Portugal
Dagoberto Carvalho J.or |
A
partir de 25 de outubro fará uma visita de saudade a Portugal o nosso confrade
Dr. Dagoberto Carvalho J.or, médico, historiador da Arte e eciano
maior, presidente da Sociedade Eça de Queiroz do Recife e autor de numerosos
ensaios reunidos em livros sobre as relações culturais entre Portugal e o
Brasil, mormente as que têm como eixo a vida, época, obra e evocações queirosianas.
A partir de Lisboa, passará por Castelo Branco e depois Porto, com deslocação a
Bragança, Chaves e Mirandela. Irá à Póvoa de Varzim “beijar a pedra”
queirosiana e rever amigos de longa data.
No
sábado, dia 25 de outubro, no Solar Condes de Resende a Confraria Queirosiana
organizará em sua honra uma sessão de boas-vindas seguida de jantar por
inscrição.
Escavações em Crestuma
Escavações em Crestuma |
Entre
25 de agosto e 5 de setembro decorreu mais uma campanha de escavações
arqueológicas no Castelo de Crestuma dirigida pelos arqueólogos J. A. Gonçalves
Guimarães e António Manuel Silva, do Gabinete de História, Arqueologia e
Património da Confraria Queirosiana. Este ano, devido a restrições orçamentais,
os trabalhos
incidiram
apenas numa área junto à praia de Favaios onde foram descobertas estruturas
construídas em pedra com abundante espólio do século VI d. C., tendo tido a
visita do presidente da Câmara de Gaia, Prof. Doutor Eduardo Vitor Rodrigues e
do diretor do Parque Biológico, Doutor Nuno Oliveira no dia 3 e setembro.
Entretanto
diversos arqueólogos da equipa continuam a estudar o espólio e estruturas já
exumadas desta impressionante estação arqueológica e a apresentar os resultados
em vários colóquios internacionais, continuando em itinerância a exposição
“Castelo de Crestuma: a Arqueologia em busca da História”.
Eventos culturais
Nos
últimos tempos, um pouco por todo o país, diversos eventos culturais têm
contado com a ação de vários confrades queirosianos, alguns dos quais passamos
a divulgar.
Assim,
a 13 de setembro passado decorreram em Penafiel as “1ªs Jornadas de Museologia
nas Misericórdia”, organizadas pela instituição local e dinamizadas pela nossa
consócia a museóloga Mestre Rita Pedras.
A
20 de setembro passado, o nosso presidente da Direção, Prof. Doutor José Manuel
Tedim, conduziu uma visita guiada à nasoniana Igreja de Santa Marinha de Vila
Nova de Gaia, para os sócios da Associação Cultural Amigos de Gaia.
De
2 a 5 de outubro próximo decorrerão no convento de Balsamão, Macedo de
Cavaleiros, as “XVII Jornadas Culturais de Balsamão – Olhares sobre a vida e a
morte”, que têm o empenhado apoio do nosso confrade Fernando Andrade Lemos,
diretor do Centro Cultural Eça de Queirós de Lisboa e no qual apresentará uma
comunicação o nosso confrade José Maia Marques.
A
9 e 10 de outubro decorrerá na Faculdade de Letras da Universidade do Porto o colóquio
«A Grande Guerra (1914-1918): Problemáticas e representações», organizado pelo
CITCEM, no qual será conferencista J. A. Gonçalves Guimarães, que falará sobre
«Vila Nova de Gaia e a 1.ª Grande Guerra».
Nos
dias 24 e 25 de outubro decorrerão as II Conferências do Museu de Lamego/CITCEM
sob o tema “Quintas do Douro: História, Património e Desenvolvimento” no qual
participarão os confrades Nuno Resende com uma comunicação sobre «“Santos da
casa”: capelas, devoção e poder na região de Lamego. O património religioso ao
serviço das elites» e J. A. Gonçalves Guimarães apresentará «Da intervenção
arqueológica ao museu de sitio: a experiencia da Quinta da Ervamoira (Vale do
Côa)».
Curandeiras chinesas
Um
trabalho de investigação histórica de J. A. Gonçalves Guimarães, apresentado no
Fórum Cultural da China no Museu do Oriente em 2011, organizado pelo Instituto
Português de Sinologia, de que o autor é membro fundador, intitulado «O caso
das curandeiras chinesas de Lisboa que queriam pôr os cegos a ver no primeiro
ano da República Portuguesa», publicado em Zhongguo
Yanjiu – Revista de Estudos Chineses, n.º 7, 2011, p. 225-246, serviu de
base à elaboração de um romance histórico recentemente publicado sobre o mesmo
tema, embora tal não apareça referido na publicação em causa. É costume os
professores universitários citarem as fontes que usam e, no que diz respeito a
romances históricos, até Garrett e Arnaldo Gama o faziam. Não é pois verdade
que o assunto estava «varrido para debaixo do tapete da História Nacional»,
como escreveu o autor, pois, já mesmo antes daquele nosso artigo, o historiador
Rui Ramos o tinha abordado na História de
Portugal dirigida por José Mattoso, indo assim também por água abaixo a
«inquirição original e pioneira» que o prefaciador lhe atribui. Já depois da obra
publicada o autor informou-nos por email que se tinha inspirado naquele nosso texto
para a sua elaboração. Aqui fica o registo a
posteriori, para que conste.
______________________
Eça
& Outras, IIIª. Série, n.º 73 – quinta-feira, 25 de setembro de 2014
Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154
IBAN:
PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www .queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.pt;
eca-e-outras .blogspot .pt; vinhosdeeca.blogspot.pt; academiaecadequeiros.blogspot.pt;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira;
inserção: Amélia Cabral; colaboração: Fernando Andrade Lemos.
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