As guerras em
nome de Deus
Estamos a evocar o centenário da I
Grande Guerra, aquela que foi feita «para acabar com todas as guerras» e para
durar «seis meses». Não consta que então algum dos beligerantes invocasse que
ia rechaçar o inimigo em nome de Deus, porque se algum o fizesse ninguém o
teria levado a sério. Mesmo assim, ainda se invocou a Santa Rússia, e os
exércitos em confronto, perante a visão das mortes horríveis, foram acometidos
de fenómenos de religiosidade espontânea, às vezes pouco ortodoxos, que os
religiosos fardados, capelães católicos, protestantes e ortodoxos, tentaram
enquadrar. Por toda a Europa, dentro e fora do teatro de guerra, ocorreram
aparições da Virgem Maria, nomeadamente em Fátima, mas também, pelos vistos, se
registaram fenómenos OVNI. A desgraça dos povos e a mortandade dos militares,
dos civis e dos animais proporcionaram o extremar das crenças. Como ficou então
muita coisa por clarificar, veio depois a II Grande Guerra.
Se na primeira ainda havia imperadores e
impérios, vindos do século XIX, a segunda realizou-se já em plena soberania do
povo, que, através de eleições, colocou no poder os governantes que a
declararam e que a legitimaram, como foi o caso de Franco, Hitler, Mussolini, e
outros governantes dos Aliados ou do Eixo. O povo podia ter vetado a guerra,
mas estando então preocupado com as consequências da crise económica, do
desemprego e da falta de perspetivas sociais, deixou isso na mão dos seus
escolhidos, eleitos ou tolerados governantes. Depois foi morrer nos combates.
Portugal, tendo entrado na primeira, fez-se neutro na segunda. E aqui,
curiosamente, não foi o povo quem decidiu, mais o ditador de Santa Comba.
Entretanto chegaram-nos mais algumas guerras avulsas depois, as da Coreia, do
Vietnam, do Biafra e das colónias portuguesas de Angola, Guiné e Moçambique,
além das do Médio Oriente, que continuou em guerra devido aos problemas ali
deixados pelos intervenientes no segundo conflito mundial, nomeadamente os
ingleses. Depois as guerras do Golfo, do Afeganistão, da Líbia, da Síria e,
recentemente a da Ucrânia, feitas em nome da sociedade ocidental (leia-se
interesses ingleses, alemães, franceses, russos e, sobretudo, americanos) contra
os “ditadores locais”, então muito mais “ocidentalizados” do que os que se lhes
seguiram e estão agora no poder, os quais, como se tivessem permanecido ou
regressado à Idade Média, dizem que estão a fazer a guerra «em nome de Deus», o
que até agora só era feito pelos judeus, que não abdicaram aindado projeto imperialista
religioso do “Grande Israel”, que Jeová lhes terá prometido, mas que se
esqueceu de combinar com os palestinianos, o que mostra que alguns povos ainda
têm um deus totémico, mas não universal. Mas foi em nome desse ente universal
que recentemente o Papa Francisco proclamou que não se fazem guerras em nome de
Deus, talvez a sua declaração mais teológica, mais polémica, mais carregada de
esperança futura de todo o seu pontificado, até porque ele é hoje o chefe de um
estado europeu e de uma religião que, até ao século XVIII, patrocinou guerras
em nome de Deus contra os muçulmanos, os hereges, os animistas, os de qualquer outra
crença diferente. Trata-se não apenas de uma mudança radical da política da
Igreja Católica, como esta declaração terá provavelmente um grande efeito
civilizacional que influenciará os homens e mulheres bons de todo o mundo, pois
daqui para a frente só os fanáticos, os intolerantes, os fundamentalistas, ou
seja, só os criminosos à luz do direito e da ética universais, continuarão a fazer
guerras em nome de Deus, do seu deus étnico, o que a Humanidade já não
tolerará. Provavelmente ainda teremos mais algumas guerras locais, para definir
direitos territoriais e fronteiras, para proteger o acesso a bens e produtos
pelos seus proprietários, para conter e reprimir bandos armados, para meter na
ordem internacional ditadorzecos de circunstância, para reprimir a pirataria e
o banditismo localizados ou internacionais, para reprimir o tráfego de produtos
não controlados, sejam eles os medicamentos, o tabaco, a droga, ou o dinheiro
sujo dos banqueiros de colarinho branco, que já em grande parte dominam os
governos de muitos países e a política internacional.
Tudo isto me lembra o que Eça de Queirós
escreveu há mais de cem anos:
«Por todo o universo a religião
desaparece das almas; e apenas lá fica essa vaga religiosidade, feita em parte
do abalo que deu ao nosso coração uma tão longa sujeição ao sobrenatural, em
parte do confuso terror que impera neste grande universo que nos cerca, tão
simples e tão mal compreendido. Neste estado negativo, de passividade na
dúvida, não se gera facilmente um impulso de ação forte. Um jehad no Islão é tão impraticável – como
uma cruzada no cristianismo. Pedro Eremita hoje iria acabar na polícia correcional,
por perturbador da ordem pública e das relações internacionais; e os fanáticos
que, ainda hoje, às portas das mesquitas do Cairo, bradam contra o touriste estrangeiro as injúrias
aconselhadas pela boa doutrina, são imediatamente levados para a enxovia, por fazerem alarido nas ruas!
Maomé, nas suas mesquitas, Cristo, nas
nossas capelas, vão singularmente envelhecendo; o nosso Messias vai-se cobrindo
pouco a pouco do pó que levanta o forte arado da razão, lavrando um mundo novo;
e o profeta do Islão, tendo perdido a força da sua unidade, subdividido em mil
profetas menores que presidem a mil seitas diferentes, mal pode resistir à
lenta avançada da civilização ocidental. E com Cristo e Maomé, que eram os
princípios militantes e vivos das suas religiões, desaparece o que nessas
religiões havia de vivo e de militante. Resta Deus, resta Alá. Sublimes
abstrações, incapazes de inspirar amor ou heroísmo» (Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra).
Hoje, no Iraque, na Síria, na Palestina,
na Argélia, no Afeganistão e no Egito, onde os EUA e o “mundo ocidental” têm
ido abanar o vespeiro fundamentalista islâmico e judeu, há de novo guerreiros
assassinos a fazerem a guerra em nome de Alá e de Jeová. Como pediu o Papa, não
lhes juntemos Deus, e que impere o bom senso armado para conter os loucos que
ali estão diariamente a assassinar seres humanos em nome de outro deus, só
porque querem roubar-lhes a terra, a casa, a sua vida simples, pensando assim
justificar os seus crimes aos olhos, quase sempre muito distraídos, da
Humanidade, que já não acredita nem aceita esta justificação: os crimes
cometidos têm autores, que deverão ser levados como réus aos fóruns internacionais.
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana
“Os Maias” por
João Botelho
Eça
continua na ribalta nacional, agora “num cinema perto de si”.
Carta inédita de
Eça
Tendo
já publicado 913 cartas de Eça de Queirós, a maioria inéditas, A. Campos Matos
acaba de divulgar mais uma, desta feita encontrada na Fundação Guerra Junqueiro
no Porto, datada de 1878 e dirigida pelo primeiro ao patrono daquela fundação,
a propósito do texto que o autor de “A Velhice do Padre Eterno” escreveu sobre
“O Primo Basílio”. Esta carta está publicada na última página do “JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias”,
dirigido por José Carlos de Vasconcelos, n.º 1145 de 20 de agosto passado,
sendo um notável exemplo, entre outras razões, da admirável prosa queirosiana.
J. Rentes de
Carvalho
Também
o escritor J. Rentes de Carvalho continua “em grande”: para além do seu
incontornável blogue “Tempo Contado”, onde posta notáveis textos e imagens
imperdíveis, temos agora a segunda edição neerlandesa de “A Flor e a Foice” já
no mercado (na Holanda e na FNAC de Bruxelas). Por sua vez “Ernestina” tem entre
nós uma nova edição da Quetzal com uma capa bem apelativa.
No
próximo mês de setembro, a 5, nova edição de “Montedor” chega às livrarias,
aquele que foi o seu primeiro romance publicado em 1968 pela Prelo, no qual o
prefácio de António José Saraiva então anunciava que «…o Autor, com essa
matéria que é a vida portuguesa, inventando um símbolo, uma presença,
[conseguiu] ter enriquecido o Olimpo literário com mais uma figura e uma fábula
que lá não existiam», acrescentando então que « o maior elogio do livro que
tenho o gosto de prefaciar, é que não é uma repetição, mas uma invenção» (Nota
prefacial da 1ª edição).
Curso do Solar
Abrirá
no próximo dia 27 de setembro, sábado, o novo curso do Solar Condes de Resende,
organizado pela Academia Eça de Queirós, o qual decorrerá até Março de 2015,
num total de treze sessões que decorrerão ao ritmo de dois sábados por mês,
entre as 15 e as 17 horas, desta vez intitulado “História e Carisma da Região
do Douro Atlântico (Gaia, Porto, Matosinhos), de que esta é a 5.ª edição, com
novos temas com investigação recente a apresentar. São professores Amândio
Barros, António Manuel S. P. Silva, António Barros Cardoso, Fantina Tedim,
Francisco Ribeiro da Silva, J. A. Gonçalves Guimarães, Joel Cleto, Jorge
Fernando Alves, José Manuel Tedim, Manuel Luís Real e Nuno Oliveira.
O
curso será certificado pelo Centro de Formação da Associação de Escolas Gaia
Nascente do Ministério da Educação e a todos os inscritos será passado um
diploma de frequência e fornecida a respetiva bibliografia, sendo ainda os
interessados orientados para diversos temas de investigação inédita que poderão
apresentar em mestrados ou doutoramentos.
O
Solar Condes de Resende realiza cursos livres desde 1991.
Real Gabinete
Português de Leitura
Localizada
na Rua Luís de Camões n.º 30 no Rio de Janeiro, fundada em 1837 e aberta ao público
desde 1900, a
biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, possui a
maior coleção de obras portuguesas fora de Portugal, incluindo algumas
raridades como manuscritos de Eça de Queirós.
Em
Julho passado foi classificada como uma das vinte mais bonitas, segundo a
classificação da revista “Time”, aparecendo na quarta posição junto das mais
famosas bibliotecas do mundo. É atual presidente da direção o nosso confrade
honorário Dr. António Gomes da Costa.
Feira Medieval
No
passado dia 4 de agosto, a convite da Confraria da Fogaça para uma visita à
Feira Medieval de Santa Maria da Feira, ali se deslocou uma delegação da
Confraria Queirosiana composta por Gonçalves Guimarães, Maria de Fátima
Teixeira e Henrique Guedes, os quais constataram o enorme desenvolvimento desta
realização e o fascínio que exerce sobre os visitantes.
Porém
é pena que as entidades locais tenham abandonado o apoio à investigação científica
sobre os temas medievais da Terra de Santa
Maria, a qual já existiu e com notáveis resultados, nos anos oitenta do século passado, quando então se publicaram obras de José Mattoso, A. de Almeida Fernandes e outros sobre a região. Supomos que a realização deste evento popular não prejudicaria um outro paralelo de caráter erudito. É que já temos visto feiras medievais com ciganos, beringelas e potes de ferro fundido de três pernas, estes últimos, como é sabido, um produto industrial do século XIX que não existia na Idade Média.
Maria, a qual já existiu e com notáveis resultados, nos anos oitenta do século passado, quando então se publicaram obras de José Mattoso, A. de Almeida Fernandes e outros sobre a região. Supomos que a realização deste evento popular não prejudicaria um outro paralelo de caráter erudito. É que já temos visto feiras medievais com ciganos, beringelas e potes de ferro fundido de três pernas, estes últimos, como é sabido, um produto industrial do século XIX que não existia na Idade Média.
Palestras no
Solar
Prosseguem
no Solar as palestras das últimas quintas-feiras do mês, às 21,30 horas, entrada
livre: no próximo dia 28 de agosto J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre “As
praias de Gaia como estâncias balneares” e, no dia 25 de setembro, sobre “O
Jardim do Morro: um emplastro urbanístico?”.
Gastronomia
em Vila do Conde
No passado dia 22 abriu ao público a 16.ª edição da “Cozinha à Portuguesa – Feira de Gastronomia de Vila do Conde”, organizada pela autarquia, este ano com renovada qualidade e apresentação de produtos de todas as regiões do país.
Na
cerimónia de abertura estiveram presentes várias confrarias, entre as quais a
Queirosiana que se fez representar por César Oliveira, Gonçalves Guimarães,
Licínio Santos e António Pinto que se deslocaram àquele certame num automóvel
histórico, marca Citroen, 1949, 11 BL, impecavelmente conservado e propriedade
do presidente da MAG da confraria.
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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 72 – segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN:
PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www .queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.pt;
eca-e-outras .blogspot .pt; vinhosdeeca.blogspot.pt; academiaecadequeiros.blogspot.pt;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira;
inserção: Amélia Cabral; colaboração: Barbosa da Costa.
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