Mar bravo
Foi
há dias apresentado o mapa “Portugal é Mar” como um dos desígnios territoriais
que vão orientar a vida dos portugueses para o futuro. Andamos nisto desde
sempre, ou, pelo menos, desde que no século XIV fomos às Canárias e depois por
esse mar aí fora. Não, este mapa não é, nem pode ser, o “Portugal não é um país
pequeno” do tempo do Estado Novo que tínhamos pendurado na parede da escola
primária e em que as colónias portuguesas se sobrepunham a uma Europa inteira
quase até aos Urais.
Mas
isto de ter mar implica duas pequenas verdades que os soldados de Monsieur de
La Palice não desdenhariam: ele há que ter marinheiros; ele há que ter
embarcações. Sem isso restam-nos as inúteis gaivotas, a que sempre poderemos
chamar nossas, pois ninguém as quer. E o anticiclone dos Açores, que também é
de graça. O resto tem-nos custado muito dinheiro.
Sobre
a nossa marinha de guerra, face às realidades de hoje, já estaremos longe deste
texto de Eça de Queirós, com quase 150 anos: «…uns poucos de navios, velhos,
decrépitos, defeituosos, quase inúteis, sem artilharia, sem condições de
navegabilidade, com cordame podre, mastreação carunchosa, e história obscura. É
uma marinha inválida…». Sobre as corvetas da frota «Há ideia de as alugar –
como hotéis. A nossa esquadra é uma colecção de jangadas – disfarçadas! Este
grande povo de navegadores acha-se reduzido – a admirar o vapor de Cacilhas.
Têm
um único mérito estes navios perante uma agressão estrangeira: impor pelo
respeito da idade. Quem ousa atacar as cãs de um velho?» (As Farpas [Julho de 1871], I, 2004, 117). Hoje já estamos melhor,
senão em quantidade, pelo menos em qualidade.
Um
dos maiores equívocos sobre o Portugal marinheiro tem sido alimentado pela
classe plumitiva: não há almirante reformado que, após longo tempo na “nau de
pedra” (Ministério da Marinha), não se meta a historiar sobre as façanhas da
nossa frota guerreira, e nicles sobre a nossa frota mercante e pesqueira (com
exceção da do bacalhau), aquela que do mar realmente nos trouxe trabalho,
proveito, pão e sardinhas e poucos dissabores. Mas os filhos, netos e bisnetos
dos Gamas e Cabrais, arrumado no canto da sala de estar o pote de porcelana da
China trazido como recuerdo das
façanhas navegadoras, enjoaram de tal modo que não querem mais ouvir falar de
barcos. Querem exemplos? Olhem à vossa volta: a cidade do Porto, por exemplo,
que tudo, perdão TUDO, deve ao mar e à sua frota mercantil, não tem sequer um
museuzito naval, e quando o pôde criar, por insistência do saudoso Lixa
Filgueiras, fez um Museu dos Transportes… Terrestres, não fosse alguém querer
atracar, mesmo de graça, um velho rebocador no cais da Alfândega. Explicações?
Para mim foi enjoo de mar. Chegam-lhes os rabelos de Gaia no dia de S. João a
fugirem da barra com as velas enfunadas. Mas valha-nos, para além do Museu da
Marinha (de Guerra) em Lisboa, e pouco mais, ao menos Ílhavo e Vila do Conde
com os seus museus que nos não envergonham, os quais estão muito bem divulgados
numa recente obra sobre todos os museus navais ibéricos publicada… pelos
espanhóis, também eles grandes pândegos neste assunto, pois o seu Museu
Marítimo Nacional é em Madrid, que é sítio onde também as gaivotas chegam à
procura de lixeiras. Não existem em Portugal praticamente estudos sobre a nossa
marinha mercante; a arqueologia subaquática, depois de episódios pouco
edificantes paridos nos anos noventa no Parlamento com um deputado em conluio
com um pirata americano, parou na Ria de Aveiro e pouco avançou para norte. Os
nossos naufrágios históricos, tal como o nosso peixe, continuam pois à mercê de
quem tiver barcos e licenças para os pescar.
Todos
os anos ouvimos que se vão deitar ao mar milhões de euros transformados em
camiões de areia e de pedra para “repor a linha de costa”, e isto para proteger
construções privadas ou públicas, a maior parte delas, se não tolas, pelo menos
de duvidosa ou comprovada ilegalidade à luz da legislação que desde 1863 se
produziu para ordenamento da orla marítima e fluvial, teimosia essa a que o mar
oferece sonoras gargalhadas no inverno seguinte.
Existem
estudos sólidos e credíveis para os decisores nacionais, regionais e locais
saberem com segurança onde estará o nível do mar daqui por cinquenta ou cem
anos e declararem de vez a zona costeira atual abaixo dessas cotas como zona de
calamidade pública com as devidas consequências a assumir pelo Estado e pelos
privados.
Mas
ninguém de tal quer saber e por isso vamos continuar a brincar aos castelos na
areia que a próxima invernia se encarregará de desfazer de novo. E assim se
gasta o nosso dinheiro.
Para
olhar por este nosso mar são precisos então barcos, aviões e submarinos. Mas
não há unidade deles que se construa ou compre sem que tal dê origem a um
romance policial caríssimo para o erário público. Será que também aqui
estaremos ainda quase como no tempo de Eça: «O Índia, o melhor navio que temos, o navio novo, expressamente feito
para uso do país, comprado com madura reflexão, examinado com escrupulosa
ciência, glória da nossa marinha, defesa das nossas colónias, garantia da nossa
honra, o Índia que sábias comissões
aprovaram, que uma reta imprensa exaltou, que professores da Escola Normal
celebraram, que é o nosso transporte
para a Índia, que custou muitas mil livras, que é novo, perfeito, impecável, o Índia, - mete apenas cinco polegadas de
água por dia!» (As Farpas [Janeiro de
1872], II, 2004, 329). Claro que no tempo de Eça os submarinos ainda estavam a
nascer e por isso ele não fala neles. O escritor, que diabo, não pode prever
tudo
Mas
também não vamos longe no mar com aqueles marinheiros sessentões, com
imponentes chapéus de pala com estrelas douradas, com iate ancorado em marina
com amarras cuja laçada raramente se larga, cuja navegação se resume à leitura
balançada do jornal de fim de semana enquanto bebem o seu whisky e um pescador
local à espera de melhores dias lhes limpa o convés por meia dúzia de euros. É
“isto” que se tem semeado pelos melhores atracadouros da costa.
Muito
gostaríamos que o «Tanto mar! Tanto mar!» da canção de Chico Buarque da Holanda
não servisse só para surfistas, fotógrafos, praiistas do lume brando do sol de
verão, os poetas e os idealistas. É que não se exportam nem ondas, nem fotos
amadoras, nem tempos de papo para o ar, nem versos, nem fantasias. Terão de ser
outros os desígnios para Portugal “voltar ao mar”, se possível com uma nova
geração que ainda não tenha “enjoado”. Então o mapa estará certo e será útil.
J.
A. Gonçalves Guimarães
mesário-mor
Livros, textos e
programas
O Solar nos Caminhos da
História
fotografia Porto Canal |
Hoje,
dia 25 de fevereiro, o Porto Canal apresenta no programa “Caminhos da História”
do historiador Joel Cleto, uma reportagem sobre o Solar Condes de Resende e Eça
de Queirós, e entrevistará em estúdio Isabel Pires de Lima e J. A. Gonçalves
Guimarães sobre a Vida e Obra do nosso patrono. O programa será depois repetido
em outros horários e ficará disponível na Internet.
Portugal.
A Flor e a Foice
Aproximando-se
a data em que o “25 de Abril” faz 40 anos, e não sendo o facto ainda História
por falta do necessário distanciamento cronológico, convém ler um dos textos
mais lúcidos, mais claros, mais exemplares do que foi e do que poderia ter sido
o “25 de Abril” escrito em 1978 por J. Rentes de Carvalho e agora disponível em
português em tempocontado.blogspot.com, intitulado “Tomada de Consciência em
Portugal” enquanto se aguarda para daqui a dias o livro Portugal. A Flor e a Foice, a publicar em março pela Quetzal. Este
autor esteve no mês de Fevereiro no Correntes d’Escritas na Póvoa de Varzim a
convite da organização, onde conviveu com esotéricos e umbiguentos autores.
Sobre o assunto ver o mesmo blogue.
Telheiras
Cadernos Culturais
Acaba
de sair o n.º 6, segunda série, referente a Novembro de 2013, desta revista
editada pelo Centro Cultural Eça de Queiroz, Escola Secundária Eça de Queirós e
Centro Cultural de Telheiras, dirigida por Fernando Andrade Lemos, com
abundante colaboração de temática queirosiana, nomeadamente “Eça de Queirós e o
Museu Egípcio do Cairo” de Luís Manuel de Araújo; “Eça de Queirós bem-amado no
Brasil” de César Veloso; e “A formação iniciática de Maria Eduarda Maia” de
Fernando Andrade Lemos e Rita Rebelo Andrade Lemos.
Revista
Montepio
A
edição de inverno 2013 da Revista do Montepio, que distribui 400.000 exemplares,
é dedicada a Eça de Queirós, apresentando no interior um artigo de Elsa Garcia
sobre a opinião de Fernando Pinto do Amaral, diretor do Plano Nacional de
Leitura sobre a atualidade de Os Maias e o recente filme inspirado nesta obra
realizado por João Botelho. Entretanto nas tertúlias queirosianas desenvolvidas
pelos nossos confrades há uma questão à procura de uma boa e documentada
resposta: quem foi a senhora que teve um filho do 5.º Conde de Resende, o
companheiro de Eça à Terra Santa em 1869, ano em que a criança nasceu? Porque é
que a família a apagou dos registos genealógicos? Em que factos reais Eça se
inspirou para a questão do incesto em Os
Maias? Mais uma vez a realidade pode ser mais fantástica do que a fantasia,
neste caso, literária.
Roteiros queirosianos
Leiria: Eça 2014
A
Câmara Municipal de Leiria apresentou recentemente o programa Eça 2014 em torno
do romance O Crime do Padre Amaro,
quase com 140 anos de publicação e talvez a obra que até hoje mais contribuiu
para a mudança de mentalidades em Portugal. Em 2013 decorreram visitas ao
Centro Histórico pelos cenários que o escritor descreve naquela obra, as quais
irão continuar no presente ano. O programa conta com recriações de Leiria no
século XIX, concertos musicais, teatro de rua, gastronomia de evocação
queirosiana, um desfile com cerca de mil figurantes que irão recordar os tempos
de Eça em Leiria nos dias 21 de maio e 1 de junho, e um baile da época no
Mercado de Santana naquele primeiro dia. A Confraria Queirosiana irá divulgando
a todos os sócios os pormenores deste programa.
500 anos do Foral de
Ovar
No
passado dia 10 de fevereiro decorreram em Ovar as comemorações dos 500 anos do
seu foral manuelino, bem assim como os de Pereira Jusã e de Cortegaça, as quais
se iniciaram com uma mostra documental na Biblioteca Municipal, a que se seguiu
um encontro evocativo aberto por Salvador Malheiro, presidente da edilidade, e
por S.A.R. o Duque de Bragança, Senhor Dom Duarte, comissário da evocação. Foram
oradores Silvestre Lacerda, diretor da Torre do Tombo e Francisco Ribeiro da
Silva, professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Para
além destes conferencistas estiveram também presentes José Manuel Tedim, J. A.
Gonçalves Guimarães e Susana Moncóvio dos corpos gentes da Confraria Queirosana
e do seu Gabinete de Historia, Arqueologia e Património e da Academia Eça de Queirós.
O Egito na Europa
Todos
os anos o Instituto Oriental da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
organiza, durante as férias da Páscoa, uma visita ao Egito liderada pelo nosso
vice-presidente e diretor da Revista de Portugal, Prof. Doutor Luís Manuel de
Araújo.
No
presente ano, devido à insegurança que se faz sentir naquele país provocada por
grupos extremistas islâmicos que atacam pacíficos turistas, esta 15ª viagem estender-se-á
pela Europa em visita a museus com coleções egípcias.
Assim,
entre 13 e 23 de Abril, os participantes irão de Lisboa a Berlim, e daí a
Osnabruck, Hannover, Haia, Leiden, Gent, Paris, Londres e de novo regresso a
Lisboa. Durante o trajeto serão feitas curtas palestras sobre civilização
egípcia, os museus e as coleções visitadas. Como habitualmente, e por especial
deferência daquele Instituto e daquele professor membro da academia Eça de
Queirós, a viagem estará aberta à participação de membros da Confraria
Queirosiana até ao limite das inscrições disponíveis.
Mercado solidário
No
passado dia 22 de fevereiro a Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas
organizou no Cais de Vila Nova de Gaia, com a colaboração do Município, um
Mercado Solidário cujo apuro se destinou à CerciGaia e à APPACDM.
Participaram
numerosas confrarias com os seus produtos tradicionais e também a Confraria
Queirosiana, com as suas edições e o seu Vinho do Porto.
No
final deste dia de convívio e solidariedade o crítico de cinema Mário Augusto e
a vereadora Elisa Cidade entregaram os donativos das confrarias às referidas
instituições.
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Eça
& Outras, IIIª. Série, n.º 66 – terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154
IBAN:
PT50001800005536505900154; email:queirosiana@gmail.com; www .queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.pt;
eca-e-outras .blogspot .pt; vinhosdeeca.blogspot.pt; academiaecadequeiros.blogspot.pt;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira;
inserção: Amélia Cabral; colaboração: José Pereira Gonçalves, Susana Moncóvio,
Luís Manuel de Araújo, Fernando Andrade Lemos e Virgília Braga.
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