sexta-feira, 25 de abril de 2025

 

Eça & Outras, sexta-feira, 25 de abril de 2025

 

IIº Centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890)

 

Corrupções e empenhos

 

A palavra corrupção berra-se nos dias de hoje por todo o lado, na comunicação social, na rua, no café, nos cartazes eleitorais, à porta dos tribunais e creio que também lá dentro nas salas das sessões. Parece uma novidade nova, mas não é. Dispenso-me aqui de piadas sobre a mulher de César. E ardilosamente vou tentar perceber de que é que estamos a falar nos dias de hoje. Porque isto é matéria para sorrisinhos cúmplices ou para assobios para o lado. Para nos fazermos desentendidos e apelar ao vaguíssimo princípio de que há corrupção e corrupção, de que não é tudo a mesma coisa, que uma coisa é alva e outra é branca e que é preciso contextualizar as coisas. A chamada “conversa da treta”, tem aqui matéria para teses de doutoramento em variadíssimas universidades. Vamos a coisas concretas: o velhíssimo Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo, 14.ª edição, Lisboa: Livraria Bertrand, volume I, 1949, página 739, diz que corrupção é o «acto ou efeito de corromper. Devassidão. Desmoralização…». Da mesma época, a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Lisboa/ Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia Limitada, vol. 7, página 794, apresenta tal como «a acção ou efeito de corromper. Podridão; putrefacção; decomposição... Devassidão, depravação, perversão… Meios que se empregam para desviar alguém dos seus deveres, induzir a proceder contra a sua consciência, etc; suborno; prevaricação: corrupção eleitoral; juiz suspeito de corrupção…». Por sua vez o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, I Volume A-F. Lisboa: Verbo, 2001, página 994, define-a como «acção ou resultado de corromper ou de se corromper… Degradação ou deterioração dos valores morais, dos bons costumes… Acto de agir ou aliciar alguém a agir contra a lei, através da oferta de dinheiro ou de outros valores…».

Não nos faltam, pois, catecismos onde nos doutrinemos sobre estes pecados pessoais e sociais: «vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar» escreveu a poetisa Sophia e cantou o padre Fanhais. Portugal é um país adulto, mas ainda tem muito boa gente que não sabe ver, nem ouvir, nem ler e muito menos cantar. Não vemos, não ouvimos e não lemos nada de jeito. Saramago escreveu para nós um Ensaio sobre a cegueira para ver se passamos a enxergar melhor; a Música para surdos é possível e desejável; a Humanidade já se pôs a ler de há milénios para cá. Não há, pois, desculpas. Assumamo-nos.

E, no entanto, esta coisa das corrupções já vem de longe: sem precisarmos de ir à Pré-história (no drama da morte de Otzi, o homem do gelo (c. 3350 BC) pode ter havido já então alguma corrupção, o que leva alguns a concluírem apressadamente que o fenómeno está-nos na “massa do sangue”). Muito mais perto de nós, no século XVIII, encontramos esta afirmação: «quem com prudência considerar o estado do Mundo, e a corrupção de Portugal em todo o género de cousa, verá claro quão necessário seja plantar novo Reyno, novos homens, novas Leys, novos costumes» (Diogo Barbosa Machado, Memórias para a História de Portugal…, Lisboa: 1737, T. II, Parte II, Liv. I, Cap. XVIII, p. 257). A que acrescentaria novas mulheres, pois não queremos de modo algum aqui qualquer descriminação sexista que a literatura judicial bem depressa anularia. Mas já antes, quando Portugal estava em dificuldades e tinha de vencer e vencer-se, como foi o caso da desgraçada jornada de Alcácer-Quibir, já não faltou aí quem se aproveitasse da mesma em proveito próprio: «o desamor E desordem dos officiaes E ministros por quem corriam as despesas mais amigos do seu acrescentamento, que de acudir a sua obrigação… E ouue tanta devassidão no procedimento delas e gasto de dinheiro com que se faziam, que sabidamente ouue ministro, por quem este dinheiro corria, que lhe ficaram na mão mais de cento E sincoenta mil cruzados» (Jornada D’ El Rei D. Sebastião…, Liv. I Cap. 15. Lourenço Marques, 1972). Enfim, a coisa já vem de longe. Não é pois novidade. 

Não conheço estudos sobre este verdadeiro desígnio nacional que sejam claros, conclusivos, diagnósticos, e muito menos terapêuticos. Havendo por aí, apesar de tudo, tanta bolsa de investigação para irrelevâncias, bem que poderia haver algumas para historiadores, economistas, sociólogos, antropólogos, psicólogos ou juristas que tratassem deste fenómeno a nível doutoral. Assim sempre teríamos conclusões científicas e não apenas algumas vagas alusões étnicas, distribuindo culpas pelos “celtas”, romanos, suevos ou visigodos â vez, ou mouros, viquingues, africanos e ciganos. E, obviamente, estrangeiros, sobretudo espanhóis que ainda não nos devolveram Olivença. Ou pelas crenças que nos teriam ficado de bruxos remotos, de judeus, de cristãos, de mouros, de protestantes, de ateus; ou pelas acusações folclórico-regionalistas empíricas sobre os seriíssimos transmontanos, como o senhor comendador que tem loja aberta mas não passa recibos; o minhoto que fez de um clube de futebol o seu negócio pessoal; o beirão “tu cá tu lá” com os ministros das obras públicas; o alentejano que vendeu um equipamento publico pago por dinheiros europeus; o madeirense que enriqueceu a vender carcaças de trigo aos pobres na África do Sul; o açoriano que não distinguia um pó branco vindo da Colômbia daquele que se usa na delicada pele dos bebés. Toda uma república de mitologias distrativas e de fugas à realidade que nos circunda e que nem sequer brilha na Literatura, pois que os escritores raramente vão além dos pobres diabos, dos Malhadinhas (Aquilino), dos Meças (Rentes de Carvalho). Estou mesmo para ver se o banqueiro vai ter um romance ou um estudo histórico-analítico, dado que o Zézinho já se tem esforçado com uns livrecos e cursos pudim royal a tentar convencer-nos que é um perseguido pela nossa falta de entendimento ou pela teimosa esquizofrénica da justiça. E lembro aqui que também o vigarista Alves dos Reis escreveu um pungente O Segredo da Minha Confissão, em dois volumes, Lisboa: Novo Mundo e Edições Europa, 1931-1932, que a cadeia deu-lhe tempo para isso, mas que não logrou convencer a morte.

Mas se corrupções que se prezam lidam com milhões de euros, dólares ou rublos, elas têm uns parentes mais lhanos e que se contentam com muito menos e arranjam facilmente teoria para a sua prosa mais económica: «O empenho, tão caluniado pelos austeros, é, por fim, a salvação do País. O empenho é o correctivo do bom senso público aplicado ao disparate oficial. Sempre que um Regulamento, saído dum antro burocrático, impõe ao público uma prática tola – o público coliga-se por meio do empenho, para lhe anular os efeitos funestos (…). Tal é o grande, nobre papel do empenho na sociedade portuguesa: ele é a conjuração do bom senso positivo contra o idealismo obsoleto e tolo das instituições» (Eça de Queirós, Carta a Oliveira Martins de 29.07.1886). Mas assim também não vamos lá, pois a solução para o enguiço será sempre a de atualizar a mensagem e criar um novo País, novos cidadãos, novas leis, novos hábitos quotidianos, um novo paradigma de cidadania, sem corrupções ou empenhos, ainda que justificadíssimos segundo Eça ou qualquer um de nós.

 

J. A. Gonçalves Guimarães

Historiador

 

Entrevista a J. Rentes de Carvalho

Que magnífica comemoração do 25 de Abril. Hoje, como complemento da edição do jornal O Gaiense, o caderno «Melhor Escola» elaborado pelos alunos e professores do Colégio da Bonança, Vila Nova de Gaia, homenageia o escritor José Rentes de Carvalho nascido em Gaia em 1930 e que no próximo dia 15 de maio completará 95 anos vivos e ativos. Entre muitos outros livros, crónicas e textos dispersos, é o autor de "Ernestina", o melhor romance sobre o Centro Histórico de Gaia, mas também de "Portugal a Flor e a Foice" e de «A Revolução Exemplar e a Revolução Invisível», o qual temos como confrade honorário, doador do seu espólio e patrono do curso sobre os 50 anos do 25 de Abril que decorre no Solar Condes de Resende. Neste caso aqui se publica uma entrevista que o escritor e antigo professor da Universidade de Amsterdam concedeu aos alunos deste colégio da sua terra natal. A ler e meditar. A ASCR-CQ, com todo o gosto, deu a colaboração que lhe compete e continuará sempre a dar em casos semelhantes para divulgação da via e obra deste escritor Português, Holandês e do Mundo.

 

Novos corpos sociais da FAMP

Como noticiamos na página anterior, no passado dia 22 de março decorreram eleições para os corpos sociais da Federação dos Amigos dos Museus de Portugal (FAMP) no Museu dos Coches em Lisboa, nos quais a direção da ASCR-CQ, continuou a estar representada pelo presidente da direção J. A. Gonçalves Guimarães como vogal, que na ocasião, e por estar em serviço noutra atividade, esteve representado pelo Prof. Doutor Luís Manuel de Araújo, vice-presidente da ASCR-CQ e presidente da direção do Grupo de Amigos do Museu Nacional de Arqueologia (GAMNA). A direção da FAMP continuou a ser assegurada pela Dr.ª Maria do Rosário Alvellos do Grupo de Amigos do Museu do Oriente.


A ASCR-CQ esteve em…

No dia 1 de abril uma delegação do Gabinete de História, Arqueologia e Património formada pelos coordenadores J. A. Gonçalves Guimarães e António Manuel S. P. Silva e a investigadora Maria de Fátima Teixeira, estiveram reunidos com o Prof. Doutor Álvaro Campelo, antropólogo e docente da Universidade Fernando Pessoa para o convidar a dirigir a concretização do volume sobre o Património Cultural de Gaia - Património Etnográfico (PACUG 6), tendo essa reunião prosseguido no dia 22 do esmo mês para operacionalizar os capítulos que constituirão o volume. Refira-se que estão em bom ritmo os trabalhos referentes ao Património Cultural de Gaia - Património Arqueológico (PACUG 4), de que é coordenador o arqueólogo António Manuel S. P. Silva, e o Património Cultural de Gaia - Património Institucional (PACUG 5), aguardando-se a publicação para breve do volume do Património Cultural de Gaia – Século XX (PACUG 3), já entregue na gráfica e dirigido por José Alberto Rio Fernandes.

 

Curso no Solar

Prossegue no Solar Condes de Resende e por videoconferência o curso livre «“Portugal, a Flor e a Foice” (J. Rentes de Carvalho), comemorativo dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril». Assim, no passado sábado dia 22 de março ocorreu a aula sobre «"Quando pertencer ao povo o que o povo produzir": poder popular e socialismo durante a Revolução Portuguesa (1974-75)», pelo Prof. Doutor Ricardo Noronha do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, seguindo-se no sábado 5 de abril a aula sobre «As Artes e a Revolução» pelo Prof. Doutor José Manuel Tedim e no próximo sábado 26 de abril a aula sobre o tema «Explorando os Arquivos da PVDE-PIDE-DGS no ANTT: os antifascistas naturais do concelho de Vila Nova de Gaia», pelo arquivista Dr. Silvestre Lacerda, ex-diretor do Arquivo Nacional Torre do Tombo.

 

Trasladação de Eça para o Panteão

Na sequência do programa que a convite do grupo de trabalho para a Concessão de Honras de Panteão Nacional a José Maria Eça de Queiroz pela Assembleia da República a ASCR-CQ tem vindo a organizar no Solar Condes de Resende, presenciais e por vídeoconferência nas últimas quintas-feiras do mês, no passado dia 27 de março, entre as 18,30 e as 19,30, a aconfrade honorária Prof.ª Doutora Cristina Petrescu da Universidade Babeș-Bolyai de Cluj-Napoca, falou sobre «Eça de Queirós na Roménia».

No dia 24 de abril será a vez de J. A. Gonçalves Guimarães que falará sobre «Os Roteiros Queirosiano e o Turismo Cultural» no mesmo local e hora.

Está previsto este programa sobre esta invocação terminar com uma visita guiada ao Roteiro Queirosiano do Porto num sábado dos finais de Maio ou princípios de Junho deque em breve se fará a divulgação.


Outras conferências por diversos associados

No passado dia 31 de março, na Casa Comum (Reitoria da Universidade do Porto), o Professor Doutor David Rodrigues, professor catedrático aposentado da Universidade de Lisboa, conferencista, poeta e músico de Jazz, apresentou uma comunicação e aula prática sobre «Haiku: o sentir da poesia do Japão difundido no mundo». Autor de 12 livros sobre esta modalidade literária hoje largamente difundida, em determinada fase da conferência envergou o trajo próprio dos seus cultores nipónicos, no caso uma preciosa peça honorífica em seda do século XIX.

 


Na quinta-feira dia 3 de abril pelas 18 horas, no círculo de tradução "Micaela Ghi,tescu" da Faculdade de Letras da Universidade Babeș-Bolyai de Cluj-Napoca, Romênia, a Prof.ª Doutora Cristina Petrescu falou sobre a canção medieval portuguesa «Ondas do Mar de Vigo» de Martin Codax, uma "canção sobre um amante" (cantiga de amigo), acompanhada da sua interpretação, enquadrada numa abordagem à poesia e música dos trovadores medievais peninsulares.


Seminário Queirosiano na FEQ

Entre os próximos dias 21 a 25 de julho de 2025, a Fundação Eça de Queiroz, em parceria com o Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, organiza mais uma edição do Seminário Queirosiano, este ano subordinado ao tema «Lógicas e Figurações da Personagem Queirosiana», o qual terá lugar na Casa de Tormes, em Santa Cruz do Douro (Baião), e terá a participação de investigadores, docentes e leitores queirosianos para uma reflexão aprofundada sobre a representação das personagens na obra de Eça de Queiroz, sendo esta ação acreditada pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua, com a duração de 18 horas, para professores dos grupos 200, 210, 220 e 300.

Realizado com o apoio do Ministério da Cultura, do Centro de Literatura Portuguesa e do Município de Baião, propõe uma análise de personagens queirosianas como Carlos da Maia, Jacinto e Basílio, sem esquecer as figuras secundárias que enriquecem o universo narrativo de Eça.

A FEQ dispõe de bolsas de frequência para estudantes portugueses e estrangeiros cuja informação está disponível em https://feq.pt/actividades/ seminario-queirosiano/logicas-e-figuracoes-da-personagem-queirosiana/.

 

Na próxima quarta-feira, dia 30 de abril decorre nas suas instalações em Vila Nova de Gaia a partir das 19 horas a Feira Solidária do ISLA Gaia. O evento, organizado pela comunidade académica, inclui um concerto solidário a partir das 20h e disponibilizará uma zona alimentar, cujos resultados revertem para uma causa solidária, sendo esta realização aberta a toda a comunidade. A ASCR-CQ estará presente ara divulgar as suas atividades numa perspetiva de interação com as instituições universitárias gaienses.


 

Livros

Finalmente está disponível a edição crítica de A Cidade e as Serras publicada pela Imprensa Nacional, o vigésimo terceiro título das Obras de Eça de Queirós que decorre há três décadas de trabalho para restituir aos textos queirosianos a sua genuína fiabilidade por uma equipa de filólogos sob a direção do Professor Doutor Carlos Reis docente da Universidade de Coimbra. Tendo resultado da ampliação do conto Civilização, este romance foi publicado pela primeira vez em 1901, portanto após a morte do escritor em 16 de agosto de 1900, tendo sido objeto em muitas e variadas edições de intervenções apócrifas elaboradas com critérios muito discutíveis por Ramalho Ortigão e outros e de que a presente edição, com uma extensa introdução pelo Prof. Doutor Frank F. Sousa dá conta.

 

Distinções

Na Festa Literária Internacional de Paraty – Rio de Janeiro (FLIP), realizada a 11 de novembro de 2024, a Editor e rede internacional de Livrarias “Mágico de Oz” outorgou o Prémio Carioca de Excelência Ensaística à Prof.ª Doutora Annabela Rita, presidente da Academia Lusófona Luís de Camões, diretora da Associação Portuguesa de Escritores e confrade queirosiana.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 200, sexta-feira, 25 de abril de 2025; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana (Instituição de Utilidade Pública), Solar Condes de Resende, Travessa Condes de Resende, 110, 4410-264, Canelas, Vila Nova de Gaia; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação do blogue e publicação no jornal As Artes Entre As Letras: J. A. Gonçalves Guimarães; redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Cristina Petrescu; FAMP; FEQ..

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