Eça
& Outras, sábado, 25 de abril de 2015
Entregues à bicharada
Meus amigos, eu
não tenho qualquer pretensão de ter a ciência certa das coisas ou de ser uma
autoridade no que quer que seja. Muito pelo contrário vivo em permanente dúvida
metódica à procura da realidade possível quer no meu tempo, como cidadão
participativo, quer no que diz respeito ao passado, condição base do exercício
da minha profissão de arqueólogo e historiador. Ao longo da vida tenho-me
deparado com monumentais patranhas que passam por verdadeiras, quase nunca inocentes,
ou apenas fruto da burrice de quem as propala. Normalmente são divulgadas para
vender uma ideia, um local, uma instituição, cujos promotores confiam na falta
de capacidade ou de tempo por parte do público para quem as dirigem, para este as
interrogar, as comparar, as confirmar. E assim se vão propalando mitos e lendas
sem o menor sentido crítico, nomeadamente pelos setores ligados ao Turismo, que
acham que o turista é uma espécie de pateta alegre em trânsito que come o que
se lhe põe à frente, tira muitas fotografias, não leu nada sobre o sítio antes
da prosa que lhe disponibilizam nos flyers
e quando chegar a casa, entre os postais e as t-shirts que comprou, não vai
interrogar a veracidade das informações que lhe deram. Já em determinada
circunstância me encomendaram um texto sobre determinado aspeto histórico,
acrescentando que, para além de rapidez na sua elaboração, não valeria a pena
estar “com muitas investigações pois era para turistas”. Ao encomendante escapava
que a seriedade na minha profissão é um valor a ter em conta e que um texto
pode, ao mesmo tempo, ser agradável e correto. Mas adiante.
Nos
últimos tempos, por azar meu, tenho tropeçado em imenso lixo cultural servido
em bandejas de prata ou quase. Ele são os imaginários Caminhos de Santiago (que
tão bem aproveitam ao turismo galego); as gastronomias henriquinas que
espantariam o próprio Infante, pois de algumas delas nunca poderia ter ouvido
falar; Egas Moniz, o Aio, que, além de não ter ido a Leão com qualquer corda ao
pescoço (tal foi inventado no século XIII, muito depois da sua morte), terá frequentado
a Escola Médica de Lisboa e foi prémio Nobel (a sério! Isto estava no site de
uma junta de freguesia!); a carqueja que vinha do Brasil e era levada para uns
armazéns de Vinho do Porto que nunca existiram (isto foi publicado recentemente
num jornal de grande tiragem!); a “história” de um certo concelho em redondilha
maior publicada pele câmara local, a qual seria hilariante se não tivesse
custado dinheiro aos contribuintes; Eça a escrever “A Cidade e as Serras” em
Baião, certamente num bloco de apontamentos; um jornal que relata os
divertimentos de uma escola secundária em volta da memória de D. Pedro I, o do
século XIV, e o designer ilustra os
dados biográficos do dito com a imagem do D. Pedro I do Brasil, quarto de
Portugal, com a sua farda do século XIX; uma outra câmara que promove o erro
histórico, há muito plenamente rebatido, da falsa naturalidade de Fernão de
Magalhães, só porque um jornalista estrangeiro que investigou mal o caso tal
escreveu; o «não digas que D. Afonso Henriques terá nascido em Viseu que os de
Guimarães levam a mal»; monumentos geridos pelo Estado onde dificilmente encontraremos
alguma literatura sobre o mesmo, mas lá estão as habituais “preciosidades
literárias” ao lado dos galos de Barcelos, etc, etc. Chega. Não, não se trata
apenas de erros, de mitos e lendas para as criancinhas serem treinadas na
escola da falta de rigor e do “vale tudo” para subir na vida. Ele trata-se de um
fenómeno mais grave que é o da chegada ao poder local, regional e nacional da
geração da fotocópia, do jogo do “sabichão” e das suas mais recentes adaptações
à internet e mesmo ao telemóvel. O alardear de umas coisinhas culturais, sem
qualquer enquadramento ou espírito crítico, promovidas depois a “património”
por qualquer vendedor da banha da cobra bem estabelecido.
Convém
notar que já não estamos no século XIX, quando Garrett ou Consiglieri Pedroso
recolhiam as lendas populares para não se perderem as estorietas que a
insuficiência de instrução então ainda repetia, vindas diretamente da oralidade
ou, talvez o mais certo, vindas das poucas leituras acríticas de algum clero e
letrados do passado. Valiam como Literatura e base de trabalho antropológico ou
mesmo arqueológico. Depois daqueles eruditos mais alguns outros, até ao
presente, continuaram a fazer criteriosas recolhas, de relatos onde a
insuficiência de escola, o preconceito, ou pura e simplesmente a ignorância,
são por demais evidentes, mas não os embandeirando em arco numa inexistente
“história (com h) oral”, que, a existir, colocaria a cultura europeia ao nível
da dos povos caçadores-recoletores. Depois da democratização do ensino e da
difusão do positivismo, que vieram trazer o exercício da interrogação e as
chaves das interpretações, persistir na utilização acrítica da História,
nacional ou local, é emoldurar a ignorância e querer oferecê-la como prenda às
gerações vindouras. Já Eça de Queirós nos anos sessenta do século XIX tinha
constatado que « ( …entre nós, a mentira é um hábito público. Mente o homem, a
política, a ciência, o orçamento, a imprensa, os versos, os sermões, a arte, e
o país é todo ele uma grande consciência falsa. Vem tudo da educação.» (Uma Campanha Alegre). E esse desgraçado
hábito tem sido por demais evidente na História e nas outras Ciências Sociais,
onde muitos dos seus profissionais muitas vezes agem mais como clérigos do
ritual do que como cientistas da análise e da conclusão.
Antigamente
havia um grande problema com a conservação dos livros de papel que eram roídos
pelos bichos, vários invertebrados que assim destruíam os textos e as gravuras
privando-nos da sua totalidade ou, pelo menos, de boas partes do seu conteúdo;
agora há outras formas de conservar os textos, de os analisar e divulgar, mas
continuamos “entregues à bicharada” do nosso tempo, muito mais difícil de
expurgar e já profundamente entranhada no papel de parede do nosso tecido
cultural.
J.
A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria
In memoriam
Humberto Baquero Moreno
Faleceu no
passado dia 5 de abril o Professor Doutor Humberto Baquero Moreno, um dos
fundadores do Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia, desde
2004 Gabinete de História, Arqueologia e Património (GHAP) integrado na
Confraria Queirosiana. O ilustre finado nasceu em Lisboa em 1934 e era
licenciado em História e Filosofia, diplomado em Ciências Pedagógicas e doutor
em História da Idade Média pela Universidade de Lourenço Marques. Foi professor
catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e vice-reitor da Universidade
Portucalense, tendo sido também diretor do Arquivo Distrital do Porto e da Torre
do Tombo. Membro da Academia Portuguesa da História e de outras instituições nacionais
e internacionais deixa grande obra sobre a Idade Média portuguesa.
Irmanados
na recordação do seu professor, diretor, orientador e amigo, os atuais corpos
gerentes dos ASCR-CQ e os coordenadores e colaboradores do Gabinete de História,
Arqueologia e Património apresentaram a sua esposa e filho as suas sentidas
condolências tendo estado representados no seu funeral pelo presidente da
direção, José Manuel Tedim, e pelo coordenador do GHAP, J. A. Gonçalves
Guimarães, para além de outros consócios e confrades.
Eça no Brasil
Desta vez pela
mão de Carlos Reis, professor da Universidade de Coimbra, Eça de Queirós esteve
no Brasil em grande destaque no programa “Minha língua, minha pátria. Dois
países, uma semana, dez autores”, portugueses e brasileiros, promovido pelo
jornal Público na Livraria Cultura em São Paulo entre 10 e 15 de abril
passados. Inaugurado com a conferência “Eça de Queirós ou a língua como pátria
ausente”, aquele investigador aí aludiu às «incompreensões e mesmo atitudes de
rejeição crítica com que foi brindado pelos compatriotas, no país fechado e
mentalmente limitado que Portugal era, no século XIX», e ainda ao seu «… horror
pelo purismo e pela vernaculidade conservadora» do tratamento da língua,
situação que, em muitos casos, hoje se repete escusadamente, dizemos nós.
A
ouvi-lo na plateia, entre muitos outros, estiveram Elza Miné, especialista
brasileira na obra do escritor, e Maria Adelaide Amaral, adaptadora de Os Maias
para a Rede Globo em 2001.
Foram
ainda lembradas as edições em folhetim das obras de Eça no Brasil e a crítica
que Machado de Assis lhes fez e que o escritor considerou nas edições
seguintes.
O
programa prosseguiu com os restantes escritores a apresentarem as suas obras
(Informação retirada do jornal Público).
Atividades culturais
No passado dia 1
de abril na Universidade Portucalense o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues,
presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, proferiu uma conferência
sobre “Um desafio à criatividade na Política”, seguida de debate.
No
dia 11 de abril uma delegação de sócios e confrades dos Amigos do Solar Condes
de Resende – Confraria Queirosiana, a convite da Confraria da Doçaria
Conventual de Tentúgal, deslocou-se a esta linda terra do Mondego a qual, se é
certo que é conhecida pelos seus doces, não o deveria ser menos pelo seu património
histórico e artístico. Nesta terra de D. Sesnando, os visitantes foram
recebidos pela Dr.ª Olga Cavaleiro, presidente da direção daquela Confraria,
tendo em seguida visitado a igreja da Misericórdia, o convento do Carmo e a
igreja do Mourão, onde o Prof. José Manuel Tedim falou sobre a arte coimbrã da
Renascença, seguindo-se a visita a uma unidade de fabrico dos célebres pastéis,
onde os viram confecionar e os degustaram. O jantar decorreu na Quinta das
Lágrimas, promovido pelo Rotary Club de Coimbra-Sul, após o qual J. A.
Gonçalves Guimarães falou aos presentes sobre “O Porto e os seus mitos”.
No
dia 18 de abril Eduardo Vítor Rodrigues foi moderador num colóquio sobre “O
problema das crianças hiperativas” que teve lugar no Mosteiro de Corpus Christi
em Gaia e no qual participou também o médico psiquiatra e psicanalista Jaime
Milheiro, que falou sobre “Uma criança a crescer”, além de outros
intervenientes.
O
Dia Internacional dos Monumentos e Sítios (18 de abril) foi comemorado pelo
Solar Condes de Resende através da sua participação no Encontro do Castelo.
Histórias e Memórias de Crestuma, organizado pela associação CRASTUMIA e pelo
Gabinete de História, Arqueologia e Património dos ASCR-Confraria Queirosiana
(GHAP) o qual se realizou na sede da Junta de Freguesia de Crestuma, tendo
reunido para cima de sessenta participantes. Foram palestrantes, entre outros, António
Manuel Silva, que falou “Para além do Castelo: revisitando o património
arqueológico de Crestuma” e, em colaboração com J. A. Gonçalves Guimarães,
sobre “Arqueologia do Castelo de Crestuma: desafios e novidades”. A sessão terminou
com Fátima Teixeira sobre “A Companhia de Fiação de Crestuma. Cem anos de
história: novos contributos”. No átrio da junta de freguesia estará exposta
durante um mês a exposição itinerante “Castelo de Crestuma: a Arqueologia em
busca da História”, organizada pelo GHAP com o patrocínio das Águas e Parque
Biológico de Gaia.
No
próximo dia 30 de abril, J. A. Gonçalves Guimarães, nas habituais palestras da
última quinta-feira do mês do Solar às 21,30 horas, falará sobre “As Guerras
Coloniais: uma visão pessoal de historiador”.
Para
o mês que se segue, entre outras atividades, está prevista a participação dos
funcionários e investigadores tarefeiros membros do GHAP da Confraria
Queirosiana no 1º Encontro de História e Património de Mafamude, organizado
pelos Amigos de Gaia e pela respetiva junta de freguesia, que decorrerá a 16 de
maio, sábado, e onde serão palestrantes, entre outros, J. A. Gonçalves
Guimarães sobre “Bibliografias de mafamudenses ilustres”; Maria de Fátima
Teixeira sobre “A indústria têxtil em Mafamude”; Licínio Santos sobre “Cultura
e lazer operário em Mafamude no final da Monarquia ao início da República
(1893-1914); Susana Moncóvio sobre “O escultor Joaquim Gonçalves da Silva
(1863-1912): a propósito da estátua funerária “A Dor”, no cemitério de
Mafamude”; Teresa Campos Santos sobre “Paulino Gonçalves: um pintor de
Mafamude”; Nuno Gomes Oliveira sobre “Viveiros da Quinta da Telheira, Santo
Ovídio – a biodiversidade perdida”; Eva Baptista sobre “O legado Mourão: vicissitudes
da criação de uma escola em Mafamude, concelho de Vila Nova de Gaia”; Sílvia Santos,
sobre “A indústria do vidro em Mafamude no século XIX; e J. A. Gonçalves
Guimarães; Fátima Teixeira e Eva Baptista sobre “Educação Cívica e Património
Local (Atividade de Enriquecimento Curricular). Potencialidades da sua
implementação em Mafamude”.
Livros e autores
A.
Campos Matos
Deverá aparecer em breve no mercado livreiro o novo “Dicionário de Eça de Queiroz”, organizado e coordenado por A. Campos Matos e editado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, o maior e mais completo repositório de análises sobre o universo queirosiano jamais publicado, fruto do trabalho de toda uma vida a tal dedicada, que irá continuar a oferecer-nos nos próximos tempos novidades sobre esta temática em outras obras de sua autoria.
J.
Rentes de Carvalho
Sobre
este escritor passou no dia 7 de abril um documentário na RTP2 intitulado
“Memórias do Século XX: J. Rentes de carvalho – Tempo Contado” de António Pedro
Vasconcelos e Leandro Ferreira, parcialmente filmado no Solar Condes de
Resende.
Entretanto
a casa onde nasceu em 1930 em Vila Nova de Gaia, situada no Monte dos Judeus,
encontra-se à venda, procurando a Confraria Queirosiana que a mesma seja
transformada num polo cultural de uma área do Centro Histórico de Gaia que
carece de beneficiação urbana e social, e onde a memória do local, do escritor
e das relações entre Portugal e a Holanda, sejam preservadas e dinamizadas. A
proposta pretende que tal programa seja apadrinhado pela autarquia local e
pelas empresas de Vinho do Porto. Entretanto numa recente visita ao local o
mesário-mor da Confraria Queirosiana propôs que a câmara retire o pouco sensato
nome de Monte Coimbra com que no final dos anos vinte do século passado
procurou fazer esquecer a designação do antigo nome de Monte dos Judeus pelo
qual sempre foi e é conhecido.
Joaquim
Santos
Jornalista
profissional em Leiria e colaborador desta nossa página virtual, é também autor
de vários livros dos quais agora nos apresenta “Dispersos sentimentos” (textos
poéticos em prosa e verso) com ilustrações de Rui Martins; “Quilate de
Sentimentos” (poemas), com ilustrações de Sandrine Vieira, e “Portugal precisa
de um Salvador”, uma parábola política, também com ilustrações de Sandrine
Vieira, todos editados pela Inforletra no final de 2014.
Outras
Assembleia
Geral da FAMP
Decorreu
no passado dia 18 de abril no Museu Soares dos Reis no Porto a Assembleia Geral
da Federação Amigos dos Museus de Portugal, na qual está filiada a associação
Amigos do Solar Condes de Resende-Confraria Queirosiana, que teve a representá-la
o membro diretivo Carlos Sousa.
O
próximo encontro mundial, onde estará presente a Federação portuguesa,
decorrerá na cidade do México de 11 a 14 de junho próximo.
Viagem
ao Egito queirosiano
Como previsto e
divulgado nesta página, decorreu entre os dias 26 de março e 6 de abril passado
mais uma viagem ao Egito queirosiano guiada pelo professor da Universidade de
Lisboa e diretor da Revista de Portugal, o egiptólogo Luís Manuel de Araújo, a
qual se realizou com plena satisfação dos que nela participaram.
Segue-se
a visita aos grandes museus na Europa com coleções egípcias, entre 13 e 23 de
agosto e, no final do ano, a visita à Terra Santa queirosiana, entre 26 de
dezembro e 3 de janeiro.
Exposição
de retratos
Na
próxima terça-feira, dia 28 de abril, pelas 18 horas, abre ao público na
galeria da Biblioteca Municipal de Cinfães, uma exposição de retratos do pintor
Major Simões Duarte, uma mostra selecionada das suas obras em que predominam a
figura feminina e a maternidade em vários continentes.
_____________________________
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 78 –
sábado, 25 de abril de 2015
Cte. n.º
506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN:PT50001800005536505900154;Email:queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J.
A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia
Cabral; colaboração: Arquivo Solar Condes de Resende; José Manuel Tedim; A.
Campos Matos; J. Rentes de Carvalho; Joaquim Santos; Luís Manuel de Araújo;
Faraó & Companhia blogue.
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