Eça & Outras, sexta-feira, 25 de abril de 2014
1 Carta
a J. Rentes de Carvalho
Meu Caro José
Esperei ansiosamente o seu livro Portugal. A Flor e a Foice. Li-o de fio
a pavio. Voltei a lê-lo e a anotá-lo. Voltei a relê-lo. Estou certo que
voltarei a folheá-lo. E, curiosamente, pareceu-me que já o tinha lido, mesmo
sem termos ainda passado por outra encarnação: ou porque já li uma boa parte da
sua obra e textos dispersos, ou porque conversamos sobre a edição holandesa, ou
porque o conheço quanto baste. Talvez porque também tenha visto no livro uma
daquelas reflexões que interessam sobre o 25 de Abril e que ainda não tinha
lido de quem o viveu assim de perto, com uma tão grande e desgostosa lucidez.
Tomara que nos tivéssemos enganado, que afinal a esperança tivesse sido para
valer e chegado a redenção da Pátria e da nossa gente. Mas não, nada disso
aconteceu, como todos sabemos. Estamos hoje genericamente melhor porque pior
era impossível. Em 1974, atrás de nós, o país do iluminado de Santa Comba, só
mesmo a Albânia e até houve quem de nós quisesse fazer os albaneses do ocidente
depois daquela data.
Quando se deu o golpe militar estava eu em
Moçambique no serviço militar obrigatório, desde 9 de Março. Não acreditei no
interesse do golpe das Caldas, nem na ação dos spinolistas, além das movimentações
políticas do general Kaúlza, cujo “Nó Górdio” ficou cada vez mais apertado onde
eu estava. Tudo isso era problema deles, dos militares do quadro, já que era
assim que colocavam as questões. Nós, os milicianos mais politizados, apenas
queríamos então pouca coisa: acabar com aquela guerra estúpida, onde éramos a
principal “carne para canhão”; conseguir para as colónias um estatuto decente
no contexto internacional e nacional aceite pelos naturais (como tinha
acontecido no Brasil em 1822!) e retomarmos a nossa vida profissional num país
mais sensato e capaz. Não era pedir muito. Tudo o resto era o confronto dos
diversos grupos sociais e económicos, nacionais e internacionais, que tinham
interesses, ainda que aparentemente antagónicos, nas colónias e na guerra
colonial, todos eles vindos do salazarismo, o regime acinzentador, onde se “era
muito culto” por ler as Selecções do
Reader’s Digest, vindas da América da civilização ocidental, ou, no caso
dos meninos universitários «com a China na bota e o papá na algibeira» (Ary dos
Santos), o Livro Vermelho de Mao, um
sujeito sobre quem tinham uma vaguíssima ideia, mas mais simpático do que o
façanhudo Estaline e sucessores e menos incómodo do que Che Guevara. Afinal era
quase um mandarim! Logo nas primeiras notícias, nos primeiros contactos com
estes redentores, também me dei conta, desconfiado, da caterva de charlatães a
haver. E eles cresceram como cogumelos. Em nome da Revolução e da Democracia.
Ámen.
Tive o privilégio de ouvir contar as operações
militares na primeira pessoa pelo próprio Salgueiro Maia e tal bateu certo com
a generosidade completamente desinteressada que no seu livro atribui a alguns
militares. O Capitão de Abril viu anos depois ser-lhe negada, quando dela mais
precisava, a pensão que o Estado atribuiu a outros; o mesmo Estado que tem distribuído
condecorações, benesses e mordomias a quem tem posto os interesses pessoais e
de casta acima dos direitos das classes produtivas. E já que cita o nosso
patrono, deste seu livro e de si não poderia Eça de Queirós escrever como o fez
a Oliveira Martins, a comentar-lhe os excessos descritivos do Nun’Alvares: «Também não me agradam
muito certas minudências do detalhe plástico, como a notação dos gestos, etc.
Como os sabes tu?... Estavas lá? Viste?...» (Eça de Queirós, Correspondência, 2.º volume, carta de
26.04.1894 a Oliveira Martins). Ora no seu livro não existem, felizmente,
«esses traços… [que]… criam uma vaga desconfiança» (idem).
É que o José conheceu de perto os intervenientes, os
protagonistas, esteve lá, falou com eles, viu a revolução de perto e com
certeza com aquela alma generosa e profundamente crente na redenção humana, malgré tout, que eu lhe conheço, teria
gostado imenso que tudo tivesse dado certo e que voltássemos todos a dançar nas
ruas.
Mas não me desculpe o povo: sei que isso é uma
generosa tradição dos pensadores dos séculos XIX e XX, como o próprio Eça e
outros até aos dias de hoje, que viram nele o último reduto da moral após a
falência das outras classes sociais depois da Revolução Francesa. Mas em 1974
já estávamos a entrar no último quartel do século XX. Se os D. Sebastiões
existiram noutras épocas, havia então a miséria indescritível, o analfabetismo,
a Inquisição, as ameaças dos infernos, as vagas promessas das bem-aventuranças
celestiais e a obstinação de converter o inimigo à nossa paranoia institucional,
na realidade aos nossos interesses. Mas nos nossos dias, depois de cento e
cinquenta anos de sincero esforço de tantos homens e mulheres pela causa do
ensino e da divulgação do conhecimento, do acesso fácil e grátis ao livro e à
leitura, das liberdades de convívio e de debate de ideias entretanto
conquistadas, da libertação da mulher no ocidente, do respeito pelas diferenças
de etnia, de cor de pele, de religião, de ideologia, de costumes e maneiras de
ser e estar, que não têm de ser aceitações caladas e acéfalas mas procuras de
reciprocidades fraternas, depois de tudo isto que custou a vida e o bem-estar a
tantos santos sociais, seria de esperar que o povo já não acreditasse em
charlatães e apoiasse e elegesse os mais capazes, os mais sensatos, os mais
honestos. Mas não foi, nem tem sido, isso que aconteceu: o povo continuou, as
mais das vezes, a acreditar na sorte, na chico-espertice, nos dribles do futebol e só se queixa de
tudo quando não pode ir de férias fazer nada. É triste, José, mas não vale a
pena iludirmo-nos. E, no entanto, a esperança permanecerá, pois estamos a falar
da família, de gente igual a nós. E também teremos falhado, mesmo quando apenas
encolhemos os ombros, as mais das vezes por cansaço.
Como todos os acontecimentos marcantes na nossa
História, o 25 de Abril criou desde logo os seus próprios mitos, ou foram-lhos
criando. Com este seu livro corre o risco de, ou não acreditarem no que
escreveu, ou concluírem mesmo que Portugal foi criado e só existe por milagre.
Os que não viveram aqueles dias dificilmente saberão do que está a falar. O
enquadrar o 25 de Abril na longa sequência da História pátria de mitos de
estimação é de mestre, mas tem os seus riscos, pois cada viragem acredita-se
genesíaca. Também aqui auguro que não lhe darão aplausos. Ainda não estamos a
fazer história, pois as pessoas ainda estão vivas: os futuros historiadores, a
serem sensatos e honestos, não poderão ignorar este seu depoimento, mas ele é-nos
mais útil nos dias de hoje, Mas creio que só o futuro o aproveitará, pois
continuará a ser difícil contrariar o triste destino matricial, habituados que
estamos ao encortiçado cordão umbilical das nossas próprias desgraças.
O 25 de Abril foi uma estação de comboio nas nossas
vidas onde pensávamos mudar o destino, mas o novo comboio só teve bilhetes para
os do costume. Os que sempre se interrogam não tiveram outro remédio senão voltar
à estação habitual, com novo visual, é certo, mas onde ainda não vislumbraram novo
trajeto. Alguns continuam a ver passar os comboios. Outros desistiram e foram
embora, a pé.
Em Portugal a foice cortou cerce a flor e não a
deixou dar fruto. O cravo vermelho, que já foi noutros tempos a flor da causa
miguelista, não dá polpa que se coma. Resta-nos voltar a pegar noutras sementes
e recomeçar nova lavra da esperança.
Obrigado pelo seu livro, José. Um grande abraço do
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria
Livros
No
passado dia 5 de Abril no Regimento de Artilharia n.º 4 em Leiria foi feito o
lançamento do livro “O Jornalismo Leiriense e a Grande Guerra” da autoria do
nosso consócio Joaquim Santos, o qual resultou da sua investigação para tese de
Mestrado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
O
presente estudo constitui um interessante contributo para a história da Grande
Guerra, e da sua relação com a cidade e região de Leiria nas primeiras décadas
do século XX e da participação dos seus naturais no grande conflito mundial que
enlutou o país.
No
passado dia 11 de Abril, Anabela Mimoso lançou em Lisboa na Casa dos Açores o
livro “Rebelo de Bethencourt: Raízes de Basalto”, editado por Seixo Publishers
e apresentado por Eduíno de Jesus, sobre este jornalista e poeta açoriano
nascido em 1894, que fez parte da Geração Coimbrã e que em 1920 também escreveu
«A hora é de incerteza mas é também de esperança. E essa hora de esperança,
hora prometedora da nossa ressurreição, soará no dia em que, estrangeiros que
somos, alcançaremos a nossa autonomia moral, deixando de ser os outros, para
voltarmos a ser de novo e definitivamente – portugueses».
No
próximo dia 29 de Abril, na Taylorian Institution da Universidade de Oxford,
UK, a Professora Teresa Pinto Coelho, da Universidade Nova de Lisboa,
especialista em Relações Anglo-portuguesas, lançará o seu livro, Eça de Queirós
and the Victorian Pres, editado pela Tamesis, Londres e Nova Iorque.
Estarão
presentes o Dr. João de Vallera, embaixador de Portugal no Reino Unido, e o
Professor Emérito Tom Earle do King John II of Portuguese Studies.
Congressos, colóquios e
palestras
Nos
passados dias 11 e 12 de Abril decorreu na Universidade Católica do Porto o II
Congresso O Porto Romântico, no qual participaram com comunicações os sócios e
confrades Francisco Ribeiro da Silva, Laura Peixoto de Sousa, Teresa Campos dos
Santos e Susana Moncóvio, as quais serão publicadas nas respetivas atas.
No
dia 15 seguinte, o mesário-mor da Confraria Queirosiana, J. A. Gonçalves
Guimarães, esteve presente no “Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.
Lugares de Memória”, comemorado pela Misericórdia de Gaia em volta do seu
património doado por António Almeida da Costa, antigo empresário e proprietário
da Fabrica de Cerâmica e da Fundição das Devesas, tendo na ocasião dissertado
sobre a bibliografia sobre este notável complexo industrial e artístico desde
os anos 70 do século passado até às mais recentes teses de mestrado e
doutoramento sobre o mesmo, ao que se seguiu uma visita aos diversos edifícios
na posse desta entidade que os pretende preservar, valorizar e divulgar
mantendo-se fiel ao espírito do doador e à sua missão social.
No
próximo dia 29 de Abril, pelas 21,30 horas, decorrerá no Solar Condes de
Resende um colóquio subordinado ao tema «”Mudam-se os Tempos. Mudam-se as
Vontades”; a década antes do 25 de Abril», organizado pelos Amigos do Solar
Condes de Resende – Confraria Queirosiana e integrado nas comemorações oficiais
do Município de Vila Nova de Gaia. Serão intervenientes: Eduardo Vítor
Rodrigues Sociólogo e presidente da Câmara; Jaime Milheiro, Psiquiatra e
Psicanalista; Joaquim Armindo Pinto de Almeida; Diácono da Igreja Católica e
Engenheiro; e J. A. Gonçalves Guimarães, Historiador. Este colóquio pretende
lembrar os acontecimentos mundiais, nacionais e locais que deram origem ao 25
de Abril e às suas consequências.
Curso sobre Joalharia
Organizado
pela Confraria Queirosiana, decorrerá durante o mês de Maio, no Solar Condes de
Resende, o curso livre sobre Classificação, Avaliação e Restauro de Jóias, em
que será formadora Marília Ferreira, Avaliadora Oficial da Casa da Moeda.
As
sessões, num total de 8 de duas horas cada, decorrerão às quartas das 13 às 15. A frequência do curso
implica prévia inscrição e aos formandos será passado um certificado.
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Eça
& Outras, IIIª. Série, n.º 68 – sexta-feira, 25 de abril de 2014
Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154
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eca-e-outras .blogspot .pt; vinhosdeeca.blogspot.pt; academiaecadequeiros.blogspot.pt;
coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira;
inserção: Amélia Cabral.
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