quinta-feira, 24 de abril de 2014

Eça & Outras, sexta-feira, 25 de abril de 2014


1        Carta a J. Rentes de Carvalho

Meu Caro José

Esperei ansiosamente o seu livro Portugal. A Flor e a Foice. Li-o de fio a pavio. Voltei a lê-lo e a anotá-lo. Voltei a relê-lo. Estou certo que voltarei a folheá-lo. E, curiosamente, pareceu-me que já o tinha lido, mesmo sem termos ainda passado por outra encarnação: ou porque já li uma boa parte da sua obra e textos dispersos, ou porque conversamos sobre a edição holandesa, ou porque o conheço quanto baste. Talvez porque também tenha visto no livro uma daquelas reflexões que interessam sobre o 25 de Abril e que ainda não tinha lido de quem o viveu assim de perto, com uma tão grande e desgostosa lucidez. Tomara que nos tivéssemos enganado, que afinal a esperança tivesse sido para valer e chegado a redenção da Pátria e da nossa gente. Mas não, nada disso aconteceu, como todos sabemos. Estamos hoje genericamente melhor porque pior era impossível. Em 1974, atrás de nós, o país do iluminado de Santa Comba, só mesmo a Albânia e até houve quem de nós quisesse fazer os albaneses do ocidente depois daquela data.
Quando se deu o golpe militar estava eu em Moçambique no serviço militar obrigatório, desde 9 de Março. Não acreditei no interesse do golpe das Caldas, nem na ação dos spinolistas, além das movimentações políticas do general Kaúlza, cujo “Nó Górdio” ficou cada vez mais apertado onde eu estava. Tudo isso era problema deles, dos militares do quadro, já que era assim que colocavam as questões. Nós, os milicianos mais politizados, apenas queríamos então pouca coisa: acabar com aquela guerra estúpida, onde éramos a principal “carne para canhão”; conseguir para as colónias um estatuto decente no contexto internacional e nacional aceite pelos naturais (como tinha acontecido no Brasil em 1822!) e retomarmos a nossa vida profissional num país mais sensato e capaz. Não era pedir muito. Tudo o resto era o confronto dos diversos grupos sociais e económicos, nacionais e internacionais, que tinham interesses, ainda que aparentemente antagónicos, nas colónias e na guerra colonial, todos eles vindos do salazarismo, o regime acinzentador, onde se “era muito culto” por ler as Selecções do Reader’s Digest, vindas da América da civilização ocidental, ou, no caso dos meninos universitários «com a China na bota e o papá na algibeira» (Ary dos Santos), o Livro Vermelho de Mao, um sujeito sobre quem tinham uma vaguíssima ideia, mas mais simpático do que o façanhudo Estaline e sucessores e menos incómodo do que Che Guevara. Afinal era quase um mandarim! Logo nas primeiras notícias, nos primeiros contactos com estes redentores, também me dei conta, desconfiado, da caterva de charlatães a haver. E eles cresceram como cogumelos. Em nome da Revolução e da Democracia. Ámen.
Tive o privilégio de ouvir contar as operações militares na primeira pessoa pelo próprio Salgueiro Maia e tal bateu certo com a generosidade completamente desinteressada que no seu livro atribui a alguns militares. O Capitão de Abril viu anos depois ser-lhe negada, quando dela mais precisava, a pensão que o Estado atribuiu a outros; o mesmo Estado que tem distribuído condecorações, benesses e mordomias a quem tem posto os interesses pessoais e de casta acima dos direitos das classes produtivas. E já que cita o nosso patrono, deste seu livro e de si não poderia Eça de Queirós escrever como o fez a Oliveira Martins, a comentar-lhe os excessos descritivos do Nun’Alvares: «Também não me agradam muito certas minudências do detalhe plástico, como a notação dos gestos, etc. Como os sabes tu?... Estavas lá? Viste?...» (Eça de Queirós, Correspondência, 2.º volume, carta de 26.04.1894 a Oliveira Martins). Ora no seu livro não existem, felizmente, «esses traços… [que]… criam uma vaga desconfiança» (idem).
É que o José conheceu de perto os intervenientes, os protagonistas, esteve lá, falou com eles, viu a revolução de perto e com certeza com aquela alma generosa e profundamente crente na redenção humana, malgré tout, que eu lhe conheço, teria gostado imenso que tudo tivesse dado certo e que voltássemos todos a dançar nas ruas.
Mas não me desculpe o povo: sei que isso é uma generosa tradição dos pensadores dos séculos XIX e XX, como o próprio Eça e outros até aos dias de hoje, que viram nele o último reduto da moral após a falência das outras classes sociais depois da Revolução Francesa. Mas em 1974 já estávamos a entrar no último quartel do século XX. Se os D. Sebastiões existiram noutras épocas, havia então a miséria indescritível, o analfabetismo, a Inquisição, as ameaças dos infernos, as vagas promessas das bem-aventuranças celestiais e a obstinação de converter o inimigo à nossa paranoia institucional, na realidade aos nossos interesses. Mas nos nossos dias, depois de cento e cinquenta anos de sincero esforço de tantos homens e mulheres pela causa do ensino e da divulgação do conhecimento, do acesso fácil e grátis ao livro e à leitura, das liberdades de convívio e de debate de ideias entretanto conquistadas, da libertação da mulher no ocidente, do respeito pelas diferenças de etnia, de cor de pele, de religião, de ideologia, de costumes e maneiras de ser e estar, que não têm de ser aceitações caladas e acéfalas mas procuras de reciprocidades fraternas, depois de tudo isto que custou a vida e o bem-estar a tantos santos sociais, seria de esperar que o povo já não acreditasse em charlatães e apoiasse e elegesse os mais capazes, os mais sensatos, os mais honestos. Mas não foi, nem tem sido, isso que aconteceu: o povo continuou, as mais das vezes, a acreditar na sorte, na chico-espertice, nos dribles do futebol e só se queixa de tudo quando não pode ir de férias fazer nada. É triste, José, mas não vale a pena iludirmo-nos. E, no entanto, a esperança permanecerá, pois estamos a falar da família, de gente igual a nós. E também teremos falhado, mesmo quando apenas encolhemos os ombros, as mais das vezes por cansaço.
Como todos os acontecimentos marcantes na nossa História, o 25 de Abril criou desde logo os seus próprios mitos, ou foram-lhos criando. Com este seu livro corre o risco de, ou não acreditarem no que escreveu, ou concluírem mesmo que Portugal foi criado e só existe por milagre. Os que não viveram aqueles dias dificilmente saberão do que está a falar. O enquadrar o 25 de Abril na longa sequência da História pátria de mitos de estimação é de mestre, mas tem os seus riscos, pois cada viragem acredita-se genesíaca. Também aqui auguro que não lhe darão aplausos. Ainda não estamos a fazer história, pois as pessoas ainda estão vivas: os futuros historiadores, a serem sensatos e honestos, não poderão ignorar este seu depoimento, mas ele é-nos mais útil nos dias de hoje, Mas creio que só o futuro o aproveitará, pois continuará a ser difícil contrariar o triste destino matricial, habituados que estamos ao encortiçado cordão umbilical das nossas próprias desgraças.
O 25 de Abril foi uma estação de comboio nas nossas vidas onde pensávamos mudar o destino, mas o novo comboio só teve bilhetes para os do costume. Os que sempre se interrogam não tiveram outro remédio senão voltar à estação habitual, com novo visual, é certo, mas onde ainda não vislumbraram novo trajeto. Alguns continuam a ver passar os comboios. Outros desistiram e foram embora, a pé.
Em Portugal a foice cortou cerce a flor e não a deixou dar fruto. O cravo vermelho, que já foi noutros tempos a flor da causa miguelista, não dá polpa que se coma. Resta-nos voltar a pegar noutras sementes e recomeçar nova lavra da esperança.
Obrigado pelo seu livro, José. Um grande abraço do

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria

Livros



No passado dia 5 de Abril no Regimento de Artilharia n.º 4 em Leiria foi feito o lançamento do livro “O Jornalismo Leiriense e a Grande Guerra” da autoria do nosso consócio Joaquim Santos, o qual resultou da sua investigação para tese de Mestrado na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
O presente estudo constitui um interessante contributo para a história da Grande Guerra, e da sua relação com a cidade e região de Leiria nas primeiras décadas do século XX e da participação dos seus naturais no grande conflito mundial que enlutou o país.




No passado dia 11 de Abril, Anabela Mimoso lançou em Lisboa na Casa dos Açores o livro “Rebelo de Bethencourt: Raízes de Basalto”, editado por Seixo Publishers e apresentado por Eduíno de Jesus, sobre este jornalista e poeta açoriano nascido em 1894, que fez parte da Geração Coimbrã e que em 1920 também escreveu «A hora é de incerteza mas é também de esperança. E essa hora de esperança, hora prometedora da nossa ressurreição, soará no dia em que, estrangeiros que somos, alcançaremos a nossa autonomia moral, deixando de ser os outros, para voltarmos a ser de novo e definitivamente – portugueses».




No próximo dia 29 de Abril, na Taylorian Institution da Universidade de Oxford, UK, a Professora Teresa Pinto Coelho, da Universidade Nova de Lisboa, especialista em Relações Anglo-portuguesas, lançará o seu livro, Eça de Queirós and the Victorian Pres, editado pela Tamesis, Londres e Nova Iorque.
Estarão presentes o Dr. João de Vallera, embaixador de Portugal no Reino Unido, e o Professor Emérito Tom Earle do King John II of Portuguese Studies.

Congressos, colóquios e palestras

Nos passados dias 11 e 12 de Abril decorreu na Universidade Católica do Porto o II Congresso O Porto Romântico, no qual participaram com comunicações os sócios e confrades Francisco Ribeiro da Silva, Laura Peixoto de Sousa, Teresa Campos dos Santos e Susana Moncóvio, as quais serão publicadas nas respetivas atas.

No dia 15 seguinte, o mesário-mor da Confraria Queirosiana, J. A. Gonçalves Guimarães, esteve presente no “Dia Internacional dos Monumentos e Sítios. Lugares de Memória”, comemorado pela Misericórdia de Gaia em volta do seu património doado por António Almeida da Costa, antigo empresário e proprietário da Fabrica de Cerâmica e da Fundição das Devesas, tendo na ocasião dissertado sobre a bibliografia sobre este notável complexo industrial e artístico desde os anos 70 do século passado até às mais recentes teses de mestrado e doutoramento sobre o mesmo, ao que se seguiu uma visita aos diversos edifícios na posse desta entidade que os pretende preservar, valorizar e divulgar mantendo-se fiel ao espírito do doador e à sua missão social.

No próximo dia 29 de Abril, pelas 21,30 horas, decorrerá no Solar Condes de Resende um colóquio subordinado ao tema «”Mudam-se os Tempos. Mudam-se as Vontades”; a década antes do 25 de Abril», organizado pelos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana e integrado nas comemorações oficiais do Município de Vila Nova de Gaia. Serão intervenientes: Eduardo Vítor Rodrigues Sociólogo e presidente da Câmara; Jaime Milheiro, Psiquiatra e Psicanalista; Joaquim Armindo Pinto de Almeida; Diácono da Igreja Católica e Engenheiro; e J. A. Gonçalves Guimarães, Historiador. Este colóquio pretende lembrar os acontecimentos mundiais, nacionais e locais que deram origem ao 25 de Abril e às suas consequências.

Curso sobre Joalharia



Organizado pela Confraria Queirosiana, decorrerá durante o mês de Maio, no Solar Condes de Resende, o curso livre sobre Classificação, Avaliação e Restauro de Jóias, em que será formadora Marília Ferreira, Avaliadora Oficial da Casa da Moeda.
As sessões, num total de 8 de duas horas cada, decorrerão às quartas das 13 às 15. A frequência do curso implica prévia inscrição e aos formandos será passado um certificado.



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Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 68 – sexta-feira, 25 de abril de 2014
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