Património dos
lugares
Decorreu
recentemente o concurso 7 Maravilhas de Gaia, promovido pelo jornal O
Gaiense, que veio assim proporcionar uma reflexão pública sobre o
património existente na área deste município que, como é sabido, é um dos
maiores do país em território, em população e em outros valores, alguns
ignorados, outros pouco conhecidos, todos suscetíveis de serem mais divulgados.
Tendo sido o autor
destas linhas convidado para integrar o júri formado por sete personalidades de
diversas áreas relacionadas com a cultura, a arte, a natureza e o turismo,
penso que por ser profissional do Património, o que se segue é apenas uma sua reflexão
a convidar ao diálogo sobre o tema desta iniciativa.
Antes de mais, o regulamento do concurso
condicionou o património em análise ao apresentado pelas Juntas de Freguesia, e
o que cada uma delas considera que é o “seu”, seja ele propriedade privada,
institucional, municipal, regional, nacional e até Património Cultural da
Humanidade, tendo sido escolhidos os edifícios e sítios mais visíveis e pouco
mais. O sentimento de “pertença” reside aqui no facto de serem aquelas
entidades as que representam os cidadãos que votam no território onde se
encontram os elementos considerados. Tal aspeto condicionou, em muitos casos
negativamente, o conceito que esteve por detrás das escolhas, originando
lacunas, só aparentemente incompreensíveis. É pois interessante o
interrogarmo-nos sobre qual o conceito de património que têm os autarcas locais
e o respetivo executivo ou, em última análise, os seus eleitores, que neste
concurso também se pronunciaram sobre o que eles indicaram. Será útil, por
exemplo, interrogarmo-nos sobre a candidatura de elementos recentes de duvidoso
interesse arquitetónico ou outro, ou ainda sem “curriculum” para serem já
julgados como elementos identificadores de uma comunidade. É que o património,
para além de uma boa dose de qualidade, tem de ter uma razoável quantidade de
memória própria, e não idealizada ou desejada por qualquer pessoa ou grupo.
Ainda que muito individualizado, é sempre coletivo, pois é a comunidade em
geral que o suporta e nele se revê. Ou não.
Foram também apresentados elementos
que afetam negativamente a população, como praias fluviais onde todos os anos
morre gente, ou que a mantêm num estado de menoridade intelectual,
analfabetismo cultural, crendices, patologia mental e social, etc. Será isto
património? Se é certo que compete aos patrimoniólogos e aos cidadãos em geral
respeitarem essas manifestações e procurarem entendê-las, outra coisa muito
diferente é promovê-las como “maravilhas”. A compreensão implica respeito, mas
não necessariamente aceitação acéfala, pois a cultura e a ciência não tencionam
retroceder aos tempos obscuros da barbárie de que, felizmente, já estamos
longe. O património é pois um conceito valorativo e não uma mera constatação de
existências.
Outro aspeto pouco positivo foi a
apresentação de elementos que sofreram graves atentados patrimoniais ou em que
foram feitas obras “à má fila”, à revelia do que está legislado, do concurso de
profissionais competentes e sobretudo com falta de bom senso. Ou a apresentação
da candidatura de estações arqueológicas vandalizadas ou ainda pouco estudadas
e, de todo, sem programa de valorização enquanto tal, o que aliás também
acontece com alguns dos edifícios e monumentos apresentados.
Foram mesmo propostos edifícios
degradados, banalidades, coisas só conhecidas lá na rua. E também monumentos a
que se atribuíram classificações erradas ou imaginárias, “tradições”
absolutamente recentes como “coisa antiga”, frutos da terra hoje sem qualquer
produção local significativa, profissões que já não existem ou que existiram um
pouco por toda a parte, e muito disto inicialmente descrito em textos com erros
históricos grosseiros, com atribuições não sustentadas pela investigação,
falsas ou incompletas descrições, invencionices recentes. Aliás não eram
assinados, logo eram “coletivos”, alguns deles fruto de leitura de informação
há muito desatualizada, muita dela “disponível na internet”, mas errada.
Para quem gosta de estatísticas, dos
elementos apresentados e escolhidos, no que se refere à sua gestão, 37,5% são
da responsabilidade de concordata entre o Estado e a Igreja Católica (9 casos);
33,3% da gestão autárquica municipal (8 casos); 20% de acordos de gestão entre
o Estado e a Câmara Municipal (5 casos); 8,3% de gestão associativa local (2
casos) e 4,1% de gestão privada (1 caso), ou seja, do património proposto
nenhum está dependente das Juntas de Freguesia e só em dois casos a comunidade
local terá responsabilidades na sua gestão.
No que diz respeito às
caraterísticas dos elementos propostos, 37,5% são edifícios religiosos; 16,6 %
edifícios ou construções cívicas; 12,5% parques e reservas naturais; 8,3%
praias; 8,3% associações musicais; 8,3% estradas antigas; 4,2% sítios
arqueológicos e 4,2% comunidades locais.
Ao júri competiu, condicionado pelas
propostas e a partir do curto leque de três possibilidades, escolher um único
elemento por cada uma das vinte e quatro freguesias, segundo critérios de
qualidade, memória, disponibilidade e universalidade. No seu conjunto não será
de admirar a presença do património natural, os parques, as reservas, os vales
dos rios Douro, Uíma e Febros, pois este tem sido um dos emblemas de Vila Nova
de Gaia de há trinta anos a esta parte, desde a criação do Parque Biológico de
Gaia, a que outros se seguiram, bem assim como a valorização das praias
marítimas.
Depois os grandes monumentos de
caráter internacional e nacional, como os conventos da Serra do Pilar e de
Grijó, a Clínica Heliântia, a Ponte D. Maria Pia, além do que resta do românico
regional e uma ou outra preciosidade de outras épocas, como o Castelo de
Crestuma, a única estação arqueológica apresentada com estudo sistemático e que
é também um notável parque natural.
Também alguns valores humanos, como
uma banda, um rancho folclórico, uma comunidade piscatória que convém conhecer
para além dos postais ilustrados.
Surpreendentemente, ou talvez não,
ficaram de fora alguns valores de caráter universal ou muito para além dos
horizontes locais. Se é certo que o Parque Biológico de Gaia ou o Solar Condes
de Resende, com as suas diversas componentes construídas ou institucionais, são
já referências com projeção muito para além da freguesia onde se situam e do
próprio município, sendo ao mesmo tempo eles próprios produtores de informação
patrimonial, foram inadmissíveis as omissões referentes ao Vinho do Porto, ao
Castelo de Gaia ou ao Centro Histórico, “que deu nome a Portugal!”, ou às
povoações de Arnelas ou da Granja, mas também à “Escola de Escultura de Gaia”,
com estátuas em todo o país, no Brasil e em outras latitudes, aos Mareantes do
Rio Douro, associação ribeirinha que se reporta ao século XVII, aos Cernaches,
que vivem em Gaia desde o século XV, e a muitas personalidades aqui nascidas,
como José Rentes de Carvalho, ou que aqui se criaram, como Almeida Garrett,
outros escritores como Eça de Queirós ou Afonso Ribeiro, antigos navegadores
como Fernão de Magalhães, cientistas como Adriano de Paiva, o pioneiro da
televisão, músicos como Artur Napoleão ou António Pinho Vargas, pedagogos como
Diogo Cassels, cineastas como António Reis, pintores como Fernando Azevedo,
Guilherme Camarinha e tantos outros, comerciantes como Adriano Ramos Pinto,
industriais como o Costa das Devesas, Pimenta da Fonseca, Salvador Caetano, e
toda uma plêiade de figuras, geralmente ignoradas ou esquecidas, muito mais
importantes do que o anedotário local, embora todas elas relacionadas com
várias outras terras, pouco nos importando – e ao mundo também – se têm de ser
partilhadas com outras comunidades, outras cidades, outros países, outras
realidades, pois é isso que faz a sua verdadeira grandeza e deveria também
fazer a grandeza local, se para tal houvesse estaleca.
Depois algumas instituições
centenárias, ou quase, como a Liga Vilanovense das Associações de Socorros
Mútuos, a Misericórdia de Gaia, a Associação Comercial e Industrial, as Creches
de Santa Marinha, algumas empresas de vinhos que têm preservado o seu
património, e até ainda alguma imaterialidade, como o próprio município de Gaia
e a sua teima em persistir autónomo ao longo dos tempos. Outro aspeto não
considerado foi a diáspora, sobretudo no Brasil.
Este outro
património não foi proposto, o que poderá querer dizer que ele será
desconhecido dos eleitos que os gaienses têm colocado à frente das suas
autarquias desde 1974, quando o regime democrático prometeu respeitar e
promover a memória local. Mesmo assim, o património queirosiano esteve em
evidência, ao serem considerados como elegíveis o Solar Condes de Resende e a
Praia da Granja, tão intimamente ligados à vida de Eça, e a Casa-Museu Teixeira
Lopes, onde existe o seu busto feito por Rafael Bordalo Pinheiro e o original
da estátua que se ergue em Lisboa no Largo do Barão de Quintela. Em 1906 Edgar
Prestage publicou em Londres a tradução inglesa do seu conto O Defunto, sob o
título Our Lady of The Pilar, invocação do Mosteiro que haveria de ficar em
primeiro lugar neste concurso, que Eça com certeza conheceu, pelo menos de
vista, o que não deixa de ser uma interessante coincidência.
Mas, enfim, outras
oportunidades haverá e o conceito de património é, por natureza, dinâmico,
embora às vezes, como se verifica pelo que atrás se expôs, apenas uma ínfima
parte da população saiba da sua existência, ou com ele se identifique, para
além do óbvio: «Dir-me-ão que eu sou absurdo ao ponto de querer que haja um
Dante em cada paróquia, e de exigir que os Voltaires nasçam com a profusão dos
tortulhos. Bom Deus, não! Eu não reclamo que o país escreva livros, ou que faça
artes: contentar-me-ia que lesse os livros que já estão escritos, e que se
contentasse com as artes que já estão criadas. A sua esterilidade assusta-me
menos que o seu indiferentismo…» (Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra).
Quanto ao concurso, às votações do
público, a escolha de sete entre as vinte e quatro “Maravilhas”, tratou-se de
um jogo, de interesses pois claro, o que em si não tem mal nenhum de maior, e
que também nada justificaria que se pretendesse virginal nas intenções.
Trata-se apenas de uma escolha em que pesam com certeza muitos outros fatores que
nada terão a ver com cultura. Mas o jogo é esse mesmo.
Com esta iniciativa o património
local passou certamente a ter muito mais visibilidade, e pode ser que um dia o
público descubra que existe muito outro já estudado e disponível para seu
conhecimento e possibilidade de usufruto. É apenas uma questão de se passar dos
fait divers para uma maior atenção ao exercício dos profissionais desta
área ao serviço da comunidade e que de há anos a esta parte o estudam, divulgam
e promovem.
J. A. Gonçalves
Guimarães
Solar
Condes de Resende – 25 anos
Embora aí tenham decorrido desde 1984 trabalhos de
História e de Arqueologia, passaram agora 25 anos sobre a data oficial de
abertura ao público do Solar Condes de Resende: a ata do seu Livro de Honra diz
o seguinte: «Aos vinte de Setembro de mil novecentos e oitenta e oito, com a
presença dos representantes dos órgãos autárquicos, representantes da
administração central e local, de instituições científicas e culturais, dos
trabalhadores do sector de Ação Cultural e de outros departamentos, é
solenemente inaugurado o Solar Condes de Resende como Casa Municipal de Cultura
do Município de Vila Nova de Gaia». Seguem-se as assinaturas do presidente da Câmara,
Coronel Mário Pinto Simões, vereação e muitas outras personalidades presentes.
Logo no dia seguinte aí decorreu a sessão inaugural
do Congresso Internacional sobre Bartolomeu Dias e a sua Época, organizado pela
Universidade do Porto com a colaboração do Gabinete de História e Arqueologia
de Vila Nova de Gaia e o apoio da Câmara Municipal e de outras entidades, que
trouxeram até aqui os maiores especialistas mundiais em História da Expansão
Europeia e dos Descobrimentos.
Desde então aqui tiveram lugar grandes eventos de
caráter regional, nacional e internacional nos domínios da História,
Arqueologia, Antropologia Cultural, Literatura e Artes ao longo deste quarto de
século.
Gala
das 7 Maravilhas de Gaia
Embora a título pessoal, vários elementos dos corpos
gerentes dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana,
estiveram presentes na Gala das 7 Maravilhas que decorreu no passado dia 14 de
Setembro no Pavilhão Municipal. Para além do júri, integrado por Manuel Filipe,
do conselho fiscal, J. A. Gonçalves Guimarães, da direção, e ainda o sócio Nuno
Oliveira, no evento estiveram presentes: César Fernando Couto Oliveira e Maria
Amélia Traça Machado, da mesa da assembleia geral; José Manuel Alves Tedim, J.
A. Gonçalves Guimarães; Ilda Maria Oliveira Pereira de Castro, da direção; Manuel
Filipe Tavares Dias de Sousa e Virgília Braga da Costa, do conselho fiscal, e a
funcionária Maria de Fátima Teixeira,
De referir ainda que o troféu referente à Capela do
Senhor da Pedra foi recebido pelo nosso associado maestro Dr. Ramiro Lopes em
representação da Junta de Freguesia de Gulpilhares.
Na assistência e no palco também muitos outros
associados queirosianos presentes, desde artistas e escritores até candidatos
às eleições autárquicas.
Jornadas Europeias
de Património
Conforme
anteriormente anunciado, decorreram no passado dia 21 de Setembro as Jornadas
Europeias de Património no Solar Condes de Resende, durante as quais foram
apresentados os projetos de investigação aqui realizados durante o ano de 2013,
quer pelos técnicos superiores da Casa, quer pelos investigadores tarefeiros do
protocolo da Confraria com a Gaianima. No início da sessão, a presidente da
Junta de Freguesia de Canelas, D. Adelaide Canastro, depositou nas mãos do
diretor deste equipamento o troféu atribuído ao Solar no concurso das 7
Maravilhas de Gaia.
A
sessão foi presidida pelo Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva,
professor catedrático jubilado da Universidade do Porto e membro da Academia
Eça de Queirós, ladeado por outros membros da mesma.
Todos
os projetos apresentados foram já, ou serão em breve, objeto de publicação.
Castelo de Crestuma
Nos
passados dias 22 e 23 de Setembro foram realizados trabalhos complementares das
escavações arqueológicas que decorreram em Crestuma no passado mês de Agosto.
Assim, no primeiro daqueles dias, voltou a ser posta a descoberto a estrutura
do cais com grandes pedras aparelhadas de granito encontrado no ano transato,
desta vez revelando a existência de madeiramentos antigos aparelhados, que
foram estudados enquanto as águas o permitiram, pois encontram-se soterrados na
praia na zona de entre-marés.
No
dia 23 foi feita uma ação de prospecção de arqueologia subaquática em frente da
muralha ribeirinha do Castelo pela arqueóloga Dr.ª Cândida Simplício,
acompanhada pelo corpo de mergulhadores da Companhia de Sapadores Bombeiros de
Vila Nova de Gaia e apoio terrestre, tendo durante as operações sido descoberto
um fragmento de inscrição romana na margem pela Dr.ª Fátima Teixeira e,
submersas no Rio Douro, muitas cantarias de granito, de entre as quais um fuste
de coluna, que veio assim mais uma vez confirmar que existiram aqui construções
monumentais, depois demolidas e substituídas por construções em madeira.
Entretanto
na Junta de Freguesia de Crestuma e no Solar Condes de Resende continua patente
ao público a exposição “Castelo de Crestuma: a Arqueologia em busca da História”,
a qual seguirá posteriormente a sua itinerância.
Exposição de
Pintura
Entre
os dias 13 e 20 de Setembro esteve patente ao público na Junta de Freguesia de
Matosinhos uma Exposição de Pintura do Major Simões Duarte composta por
“Retratos e Paisagens”, cuja venda reverteu também em favor dos Bombeiros
Voluntários de Leixões.
125 anos de Os
Maias
Assinalando
os 125 da publicação da obra prima de Eça de Queirós, no próximo dia 12 de
Outubro será realizada no Solar Condes de Resende uma conferência intitulada
“Os Maias vistos pelo seu autor” por J. A. Gonçalves Guimarães. Esta efeméride
será igualmente comemorada no XI Capitulo da Confraria Queirosiana que terá aí
lugar no próximo dia 23 de Novembro, bem assim como na Revista de Portugal n.º 10 (nova série) lançada nesse mesmo evento.
Cursos do Solar
A
partir do próximo mês de Novembro terão início no Solar Condes de Resende os
habituais cursos de Inverno promovidos pela Confraria Queirosiana, este ano
sobre História Empresarial (ao longo de doze sessões, até Abril de 2014),
certificado pelo Ministério da Educação através do Centro de Formação de
Associação de Escolas Gaia Nascente. Os seus professores, como habitualmente,
são alguns dos melhores investigadores na matéria, membros da Academia Eça de
Queirós.
Entretanto,
já na primeira quinta-feira do mês de outubro pelas 18 horas, terá início
também no Solar Condes de Resende, o curso livre de Pintura e Expressão Plástica
orientado pela Professora Pintora Paula Alves.
Eça
& Outras, IIIª. Série, n.º 61 – Quarta-feira, 25 de Setembro de 2013
Cte. n.º 506285685 ; NIB:
001800005536505900154 IBAN:
PT50001800005536505900154; Email:queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; academiaecadequeiros.blogspot.com; coordenação da
página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638);
redação: Fátima Teixeira; inserção:
Amélia Cabral.
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