Viaje com Eça
Não sei se você, meu caro leitor,
ainda é um daqueles felizardos que, além de não trabalhar um mês por ano,
vulgarmente conhecido por “estar de férias” ou “ir de férias”, durante o qual continua
a ganhar o que a sua empresa ou o Estado lhe pagam e ainda lhe acrescentam uma
remuneração idêntica chamada “subsídio de férias”. Na prática recebe dois meses
de salário fazendo nada durante um mês para quem lhe paga a dobrar. Esta
“bondade” social já o devia ter incomodado, levado a refletir sobre o seu
porquê e, no mínimo, já deveria ter desconfiado da aparente passividade da sua
existência, da sociedade em que temos vivido dar este facto como adquirido, de
os sindicalistas (e os usufrutuários) o considerarem um “direito” e de o mesmo
ser extensivo a muitos daqueles que já nada produzem ou asseguram. Temos ainda
outra bizarria social no chamado “subsídio de Natal”, um bónus que lhe dão em
nome do Menino Jesus ter nascido em Belém há dois mil anos, o que também já o
deveria ter levado a desconfiar da sua “justificação”. Mas este não vem agora
ao caso. Se ainda recebe ambos e apenas não trabalha por ano durante um mês,
então parabéns e considere-se um felizardo. Pagassem-lhe bem o seu trabalho
efetivo, descontassem-lhe impostos sensatos, e você seria completamente capaz
de atribuir subsídios a si próprio, de aniversário, de carnaval, de inverno,
sem precisar da bizantinine daqueles outros. Mas agora pretendo falar de
férias, conceito social e económico que se começou a desenvolver no século XIX
entre as famílias burguesas e que, no século XX, com o aumento exponencial dos
assalariados, o declínio das estações balneares famosas, o desenvolvimento dos
transportes e a tentativa de racionalizar o trabalho, se tornou “universal” no
mundo ocidental ou ocidentalizado. Claro que em tempos anteriores sempre houve
breves períodos de pausa no trabalho e feriados religiosos no mundo rural, com
o calendário muito marcado pela sazonalidade das sementeiras e das colheitas.
Mas na sociedade industrial e urbana o ritmo de produção e a economia impunham
outras regras e outros interesses. E assim nasceram as férias.
Para a maior parte dos cidadãos tal
período significa hoje o estar deitado numa praia mais ou menos apinhada de
gente, expor a pele aos maléficos raios do sol, tomar banhos regulares numa
água do mar que se deseja sem muita poluição, e assim alimentar a “época alta”
do chamado Turismo, atividade que tudo nivela e banaliza e cujo grande mérito
talvez seja aumentar a possibilidade da mistura pacífica das multidões e o
consequente desmotivar das hipotéticas ou previsíveis guerras, o que já não é
mau.
Tal como no tempo de Eça, ele há
quem faça férias «… com a esposa, a cunhada, uma amiga da cunhada, uma
conhecida desta amiga, sete filhos, seis criados, dez cães, e outros cães
conhecidos destes cães…» (Cartas de Inglaterra),
só que agora os criados são menos ou já lá estão no resort, no bungalow,
enfim, no destino turístico. Os viajantes singulares ou em grupos «… trotam,
assobiam, dão obviamente a volta ao Mundo… Mas estes sujeitos trotam pelo gosto
corporal de trotar… e no seu trote continuo através dos continentes vão
assobiando, porque não vão pensando. Na realidade são vagabundos» (Notas Contemporâneas). Quer explicações
para tal fenómeno? «Todos os filósofos e todos os donos de hotéis são unânimes
em dizer que se viaja para ver o que há de interessante
no mundo. Ora, no mundo, só há de interessante, verdadeiramente, o Homem e
a Vida» (Correspondência, carta ao
Conde de Arnoso, 1885). Porque, as mais das vezes e para o comum dos mortais,
«viajar é… deixar um sítio onde se estava comendo num hotel triste… para ir,
através da poeira, confusão, e bagagens, comer a outro hotel mais triste… e as
igrejas, as lojas, os homens, sendo por toda a parte iguais, não vale a pena
partir para ir apenas e em definitivo, sentir a melancolia infinita que
inspiram as multidões estranhas». (Correspondência,
carta à Condessa de Ficalho, 1885).
Alguns, poucos, aproveitam as
férias para verem o que nunca viram, aprender o que ainda não foi possível,
entenderem melhor o seu mundo e o dos outros. Gastam, sem se endividarem, o tal
subsídio para se tornarem melhores pessoas e melhores cidadãos. Mas são poucos.
Por isso, caro leitor ainda com
férias e respetivo subsídio, aqui lhe deixo a sugestão já tardeira (mas este
ano terá Verão até dezembro) de fazer férias nos roteiros queirosianos, desde a
Póvoa até Coimbra, Leiria, Lisboa, Cascais, Sintra, com uma incursão ao Vale do
Douro, a Gaia, a Évora e a Serpa, ou ainda a Cuba e States, Inglaterra, Paris e outros locais por onde Eça andou, sobre
os quais escreveu ou deles se utilizou como cenário para a sua ficção, o que,
como sabe, o pode levar à China à procura da família do mandarim para se
redimir das campainhadas pouco honestas que tem vindo a tocar na vida.
Este seu amigo e confrade
deseja-lhe umas queirosianas férias.
J. A. Gonçalves Guimarães
Livros,
Revistas e Jornadas
“Eça Agora”
Nos 125 anos da publicação de Os Maias e nos 40 da edição do Expresso, este semanário põe à
disposição dos seus leitores uma interessante coleção de 7 volumes de bolso
contendo uma nova edição deste romance no qual, como já em 2001 J. Rentes de
Carvalho escreveu no pós-fácio da sua edição neerlandesa «atente-se apenas nos
personagens e ver-se-á que o romance de 1888 espelha grosso modo os vícios e as virtudes da sociedade portuguesa
contemporânea. É como se, com a sua arte, o escritor tivesse sido capaz de
tornar visível a presença daqueles elementos que, misteriosos e imutáveis no
tempo, parecem formar a essência de um povo» (Leia a totalidade deste texto no
blogue Tempo Contado de 20 de julho passado).
Para além do romance de Eça, aquele
semanário desafiou seis escritores contemporâneos a “completarem” a obra, ou
seja a darem-lhe mais tempo e mais vida para além do texto eciano, em três
livros intitulados Os Novos Mais, tendo para tal José Rentes de Carvalho
escrito O Rio Somos Nós, onde põe
Carlos da Maia e João da Ega a passarem os seus últimos dias de vida numa
Quinta do Douro nos finais dos anos trinta do século passado. O texto, para
além de tudo o mais que se lhe possa enaltecer, tem também aquele encanto
literário de a mais delirante ficção ter foros de inatacável verosimilhança.
A coleção finaliza com o livro de
um outro autor também nosso confrade, Carlos Reis, com um seu notável estudo
intitulado Introdução à leitura de Os
Maias.
Entretanto o livro Portugal, a Flor e a Foice, de José
Rentes de Carvalho, uma das mais lúcidas visões sobre o golpe militar de 25 de
Abril de 1974 e os equívocos da revolução consequente, que geraram as ilusões e
os poderes ainda hoje em presença no nosso país quarenta anos passados sobre
aqueles acontecimentos, vai ter uma segunda edição na Holanda no próximo ano, o
que não acontecerá tão cedo em Portugal, onde os devotos cultores dos mitos
revolucionários continuam a preferir as suas profissões de fé à análise
histórica e social.
30 anos do Parque
Biológico
No passado dia 15 de Julho foi
lançado no Parque Biológico de Gaia o livro comemorativo dos 30 anos da
instituição, coordenado pelo seu criador, diretor e nosso sócio Nuno Gomes
Oliveira. Apresenta textos e ilustrações de vários autores, não apenas sobre a
história da instituição, mas também as espécies vegetais e animais presentes e
aquelas que, numa visão global, os diversos serviços do Parque põem à
disposição dos visitantes e dos estudiosos, desde a Pré-história até à
atualidade, passando pela História Natural no nosso país e as suas relações
internacionais.
Castelo de Crestuma
Ainda no Parque Biológico de Gaia
está também patente ao público a exposição itinerante “Castelo de Crestuma. A
Arqueologia em busca da História”, para a qual foi editado por aquela entidade,
em parceria com a Confraria Queirosiana, um catálogo ilustrado e elaborado por
António Manuel S. P. Silva e J. A. Gonçalves Guimarães, os arqueólogos
coordenadores do projeto, o qual tem vindo a ser implementado pelo Gabinete de
História, Arqueologia e Património dos ASCR-CQ.
A abertura desta exposição e o
lançamento do seu catálogo decorreram no passado dia 28 de junho durante as I.as
Jornadas Arqueológicas do Castelo de Crestuma, que tiveram como conferencistas
Álvaro Brito Moreira; António Carvalho Lima; António Manuel S. P. Silva; Carlos
Fabião; J. A. Gonçalves Guimarães; José Carlos Sanchez Pardo; Laura Sousa; Luís
Carlos Amaral e Luís O. Fontes, que ali apresentaram os mais recentes
resultados sobre a História e as intervenções arqueológicas do período
suévico-visigótico em Portugal e em Espanha, algumas completamente inéditas,
como foi o caso da também recente descoberta de uma basílica paleocristã no
Castelo de Gaia. As jornadas terminaram com uma visita ao Castelo de Crestuma
no dia 29.
Boletim dos Amigos de
Gaia
Está em distribuição aos sócios o Boletim
da Associação Cultural Amigos de Gaia, entidade com protocolo de colaboração
com os ASCR-CQ. O n.º 76, referente a junho de 2013, tem colaboração de vários
dos nossos sócios e confrades, nomeadamente do seu diretor, Francisco Barbosa
da Costa, e J. A. Gonçalves Guimarães, Abel Barros, Fátima Teixeira e Eva
Baptista. Refira-se que os trabalhos apresentados por estas duas últimas foram
feitos no âmbito do projeto dos investigadores tarefeiros do Solar Condes de
Resende.
Outras
7 Maravilhas de Gaia
O Solar Condes de Resende foi
nomeado pelo júri deste concurso, promovido pelo jornal O Gaiense, como uma das “Maravilhas de Gaia”, agora postas a
concurso junto do público para eleger as sete finais. Como salienta o texto
distribuído, é nesta Casa que a Confraria Queirosiana tem a sua sede e a partir
daí desenvolve a sua atividade cultural por todo o Portugal e todo o mundo
lusófono.
Cursos
Entre os dias 10 e 31 de julho
decorre na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa o curso de Verão
“Erotismo e Sexualidade no Antigo Egito”, coordenado pelos professores Luís
Manuel de Araújo, nosso confrade, e José Varandas, organizado pelo respetivo
Centro de História e com sessões no Anfiteatro III.
Prossegue também na cidade do Porto
o curso “Porto Arte e História” com direção científica do nosso confrade José
Manuel Tedim, no qual participa também o confrade Francisco Ribeiro da Silva,
entre outros professores. O curso abriu no dia 27 de junho na Casa do Infante e
prosseguirá todas as quartas-feiras até Dezembro próximo.
Exposições
Desde 4 de julho e até 30 de agosto,
a nossa confrade Beatriz Pacheco Pereira expõe um conjunto de esculturas em
bronze denominado “Barrocos” na Casa Barbot em Vila Nova de Gaia.
Concerto
No passado dia 21 de julho decorreu
na Fundação Eça de Queiroz em Baião o habitual Concerto de Verão com a
Orquestra do Norte, de que é maestro titular José Ferreira Lobo, onde foram
executadas obras de Mozart, Bottesini e Elgar sob a direção de Artur Pinho
Maria, formado pelo Conservatório de Música de Gaia, tendo como solistas o
violinista Rómulo Assis e o contrabaixista Bruno Carneiro.
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 59 – Quinta-feira, 25 de
Julho de 2013
Cte.
n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN: PT50001800005536505900154;
Email:queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt;
confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
vinhosdeeca.blogspot.com; academiaecadequeirós.blogspot.com; coordenação da
página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção:
Amélia Cabral; colaboração: blogue Tempo Contado.
Sem comentários:
Enviar um comentário