terça-feira, 25 de setembro de 2012

Eça & Outras


Os caminhos da História recente

Nos meses de Verão, num dos poucos diários portugueses que ainda subsistem, fomos lendo uma polémica entre os historiadores Rui Ramos e Manuel Loff a propósito dos capítulos sobre o Estado Novo publicados pelo primeiro na sua História de Portugal, polémica essa a que se juntaram alguns outros historiadores, juristas, sociólogos e não sei mais quem. Tem sido uma bela polémica, com alguns exageros à mistura que não interessam para o caso.
Mas quero desde já sossegá-los: não sou mais um historiador a querer dirimir razões entre aqueles dois historiadores e professores universitários, embora sobre cada um deles e a sua obra tenha opinião feita obviamente pessoal. Para mim a questão é outra: será possível e aceitável haver já uma História do Estado Novo a tão curta distância da sua existência cronológica, escrita por historiadores criados nas suas estruturas, ainda que em derrocada após o golpe militar de 25 de Abril e a reorganização social e económica consequente, que na realidade, tratou de compor a outra face da “moeda única” que o tal Estado Novo criou?
Será tal possível quando ainda estão vivos e opinativos dirigentes, ministros, militares, clérigos e simples cidadãos que viveram, suportaram ou repudiaram o Estado Novo e que foram pais e avós da geração que hoje terá 30/40 anos, incluindo aqueles dois historiadores que se acusaram mutuamente de terem uma visão ideológica daquele período da História Contemporânea portuguesa, europeia e mundial? Creio bem que não: as glórias e as chagas ainda estão vivas e a poeira do tempo ainda não assentou. Basta ver a toleima, para não dizer infantilidade ou inconsciência, com que alguns comparam o que não é possível comparar, até por impossibilidade cronológica, os tempos de agora com «os tempos de Salazar». Compreende-se que a geração que nasceu depois de 74, ou que então era criança, não tenha uma noção real dos tempos estúpidos e cinzentos do «orgulhosamente sós». E então, para de tal saberem, terão de recorrer ou à memória dos vivos com cinquenta e mais anos e aos seus relatos forçosamente pessoais e parcelares ou aos documentos da época. Mas todos nós sabemos, mesmo sem sermos historiadores, que um documento pode ser verdadeiro e o seu conteúdo falseado, propositadamente ou não. A História não é uma questão de fé, mas ciência em busca da possível verdade. Mas a sociedade prefere-lhe o mito, a fantasia.
Todos nós conhecemos a história mitológica do passado, difundida pelas crenças. Ouvimos frequentemente alguém dizer que gostaria de ter vivido noutra época, com certeza na situação de privilegiado e não na de cavador de enxada. Há pessoas com o ar mais sério deste mundo que divulgam mitos, ou os seus relatos, como se de História se tratasse. A maior parte do público não distingue as fantasias históricas dos literatos e memorialistas da serena procura da possível descrição do passado. Por outro lado há situações e personagens do passado que são sistematicamente retiradas do seu contexto épocal e vilipendiadas ao longo dos séculos. De Herodes o Grande saberemos que mandava matar criancinhas, mas pouco sabemos da construção do grande porto de Cesareia que mandou fazer e que deu pão e abrigo a milhares de navegantes. E quanto a governantes responsáveis pela morte de criancinhas ao longo do nosso século XX, temos um extenso rol para vos apresentar que deixaria Herodes muito para trás.
Uma mitomania recente é aquela que os serviços de Turismo entre nós difundem fazendo crer que, no passado, havia multidões de peregrinos a caminho de Santiago de Compostela, como se fosse possível, até finais do século XIX, o povo andar a passear por esses caminhos fora. A efabulação está pois na ordem do dia e a preguiça mental encaixilha-a, aplaude-a e vende-a como ouro, quando não passa de latão. Ainda em anos recentes um livreco cheio de erros históricos crassos, que o pudor me impede de nomear, uma coisa que pretendia “por a nu” a vida de rainhas e princesas de Portugal, e que se vendia nos hipermercados ao lado dos sabonetes, esgotou pelo menos duas edições. O povinho gostou da coisa e mandou às malvas o lavor dos historiadores.
Eça de Queirós, que o não era, escreveu que «as ciências históricas são a base fecunda das ciências sociais (Prosas Bárbaras). O que se pede aos historiadores é pois mais ciência e menos ideologia. Ou talvez, seguindo Voltaire. «trabalhemos sem filosofar… porque é o único meio de tornar a vida suportável»(Cândido).
Mas então não será possível ir já estudando o século XX português? Creio bem que sim, mas com cuidado, com a vontade de não esquecer os mitos e seus mitómanos que assim se pretendem perpetuar, e sem ajudar a erguer novos mitos retroativos. Vamos a fatos; vamos a datas; vamos a números. E, mesmo esses, interroguemo-los sempre sem acreditar nas lombadas ou encadernações com que se apresentam. Então, talvez, tenhamos História, mesmo sendo a do historiador A ou a do historiador B. E, pelo sim pelo não, a dos historiadores será sempre melhor daquela que é feita pelos que o não são.

J. A. Gonçalves Guimarães

Arqueologia
Estrutura portuária em Crestuma

No passado dia 22 de Setembro concluiu-se a 3.a campanha de escavações arqueológicas no Castelo de Crestuma que ali têm vindo a ser realizadas pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património (GHAP) da Confraria Queirosiana, patrocinadas pela empresa Águas e Parque Biológico de Gaia EEM.
Depois dos períodos de intervenção em Julho e Agosto, na vertente leste, no topo do castelo e na praia de Favaios, os trabalhos deste dia tiveram como objetivo encontrar as estruturas portuárias romanas que se suspeitava existirem neste último lugar, dedução essa apoiada na exumação de importante espólio vindo de portos distantes, de cantarias de bom porte por ali dispersas e, mais recentemente, pelas indicações do levantamento geofísico ali realizado por georadar, que indiciou a existência de estruturas enterradas na areia, e também a compreensão do sítio que o estudo do complexo arqueológico de Crestuma tem vindo a proporcionar
Para tal foram mobilizados diversos meios técnicos e uma equipa com núcleos de aptidões diversas: assim, enquanto na praia junto à linha de água, conjugada com a maré, foi colocada a operar um máquina escavadora, eram cheios sacos de areia para entivar a área escavada e acionado um grupo de motobombas das Águas de Gaia, no Rio Douro uma equipa de mergulhadores da Companhia de Sapadores Bombeiros de Gaia efetuava o reconhecimento subaquático da zona sob a indicação dos arqueólogos. Todas estas ações foram devidamente registadas em terra, e também na água através da colaboração da Junta de Freguesia de Crestuma, que para o efeito disponibilizou um barco e tripulação.
Para além dos coordenadores, dos arqueólogos, das equipas do GHAP, e do pessoal das instituições referidas, estiveram igualmente presentes vários professores e investigadores das faculdades de Letras e de Ciências da Universidade do Porto, e de outras instituições, de Portugal e da Galiza, que quiseram acompanhar esta intervenção.
Por volta das 15,30 h da tarde começaram a aparecer na área escavada da praia algumas cantarias em granito aparelhadas à maneira romana, estruturadas entre si. Procedeu-se de imediato à sua limpeza e registo, até porque a subida da maré condicionava a continuação dos trabalhos.
Entretanto em meio subaquático os mergulhadores registaram diversas existências de espólio e outros elementos que valorizam o conhecimento do sítio.
No final dos trabalhos foi reposta a paisagem, pois não era possível, nas atuais circunstâncias, manter à vista as estruturas descobertas.
Os estudos sobre o Castelo de Crestuma serão divulgados já nos dias 24 a 29 de Setembro em Catânia, Sicília, Itália, no Congresso Internacional de Cerâmica Romana, e no dia 29 no Solar Condes de Resende nas Jornadas Europeias de Património.
Os trabalhos desta campanha passam agora à fase de estudo, devendo prosseguir no terreno no próximo ano no Verão.


Em busca dos vestígios da Ibéria

O arqueólogo esloveno Mitja Guštin, natural de Pirán na costa adriática,quando era criança descobriu a Península Ibérica na biblioteca de seu pai e no Verão de 1970, ainda como estudante, participou numa viagem de fim de curso que o trouxe até aos confins da Europa ocidental. No outono de 1996 voltou já como professor e arqueólogo, não só para observar as diferenças operadas entretanto pela democratização de Portugal e de Espanha, mas também em consequência «da nostalgia daquela estupenda experiencia anterior». E também “Em busca dos vestígios da Ibéria” para os comparar com os da sua região natal, bem perto do centro de onde irradiou a celtização da Europa.
Ao passar por Portugal, o Gabinete de História e Arqueologia de Vila Nova de Gaia organizou então no Solar Condes de Resende uma mesa redonda intitulada “A Idade do Ferro na Europa”, onde participou conjuntamente com Armando Coelho Ferreira da Silva e António Manuel Silva.
Este livro não é um livro de Arqueologia, embora esta esteja presente em todas as suas páginas. É sobretudo um livro do afeto e das recordações que permaneceram na memória deste nosso colega e amigo que em 1994 conhecemos na Faculdade de Letras da Universidade de Ljubljana aquando do encontro inaugural da European Association of Archaeologists.
Para nós ibéricos, portugueses e espanhóis, é um livro que nos mostra através do olhar atento de um europeu de leste os vestígios que existem do nosso passado remoto, mas também do que era a Arqueologia e a sociedade nos finais dos tempos de Marcelo e de Franco e aquelas outras, bem diferentes, que vigoravam nos meados da década de noventa do século passado.
Tendo-me solicitado que traduzisse esta sua interessante memória, ela concretizou-se num belo livro em esloveno, castelhano e português, cujo lançamento ocorrerá no próximo dia 16 de Outubro, e que em breve poderá ser adquirido entre nós através da Loja on-line da Confraria Queirosiana.

Esplendor da Arqueologia:
Ciência, Cultura, Turismo

A partir de 27 de Outubro, duas tardes de sábado por mês, entre as 15 e as 17 horas, num total de 12 sessões, vai decorrer no Solar Condes de Resende um curso livre com o título em epígrafe, destinado a todos os géneros de público, mas em especial aos estudantes e profissionais de Arqueologia, Património, Turismo, Ensino e dirigentes e ativistas de instituições culturais e recreativas.
Os temas a abordar irão desde o Grand Tour e as grandes descobertas arqueológicas dos séculos XVIII e XIX, passando pelo Egito e pela Europa celta, até às estações arqueológicas emblemáticas do Entre Douro e Minho e Vale do Douro, como a Citânia de Sanfins, Tongóbriga, Crestuma, Ervamoira, Castelo de Gaia e muitas outras, até à arqueologia de sítios contemporâneos.
Serão conferencistas alguns dos mais conhecidos investigadores que já publicaram trabalhos sobre estes locais e que são igualmente conhecidos pela sua grande capacidade de comunicação, de entre os quais, António Lima, António Manuel Silva, Armando Coelho, Fernando Coimbra, Gonçalves Guimarães, Joel Cleto, José Manuel Tedim, Laura Peixoto, Lino Tavares Dias, Luís Manuel de Araújo e Manuel Real.
O programa definitivo poderá ser visto em breve em confrariaqueirosiana.blogspot.com
A todos os participantes será entregue no final do Curso um certificado de frequência e um CD com textos dos professores.
A sua frequência implica a inscrição prévia.

Jornadas e Colóquios

Dia do Património

No próximo dia 29 de Setembro, a partir das 15 horas, em associação com o IGESPAR que assinala em Portugal as Jornadas Europeias do Património sob o lema “O Futuro da Memória”, o Solar Condes de Resende vai ser palco de uma “Maratona do Património”. Em colaboração com a Câmara Municipal de Gaia e a Gaianima, a Academia Eça de Queirós vai apresenta publicamente os projectos de Património em execução no Solar da autoria de Eva Batista, Joana Brito, Joana Ribeiro, Licínio Santos, Margarida Pereira, Maria de Fátima Teixeira, Maria da Graça Nicolau de Almeida, Sílvia Santos, Susana Guimarães, Susana Moncóvio e Teresa Santos. O debate em volta dos projectos apresentados será moderado pelos professores António Manuel Silva, Francisco Ribeiro da Silva, J. A. Gonçalves Guimarãe e José Manuel Tedim.

Quintas de Cultura

No Solar Condes de Resende, a partir de 4 de Outubro, vai reinicia-se o curso de Pintura, orientado pela Prof. Paula Alves. Decorrerá igualmente em paralelo um curso de iniciação ao Bridge, orientado pelo juiz desembargador Calheiros Lobo. Os frequentadores poderão ainda tomar uma refeição frugal no Bar do Solar e ficar para as palestras da noite que versarão sempre temas de História da região proferidas por historiadores profissionais. O curso de Pintura, o curso de bridge e o jantar implicam inscrição prévia; a palestra é de entrada livre.

Jornadas de Balsamão

Nos próximos dias 4 a 7 de Outubro vão decorrer no Convento de Balsamão, Macedo de Cavaleiros, as XV Jornadas Culturais, dinamizadas, entre outros, pelo nosso confrade Andrade Lemos, que irá falar sobre “Santa Brigida e as terras lusitanas” em colaboração com Fernando Casqueiro, Rosa Trindade Ferreira e José António Silva.

Jornadas do Lumiar

No dia 20 de Outubro próximo, vão decorrer na Biblioteca Orlando Ribeiro, em Telheiras, Lisboa, as Jornadas Culturais do Lumiar, igualmente dinamizadas por aquele nosso confrade.

Exposições

Valença Cabral

Desde o dia 15 até 28 de Setembro estará patente ao público na Biblioteca Prof. Machado Vilela em Vila Verde uma exposição de quadros a óleo de Valença Cabral subordinada ao tema Paisagens, na qual o pintor tem desenvolvido uma linguagem muito própria sobretudo no que diz respeito às paisagens durienses e transmontanas.


Edição: Alguns textos deste blogue são republicados na página queirosiana do jornal “As Artes entre as Letras” do mês seguinte, por protocolo celebrado com a Confraria Queirosiana.


Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 49 – terça-feira, 25 de Setembro de 2012
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
IBAN:PT50001800005536505900154;Email:queirosiana@gmail.com; confrariaqueirosiana.blospot.com;
eca-e-outras.blogspot.com; coordenação da página:
J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

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