Eleições!
A Confraria Queirosiana, esta página, a Serra da Estrela, as ondas do mar, o próprio vento que agita ou não as bandeiras, as ervas daninhas e os pimentos da horta, o sistema solar, enfim, muitas outras realidades universais são rigorosamente apartidárias, porque sim, por imperativo legal ou do bom senso, mas também devido àquele irritante desdém com que as coisas realmente grandes do universo observam estas nossas organizações humanas. Assim, por tudo isso, e pelo facto de os nossos confrades estarem inscritos nos mais diversos partidos, ou em partido nenhum, recusamo-nos terminantemente a comentar as recentes eleições portuguesas. São o que são, darão o que darão, esteja o seu pecado original no espelho de José Sócrates, na agenda de Passos Coelho, na escada de Paulo Portas, no microfone de Jerónimo de Sousa, no compêndio de Francisco Louçã, nos verdes tintos, nos verdes brancos ou nos vários clubes de pensadores com bandeirinha, do Norte, do Atlântico, da Terra, da Lua, do Comunismo, do Proletariado, dos Animais, não me consigo lembrar de todos e por isso as minhas democráticas e respeitosas desculpas também endereçadas aos ilustres performers madeirenses: aquela nossa ex-colónia está a revelar-se um alfobre de talentos capazes de salvarem o falidíssimo teatro nacional, o La Féria que se cuide!
Mas nós, que nunca deixamos ou deixaremos de lá ir pôr o boletim de voto, até porque da única vez que tal aconteceu, antes da Democracia, o Estado gastou um dinheirão com um seu zeloso funcionário agente da PIDE que andou a ganhar horas extras a perguntar à vizinhança coisas insignificantes sobre a nossa vulgaríssima vida privada, ora não queremos deixar de dar o nosso modesto contributo para uma séria reflexão sobre o momento que passa (ouço isto desde criança!). E para manter o tal aspecto rigorosamente apartidário que a Lei (oh gentes! A Lei!) e o bom senso aconselham nestas circunstâncias, pedimos a Eça de Queirós uns breves pensamentos sobre a transcendência do acto para o futuro da raça lusa, agora nas mãos daqueles seres superiores vindos do estrangeiro por ordem na nossa economia, os quais cansados de tão ciclópica tarefa vão depois descontrair, jogando golfe na Alemanha, pescando taínhas nos esgotos de Chicago ou perseguindo criadas de hotel em Nova York, coisas triviais que, afinal, já os velhos deuses da Grécia (cujos filhos eles agora tanto criticam!) já o faziam no Egeu muitos séculos atrás sem tantos polícias, jornalistas e advogados à perna.
Então Eça escreveu assim:
«Portugal realizou o cerimonial exterior das suas eleições - porque as eleições, elas próprias, já estavam feitas havia muito, segundo o costume consagrado e venerável, por meio de uma lista de círculos e um lápis, no remanso das secretarias. Restava só a solenidade de ir o povo às urnas. Todos sabemos, porém, que em muitos círculos se evita o barulho e a poeira desta cerimónia – reduzindo a eleição a uma simples acta que as autoridades lavram depois da missa, a um canto da sacristia. O povo, esse, fica nas suas moradas, quieto e certo de que o senhor administrador está “fazendo” o senhor deputado. Há nisto uma louvável e notável simplificação do sistema. Mas uma simplificação maior seria que o Governo nomeasse os deputados por meio de portarias; e que eles, desde logo, como empregados públicos, pagassem direitos de mercê.
O Sr. D. Pedro IV, como ele mesmo dizia, constitucionalizou Portugal à força, como uma vara de aço que se verga, impelindo-o “à iniciativa dentro do regime representativo”. Na sua índole porém e nos seus costumes, Portugal ficou em pleno século XVIII – e, como a vara que se levanta logo que a mão forte a abandone, o país vai regressando à sua atitude natural, que é “a obediência dentro do regime pessoal”. Uma maioria nomeada pelo Governo e que passivamente obedece às instruções do Governo: um Governo organizado por um chefe, e que fielmente segue as indicações desse chefe – eis o nosso estado político actual que não difere muito, na sua essência, do que caracterizou os reinados dos avós do nosso rei. Um chefe de partido entre nós, tendo a confiança da coroa, é um verdadeiro ditador – e o nosso regime uma ditadura real, exercendo-se dentro de um constitucionalismo fictício. Isto poderia ser um mal se nos surgisse um dia um ditador do tipo Guzman Blanco – mas pode ser um bem, se um dia esse chefe de partido for um magnífico Bismark. Não é todavia provável que este país, onde gradualmente calmou e se sumiu toda a violência nativa, produza Guzman Blancos. O presente regime portanto afigura-se-nos excelente – e só nos cumpre, dentro dele e abrigados por ele, esperar com paciência e bonomia que nos apareça numa manhã de nevoeiro esse Bismark genial e providencial» (Distrito de Évora, 1867).
Claro que este texto não se pode levar a sério: foi escrito por um jovem de 22 anos, recém-formado, cujo pai lhe arranjou um emprego precário «a recibo verde», a fazer sozinho um jornal (imaginem!) em Évora, e que nós ainda lemos por desfastio para com a aborrecidíssima e quase impossível leitura dos textos, relatórios ou prosas dos actuais jovens recém-formados, os gestores ou alguns escritores muito premiados. Um tédio que Eça nunca nos dá. Infelizmente, como a Historia o tem demonstrado, ainda estamos à espera do nosso Bismark e parece-me que ele estará demorado.
E, além do mais, cumprimos o direito de votar convencidos de que só a qualidade da areia fará uma boa praia. Ouviu, Dona Merkel?
J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria
J. Rentes de Carvalho nos top
O nosso prezado confrade tem andado numa roda viva de entrevistas, sessões de autógrafos, colóquios literários, até porque está nos top: na semana de 18 a 24 de Abril o seu livro La Coca foi o mais vendido na livraria Bulhosa; na Feira do Livro de Lisboa no top dos 10 livros ficou em terceiro lugar e no quinto dos dez autores mais vendidos, à frente de muitos representantes da “literatura de supermercado” ou da produzida pela “máquina editorial”. Ainda há bom senso e bom gosto.
Nos dias 27, 28 e 29 estará na Feira do Livro do Porto para coloquiar e dar autógrafos. Vamos lá abraçá-lo!
Fernão de Magalhães “aquece”
Como noticiámos na página anterior, decorreu no passado dia 27 de Abril na Sociedade de Geografia de Lisboa uma homenagem nacional ao navegador a qual serviu de abertura às comemorações internacionais dos 500 anos que decorrerão em 2021.
Entretanto a direcção da Confraria Queirosiana constituiu-se como comissão ad hoc para o apoio àquele evento que deverá unir Portugal, Espanha, Brasil, Argentina e Chile, pelo menos.
Entretanto no passado dia 4 de Maio houve na Casa do Infante no Porto, uma palestra pelo Eng.º António Taveira em que este mostrou a casa onde, segundo deduziu, terá vivido o pai de Fernão de Magalhães, logo que o filho poderá ali também ter nascido. Num pequeno opúsculo que publicou sobre o assunto, intitulado Fernão de Magalhães “o do estreito” de Santa Maria da Sé do Porto e em que afinal alude a muitas das ligações do navegador e sua família a Vila Nova de Gaia, como não é historiador e não estudou convenientemente a história da região, confundiu Gaia com Vila Nova e levou o assunto até à Casa de Campo Bello, que é em Gaia, por não saber que os Cernaches também tinham propriedades em Vila Nova, perto do «lugar de Rui de Magalhães». Outro aspecto curioso que se tem verificado na literatura ultimamente produzida pelos memorialistas portuenses é o seguinte: tendo eles passado anos a escrever que não era possível morarem fidalgos no Porto, opinião de há muito insustentável e devidamente explicada na sua verdadeira dimensão, volta e meia querem metê-los lá todos e até descrevem a janela da casa de onde viam as suas propriedades… em Vila Nova de Gaia. Enfim, curiosidades.
Porto Romântico
Nos dias 29 e 30 de Abril decorreu no Campus Foz da Universidade Católica Portuguesa o congresso sobre o Porto Romântico, organizado pelo Professor Gonçalo de Vasconcelos e Sousa. Durante os dois dias foram apresentadas variadas comunicações sobre o Porto oitocentista e mesmo sobre algumas manifestações tardo-românticas já entradas pelo século XX adentro. A Academia Eça de Queirós esteve representada com uma comunicação sobre «Aspectos românticos na vida do Visconde de Beire», da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães. As Actas serão publicadas em Dezembro próximo.
O Artes entre as Letras de parabéns
Com uma notável exposição intitulada Arte pintada a Letras, que abriu ao público no passado dia 14 de Maio no Museu de Espinho, festejou assim o jornal As Artes entre as Letras o seu segundo aniversário. Entre os artistas representados os queirosianos Helder de Carvalho, Beatriz Pacheco Pereira e Luísa Prior.
A exposição estará aberta ao público até 3 de Junho e é realmente uma das mais belas mostras das Artes portuguesas dos últimos anos.
Novo livro de Maria Virgínia Monteiro
No passado dia 19 de Maio, Maria Virginia Monteiro apresentou na Sociedade de Língua Portuguesa em Lisboa o seu mais recente livro de poesia intitulado Longo é o Tempo,
…e de Anabela Mimoso
No passado dia 21 de Maio teve lugar na Biblioteca Municipal de Gaia o lançamento do livro Buzios, a mais recente obra da escritora Anabela Mimoso, editada pela Calendário da Letras.
Confraria dos Sabores de Sintra
No passado dia 2 de Abril decorreu em Sintra o capítulo fundacional da Confraria dos Sabores de Sintra, o qual decorreu no Mosteiro Jerónimo da Penha Longa.
A Confraria Queirosiana, que paraninfou o acto, esteve representada pelo mesário-mor, J. A. Gonçalves Guimarães, pelo vice-presidente da direcção Luís Manuel de Araújo e por Fátima Teixeira.
Presidiu ao acto Madalena Carrito, presidente da direcção da Federação das Confrarias da Gastronomia Portuguesa, tendo também feito uma intervenção o presidente da Câmara Fernando Seara.
Na ocasião o mesário-mor proferiu as seguintes palavras: «Provavelmente a “Confraria dos Sabores de Sintra” terá começado como se refere em O Primo Basílio: “Aquilo começara em Sintra, por grandes partidas de bilhar muito alegres, na quinta do tio João de Brito, em Colares…” perdão, do Arq.to António Manuel Jorge Alves, ou então quando a Confraria Queirosiana veio a Sintra em 2008 e tivemos um gentilíssimo cicerone não oficial do roteiro queirosiano, que estava fechado por ser sábado.
Mas voltando a O Primo Basílio, aí se pode ler: “(…) os passeios por Seteais ao luar, devagar, sobre a relva pálida, com grandes descansos calados no Penedo da Saudade, vendo o vale, as areias ao longe, cheias de uma luz saudosa, idealizadora e branca; as sestas quentes, nas sombras da Penha Verde, ouvindo o rumor fresco e gotejante das águas que vão de pedra em pedra; as tardes na várzea de Colares, remando num velho bote, sobre a água escura da sombra dos freixos”.
Claro que a Sintra de hoje não é a de A Tragédia da Rua das Flores quando então “O que havia de pior em Sintra era o burguês, o banqueiro, o janota do Vítor, as caleches cheias de espanholas, as inglesas de lunetas azuis, e as toilettes por entre a folhagem. A serra tornava-se um suplemento do Chiado!”
Hoje, já muito pouco se cita Lord Byron, mas sim o Dr. Fernando Seara, e há turistas de muitas outras nacionalidades.
Mas a Sintra que hoje nos trouxe aqui, é certamente a Sintra eterna que o grande Eça de Queirós assim descreveu n’Os Maias: “No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava, à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente; e, emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao sol como se fossem feitas de ouro…”.
Que mais dizer sobre uma terra que assim foi descrita por Eça de Queirós e que, em boa parte assim continua?».
Colóquio na Feira
Nos próximos dias 17 e 18 de Junho vai decorrer em Santa Maria da Feira um colóquio sobre a Terra de Santa Maria, comemorativo do 10.º aniversário da Revista Villa da Feira, durante o qual será apresentada uma comunicação sobre o «Castelo de Crestuma: o seu complexo arqueológico e resultados da primeira campanha de escavações» pela equipa de arqueólogos que tem dirigido esta intervenção, a qual irá prosseguir os seus trabalhos no próximo mês de Agosto patrocinada pela empresa Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM.
Jornadas de Mogadouro
Nos próximos dias 18 e 19 de Junho vão decorrer as 1.as Jornadas Culturais de Mogadouro, organizadas pela Confraria Queirosiana com a colaboração da autarquia local, as quais vão homenagear Trindade Coelho nos 150 anos do seu nascimento e conviver com José Rentes de Carvalho em Estevais de Mogadouro, fazendo assim um contraponto entre a literatura do século XIX e a do século XXI, pois este último escritor, além da obra em livro e colaboração dispersa em muitos jornais e revistas em Portugal e na Holanda, muito regularmente nos aparece com textos curtos e incisivos no seu blogue Tempo Contado.
As inscrições para participar podem ser feitas para a Confraria Queirosiana ou para o Município local.
Gostaria de ir tomar um Porto com
Vitorino Magalhães Godinho, o grande historiador dos fastos nacionais na história global (continuo sem perceber porque é que não há Prémio Nobel para historiadores se tal existe para os que escrevem desabafos íntimos); Dom José Policarpo, pela coragem de afirmar que a civilização tem como pilar fundamental a justiça e que, por isso, todo o criminoso tem direito a julgamento e não só quando apetece aos «cow boys»
Não, não desejo brindar com
Angela Merkel, porque da falta de elegância à arrogância vai um pequeno passo.
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 32 – Quarta-feira, 25 de Maio de 2011
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
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