Pelo mito é que vamos
Suponho que uma das mais estranhas idiossincrasias dos portugueses é a de se recusarem a conhecer a sua verdadeira natureza, a sua real maneira de ser, a sua imagem sem retoques, nua e crua, diríamos.
Donos de uma história invejável por mérito próprio, desde tempos remotos que atribuem os seus feitos à intervenção divina, para assim também se escudarem quando a coisa corre mal: a culpa é então de Deus e dos santos, do destino, do azar, os quais, como se sabe, são imprevisíveis e inatacáveis. É inútil tentar assacar-lhes culpas, logo, quanto a percebermos os fracassos, estamos falados.
Mas, ao longo dos tempos, também se foram criando mitos de estimação que mascararam a realidade histórica: um dos mais hilariantes foi o da nossa marinha de guerra. Portugal sempre foi um país de pescadores, marinheiros, navegadores de cabotagem, marinheiros-mercadores, capitães de navios mercantes de pau-brasil, de pimenta e outras mercearias, vinho e presuntos para lá, açucares e couros para cá, gente que embarca e vai à vida e gente que chega nela metida à força pela água benta das circunstâncias.
Os barcos mercantes de longo curso tinham canhões para se defenderem dos piratas e para obrigarem os locais a negociar com os recém-chegados (nós). Volta e meia eram escoltadas por uma remendada fragata de guerra; duas, quando a frota mercantil era grande.
Pois bem; quem ler a historiografia nacional disponível só encontra «marinha de guerra». A mercante, a que trouxe a este país comida, dinheiro e a bazófia possíveis, pura e simplesmente desapareceu; para os «historiadores da nau de pedra», leia-se almirantes reformados metidos a historiadores, pura e simplesmente não existe.
Outro mito é o do Douro vinhateiro pombalino, com as encostas do vale cheias de vinhedos e «exportadores de Vinho do Porto» a encherem a Bolsa e a Feitoria, passando-se por cima das realidades geográficas, estatísticas, económicas, sociais e as outras que se quiserem conhecer. Todos sabemos que ninguém come vinho, pois ele só dá para beber e vender. Mas é assim que a historiografia nacional fala do Douro, como se lá não tivesse havido mais qualquer outra agricultura, mesmo ao lado ou destruída pela monocultura da vinha (quando, em que tempo, em que circunstancias?). E assim o Douro cerealeiro, madeireiro, sumagreiro, corticeiro, fruteiro e produtor de azeite, desapareceu ou aparece timidamente, como se fosse o parente bastardo saído das fragas com as tamancas a sujar as alcatifas dos turismos, que inventaram caves onde há armazéns e especializações vinícolas anacrónicas para quem vendia de tudo o que o Douro dava, mas não esquecendo que só algum vinho é “fino”. O Douro dos grandes vinhos mundiais (pois então!), para sua desgraça, mas também esperança, não foi, não é, e não será nunca, só vinho.
Por fim, as biografias. Estamos numa fase de afã biográfico e, finalmente, elaboram-se relatos credíveis de várias figuras históricas. Mas o motivo nem sempre é o melhor: as mais das vezes é apenas o pôr o Rei D. Carlos ou algum dos seus ministros num espectáculo televisivo para lhes assacarem “os podres”, os banalizarem, quando não, achincalharem, tornando-os “iguais” à populaça que vive de mitos e de subsídios. Dizem que andam à procura do “ser comum” que também foram. Ora o ser comum não passa disso mesmo, comum, vulgar, igual e, o que é pior, normalmente baixo, mesquinho e pronto a cometer qualquer crime só porque o seu clube de futebol não marcou golo. Ora o que fez a grandeza dos grandes homens e das grandes mulheres não foi o facto de serem comuns, mas melhores, diferentes para melhor. Os seus erros e defeitos não serão para esquecer, omitir ou ignorar; mas não são certamente para emoldurar. O igualitarismo pode ser bom para as paramécias; na espécie humana é um mito. E bastante mau, como se viu no século que passou e já neste, se quisermos olhar à volta.
Por fim, o “nosso” Eça, também tem sido mistificado quanto baste. Ainda recentemente uma professora de português me afirmava com o ar mais convicto deste mundo que ele morou onde foi poucas vezes, que escreveu romances onde só tirou apontamentos (na melhor das hipóteses) e que num deles tinha contado a vida da senhora fulana de tal que nem sequer é do seu tempo. Que Eça é que ela andará a ensinar aos seus alunos é que não faço ideia, mas o escritor, o Eça de Queirós, não será com certeza. Mitos, mitos é do que esta gente gosta. E quando já não funcionam, inventa-os!
J. A. Gonçalves Guimarães
Carta inédita de Eça
No passado dia 6 de Fevereiro o mensário Notícias de Colmeias publicou um artigo de Ana Teresa Peixinho e Joaquim Santos intitulado “Um inédito de Eça de Queirós: contributo para o seu epistolário” no qual apresentam uma carta que o escritor enviou de Paris a Luís de Magalhães, a 15 de Novembro de 1894, a propósito do artigo que Eça andava a escrever para o livro de homenagem a Antero, enquadrável no que chama «literatura de devoção» contrapondo-a à «literatura de obrigação», aquela que produzia como profissional das letras, e que lhe era paga.
Como é sabido, saiu depois o texto «Um génio que era um santo».
Pintura de Sílvia Patrício
Procurando que esta página condense “tudo” o que se vai descobrindo, estudando, publicando e divulgando sobre Eça de Queirós, a sua vida e a sua época, bem assim como sobre a actividade dos sócios e confrades dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, na realidade tal tarefa será sempre incompleta se não tiver a colaboração de muitos amigos. E precisamente pela mão amiga do Dr. Joaquim Santos, director do Noticias de Colmeias, chegou-nos agora o catálogo intitulado “Essa Paixão Proibida” da exposição com o mesmo título que esteve presente em Leiria em 2007 na qual aquela pintora apresentou quadros, a acrílico e óleo, e estatuetas sobre “O Crime do Padre Amaro”, num figurativismo bem conseguido e muito próximo do realismo fantástico e do ilustracionismo.
Jantares queirosianos
Prosseguem em Lisboa os jantares queirosianos organizados pela Fundação e pelo Círculo Eça de Queirós, Grémio Literário e Centro Nacional de Cultura.
No passado dia 21 de Fevereiro decorreu no Grémio e teve por oradores Guilherme d’Oliveira Martins e Campos Matos para o tema em presença «Os costumes e a vida social», tendo como moderador José Augusto França.
Curso sobre Eça de Queirós
A partir do próximo mês de Outubro terá lugar no Solar Condes de Resende a segunda edição do curso sobre «Eça de Queirós, sua vida, sua obra, sua época» organizado pela Academia Eça de Queirós, o qual decorrerá ao longo de 12 sessões até Março de 2012. O curso conta com a colaboração dos investigadores que mais recentemente se debruçaram sobre esta temática e a concretizaram nas suas teses de doutoramento.
Exposição Rocha Peixoto
Como anunciamos no número anterior, abriu ao público no passado dia 5 de Fevereiro no Solar Condes de Resende a exposição sobre o centenário de Rocha Peixoto organizada pela Biblioteca Pública Municipal da Póvoa de Varzim, aí representada pelo seu director Dr. Manuel Costa que dissertou sobre a mostra e elencou depois as actividades que o município poveiro desenvolveu durante o centenário. Na ocasião foram também apresentados pela sua directora, Dr.ª Maria da Conceição Nogueira, os n.os 43 e 44 do Boletim Cultural dedicados a Rocha Peixoto.
Do Município gaiense estiveram presentes César Oliveira, presidente da Assembleia Municipal, e Maria Amélia Traça, vereadora da Acção Social. E também Hélder de Carvalho, autor da estátua de Eça no Solar Condes de Resende e de Rocha Peixoto na Póvoa, que ali inaugurou uma exposição dos seus trabalhos no dia 23 passado.
Rocha Peixoto foi o último secretário e colaborador da Revista de Portugal fundada por Eça de Queirós, conforme se pode reler em artigo publicado no Boletim n.º 43 acima referido.
6.º Fórum Internacional de Sinologia
Decorre nos dias 24, 25 e 26 de Fevereiro no auditório do Museu do Oriente dedicado ao centenário da República da China. O mesário-mor da Confraria Queirosiana estará presente com uma comunicação intitulada «O caso das chinesas curandeiras de Lisboa que queriam pôr os cegos a ver no primeiro ano da República Portuguesa».
Será igualmente lançado o n.º 6 da Revista de Estudos Chineses – Zhongguo Yanjiu, a qual apresenta um artigo sobre «O Núcleo chinês da Colecção Azuaga: o coleccionismo como lazer», da autoria de J. A. Gonçalves Guimarães e Susana Guimarães.
Curso de Joalharia
No Solar Condes de Resende, nos próximos meses de Maio e Junho aos sábados à tarde, entre as 15 e as 17 horas, decorrerá um curso livre sobre História da Joalharia em Portugal, ministrado pelo Prof. Doutor Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, professor da Universidade Católica e reconhecido especialista em arte sumptuária.
O curso é organizado pela Academia Eça de Queirós e conta com o patrocínio da Gaianima, EEM.
Longo é o tempo
É o título do novo livro de poemas de Maria Virgínia Monteiro editado pela Singular/Plural com o apoio da Gaianima, EEM.
Coroando uma já extensa produção poética desta autora, este novo livro apresenta alguns «pequenos poemas da gaveta», e outros «não pequenos», em que o tempo é apresentado como a divindade que condiciona o percurso pelos «caminhos toscos da vida» num «recordar», neste caso em verso, palavras ritmadas em que a musicalidade as faz arte.
Ir tomar café, ou não, com:
Não me apetece ir tomar café com:
Colin Powell, porque a ingenuidade tem os seus limites; Hosni Mubarak, o presidente que julgava ser faraó; Karl Theodor Guttemberg, mais um “doutorado” da era pós-Bolonha; Muammar Khadafi, porque quem não percebe a história acaba mal; Rui Pereira, o ministro que deixou os direitos dos cidadãos nas mãos dos informáticos;
Sim, gostaria de tomar café com:
Elias Chacour, o patriarca da tolerância entre religiões; Seabra Santos, ex-reitor da Universidade de Coimbra que a soube gerir;
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 29 – Sexta-feira, 25 de Fevereiro de 2011
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coordenação da página:J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; Colaboração Nuno Resende.
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