J. Rentes de Carvalho
Tempo Contado
O mais recente livro de J. Rentes de Carvalho lançado entre nós (Tempo Contado) contém em si as mesmas singularidades que já outros analistas mais capazes tinham encontrado na sua obra anterior: uma ousadia pouco habitual na perseguição da verdade, seja lá isso o que for e sobre o qual não atinamos senão pela negativa. Sabemos o que é a mentira, o fingimento, o faz-de-conta, a aldrabice, a fantasia (essa sua meia-irmã mais meiga), a corrupção, a manipulação, as campanhas de intoxicação da opinião privada ou pública, o marketing, a publicidade, as crenças, as fezadas, as ideologias, as artes, os sistemas filosóficos e outros humanos devaneios, nossos ou que nos são propostos ou impostos. Mas não sabemos o que é a verdade. Podemos procurá-la bem perto, às vezes bem escondida dentro de nós, outras vezes circundando-nos, mas quase sempre não a queremos encontrar porque ela nos traz aborrecimentos, o WikiLeaks que o diga. Não, não, três vezes não! O tal sítio, o tal sujeito, não difunde verdade, e muito menos a verdade; difunde, isso sim, a sua descarada manipulação por governantes, embaixadores, militares, políticos, tudo gente que era suposto trabalhar para o bem da Humanidade, do povo a que pertencem e de cada um de nós. Mas não, eles passam a vida a difundir mentiras que gostariam que os outros acreditassem que fossem verdades, e, tal como qualquer comum mortal, têm birras terríveis quando alguém o descobre, o que revela o seu lado psicótico perigoso para, se mais não for, a liberdade. E isso sabemos o que é.
Mas, descendo à terra, a nossa vida quotidiana também é assim. Nos grandes assuntos, nas pequenas coisas comezinhas, todas elas com o tempo cada vez mais contado.
Este livro de J. Rentes de Carvalho lê-se como os anteriores: primeiro o todo e depois rebobinando a leitura, que desta vez, tratando-se de um diário dos anos 1994 e 1995, nem sequer tem a distracção de um enredo, de uma estória para acabar. O personagem é o autor, e toda a humanidade com ele, desde as gravuras do Côa, passando pela aldeia de Estevais até à cosmopolita Amsterdam, também hoje cidade de “muitas e desvairadas gentes”. Um imenso painel literário de muitas e desencontradas vidas em que o autor tropeça mas não fica indiferente, ou porque não pode ou porque não o deixam, e põe isso em livro, com a sua prosa enxuta de lirismos tolos e, muito ao contrário do que possa parecer, com muita oficina, muito lavor, muita arte. Supomos que deve ser assim a Literatura. Neste seu novo livro J. Rentes de Carvalho não deixa de, a seu modo, homenagear quem lhe propôs que assim fosse o ofício de escritor, e «…que exerceu uma influência determinante na minha formação», escreve a 22 de Maio de 1994 quando em Lisboa procura a cidade queirosiana, (pág. 19/20). E logo a 18 de Agosto continua: «Eça de Queirós não é só um dos meus escritores favoritos, mas aquele a quem eu como escritor sinto que mais devo. Ainda hoje me maravilho com a elegância da sua prosa e foi nos seus livros que descobri a maleabilidade da língua portuguesa, o poder da ironia, a arte magistral de numa frase retratar um carácter. A sua crítica impiedosa de Portugal, das instituições e da sociedade, ajudou-me, se não a aceitar, pelo menos a compreender as forças profundas que continuam a determinar o modo de ser do país em que nasci.
Por isso e mais, o respeito e a admiração que tenho por Eça de Queirós continuam intactos, não sofreram com os anos. Bem ao contrário. Mantenho até para com ele a pontinha de idolatria que me ficou da adolescência. E por vezes falo ao seu retrato. Li-lhe hoje as boas críticas com que tem sido recebida a tradução holandesa d’ O Primo Basílio e tive a impressão de que ele apreciou» (pág. 110).
Este Tempo Contado, sucessão de acontecimentos tão verdadeiros que até parecem inventados, teve com certeza em conta o que escreveu Eça em 1895 aos seus amigos Arnoso e Sabugosa: «Todas as outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorar o homem, só essa de contar historias se dedica amoravelmente a entretê-lo, o que tantas vezes equivale a consolá-lo. Infelizmente, quase sempre, os contistas estragam os seus contos por os encherem de literatura, de tanta literatura que nos sufoca a vida!». Neste seu livro J. Rentes de Carvalho apresenta-nos a nudez crua da verdade, deixando aos seus leitores a escolha dos mantos, diáfanos ou não, com que a queiram cobrir de fantasia. Mas depois não se lamentem. É que o nosso tempo está mesmo cada vez mais contado e cada vez nos damos mais conta «… de como o tempo de uma vida é um instante irrisório…» (p. 294). Por isso façam o favor de viver hoje e preparar o saco para amanhã. E pouco mais valerá a pena. A eternidade é este suceder de dias em que, em todos eles, nos descobrimos com Tempo Contado.
J. A. Gonçalves Guimarães
Novo livro de Dagoberto
O livro chegou e as vagas notícias e referências antes havidas materializaram-se agora nesta nova edição de crónicas ecianas intitulada D’Eça (Nabuco, Gilberto) e d’outros, de Dagoberto Carvalho J.or, com gentileza de dedicatória a este vosso amigo e ainda a Manuel Costa e Maria da Conceição Nogueira da Póvoa de Varzim; a Carolina e António Alberto Calheiros Lobo, de Espinho; a Isabel Macedo, de Oeiras de Portugal; a Laura e Armando Areias, do Recife; a Marco Santana de Oeiras do Piauí, um grupo de amigos dispersos que o autor irmanou na abertura deste livro prefaciado por Celso Barros Coelho, ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, e por Fonseca Neto membro da mesma. Os capítulos sucedem-se trazendo à lembrança Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Beatriz Berrini, Isabel Pires de Lima, Campos Matos, Dário Castro Alves e muitos outros unidos pela prosa, pensamento e culto de Eça de Queirós, com temas tão interessantes como o Natal, as Academias, a Confraria Eciana de Oeiras, os festejos de S. João e, coroando com Arte esta peregrinação literária e afectiva, o Canto da Lembrança e da Província, um caderno de poesia sobre a terra natal de Dagoberto e as imperecíveis memórias da infância posta em verso, essa forma de escrever em bronze literário o que se quer que perdure e partilhe.
Como já nos foi habituando noutras edições anteriores, é este também um livro de erudição e de coração, de afectos em volta da memória de Eça, que um dia escreveu que o Brasil tem «… um povo superiormente inteligente, provadamente activo, e escandalosamente rico…» (Cartas de Paris).
A minha família
No passado dia 21 de Dezembro, Francisco Barbosa da Costa lançou no Salão Paroquial de Canelas um livro sobre a sua família, as referências genealógicas a várias gerações de Barbosas, “Brasileiros”, Cavadas, Costas (Ferreiras) e Vigários, perpetuados nos seus filhos e netos.
Muito para além do interesse particular ou circunscrito ao grupo familiar actual, estes registos genealógicos, quando feitos com critério histórico, como é o caso, apresentam-nos as teias sociais que várias gerações foram urdindo desde o século XVII, a sua dispersão a partir das terras de origem, o seu lugar económico e social, a sua não menos importante relação de um núcleo familiar com os restantes com quem contactou, com quem se fundiu, com quem se cruzou.
Muito mais do que um exercício de curiosidade é assim uma obra de Historia Social que, de aparentemente pessoal, se transforma em referência para muitas outras pessoas e famílias. É só ir lá e puxar os fios da História.
Trindade Coelho
Jornadas Culturais de Mogadouro
Assinalando os 150 anos do nascimento de Trindade Coelho, advogado, político e escritor, a Câmara Municipal de Mogadouro e a Confraria Queirosiana vão realizar nos dias 18 e 19 de Junho de 2011 umas jornadas culturais que recordem aquela figura contemporânea de Eça de Queirós, mas que igualmente divulguem a cultura do nosso tempo que liga o espaço transmontano ao mundo através da obra do escritor José Rentes de Carvalho, nascido em Vila Nova de Gaia em 1930, filho e neto de naturais de Estevais de Mogadouro e que ainda hoje divide as suas origens portuguesas com as circunstâncias que o levaram a Amsterdam na Holanda e aí ter escrito sobre este nosso mundo actual das grandes cidades e dos pequenos recantos da Humanidade, das grandes questões internacionais e do dia-a-dia comum a milhões de viventes.
O programa, para além de pretender levar a Mogadouro os seus naturais na diáspora, em dois dias de convívio com os residentes, pretende igualmente ouvir e divulgar aqueles que através das memórias, da literatura ou da história têm novos contributos a dar sobre a vida e obra de Trindade Coelho ou de José Rentes de Carvalho e da moldura geográfica que une estes dois pensadores, um do século XIX e o outro do nosso século XXI.
Nesta primeira fase de divulgação destas jornadas ambas as instituições aceitam inscrições provisórias para participação, com ou sem comunicação, bastando para tal os interessados contactarem a Câmara Municipal de Mogadouro ou a Confraria Queirosiana.
À medida que o programa for enriquecido com as diversas participações, serão os inscritos contactados para a concretização da sua inscrição.
A organização destas jornadas prevê a sua conveniente divulgação, bem assim como a publicação atempada das respectivas Actas.
Ir tomar café, ou não, com
Dia de Natal, o apelo implícito à boa vontade, à tolerância, à pancadinha nas costas, ao deixa lá, que só encontra eco no cidadão comum bem formado, faz com que desejemos ir tomar café com muita gente, entre eles:
Julien Paul Assange, por ter feito por via pacífica o que outros tentaram pela força: mostrar-nos como o mundo é governado por crápulas, ridículos nos seus “segredos”, perversos ao executá-los, hipócritas ao defendê-los; Virgílio Teixeira, um cowboy português de Hollywood que partiu para a pradaria celeste; D. Duarte de Bragança, por querer ser timorense no melhor sentido da portugalidade fraterna e universal; Tozé Brito, por 40 anos de canções felizes com gente dentro; Isabel Fernandes, a museóloga dos museus vivos; Ana Gomes, porque alguém tem de gritar “o rei vai nu”; Blake Edwards, o pai da Pantera Cor de Rosa; Carlos Pinto Coelho, porque ainda Acontece.
Mas também nem com todo o espírito natalício possível e disponível me apetece ir tomar café com: Carlos César o político das excepções paroquiais; Gilberto Madaíl, porque além de bancos falidos também temos estádios falidos que ninguém quer custear.
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 28 – Sábado, 25 de Dezembro de 2010
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
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confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com;
J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral;
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