quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Eça & Outras

Ano do Centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro e do Bicentenário da Independência do Brasil

Brasileiras

Desde os primeiros contatos entre os Portugueses que no dia 22 de abril de 1500 chegaram oficialmente ao território que se viria a chamar Brasil, e os seus naturais, que as diferenças e estranhezas rapidamente se transformaram, quase sempre, em simpatias e afetos mútuos. Mas também na criação de estereótipos que ajudaram a fixar essas diferenças em ambas as comunidades, a que rapidamente as circunstâncias da Expansão Europeia acrescentaram tipos africanos, europeus de várias outras proveniências, e mais tarde orientais e, enfim, todo o mundo. Com o andar dos tempos os estereótipos foram-se multiplicando quer no Brasil, quer em Portugal, divulgados por viajantes, migrantes, desenhadores, pintores e fotógrafos, escritores e cineastas, mas também pelos historiadores, antropólogos e sociólogos, melodistas e cantores. Mas de todos esses tipos ou grupos humanos um deles sempre fascinou a mente, a escrita, a pintura e muitas outras artes de brasileiros e portugueses: referimo-nos “à” mulher brasileira, uma simplificação que nunca existiu, senão fruto de individualizações muito particulares, muito conscritas na paisagem geográfica e humana. Logo naqueles dias existiam certamente vários tipos de mulheres no território, mas os navegadores lusos não sabiam. Sobre as que então conheceram, a célebre Carta de Pero Vaz de Caminha não poderia ser mais encomiástica: «Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos, pelas espáduas; e suas vergonhas tão altas e tão çarradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha». Dando ao rei D. Manuel I estas informações tão particulares, logo abaixo continua: «E uma daquelas moças era toda tinta, de fundo acima, daquela tintura, a qual, certo, era tão bem feita e tão redonda e sua vergonha, que ela não tinha, tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela». Esta comparação ficará no subconsciente masculino português até aos dias de hoje. Mas Caminha insiste no recado: «Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres moças, assim nuas que não pareciam mal, entre as quais andava uma com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tinta daquela tintura preta e o resto todo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas e também os colos dos pés. E suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas que não havia nenhuma vergonha». Existem depois outros textos, em prosa e verso, a descreverem os diferentes tipos de mulheres brasileiras, quase sempre europeizados, até que com a Independência do Brasil em 1822, lentamente uma nova visão “nativista” se foi instalando na Cultura Brasileira, multiplicando os arquétipos mas autonomizando as diferentes visões sobre eles. Se durante séculos esses relatos nos chegavam através dos Portugueses que iam lá deslumbrar-se, passando as suas impressões ao papel e às memórias orais, a partir do século XIX, lentamente, algumas brasileiras começaram a chegar a Portugal e aqui vieram impressionar alguns escritores, pintores e outros descritores com as suas singularidades. E várias outras mulheres portuguesas foram para lá abrasileirar-se, como aconteceu a Cármen Miranda.

Antero de Figueiredo (1866-1953), um escritor português que hoje ninguém lê, por volta de 1920 descrevia assim uma daquelas recém-chegadas: «Era uma menina brasileira de vinte e cinco anos, alta, forte, de corpo formoso de modelação e ondulação. Tinha a pele de um moreno de âmbar, quase dourado, e os cabelos castanhos secos, com tons de sol. Os olhos de avelã, entre noites de pestanas sedosas no ninho penumbroso das órbitas, eram húmidos do langor sombrio das terras do sul, e tinham em certos momentos, o belisco da malicia dos boulevards latinos (…) O penteado desmanchara-se numa desordem bela, como se os ventos quentes da sensualidade a viessem pentear em toucado de graça estranha, perfumando-o com cheiros tontos de deliciosa perversão. No busto, em que o decote mostrava um colo de polpa de oiro, arfavam seios airosos de graça e sedução; e por detrás da saia leve, os olhos liam e palpavam a linha das coxas esbeltas. Da sua boca, de lábios a arderem em vermelhão de lume, saíam, por ente dentes sorrindo brancuras, versos em francês e inglês, pronunciados com inflexões de encanto…» (FIGUEIREDO, Antero de (1920) – Senhora do Amparo. Lisboa: Livraria Bertrand, pag. 120 e seg.s.).

Ainda estávamos longe de nos ter chegado a Gabriela Cravo e Canela de Jorge Amado, em livro, em novela televisiva, em sucesso popular transversal a toda a sociedade portuguesa. Estes estereótipos da mulher brasileira, e todos os outros que hoje nos são familiares, trouxeram certamente a Portugal algo de novo e de diferente que já Pero Vaz de Caminha adivinhara no início do século XVI ao descrever as primeiras mulheres brasileiras que os Portugueses contemplavam: «que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela».

«Ó voluptuosidade! Tu és a imagem do oceano nos teus caprichos. Ora te embalas docemente dourada com os últimos raios do sol: depois dormes tranquila aos calores silenciosos: por fim agitas-te, cheia de tempestades» (Eça de Queirós, Prosas Barbaras). E assim é no Brasil e em Portugal.

J. A. Gonçalves Guimarães

secretário da direção

Distinções

  Por decisão unânime, o júri do Austria Culture Brasilien-Haus in Österraich & Europäische Geselischaft Der Schonen Kunste, reunido em Viena de Áustria no passado mês de maio, atribuiu à Prof.ª Doutora Annabela Rita o prémio Diamonds de Artes e Educação – Áustria, «como agradecimento e reconhecimento pelas suas realizações no campo das Artes e da Educação». A mesma pedagoga foi recentemente distinguida no Brasil com o prémio Literarte 2022 e a medalha de Destaque Literário 2022, na Galiza pelo Círculo de Escritores da Galícia e em França com o Prix Littéraire Jules Verne 2022.

Feira do Livro do Porto

    


        Entre os próximos dias 26 de agosto e 11 de setembro vai decorrer nos Jardins do Palácio de Cristal no Porto a habitual Feira do Livro, onde a associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana estará presente a vender as suas edições, estando mesmo prevista a apresentação de uma reedição e o lançamento de uma obra sobre a História das relações da cidade do Porto com o Brasil à data da independência (ver abaixo).


Organizada por António Manuel S. P. Silva e Maria de Fátima Teixeira e com capa de Sérgio Veludo Coelho com a caricatura do autor vestido de combatente liberal da Serra do Pilar, a obra Eça & Outras. Crónicas Queirosianas, apresenta uma série de textos de J. A. Gonçalves Guimarães publicadas como editorial da página mensal da Confraria Queirosiana publicada no jornal O Primeiro de Janeiro entre 2004 e 2008. Lançada como surpresa de aniversário em julho de 2021, a primeira edição rapidamente esgotou, motivando assim uma nova tiragem que se encontrará disponível na Feira do Livro ou por encomenda para queirosiana@gmail.com ao preço de 15€ cada, portes incluídos.

A 24 de Agosto de 1820 eclode na cidade do Porto uma Revolução constitucional que irá não só ditar o futuro imediato de Portugal e do Brasil, mas também o desta cidade portuária e mercantil, placa giratória de mercadorias entre o Norte da Europa e o Mediterrâneo, a América do Norte e a América do Sul, as Ilhas Atlânticas, a África e o Brasil. Sobre este cenário J. A. Gonçalves Guimarães elaborou a sua tese de doutoramento intitulada A Frota Mercantil do Porto e o comércio com o Brasil entre 1818 e 1825, agora data à estampa com a chancela da Confraria Queirosiana. No Prefácio, da autoria do Professor Doutor Jorge Fernandes Alves, professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pode ler-se: «O autor segue, com pormenores informativos recolhidos em variadas fontes documentais e impressas, o percurso de 155 firmas de armadores-negociantes [da praça mercantil do Porto], cujas fichas traz para o texto do relatório, anotando incidentes marítimos e/ou movimentos comerciais, procurando ainda os entroncamentos familiares e outros dados de natureza individual. A perspetiva usada de micro-história, seguindo os percursos individuais, traduz-se num importante contributo para desvendar o sujeito neste grupo histórico de forte incidência local, atribuindo-lhes um papel no seu mundo, trazendo o homem à superfície nas suas ações e decisões, ainda que no quadro de forças mais amplas que o condicionam, numa opção de investigação que ajuda a conferir à história económica e social novas configurações».

A obra tem ainda como complemento o Anexo I, um Catálogo referente a 1852 embarcações que entraram e saíram a barra do Douro no período estudado, com muitos dados sobre as mesmas (armador, estaleiro, capitão ou mestre, rotas, cargas, consignatários e outras indicações) em muitos casos para datas anteriores e posteriores às deste estudo. O referido Catálogo existe apenas em versão eletrónica acessível em:

https://academiaecadequeiros.blogspot.com podendo igualmente ser solicitado para: queirosiana@gmail.com

Esta obra será lançada ao público durante a Feira do Livro do Porto que decorrerá no Palácio de Cristal na sala multimédia da Biblioteca Municipal Almeida Garrett no dia 3 de setembro, sábado, pelas 14 horas encontrando-se também à venda no stand da Confraria Queirosiana, sendo posteriormente vendida ao público pelo preço de capa de 35€, por encomenda para queirosiana@gmail.com portes incluídos. 

Livros e Revistas

Está em distribuição o Boletim n.º 94 da Associação Cultural Amigos de Gaia, referente a junho passado, especialmente dedicado ao passamento em 31 de dezembro do seu sócio n.º 1, fundador desta publicação, Joaquim Costa Gomes. E também ao centenário do nascimento do pintor Isolino Vaz. Entre outros autores, este número apresenta artigos de Salvador Almeida, Virgília Braga da Costa e Abel Barros.



“Um livro que li”

       Projeto lançado a 31 de julho pela Academia Alagoana de Letras através do seu presidente Alberto Rostand Lanverly, o qual convida um homem de Letras a fazer uma curta palestra gravada sobre o livro ou livros que mais o marcaram na sua vida, depois disponibilizada no Youtube, para quem dela quiser usufruir. Já aí estiveram Paulo Roberto Oliveira Lima a falar sobre As Velas Ardem até ao Fim, de Sádor Marai; Rosalvo Acioly sobre A Menina que Mora em Mim, de Laís Castro Tenório Lima; Fernando Gomes sobre Castrioto Lusitano de Frei Rafael de Jesus; José Geraldo Marques sobre O Livro de Mórmon; J. A. Gonçalves Guimarães sobre Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, na versão de Aquilino Ribeiro; e Douglas Tenório sobre Mãe de Alberto Rostand Lanverly, Manguaba de Carlito Lima e Memória dos Trópicos de Miguel Gustavo Paiva.


No passado dia 12 de agosto o escritor Carlos Lima apresentou o seu novo romance Jaquiá em Maceió na Academia Alagoana de Letras. No próximo dia 27 de agosto a mesma obra será apresentada no Porto na Cachaçaria Bar, Rua Miguel Bombarda, 552, com apresentação do académico e historiador Douglas Apratto, que considera que este autor tem «originalidade única [e] vem pavimentando sua trajetória com obras originais e de indiscutível sabor literário». Este romance, que agora lança, completa a sua Trilogia das Lagoas composta pelos anteriores títulos Manguaba e Mundaú, obras com «bom humor, visão de costumes, sexo, conflitos, situações familiares, a geografia física e humana de cada local apresentado animam o percurso do leitor». Com prefácio do cineasta Cacá Diegues, este considera que estes romances «mantêm o saudável desejo de reinventar a “literatura nordestina”, modernizar seus temas e seus hábitos, sua capacidade de abordar mundos antes proibidos, talvez até por um falso rigor moral. O que se destaca na ficção de Carlito Lima e em sua “cultura local”, é justamente a liberdade narrativa que lhe permite fazer com que alguém, que faz um discurso político importante, por exemplo, possa se interessar súbita e simultaneamente pelo corpo da bela mulher que passa à sua frente».

Palestras

Maria de Fátima Teixeira a falar sobre a
 Companhia de Fiação de Crestuma e a industrialização do município gaiense;
fotografia de Sara Pinheiro

       Integrada na Festa da Saudade organizada pela Associação Caminheiros de Lever, no passado dia 13 de agosto a investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património da associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, Dr.ª Maria de Fátima Teixeira, Mestre em História Contemporânea, apresentou na Companhia de Fiação de Crestuma em Lever uma palestra sobre a origem e evolução desta empresa centenária no contexto da industrialização da região desde os finais do século XVIII.

Última Quinta-feira do mês

Hoje, dia 25 de agosto, pelas 18,30, no Solar Condes de Resende, presencialmente ou por videoconferência, J. A. Gonçalves Guimarães apresenta o tema «Arte Publicitária dos Vinhos do Douro e do Porto: os artistas estrangeiros». Desde a segunda metade do século XIX que as casas exportadoras de vinhos do Douro e do Porto cuidaram da sua publicidade através da criação de logótipos e da produção de rótulos e outros informativos de garrafa; marcas de fogo em pipos e caixotes; impressos de vários tipos, catálogos e postais; painéis publicitários; painéis de azulejos; fotografia e cinema; anúncios em jornais e revistas; taças e troféus; partituras; jingles radiofónicos; estátuas, bustos e estatuetas; brindes diversos. Mas foram os cartazes a mais elaborada e perdurável forma de Arte Publicitária produzida desde finais do século XIX.

Nesta palestra serão apresentados os artistas estrangeiros que produziram esses cartazes e onde se foram eles inspirar.

Exposições de Escultura

       Na XXII Bienal Internacional de Arte de Cerveira, no polo do Convento San Payo, desde 1 de agosto estão expostas cinco instalações coletivas de António Pinto em co-autoria com Augusta Albuquerque, Luísa Prior e Maria dos Santos, elaboradas a partir de materiais recicláveis que procuram sensibilizar os visitantes para a imperiosa necessidade da preservação ambiental. Podem ser vistas neste local até 31 de dezembro próximo.

         No passado dia 20 de agosto na estação de São Bento do Metro do Porto, o escultor Hélder de Carvalho inaugurou uma exposição de instalações e projetos de esculturas intitulado “Espessa Escuridão” sobre as vítimas da guerra na Ucrânia. A mesma pode ser vista até 20 de setembro próximo.

Feira da Gastronomia

         No passado dia 19 de agosto abriu ao público a Feira de Gastronomia de Vila do Conde, este ano dedicada ao centenário da 1.ª Travessia Aérea Lisboa – Rio de Janeiro. Tendo sido convidada para participar na abertura, como habitualmente a Confraria Queirosiana fez-se representar por uma delegação, este ano composta por César Oliveira, J. A. Gonçalves Guimarães, Manuel Moreira e António Pinto, que entraram em contato com as entidades autárquicas presentes e outras entidades culturais e confrarias.

Terão lugar nos próximos dias 23, 24 e 25 de setembro as Jornadas Europeias do Património 2022, este ano subordinadas ao tema Património Sustentável, promovidas pelo Conselho da Europa e da Comunidade Europeia e, em Portugal, da Direção-Geral do Património Cultural.

Como habitualmente a associação Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana, através do seu Gabinete de História, Arqueologia e Património, em colaboração com o Solar Condes de Resende e o Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia vai associar-se a esta iniciativa através da realização de um colóquio subordinado àquele tema, presencial e por videoconferência, que terá lugar na tarde de sábado, entre as 15 e as 19 horas (com intervalo entre as 17 e as 17,30). A programação geral pode ser acompanhada em  http://w3.patrimoniocultural.pt/jep2022/digital/

O programa do colóquio será oportunamente divulgado. 

Falecimento

Rosalina Pinto;
fotografia 
de Maria da Fátima Teixeira

No passado dia 21 de agosto faleceu Rosalina da Conceição de Sousa Pinto, sócia dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana nascida em Vila Cadiz, Amarante a 11 de novembro de 1947. Tendo vivido desde os cinco anos de idade em Canelas, Vila Nova de Gaia, aí fez a sua formação escolar e um curso de modelagem, corte e costura. Na década de 70 do século passado passou por Luanda, onde teve início o seu gosto pela Pintura que em tempos recentes desenvolveu no Solar Condes de Resende no Curso de Arte e outras Expressões Plásticas com os professores pintores Ariosto Madureira e Paula Costa, tendo exposto no Salon d’ Automne Queirosiano em várias das suas edições.

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Eça & Outras, III.ª série, n.º 168, quinta-feira, 25 de agosto de 2022; propriedade da associação cultural Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral; colaboração: Sara Pinheiro.

 


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