sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Eça & Outras

Palmatoadas e reguadas

Já lá vai o tempo em que na escola primária os alunos que erravam a escrita, as contas, a gramática, os verbos, os nomes dos rios, as estações de comboio e a História de Portugal, entre muitas outras coisas, eram agredidos pela mestra ou mestre com palmatoadas, várias pancadas dadas na palma das mãos com um instrumento de madeira chamado palmatória. Era eu menino quando houve um grande progresso educacional: a dita fora proibida, dizia-se. Na escola que frequentava só uma professora tinha uma, mas escondida, o que não a impedia de a usar de vez em quando. Fora substituída pela “régua”, uma isso mesmo de pau santo, com que, em vez de proibidas palmatoadas se distribuíam toleradas reguadas. Um grande melhoramento. Felizmente hoje as crianças desconhecem tais instrumentos de tortura, que eram também comummente usados para punir erros na escrita e na fala da pátria língua, quer fosse pela borratada cópia de um texto, pelo ditado com palavras mal escritas, pela conjugação errada dos verbos, pelo desabafo de uma imprecação numa briga com um colega que a professora ouvisse (vulgo palavrões e asneirolas), por uma redação com frases mal construídas. Até a pronúncia “parola”, ou mais ou menos provinciana (segundo a comparação com a do professor, eram corrigidas à reguada, sem esquecer os que teimavam em escrever com a mão esquerda. A aprendizagem da Língua Portuguesa era pois coisa tenebrosa e os erros, divergências ou omissões punidos com castigos. Algumas virtudes, quase teologais, como uma boa caligrafia, ou quando o aluno se revelava na escrita de textos edificantes, gramaticalmente corretos, eram incentivadas e premiadas. No secundário alguns aprendiam rudimentos de Latim, embrenhavam-se nos labirintos linguísticos d’ Os Lusíadas, não pela beleza dos versos, mas pela erudição das charadas gramaticais, liam Camilo e Júlio Dinis e uns tantos outros escritores muito perdidos no tempo. Eça viria mais tarde e, quase sempre, encontrado fora do circuito escolar, como muitos outros divinos prosadores.
         Relembro tudo isto aqui porquê? Porque amiúde dou por mim a merecer-me, já não digo palmatoadas, mas uma ou outra reguada das que não apanhei na infância. Isso mesmo, “dou” erros, não voluntariamente, mas o certo é que eles aparecem na minha escrita para vergonha minha. Esqueci-me de dizer que na minha escola primária, talvez mais doloroso do que as palmatoadas, era a vergonha de as levar porque realmente significavam erros, falhas, mediocridades. Ficou-me. Ainda num texto meu recentemente aqui publicado escrevi “Concelho da Europa” em vez de Conselho da Europa, fintado no subconsciente por ter estado a ler um texto em inglês sobre o Council of Europe. Como também leio regularmente muitos documentos antigos, dos tempos em que ainda não havia acordos ortográficos, em certa conferência olhei aterrado para uma página do meu power point onde aludia à importação de “assucar” do Brasil, exatamente assim, como vulgarmente se escrevia no século XVIII. Outras vezes encontro outros erros escritos, sem eu saber por quê, pelos próprios programas dos computadores, não apenas em palavras mas também em datas: num texto meu “matei” D. Carlos a 27 de Fevereiro sabendo perfeitamente a data certa. Noutro texto escrevi sobre um outro personagem que tinha morrido antes de nascer. Grave. Quantas vezes preocupado com a profundidade do discurso e a clareza da necessária comunicação das ideias descuro estes pormenores ortográficos, gramaticais ou de exatidão cronológica da mensagem que pretendo transmitir. Por isso eu tenho em grandessíssima conta os meus eventuais revisores e agradeço sempre penhorado a quem me corrige, mesmo que com reguadas escusadas, pois sou daqueles que têm para si que cada erro, cada vergonha. Pelo contrário, quando me pedem para rever textos de outrem, procuro sempre escusar-me por saber que bem depressa andarei ali à cata das ideias esquecendo ortografias e sintaxes.
         Há agora uns “entendidos” que desprezam estes pruridos e rigores em nome das “criatividades”. Outros discutem acordos ortográficos como se se tratassem de campeonatos de futebol. Outros pregam-nos as virtudes de escrever queirós com z. Outros são especialistas em gerúndios ou em charadas lexicais. São artes que não domino e que, aqui para nós, rapidamente me enfastiam, embora me fascinem a evolução linguística e a toponímia. Tendo para mim que a Cultura, mais do que um acumular de conhecimentos ou especializações em versos alexandrinos ou outras excelências, é uma permanente busca da nudez crua da Verdade, seja em que domínio do conhecimento for, também estou convicto de que não há manto diáfano que justifique a transformação de fantasias, neste caso de erros, em práticas correntes. Por isso me penitencio, estendo a mão à palmatória e procurarei sempre que, se os meus textos não trouxerem nada de novo que aproveite aos seus leitores, ao menos não tragam o lixo de erros, imperfeições ou omissões. E não apenas as linguísticas.
         Mas na realidade também não estou interessado em cultivar na minha escrita «alguma coisa de cristalino, de aveludado, de ondeante, de marmóreo, que só por si, plasticamente, realizasse uma absoluta beleza – e que expressionalmente, como verbo, tudo pudesse traduzir desde os mais fugidios tons de luz até os mais subtis estados de alma…», como queria Fradique (A Correspondência de Fradique Mendes), mas não quero eu, o praticar uma beleza formal tolhedeira da humana necessidade de comunicar, disfarçando com “figuras de estilo” a gaguês das imperfeições que os puristas se entreterão a sublinhar a marcador grosso. Tomara conseguir eu gravar pensamentos justos e verdadeiros em algumas lápides, se possível sem os erros do lapidário que em mim às vezes deles se alheia, escrevendo concelho sem atender a bom conselho. 

J. A. Gonçalves Guimarães
mesário-mor da Confraria Queirosiana

Eventos passados

Advogados Europeus
Dr. José de Freitas, presidente das Ordens de Advogados Europeias
No passado dia 29 de novembro reuniram-se em Lille, França, as 32 delegações nacionais das Ordens de Advogados filiadas no CCBE (Conseil des Barreaux Européens | Council of Bars and Law Societies of Europe | Conselho das Ordens de Advogados da Europa), representativas de cerca de um milhão de advogados. Fundado em 1960 e com sede em Bruxelas, a ele aderiu em 1992 a Ordem dos Advogados Portugueses. Para além daquelas filiações do espaço económico europeu, representa ainda 13 outros estados associados e observadores. Tem como objetivos, entre outros, o estabelecer ligações entre as ordens nacionais e as instituições comunitárias e produzir estudos sobre o exercício da profissão de advogado. Nesta sessão foi eleito como seu presidente para 2019 o advogado português Dr. José de Freitas, da empresa Cuatrecasas, que já anteriormente tinha desempenhado as funções de vice-presidente desde 2016. Foram também eleitos como vice-presidentes representantes das ordens da República Checa, Croácia, Alemanha e Irlanda.

Centenário da Faculdade de Letras do Porto



No passado dia 18 de janeiro tiveram início as comemorações do centenário da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com a abertura de uma exposição evocativa e a conferência «FLUP 1919 – a ideia, o projeto de transferência, a criação de uma nova Faculdade» pelo Professor Doutor Jorge Fernandes Alves e organizada pelo CITCEM. Fundada em 1919, o seu funcionamento foi suspenso em 1928, logo no início do Estado Novo, tendo tido até então uma plêiade de notáveis professores que deixaram abundante e seleta bibliografia. Tendo retomado a seu funcionamento em 1961, foi-se afirmando através dos seus docentes e discentes no panorama cultural do País.

Monarquia do Norte


No passado dia 19 de janeiro realizou-se no Ateneu Comercial do Porto uma conferência por Carlos Bobone e Nuno Resende sobre «A Monarquia do Norte. Uma história de resistência», lembrando que «durante 25 dias o Porto foi capital do reino de Portugal». Neste acontecimento histórico, cuja ação militar foi comandada por Paiva Couceiro, foi figura de relevo Luís de Magalhães, o amigo de Eça de Queirós e editor póstumo de algumas das suas obras, que foi nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros o qual, quando detido e julgado em tribunal, se manteve firme na defesa dos seus atos e convicções.

Cursos e palestras

Ontem, dia 24 de janeiro, teve início no ISPGAYA, Vila Nova de Gaia, o 3º Congresso Internacional promovido pela revista de Psicologia, Educação e Cultura subordinado ao tema «O local e o mundo: sinergias na era da informação», que se prolongará para o dia de hoje, 25. Na sessão de abertura falou Lino Tavares Dias, diretor da instituição, tendo a conferência de abertura sob o tema «Sinergias políticas na região» sido proferida por Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia». Hoje, na sessão de encerramento às 16 horas, sob o tema «Sinergias nas instituições e nos territórios» falarão, entre outros, Albino Jorge, administrador da Quinta da Boeira sobre «Turismo e o setor do Vinho do Porto» e J. A. Gonçalves Guimarães sobre «O Solar Condes de Resende, Gaia e o Mundo».
Na programação das palestras das últimas quintas-feiras do mês do Solar Condes de Resende, no próximo dia 31 de janeiro, o Prof. Doutor José Manuel Tedim falará sobre «Joaquin Sorolla, pintor espanhol da transição do século XIX para o século XX».
Prossegue entretanto no Solar Condes de Resende o curso livre sobre Música & Músicos. Aspetos do património Musical Português», organizado pela Academia Eça de Queirós: em fevereiro, sábado dia 2, a Dr.ª Helena Lourosa falará sobre «Bandas Filarmónicas em Portugal – uma história emergente», e no sábado 16, o Prof. Doutor José Manuel Tedim falará sobre «Scarlatti e a troca das princesas».
No dia 22 de fevereiro, no âmbito das comemorações dos 85 anos da Biblioteca Pública Municipal de Vila Nova de Gaia, pelas 18 horas, aí decorrerá uma sessão sobre o «Contributo do movimento associativo para o desenvolvimento cultural de Vila Nova de Gaia e da sua história», em cujo painel participará J. A. Gonçalves Guimarães como coordenador do Gabinete de História, Arqueologia e Património da ASCR-Confraria Queirosiana

Livros
No dia 11de janeiro, na Biblioteca Pública de Penafiel, o historiador Adrião Pereira da Cunha fez a apresentação do seu mais recente trabalho, o livro Humberto Delgado no Portugal de Salazar, editado por Edições Afrontamento, fundamental para o entendimento do regime do Estado Novo e das razões da sua permanência no tempo longo de quase meio século durante o qual os movimentos oposicionistas saíram do seu interior protagonizados por militares como Henrique Galvão, Humberto Delgado e, finalmente, pelo Movimento dos Capitães, depois transformado em Moimento das Forças Armadas pelos setores mais conservadores.


                Pela Associação das Creches de Santa Marinha (Vila Nova de Gaia) acaba de ser publicada a história da instituição escrita por Eva Batista, historiadora e investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana, com o título Associação das Creches de Santa Marinha. Espaço de Modernidade Educativa. Tendo a autora enquadrado a sua fundação em 1862 no movimento de apoio à criança proletária do século XIX e da sua educação pelo acesso à escolaridade, aborda igualmente a biografia e importância social e cultural dos vários fundadores pertencentes aos mais diversos quadrantes ideológicos, políticos e religiosos da sociedade gaiense de oitocentos. Faz em seguida uma pormenorizada abordagem da vida da associação, da sua inter-relação com a sociedade local que a amparou até aos dias de hoje, dos apoios que teve de figuras nacionais, dos seus programas de ensino e do seu contributo para a problematização da evolução do ensino infantil em Portugal.

«Na minha casa praticamente não havia livros, a não ser os escolares. Pelos meus 14 anos, já tinha lido A Cidade e as Serras e A Capital, escolhidos por instinto na biblioteca da Gulbenkian em Angra do Heroísmo. Aos 15 anos decidi escrever um romance em que dois irmãos, separados por qualquer razão acidental da vida se reencontravam, se apaixonavam e tinham uma relação amorosa. Naquela época, evidentemente, eu não conhecia o conceito de incesto. Então, pensei que aquela história de um amor entre irmãos era absurda, da ordem do fantástico, impossível por qualquer razão divina ou fisiológica. Pelos meus 18 anos, nas férias do Natal de 1968, em casa de uns tios que tinham alguns livros, fui ler Os Maias. Ai pela página cem, já sabia o que ia acontecer. Ora, ali estava o romance que eu quisera escrever. Isto foi uma coisa magnífica: não só porque me deu a noção de uma certa intuição literária, mas também porque me retirou completamente as ilusões de vir a ser romancista.» (Excerto da entrevista ao Professor Doutor Carlos Reis, publicada na revista Ler, inverno de 2018, n.º 151, sob o tema «Sim, Os Maias! Ao fim de 130 anos, o livro de Eça de Queirós é mesmo o grande romance da nossa literatura», que apresenta ainda entrevistas com outros autores ecianos, bem assim como textos e crónicas sobre a obra do escritor e ainda diversos exercícios literários).

Encontra-se em distribuição o n.º 87 do Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia referente ao mês de dezembro de 2018, com artigos de, entre outros, MONCÓVIO, Susana – Raúl Marques Carneiro (1890-1969): uma figura do Futurismo algarvio em Vila Nova de Gaia; e COSTA, Virgília Braga da – O combate ao analfabetismo em Portugal. As escolas primárias de Mafamude (1846-1962), 2.ª parte.
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Eça & Outras, III.ª série, n.º 125, sexta-feira, 25 de janeiro de 2019; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-164 A); redação: Fátima Teixeira; inserção: Licínio Santos; colaboração: António Pinto Bernardo.


1 comentário:

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