segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Eça & Outras

Pode uma criança usar o apelido Eça como nome próprio?

            O apelido luso-galaico Eça parece provir do latim ersa, de erigere, erguer a prumo, levantar, construir, instituir. Deveria ter evoluído para essa, mas para não se confundir com o pronome designativo esse/essa, passou a grafar-se eça, sendo pois homófonas com grafias e significados diferentes.
            Mas na realidade este apelido em Portugal vem de uma localidade galega chamada Eza, senhorio concedido a D. Fernando, filho primogénito de D. João, por sua vez filho de D. Pedro e D. Inês. Tendo saído do país com seu pai, após este ter assassinado sua mãe, D. Maria Teles de Meneses, por ciúmes, viveu muito tempo na Galiza e recebeu aquele senhorio de seu primo segundo, D. Fradique de Castro, duque de Arjona, tomando daí o apelido e passando a designar-se D. Fernando de Eza, ou Deza, depois aportuguesado para Deça, ou de Eça, nos seus descendentes.
            Ainda em Portugal, como apelido de família, a mais conhecida foi a dos Pereira de Eça, da família de D. Carolina Augusta Pereira d´Eça, que por ter casado com o juiz Dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, transmitiram a seus filhos os sobrenomes Eça de Queirós, que foram usados como nome literário e social pelo filho primogénito, o escritor José Maria Eça de Queirós, também usados pelos seus laterais e descendentes, mas com o nome próprio. Mas hoje, comummente, no mundo da lusofonia e na literatura internacional os apelidos Eça de Queirós designam apenas e só o grande escritor. Porém, devido à sua popularidade e impacto da obra na Cultura Portuguesa também costuma ser coloquialmente designado simplesmente como Eça, “o Eça”, e todos sabemos de quem estamos a falar.
            São relativamente vulgares alguns gentílicos assumidos como nomes próprios portugueses, mesmo quando os que os usam, e os seus progenitores que lhos deram, o não saibam ou o não considerem, quantas vezes atribuídos apenas para homenagear um antepassado ou um padrinho. Temos assim, por exemplo, os Vasco, inicialmente os originários do País Basco (Vasco, do latim vascones), mas que hoje já não o serão; os Albano, que não o serão de Alba Longa, remota cidade latina, nem da Albânia, país adriático; nem as Alexandrinas, serão de Alexandria no Egito, mas simples feminino de Alexandre; os Américo, esquecidos os Amalaricos e os Almericos de onde provem o nome, não o serão tanto pelo Vespucci, mas pela América, como continente ou país, e quanto às Fátima portuguesas, nada terão a ver com a filha do Profeta e esposa de Ali, o 4º califa, de seu nome FaTmâ, a desmamada, mas sim com a povoação perto de Leiria onde em 1917 ocorreram fenómenos para-religiosos. São pois gentílicos usados como nome próprio e outros poderíamos acrescentar. Então porque é que o gentílico Eça, se assim o considerarmos pelos motivos acima expostos, não poderá ser usado como nome próprio português? Dirão que a povoação de Eza/Eça não é suficientemente importante para tal. Mas também não o será Alba Longa, toponimicamente falando, hoje um bairro de Roma. E aí temos os Albano sem contestação. No facebook encontrei uma Eza Elizabeth, o que é efetivamente pouco, e poderá ser o mesmo que Elsa, o nome abreviado de Elisabeth/Isabel. Mas no Brasil, via internet, encontrei um Eça da Silva Canto Júnior, terapeuta ocupacional em São Gonçalo do Amarante. Poderá haver mais no mundo da lusofonia.
            Parece-me óbvio que o uso do apelido Eça, se usado como nome próprio, terá hoje a ver, já não com aquele remoto gentílico galego, mas com o nome do escritor Eça de Queirós, do mesmo modo que os muitos Herculano existentes desde o século XIX já nada terão a ver com a cidade de Herculaneum, destruída pelo Vesúvio, mas com o segundo nome próprio do escritor (Alexandre) Herculano que, tal como Eça é designado coloquialmente pelo seu primeiro apelido como se fora um nome próprio, o autor de O Monge de Cister o é pelo seu segundo nome próprio, simplesmente Herculano. Temos assim “o” Eça, “o” Herculano, “o” Camões, “o” Pessoa, “o” Saramago, etc., nomes literários usados, a posteriori, é certo, como se de nomes próprios se tratassem.
            Por todos estes motivos, e outros idênticos que poderiam ser aduzidos, tenho como válido para a Cultura Portuguesa, nomeadamente para a sua onomástica, numa perspetiva da sua tradição, inovação e perpetuidade, que tal como outros se chamam Vasco, Albano, Américo, Fátima ou Herculano, que a uma criança possa ser atribuído o nome próprio Eça. Em Portugal a entidade competente na matéria é o Instituto dos Registos e do Notariado, que todos os anos publica uma lista dos nomes aceites e dos recusados, mas que prevê que as pretensões para estes últimos sejam revistas desde que devidamente fundamentadas. O que acima escrevi é o meu contributo para essa fundamentação, para que Eça possa ser usado como nome próprio por crianças portuguesas. Para além de todas as razões histórico-linguísticas, será com certeza uma homenagem muito própria a um dos maiores vultos da Cultura Portuguesa de todos os tempos. Como é sabido, nas relações humanas, os purismos linguísticos, as gramáticas, os acordos ortográficos e outros regulamentos que tais são ótimos como códigos da estrada da vida mas, só por si, não nos levam a lado nenhum que valha a pena.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria

Eleições
            No próximo dia 1 de outubro haverá eleições para as autarquias portuguesas. Muitos dos nossos sócios e confrades queirosianos apresentam-se ao sufrágio popular nas listas de diversos partidos e coligações, mostrando assim o seu empenhamento na administração local e na melhoria das condições de vida das populações, nomeadamente nas áreas primordiais de apoio social aos mais carecidos; da defesa do ambiente e do fomento de um urbanismo sustentável; da criação de emprego e de atividades para os desocupados; de apoio às condições de vida com ausência de doenças, acidentes ou agressões, ou, quando tal não é possível, aos cuidados de saúde adequados; ao ensino livre, universal, positivista e humanista em todos os graus; ao apoio a atividades profissionais e amadoras nas áreas da Cultura, Desporto, Lazer e Espetáculo, capazes de criarem cidadãos livres, críticos, esclarecidos e empenhados na sua contemporaneidade e nos dias do futuro. Os que não são candidatos deverão participar com o seu voto, evitando assim que outros escolham por si aquilo que efetivamente diz respeito a todos e a cada um. Votai, com amor ou com raiva, mas votai!

Livros
           
Ricardo Nicolau de Almeida (RNA), um homem da Foz do Douro descendente de uma família gaiense de há muito ligada ao mundo dos vinhos, acaba de publicar as suas memórias possíveis num interessantíssimo livro intitulado “Setenta à hora”. Memórias e ajustes de contas com o passado e o futuro, muitos são os que os escrevem: a diferença estará no interesse daquilo que têm para contar e da forma como o fazem. Ora aqui temos duas mais valias incontornáveis: RNA é por natureza um aventureiro de todas as latitudes, ainda que na vida tenha realizado as mais sérias atividades comerciais e de marketing ao serviço de conhecidas empresas de vinhos de Gaia com grande profissionalismo e sucesso. Mas, como ele próprio escreveu, «sou um passageiro do meu corpo». Depois o livro não foi escrito com a preocupação de erudições, o que o transformou num relato fresco, vivo, que se lê por uma noite adentro, não apenas para sabermos como é que uma caravana maluca atravessa desertos perdidos pelas áfricas adentro, nas para ver como é que RNA escapou a situações que Júlio Verne não teria desdenhado de pôr nos livros escritos pela sua empresa de copywriters (não copyrigthers). E tudo isso com um notável humor, às vezes triste, às vezes ácido, que a vida é uma brincadeira pegada muito séria. Apenas um senão, um reparo ao autor: eu conheço muitas mais estórias impagáveis que têm RNA como protagonista que não estão neste livro, vá lá saber-se porquê. Autocensura? Sendo o autor um homem amigo da família, dos companheiros de viagem, dos desconhecidos, talvez não tenha querido melindrar ninguém com elas. Lembro-me, por exemplo, daquela vez em que teve de oficiar uma missa em latim para resolver um problema difícil de logística. Fiquei também intrigado com o facto de não falar das suas pinturas, sendo ele o segundo de uma sequência de tês pintores muito interessantes na família. Mas, no fundo, a despeito destas lacunas, é bem possível que a sua vida, como na antiga Grécia, esteja já a ser tocada pela Mitologia de Gaia, da Foz, do Douro, de África, do Brasil e de muitos outros locais, em volta deste Ulisses atual. Tive a sorte de ser brindado com um exemplar de seu livro à cause do Gabinete de História e Arqueologia, dos Afons’eiros, das escavações de Ervamoira e de outras situações em que nos encontramos e partilhamos vivências. Sendo uma edição pessoal e limitada, vai-vos ser difícil lê-lo, mas olhem que iriam dar o vosso tempo por bem empregue. JAGG.

Palestras, cursos e eventos culturais

Roteiro de Soares dos Reis
            No passado dia 4 de setembro, integrada no programa do IV Congresso Concelhio de Educação de Vila Nova de Gaia organizado pela Escola Básica de Soares dos Reis, J. A. Gonçalves Guimarães conduziu uma visita guiada sobre “Um percurso de Turismo pela vida e obra de Soares dos Reis”, com paragens e dissertação sobre o tema junto da sua estátua no jardim que tem o seu nome e junto da sua casa atelier na rua Luís de Camões, atualmente fechada e degradada, mas que um protocolo recentemente assinado entre a Câmara de Gaia e a Universidade do Porto, proprietária do imóvel, vai reabilitar para memória deste escultor gaiense do século XIX.
    
No passado dia 21 de setembro decorreu no Museu de Arte Popular, em Lisboa, a apresentação do programa nacional das Jornadas Europeias do Património 2017 em Portugal, coordenadas pela DGPC, nas quais, como habitualmente e como anunciado, participou a Academia Eça de Queirós (ASCR-CQ) com a realização de umas jornadas no Solar Condes de Resende no passado dia 23. Foi também aí lançado o programa do Ano Europeu do Património Cultural 2018, pelo ministro da Cultura Luís Filipe Castro Mendes, pelo coordenador nacional Guilherme d’ Oliveira Martins e pela diretora geral do Património Cultural. Também neste projeto participará a Academia Eça de Queirós, através da realização de um curso livre sobre Património Cultural de Gaia, com início no próximo dia 28 de outubro, e de outras iniciativas, nomeadamente a continuação da concretização editorial do projeto do Património Cultural de Gaia (PACUG).

Com a realização das Jornadas Europeias do Património, este ano subordinadas ao tema “Património e Natureza” e que decorreram no passado dia 23 no Solar Condes de Resende, reiniciou-se assim a saison cultural nesta casa municipal de cultura e da própria Confraria Queirosiana. Numa sessão presidida por José Manuel Tedim, presidente da direção da ASCR-CQ, falaram Nuno Oliveira sobre “Aspetos do Património Natural de Gaia”; Paulo Rocha sobre “O Geomonumento da Praia de Lavadores”; Susana Moncóvio sobre “O Desenho Científico como instrumento de conhecimento”; Susana Guimarães sobre “O Solar Condes de Resende e a Natureza – equilíbrios centenários a preservar”; Maria de Fátima Teixeira sobre “O Património Natural na Indústria têxtil” e J. A. Gonçalves Guimarães sobre “Património Natural na Coleção Marciano Azuaga”. Devido ao facto destas apresentações estarem limitadas nesta apresentação a um quarto de hora cada, serão posteriormente rentabilizadas nas palestras das últimas quinta-feira do mês ou noutros fóruns.

Júlio Dinis
            No próximo dia 27 de setembro no Forte de São João Baptista da Foz no Porto, integrado no Ciclo de Roteiros Literários e Conferências Foz Literária organizadas por José Valle de Figueiredo, haverá um jantar com palestra subordinada ao tema “Quem se lembra d’ As Pupilas do Sr. Reitor?”.

Músicos de Gaia
            No dia 28 de setembro, pelas 21,30 horas, na habitual palestra das últimas quintas-feiras do mês no Solar Condes de Resende, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre “Músicos gaienses: do lembrar ao escutar”, conferência complementada com a audição de obras escolhidas da autoria dos músicos compositores ou interpretadas por cantores e intérpretes referidos pelo palestrante.

Jornadas Culturais de Balsamão
            Nos dias 5 a 8 de outubro decorrerão no Convento de Balsamão em Macedo de Cavaleiros as XX Jornadas Culturais 2017, este ano sob o tema “Património Natural e Desenvolvimento Regional”, nas quais será conferencista Fernando Andrade Lemos do Centro Cultural Eça de Queiroz, Lisboa, que falará sobre “Balsamão – 10.000 a. C.” (em colaboração).

As Cidades na História
            Nos dias 18 a 20 de outubro decorrerá em Guimarães o II.º Congresso Histórico Internacional – Cidades na História, onde o Gabinete de História, Arqueologia e Património (GHAP) da ASCR-CQ estará presente com as seguintes comunicações: Sessão 9: Cidade Industrial, dia 19: Eva Baptista, “ Pela Creche! As dinâmicas sociais em torno da proteção da prole infantil na sede de concelho de Vila Nova de Gaia, na viragem para o século XX”; J. A. Gonçalves Guimarães, “Vila Nova de Gaia, a «Southwark do Porto» nos primórdios da época industrial”; Licínio Manuel Moreira dos Santos e Maria de Fátima Teixeira, “O centro urbano de Vila Nova de Gaia em finais de oitocentos: uma área industrial num município agrícola”. No dia 20, na Sessão 7 – Cidade Industrial, Jorge Fernandes Alves apresentará, em colaboração, o tema “Porto: a cidade industrial e o sistema portuário”.

Sepulturas escavadas na rocha
            A 19 e 20 de outubro, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e organizado pelo CITCEM e DCTP decorrerá o Congresso Internacional sobre “Sepulturas escavadas na Rocha na fachada atlântica da Península Ibérica”, no qual os membros do GHAP, António Manuel Silva, Laura Sousa e outros investigadores do projeto CASTR’UÍMA do Gabinete de História, Arqueologia e Património (ASCR-CQ), apresentaram a comunicação «As sepulturas escavadas na rocha do Castelo de Crestuma (Vila Nova de Gaia, Norte de Portugal): contextos e problemática»

(Re)usar o Douro da Antiguidade
            Entre 26 e 29 de Outubro na Casa Allen no Porto, no Mosteiro de Corpus Christi em Gaia e em Tiermes (Sória, Espanha), decorrerá o Encontro “Construir, navegar, (re)usar o Douro da Antiguidade”, organizado pela FLUP/CITCEM, com a colaboração da FAUP/CEAU, do ISPGaya, da DRN/MC, da Câmara Municipal de Gaia e da Dirección
General de Patrimonio de la Junta de Castilla y Léon. Entre muitos dos conferencistas inscritos no programa falarão António Manuel S. P. Silva sobe “Cale Callaecorum locus? Lugares e povos pré-romanos do Baixo Douro à luz da história e da arqueologia” e Lino Tavares Dias sobre “Ano Zero, ano 100, no territorium de Tongobriga”. O encontro terminará com um debate sobre o desafio “Investir em Património na bacia do Douro. Porquê?”

Curso de Património
A partir de 28 de outubro próximo, o Solar Condes de Resende e a Academia Eça de Queirós, grupo de trabalho dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana, com o patrocínio da Câmara Municipal de Gaia e a colaboração de outras entidades, vão levar a efeito o seu 24.º curso, desta feita sobre Património Cultural de Gaia certificado pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Gaia Nascente e enquadrado nas ações do Ano Europeu do Património Cultural que se celebrará em 2018, a cujas realizações assim desde já se associam. Como habitualmente as sessões serão apresentadas por professores e investigadores que neste caso são também coordenadores dos volumes do projeto em curso sobre O Património Cultural de Gaia (PACUG), nomeadamente António Manuel S. P. Silva, Barbosa da Costa, Eduardo Vitor Rodrigues, Francisco Queiroz, Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, J. A. Gonçalves Guimarães, José A. Rio Fernandes, José Manuel Tedim, Nuno Oliveira, Nuno Resende e Teresa Soeiro.
Destinado ao público em geral, é particularmente interessante para professores e estudantes das diversas áreas do Património e também para os profissionais de Turismo e de Gestão de Património Cultural. O curso decorrerá ao longo de 13 sessões, à média de duas tardes de sábado por mês no Solar Condes de Resende, entre as 15 e as 17 horas. A todos os participantes será entregue no final um certificado de frequência e um CD com textos dos professores sobre a matéria dada. Aos docentes para tal inscritos será passado um certificado de formação credenciada.
A frequência do Curso implica a inscrição prévia e o respetivo pagamento. O programa definitivo poderá ser visto em confrariaqueirosiana.blogspot.com
______________________________________________________

Eça & Outras, III.ª série, n.º 106 – segunda-feira, 25 de setembro de 2017; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685; NIB: 0018000055365059001540; IBAN: PT50001800005536505900154; email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.

Sem comentários: