quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Eça & Outras

Nos 150 anos de Eça em Évora:
Roteiro queirosiano do Alentejo
No presente ano de 2017 comemoram-se os 150 anos da presença de Eça de Queirós na capital do Alentejo a dirigir o bissemanário Distrito de Évora, publicado entre 6 de janeiro e 26 de agosto de 1867, no qual o escritor, então com apenas 22 anos, deixou páginas ainda hoje admiráveis, depois recolhidas em “Páginas de Jornalismo” (ed. Lello) e em “Da colaboração no «Distrito de Évora»”, ed. Livros do Brasil. Mais recentemente estes textos têm dado origem a trabalhos académicos, como a dissertação de mestrado de Ana Paula Fernandes Rodrigues, intitulada “Eça de Queirós e as páginas desconhecidas do Distrito de Évora”, apresentada na Universidade Aberta em 2008, e a novas análises sobre a sua vida e obra naquelas paragens, já muito distantes de “Eça de Queiroz em Évora” de Celestino David, publicado em 1945. Um bom pretexto para irmos a Évora, Serpa e Corte Condessa, percorrer o mais esquecido e desconhecido dos roteiros queirosiano, o qual, como todos os outros, também deixou mais valias culturais para hoje usufruirmos. É a isso que chamamos Património: o passado estudado, trabalhado, protegido e explicado por profissionais, para ensino e deleite dos cidadãos atuais que dele possam obter algum ganho, espiritual ou material, participando conscientemente na missão, ou simplesmente na disposição, de o legar em melhores condições às gerações vindouras, para que sejam mais sábias e mais felizes.
Recordemos então as circunstâncias que levaram Eça a Évora. Em Junho de 1866, depois de concluir o bacharelato em Direito na Universidade de Coimbra, veio viver para Lisboa. Em Outubro inscreve-se como advogado no Supremo Tribunal de Justiça, mas a vida para o filho de um magistrado sério não estava fácil na capital e por isso o pai arranja-lhe o emprego de ir dirigir aquele jornal alentejano de oposição ao governo. Ali chegado, além dessa tarefa, estabelece na redação do jornal, à praça D. Pedro (hoje Joaquim António de Aguiar) a sua banca de advogado, mas parece que apenas levou ao foro um único caso de diferendo entre um inquilino da Casa Pia local e o senhorio. Vivendo na travessa dos Frades Grilos e absorvido pela tarefa de produzir a totalidade do jornal, parece não ter prestado muita atenção à realidade circundante para além dos monumentos, das feiras e dos roubos. A solidão de um jovem daquela idade sem companhias, num ambiente com o qual não tinha afinidades, segundo João Gaspar Simões na biografia que dele escreveu, «constitui[u] ensaio decisivo da sua vocação literária», permanentemente posta à prova nas páginas daquele periódico durante mais de seis meses. Mas foi ali que Eça se revelou o jornalista consciente da sua missão e da importante função social e moral da Imprensa, ao escrever no seu primeiro editorial, precisamente no n.º1 daquele jornal: «É o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os actos culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual e material em presença de outras nações, pelo progresso que fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes.» (Eça de Queirós, Da Colaboração no «Distrito de Évora», I, LB, p. 9).
Regressado a Lisboa no final de Agosto, intenta também ali abrir banca de advogado. Pouco se sabe da sua vida desde então até agosto de 1869, quando está presente na inauguração da escola primária em Canelas, Vila Nova de Gaia, patrocinada pelo seu antigo condiscípulo do Colégio da Lapa, D. Luís Benedito, 5º Conde de Resende, que aí possuía a Casa e Quinta de Costa (Solar Condes de Resende). Partem depois ambos em outubro em viagem ao Egito e à Terra Santa, para a inauguração do Canal de Suez, chegando a Lisboa em Janeiro de 1870. Tão cedo Eça não voltará ao Alentejo, mas apenas em 1898, quando vai a Serpa e à herdade de Corte Condessa, no concelho de Beja, herança de sua mulher, de sua cunhada Benedita e de seu cunhado Alexandre.
Entretanto, talvez em Lisboa e antes de 1884, vem a conhecer Francisco Manuel de Mello Breyner, Conde de Ficalho, professor da Escola Politécnica, botânico e biógrafo de Garcia da Orta e de Pero da Covilhã, autor de contos e de livros sobre plantas e um dos Vencidos da Vida, proprietário em Serpa, que o acompanha e hospeda, fazendo-lhe «as honras do seu solar!», constatando Eça no dia seguinte que estava em «terra lindamente pitoresca». Parte então para a herdade que fora dos Condes de Resende, onde «o monte está[va] muito habitável, restaurado de novo, com agradáveis quartos, e tudo da quase inverosímil limpeza alentejana. Estive ali três dias. Vida de lavrador. Passeios de léguas, através da herdade, sob soalheiras violentas. Madrugadas. Comezainas enormes (e deliciosas). Cenas pitorescas. E sobretudo a satisfação de ver a herdade admiravelmente tratada. Parece outra. Já tem largos montados limpos; tem hortas, vai ter vinha; há cinco poços abertos; e já se caminha durante horas ao longo de campos de trigo e centeio…». Depois de impressionantes descrições gastronómicas, as quais, «logo pela manhã, às 10 horas os almoços eram temerosos – porque o prato mais insignificante era sempre um imenso peru», escreve que «quase dá vontade de ali viver – se não fosse a imensa solidão, a melancolia da paisagem, e a insalubridade do sítio. O Guadiana faz sezões», que os rendeiros pensavam combater plantando um grande bosque de eucaliptos. «Mas a eficácia do eucalipto é problemática – e malária do Guadiana é certa», sabia já então o escritor (Eça de Queirós. Correspondência, coordenação de A. Campos Matos, 2008-II, p. 406/4079.
Por todos estes motivos a Câmara Municipal de Évora fez um programa comemorativo que começou no passado dia 6 de Janeiro e que se prolongará ao longo do ano com diversas manifestações culturais. A Confraria Queirosiana prepara uma viagem ao roteiro queirosiano do Alentejo para o próximo mês do Maio para assinalar com a sua presença esta data jubilar do universo queirosiano.

J. A Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da Confraria Queirosiana

Livros & Revistas

Entre 13 de junho e 30 de outubro do ano passado estiveram patentes ao público na Casa Museu Marta Ortigão Sampaio no Porto, e no Museu da Quinta de Santiago em Matosinhos, duas exposições comemorativas dos150 anos do nascimento de Aurélia de Sousa (1866-1922) das quais resultou o livro “Aurélia, mulher artista (1866-1922)”, editado pelas câmaras de ambos os municípios. Entre os diversos estudos publicados que analisam a sua vida, obra e época encontra-se o de Susana Moncóvio, intitulado “Mulheres artistas antes de Aurélia de Sousa: a lenta metamorfose de uma condição no espaço da Academia Portuense de Belas-Artes”, p. 125-135. Esta investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património tem vindo a publicar diversos trabalhos sobre as mulheres artistas do século XIX que foram teimando para terem lugar no mundo da Arte por mérito próprio, bem evidente em algumas das obras que foram produzindo.





Está em distribuição o boletim “O Amigo dos Museus”  n.º 25, propriedade da Federação de Amigos dos Museus de Portugal referente a dezembro de 2016, que apresenta com especial destaque uma viagem ao Japão organizada pelo Grupo de Amigos do Museu do Oriente. A Federação, que representa em Portugal a World Federation of Friends of Museums (WFFM) tem como associada, entre os seus aderentes nacionais, os Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana.



Também em distribuição o n.º 59 da revista “Islenha – Temas Culturais das Sociedades Insulares Atlânticas”, referente a julho-dezembro de 2016 e publicada pela Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura da Região Autónoma da Madeira. Este número, entre outros artigos, apresenta o de João Medina intitulado “Os Judeus e a Questão Judaica na obra de Eça de Queiroz”, uma leitura do que o escritor equacionou à luz dos acontecimentos do passado e da sua época, com notável equidistância em relação ao que é humanamente aceitável e ao que é oportunismo mascarado de religião. Curiosamente, Eça de certo modo profetizou as tragédias que haveriam de acontecer com os judeus na primeira metade do século XX e no nosso tempo. O escritor não teria certamente poderes divinatórios, mas como cidadão conhecedor e atento à política internacional, “adivinhou”, sobre este e outros assuntos, o que os tempos seguintes trariam. Este artigo suscita pois uma profunda análise que agora se não fará, mas que merece desde já alguns reparos em relação a pequenos erros impressos, que depois outros repetem e perpetuam, como, por exemplo, o de se escrever que Eça foi ao Egito «em companhia do futuro cunhado Luís, conde de Resende». Ora o 5º conde de Resende efetivamente acompanhou o escritor naquela viagem, mas nunca foi seu cunhado, pois morreria novo e antes do casamento. Cunhado do escritor foi seu irmão mais novo, Manuel, o 6º conde de Resende. Erros destes são hoje desnecessários pois a família de Emília está suficientemente bem estudada e divulgada nas biografias credíveis do próprio Eça e no Dicionário, organizado por A. Campos Matos.




Também presente o n.º 83 do Boletim da Associação Cultural Amigos de Gaia, referente a dezembro de 2016 o qual, entre outros artigos, insere “Plano de Intervenção na Salvaguarda do Património. Plano 3P – o Património Edificado do Centro Histórico de Vila Nova de Gaia”, por Salvador Almeida; “O escultor Joaquim Gonçalves da Silva (1863 – 1912): a propósito da escultura funerária «A Dor», no Cemitério de Mafamude (2ª parte)”, por Susana Moncóvio; e “ O Cemitério Paroquial de Santa Marinha e a sua Capela (1873 – 1931)”, por Virgília Braga da Costa.


     


Entre 24 de julho e 27 de setembro de 1870 o Diário de Notícias publicou uma série de cartas dirigidas ao diretor do jornal dando conta de estranhos acontecimentos que prefiguravam uma estória de crime e suspense, que os deixou expetantes ao longo de semanas. Os autores da invenção eram Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, e assim nasceu o primeiro romance policial português, depois publicado em 1884 em livro com o título “O Mistério da Estrada de Sintra”. Para recordar essa primeira edição em folhetins, aquele jornal lançou agora uma nova composta por 20 folhetins e uma capa colecionáveis desde 22 de janeiro passado.






Cursos, palestras, colóquios, jornadas… 
Curso sobre História Naval do Noroeste de Portugal

      No Solar Condes de Resende continuam aos sábados à tarde, entre as 15 e as 17 horas e de quinze em quinze dias, as aulas do curso livre sobre História Naval do Noroeste de Portugal, organizado pela Academia Eça de Queirós com a colaboração da Câmara Municipal de Gaia e do Solar Condes de Resende. Assim, no passado dia 7 de janeiro, J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre “Memórias marinheiras do Noroeste de Portugal” e no dia 21, a Prof. Doutora Teresa Soeiro sobre “A pesca no Noroeste de Portugal”. No próximo dia 4 de fevereiro, o Dr. César da Fonseca Veloso falará sobre “Percursos do direito comercial marítimo em Portugal”, e no dia 18 o Comandante Hugo Bastos sobre “Turismo Fluvial e Marítimo”.

Palestras e colóquios

            No passado dia 13 de janeiro, na sede da associação gaiense Os Mareantes do Rio Douro e na antevéspera da primeira romaria do ano, o historiador J. A. Gonçalves Guimarães falou sobre “ A Festa de S. Gonçalo em Gaia: origens e evoluções de um culto de mareantes”, no início da sessão solene anual desta coletividade, cujas raízes remontam ao século XVII, quando os mamposteiros recolhiam esmolas e donativos para a beatificação de S. Gonçalo de Amarante.
            No próximo dia 24 de Fevereiro este historiador do Gabinete de História, Arqueologia e Património apresentará num colóquio sobre o Cerco do Porto, organizado pela Universidade Infante D. Henrique, pela Ordem da Lapa e pelo Ministério da Defesa, na sala dos retratos da igreja da Lapa, o tema “A outra margem do Cerco do Porto”.
            No dia anterior, às 21,30 horas, nas habituais palestras das últimas quintas-feiras do mês do Solar Condes de Resende, o Professor Doutor Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, coordenador do volume do Património Humano do Projeto de Levantamento do Património Cultural Gaiense (PACUG), apresentará a conferência “ O Conde de Burnay e a sua época”

Estatuária



No próximo dia 27 de janeiro será inaugurada em Braga, na praça de S. Paulo, a estátua em bronze de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, da autoria do escultor Hélder de Carvalho, o qual é autor de numerosas obras de arte pública e de bustos de personalidades. É também o autor da estátua de Eça de Queirós existente no Jardim das Camélias do Solar Condes de Resende.




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Eça & Outras, III.ª série, n.º 98 – quarta-feira, 25 de janeiro de 2017; propriedade dos Amigos do Solar Condes de Resende - Confraria Queirosiana; C.te. n.º 506285685 ; IBAN: PT50001800005536505900154;
email: queirosiana@gmail.com; www.queirosiana.pt; confrariaqueirosiana.blospot.com; eca-e-outras.blogspot.com; vinhosdeeca.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redação: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral.




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