A doença da saúde
Qualquer dicionário dirá que doença é «falta de saúde; enfermidade; moléstia; sofrimento; mal» e, de forma figurada, qualquer «coisa incómoda; defeito; vício e mania». De forma mais científica definir-se-á doença como a incapacidade momentânea ou crónica, física ou psíquica, que o individuo experimenta na relação consigo próprio, com o meio ou com os outros.
Já agora saúde será a «ausência de doença, o estado do que é são». Ser saudável deveria pois ser uma situação comum. Estar doente, um incómodo temporário. Ser doente, uma desgraça irremediável. Há também os traumatismos da vida quotidiana, acidentais mas inevitáveis, mais ou menos graves. Ferida não é doença; gravidez não é doença; cansaço por falta de descanso não é doença, etc. Mas tudo isto foi desvirtuado pela indústria da doença: hoje ser-se saudável é uma exceção, uma raridade; vai-se ao médico para ver se se está doente, pois o próprio cidadão não sabe se está e se souber acha que um simples resfriado pode esconder uma terrível doença incurável e, portanto, convém prevenir, ir à clinica de família, do seguro, da empresa, à “caixa”. Tomar vacinas, vitaminas, xaropes, pastilhas, injeções preventivas, curativas e adiativas de nova interrogação. Convém fazer análises químicas e bacteriológicas, ao sangue, à urina, às fezes, às lágrimas se for o caso, e radiografias, ultrassons, radiações magnéticas e desmagnetizadas, fisioterapias, radioterapias e outras coisas mais. E tudo isto comparticipado pelo Estado, mesmo quando os medicamentos se empilham em casa sem qualquer proveito para o utente, mas sempre muito para a indústria farmacêutica e os seus inúmeros intermediários: delegados, publicitários, advogados, farmacêuticos, políticos que prometem pilulas grátis para todos, agentes de viagens, polícias que apreendem drogas ilegais que fazem concorrência às legais, enfim um mundo verdadeiramente impressionante de interesses para os extraterrestres que nos observam.
A indústria da doença é um cancro incontrolável e incurável no mundo ocidental e consome todos os anos recursos cada vez mais vastos e mais caros originando em toda a humanidade uma epidemia catastrófica: a falência. E quando tal acontecer a discussão sobre as orientações do Serviço Nacional de Doença serão completamente inúteis, porque estaremos todos, os que tiverem sobrevivido, a tomar chá de cidreira e, os mais deprimidos, o cornelho do centeio.
Eça de Queirós morreu relativamente novo e doente. Se fosse hoje, com os indiscutíveis progressos pontuais das Ciências Médicas, talvez tivesse durado mais tempo e escrito mais livros para nossa satisfação intelectual e social. Revendo o que escreveu sobre a medicina do seu tempo, dirão os malévolos que foi muito bem feito, que pagou bem cara a sua impertinência ao concluir que «… só havia três ciências de curar. Uma, a dos monges, por meio de peregrinações, milagres e contatos de relíquias, e era esta falsa, porque o ilustre físico árabe Razei provara que Deus não se intromete com a saúde das criaturas. A outra, a do Povo, feita toda de feitiços, esconjuros e sortilégios, era ilusória porque vem do Diabo, e o Espirito do Mal não pode promover o bem humano. E a terceira, a verdadeira, a eficaz, essa ainda não chegara a estes reinos de Portugal, e estava toda em França, terra de grandes escolas» (Lendas de Santos). Pois é, meu Eça, mas as coisas mudaram muito e agora já cá temos a escola francesa, a inglesa (mãe do Serviço Nacional de Doença) e a americana (medique-se a si próprio e vai ver como as suas ações da indústria farmacêutica sobem na Bolsa!). Já podemos todos ter um cartão de doente e até ser filiados nas associações dos diabéticos, dos estrábicos, dos hepatoproblemáticos, dos que roem as unhas, dos que têm má digestão, e todas as outras cujos filiados têm uma doença de estimação verdadeira, fictícia ou conveniente. Curas milagrosas, peregrinações e relíquias são agora muito mais do que no seu tempo, em que só havia a água de Lourdes e a do Jordão para os problemas mais difíceis.
Não obstante a existência de um universal sistema de saúde geral, ritualizado, mas pouco humano, talvez por isso se continue a recorrer, além dos milagres, das bruxas e curandeiros, a todos os que falam com os deuses egípcios, brasileiros ou africanos que, por mais benéficos que sejam, não conseguem derrotar o deus ocidental parido no incontrolável cosmos e que se chama Orçamento. Estamos pois muito mais ecuménicos, mas muito menos económicos.
Eça escreveu n’Os Maias: «O primeiro dever do homem é viver. E para isso é necessário ser são e ser forte. Toda a educação sensata consiste nisto: criar a saúde, a força e os seus hábitos, desenvolver exclusivamente o animal, armá-lo duma grande superioridade física. Tal qual como se não tivesse alma. A alma vem depois… A alma é outro luxo. É um luxo de gente grande…». Pois é, meu Eça, mas hoje querem convencer-nos que, dando-nos cabo do corpo, ficaremos reduzidos a almas… consumidoras, tristes, dependentes, incapazes de comermos um bom bife e um bom copo de vinho sem ter de ir depois a correr ao hospital ou à farmácia.
E aí, meu Eça, “ela” lá está sobre a porta, no reclamo luminoso, a serpente que expulsou nossos humanos e sadios progenitores do Paraíso. A mesma serpente que nos envenena hoje a existência enrolada na taça do remédio.
E dali ninguém a tira. Desejo-vos pois a todos muita saudinha, e oxalá vocês a queiram.
J. A. Gonçalves Guimarães
CURSOS & CONFERÊNCIAS
Curso sobre Eça
No passado dia 24 de Março terminou no Solar Condes de Resende a segunda edição do Curso livre sobre “Eça de Queirós, sua vida, sua obra, sua época” com a sessão de encerramento proferida por J. A. Gonçalves Guimarães sobre “Eça de Queirós, a China e os Chineses”. Neste curso, organizado pela Academia Eça de Queirós, foram também palestrantes Fernando Coimbra, Luís Manuel de Araújo, José Manuel Tedim, Nuno Resende, Anabela Freitas, José Maia Marques, Jaime Milheiro e Ana Margarida Dinis Vieira.
Em outubro próximo o novo curso terá como tema “O esplendor da Arqueologia” e, como habitualmente, será ministrado por professores desta Academia.
Outras conferências
29 de Março, 18 horas – Biblioteca Municipal da Régua, J. A. Gonçalves Guimarães falará sobre “O Marquês de Soveral, Homem do Douro e do Mundo”;
13 de Abril, 18,30 horas – Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, Vila Nova de Gaia sobre “Da Geomorfologia à História do espaço onde se implantou a Avenida da Republica”;
20 de Abril, 21 horas – Escola Secundária D. Inês de Castro, Canidelo, Vila Nova de Gaia, sobre “Contributo para o estudo da iconografia ficcional de Inês de Castro”.
Livros e textos
Revista queirosiana
O Centro Cultural de Telheiras, Lisboa, acaba de distribuir mais um número da sua revista referente a Dezembro de 2011 com estudos sobre Eça de Queirós e a sua época apresentados no XVI Colóquio dos Olivais, nomeadamente “Eça de Queirós e o Desporto”, por César Veloso, “A rainha D. Amélia e a questão social” por Elisabete Rocha e ainda muitos outros sobre a região de Lisboa, do Lumiar, Olivais e Telheiras e outros de índole nacional como o trabalho de Rodrigues Vaz sobre “Afonso Ribeiro, precursor do Neo-realismo…” nascido na Vila da Rua em Moimenta da Beira e que durante uma parte da sua vida viveu em Gulpilhares e foi professor primário em Vilar do Paraíso, Vila Nova de Gaia.
A direção da revista é do nosso confrade Fernando Andrade Lemos e de José António Silva.
Dança
No Solar Condes de Resende, nos dias 28 e 29 de Abril, sábado e domingo, decorrerá um workshop de Tango Argentino organizado pela Confraria Queirosiana e ministrado pelos professores Inês Tabajara e Carlos Cabral.
Exposições
Rostos & Pessoas
No edifício do Centro Académico do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (antigo BC 9) está exposta até 30 de Abril a mostra de esculturas “Rostos & Pessoas” de Helder de Carvalho, que apresenta retratos esculpidos de grandes figuras da Cultura portuguesa do passado e do presente.
Humanidades
No próximo dia 3 de Abril, às 21.30 horas na Galeria da Casa do Médico, ao jardim da Arca de Água, no Porto, abre ao público a exposição dos mais recentes bronzes e ferros de Beatriz Pacheco Pereira.
Doutoramento
Doutor Nuno Resende |
No passado dia 21 de Março apresentou provas de doutoramento na Faculdade de Letras da Universidade do Porto o historiador Nuno Resende, membro do Gabinete de História, Arqueologia e Património, da Confraria Queirosiana e dos seus corpo gerentes.
A sua tese intitula-se “Fervor & Devoção: património, culto e espiritualidade nas ermidas do Montemuro, séculos XVI-XVIII”, e foi aprovada pelo júri com louvor e distinção.
Noticias
Solar Condes de Resende
No passado dia 19 de Março, Luís Filipe Menezes, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, procedeu à apresentação pública da nova alameda com o nome do nosso sócio Francisco Barbosa da Costa, construída em frente do Solar Condes de Resende, que assim se apresenta valorizado no seu novo enquadramento.
As obras foram feitas por administração direta da Câmara Municipal com a colaboração da Junta de Freguesia de Canelas e o novo espaço promete ser local para grandes eventos culturais.
Brasil
Do lado de lá do Atlântico chegaram pelo telefone em saudação à nossa Confraria as vozes queirosianas de Dagoberto Carvalho Júnior, sua esposa e demais confrades reunidos com os nossos embaixadores itinerantes, Carolina e Alberto Calheiros Lobo, em gastronómico e literário convívio e brindando com Duas Quintas, produto do nosso confrade João Nicolau de Almeida casado com a confrade Graça Eça de Queirós Cabral Nicolau de Almeida, bisneta do escritor. Este mundo é realmente pequeno e estas são as pontes da cultura e do afeto do Quinto Império.
Do lado de lá do Atlântico chegaram pelo telefone em saudação à nossa Confraria as vozes queirosianas de Dagoberto Carvalho Júnior, sua esposa e demais confrades reunidos com os nossos embaixadores itinerantes, Carolina e Alberto Calheiros Lobo, em gastronómico e literário convívio e brindando com Duas Quintas, produto do nosso confrade João Nicolau de Almeida casado com a confrade Graça Eça de Queirós Cabral Nicolau de Almeida, bisneta do escritor. Este mundo é realmente pequeno e estas são as pontes da cultura e do afeto do Quinto Império.
Entretanto no próximo dia 31 de Março será lançada no Cine-Teatro de Oeiras (Piauí) o primeiro número da Revista da Confraria Eça Dagobertiana, comemorativa do seu 2.º aniversário.
Eleições
No passado dia 22 de Março foram eleitos os novos Corpos Gerente dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana sendo a lista dos candidatos proposta pela anterior direção. Apresenta continuidade em relação à do mandato anterior, mas também renovação de quadros quer com experiência profissional, quer com juventude. A Mesa da Assembleia Geral tem como presidente César Oliveira, a Direção José Manuel Tedim e o Conselho Fiscal Manuel Filipe de Sousa.
Necrologia
Falecimento
No passado dia 21 de Março faleceu o médico psicanalista Pedro Luzes, autor de “Sob o Manto Diáfano do Realismo, Psicanálise de Eça de Queiroz”, Lisboa, Fim do Século, 2001, 405 pp., tendo ainda colaborado no “Dicionário de Eça de Queiroz” dirigido pelo nosso confrade A. Campos Matos. A Revista Portuguesa de Psicanálise, a sair em breve, dicar-lhe-á o seu próximo número.
Brindar com Porto
Ergo o meu cálice a:
Kofi Annan, por mediar a carnificina da Síria; Dinarte Machado pela direção da equipa que restaurou os órgãos de Mafra.
Não, não quero brindar, nem com água, com: Mohamed Merah, o assassino de Toulouse.
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 43 – Domingo, 25 de Março de 2012
Cte. n.º 506285685 ; NIB: 001800005536505900154
eca-e-outras.blogspot.com; coordenação da página: J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira;
inserção: Amélia Cabral; colaboração: Dagoberto Carvalho Júnior; A. Campos Matos; Fernando Andrade Lemos.
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