Eça e a velha Europa
Nesta crise mundial em que vivemos, e em que teremos de viver até que ela se dilua em qualquer outra crise que nem os bruxos nem os economistas conseguem futurar, a Europa, ou a ideia de uma nova Europa feliz da segunda metade do século XX, está a sair-se pouco airosa, entalada entre a economia asiática mais galopante do que os exércitos de Gengis-Kan e o contraponto estaduniense, que desde o plano Marshall realmente manda nas finanças europeias, através da Alemanha e da Inglaterra. Com estes pressupostos a velha Europa das pátrias tem procurado ter uma unidade difícil e intelectual que o cidadão comum ignora, despreza ou passa indiferente, pois continua a consumir coca-cola e filmes made in Wollywood que o levam a dificilmente acreditar que os americanos perderam a guerra do Vietname e, por outro lado, a pensar que os conflitos no Irão e no Afeganistão não são com ele mas com os marines dos USA.
Ao contrário também de que às vezes se tenta fazer crer, a ideia de uma Europa unida e federativa não nos foi imposta por Mário Soares, mas desde longo tempo ela existiu em algumas mentes portuguesas, por sinal de grande categoria intelectual, como foi o caso do Pe. Himalaia (1868-1933) e do Professor de Economia Francisco António Correia (1877-1981), que têm justamente por isso o direito de serem considerados “avós” da actual Comunidade Europeia.
Mas também sobre o velho continente escreveu Eça de Queirós no seu tempo o seguinte: «A situação na Europa, na realidade, nunca deixou de ser medonha…. A crise é a condição quase regular da Europa. E raro se tem apresentado momento em que um homem, derramando os olhos em redor, não julgue ver a máquina a desconjuntar-se, e tudo perecendo, mesmo o que é imperecível – a virtude e o espírito», nas Notas Contemporâneas.
Noutras suas crónicas, nas Cartas de Inglaterra, alerta que «A Europa, como nos campos de corrida em Inglaterra, devia estar coberta destes avisos em letras gordas: “Cautela com os salteadores!”. Em 1884 anunciava na sua Correspondência que :«Dentro em pouco, há-de haver um só tipo de homem, em toda a Europa, com o mesmo feitio moral, as mesmas frases, e o mesmo corte de barba». Mas não houve, pois ainda não ouvimos o «porreiro, pá!» de Sarkozy, e temos a impressão de que, se alguns políticos portugueses se confundem com deputados da Macedónia, outros há no mais puro estilo berlusconniano, calabrês ou napolitano, porque o genuíno espírito político nacional passa às vezes por ser o daquele dirigente partidário de Vila Real, com certeza candidato a deputado nas próximas eleições, que declarou às televisões que, se os transmontanos e altodurienses passarem a pagar impostos, a culpa é do governo, suponho que o actual e não o do tempo do Senhor Passos Manuel.
Mas, no fundo no fundo, temos todos a ideia de uma Europa de fantasia, que não existe, que é como o Pai Natal ou a sorte no Euromilhões, hipotética, mas que nos faz falta. Já o próprio Eça escreveu nas Notas Contemporâneas: «De todas as cinco partes do Mundo, a Europa, apesar de tão gasta, permanece incontestavelmente a mais interessante; e só ela, entre todos os continentes, constitui na realidade um continente geral de instrução e recreio». É bonito. Agora só temos é de convencer de tal os africanos, os americanos, os asiáticos e os australianos. E então soltarmo-nos num grande clamor: porreiro, pá!, traduzido em todas as línguas e dialectos europeus, que são, como é sabido, muito menos do que os da Nova Zelândia.
J. A. Gonçalves Guimarães
José Saramago em 1966, quando era poeta
Ainda Eça e Saramago
No Eça & Outras anterior abordamos a questão da possível influência de Eça de Queirós na obra de José Saramago. Pois ela existe, conforme o afirma a voz autorizada de A. Campos Matos num e-mail que nos enviou recentemente: «…entre Saramago e Eça há inúmeras afinidades. Saramago leu-o muito mais do que confessou e tem até um texto bastante bom sobre o Suave Milagre! Desde logo os une a sua posição perante os humilhados e oprimidos e a crença numa sociedade futura com uma organização radicalmente diferente da de hoje, organização semelhante àquela em que Saramago acreditava (ou acreditou) e que Eça claramente exprimiu, como sabe, num texto-crónica. Também um certo humor e uma certa ironia Saramago deve a Eça e outras coisas mais que se virão a estudar daqui por diante». Fica o assunto esclarecido.
Nova edição de A Relíquia
A Nova Delphi, uma editora sediada na Madeira, apresentou na Feira do Livro do Funchal, que decorreu no passado mês de Maio, uma nova edição de A Relíquia, apresentada por Anselmo Borges, padre, filósofo e professor na Universidade de Coimbra que foi o prefaciador desta nova edição, na qual evoca o humor corrosivo da obra e o inesperado cómico das situações descritas por Eça sobre a decadência moral, a religiosidade ridícula e hipócrita, o culto das aparências e a sexualidade mórbida com ares de pureza, considerando-a por isso perfeitamente actual nesta época de crise da Igreja e da sociedade, angustiadas pelos «tormentos do dinheiro» e outros pecados.
Um óptimo livro para as chamadas férias de Verão.
Património Religioso e Arte Sacra
A partir de Outubro próximo a Academia Eça de Queirós vai leccionar no Solar Condes de Resende, aos sábados à tarde, duas vezes por mês, entre as 15 e as 17 horas, um curso livre sobre Património Religioso e Arte Sacra, organizado por José Manuel Tedim e Gonçalves Guimarães e que conta com a colaboração de outros especialistas na matéria. Ao longo de seis meses e distribuídos por doze sessões serão abordados temas como: Arte religiosa no Antigo Egipto; Arte e Arqueologia Paleocristãs; Igrejas e outros edifícios religiosos; Pintura, ourivesaria, imaginaria religiosa e talha; Instituições religiosas de várias confissões; Arte religiosa popular; Arquivos e Património bibliográfico religioso; Santuários, festas e romarias e Arte religiosa contemporânea.
A frequência do curso implica inscrição previa e o pagamento de uma pequena propina, sendo passado certificado final das aulas frequentadas.
Exposição no Solar Condes de Resende
Exposições de Arte
No Auditório Municipal de Gondomar até 27 de Julho estará aberta ao público a exposição “Formas de continuidade no Espaço” do escultor Helder de Carvalho, que para além de usar o espaço como elemento escultórico figurativo, na boa antiga tradição greco-latina também usa a policromia nas suas obras, que oscilam entre o figurativo clássico e a mais ousada renovação estética.
No Solar Condes de Resende, até 5 de Setembro, está aberta a exposição “Famosos & Anónimos” do pintor major Simões Duarte, uma selecção dos seus retratos de gente famosa portuguesa e estrangeira e de anónimas figuras populares desde o nosso país até ao Afeganistão, obra de um rigoroso exercício oficinal.
Entretanto a 25 de Setembro, também nesta casa queirosiana, abrirá ao publico o Salon d’Automne, a exposição anual dos sócios e confrades na sua quinta edição, com obras de Alexandre Rufo, Amélia Traça, António Pinto, António Rua, Ariosto Madureira, Carolina Calheiros Lobo, Fernando Coimbra, Glória Nunes, Ilda Gomes, Rosalina Pinto, Rosário Sousa, Rui Soares e Simões Duarte.
Castelo de Crestuma
Entre 2 e 27 de Agosto o Gabinete de História, Arqueologia e Património dos Amigos do Solar Condes de Resende – Confraria Queirosiana vai realizar escavações arqueológicas no Castelo de Crestuma, Vila Nova de Gaia, dirigidas pelos arqueólogos Gonçalves Guimarães e António Manuel Silva.
Esta acção decorre do protocolo assinado entre aquela entidade e o Parque Biológico de Gaia, EMM no capítulo da Confraria realizado em 21 de Novembro de 2009, tendo sido o local inaugurado a 13 de Setembro desse ano pelo presidente da Câmara Municipal, Dr. Luís Filipe Menezes, como Parque Botânico do Castelo/Sítio Arqueológico.
O local, reconhecido como tal desde os anos quarenta do século passado por Arlindo de Sousa e depois por Carlos Alberto Ferreira de Almeida, apresenta vestígios romanos e altimediévicos, havendo ainda vestígios de arqueologia industrial de fabricas de fundição que laboraram até ao século passado, mas cuja historia está igualmente por fazer. Nas suas imediações existem ainda vestígios de necrópoles antigas, estando por determinar a localização do mosteiro de Crestuma do século X-XI.
Nesta primeira intervenção científica no local procurar-se-á também entender a sua funcionalidade defensiva do que lhe determinou o topónimo, bem assim como aferir a quantidade de cerâmicas do Mediterrâneo oriental e outros vestígios longínquos já detectados, indicadores de um insuspeitado comércio fluvio-marítimo no período bizantino com a barra do Douro e as povoações ribeirinhas que a bordejam.
Nomeados & Distinguidos
Foram recentemente nomeados ou distinguidos os seguintes confrades queirosianos: Nelson Cardoso insigniado como Confrade de Honra da Confraria do Velhote, Valadares, Vila Nova de Gaia; Cancela Moura empossado como presidente do Rotary Club Gaia Sul e José Pereira Gonçalves como presidente do Rotary Club de Lisboa.
Tomar café ou não
Bem tentei colectivizar esta vontade de ir tomar café com gente simpática e recusar a hipótese de o fazer com gente que se porta mal, ou simplesmente não parece ser boa companhia, sem que isso queira significar qualquer outro juízo de valor legal, moral ou institucional, mas não fui longe na ideia. Ao princípio ainda chegavam uns e-mail, uns sms, uns telefonemas. Depois nem tanto, de modo que o critério passou a ser só o do responsável por este blogue. E é pois esse mesmo o que aí vai: não há nenhuma lei do mundo, que obrigue um cidadão a ir tomar café com quem não quer; pelo contrário quantas pessoas com quem o desejaríamos fazer, mas ficamo-nos pela vontade por motivos vários. E essa também é indeclinável.
Desta vez gostaria de ir tomar café com Júlio Cardoso, por continuar a representar-nos tão bem no palco; Guilherme Fariñas, pela sua luta pela liberdade; Joana Carneiro, a maestrina que recebeu o Prémio D. Antónia; Cavaco Silva, por ter vetado a lei das uniões de facto, um dos exemplos mais tristes de oportunismo social dos últimos anos; Sakined Ashtami, por, para já, ter escapado à lapidação.
Mas não gostaria de tomar café com Ana Merelo, porque os bons exemplos devem vir de cima; nem com Edgar Chale, médico especialista em braços engessados que não podem assinar; nem com Mahmoud Ahmadinejad, por governar um país onde, por sentença legal, ainda se matam homens e mulheres à pedrada.
Eça & Outras, IIIª. Série, n.º 23 – Domingo, 25 de Julho de 2010
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confrariaqueirosiana.blogspot.com; eca-e-outras.blogspot.com; coordenação da página:
J. A. Gonçalves Guimarães (TE-638); redacção: Fátima Teixeira; inserção: Amélia Cabral;
colaboração: A. Campos Matos
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